1 UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL MORGANA KICH MEDIAÇÃO DE LEITURA LITERÁRIA: O PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA (PNBE)/2008 Caxias do Sul 2011 2 MORGANA KICH MEDIAÇÃO DE LEITURA LITERÁRIA: O PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA (PNBE)/2008 Dissertação de Mestrado, vinculada à linha de pesquisa Educação, Epistemologia e Linguagem, submetida à Banca Examinadora designada pelo Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul, para obtenção do título de Mestre em Educação. Caxias do Sul 2011 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Universidade de Caxias do Sul UCS - BICE - Processamento Técnico K61m Kich, Morgana Mediação de leitura literária : o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE)/2008 / Morgana Kich. 2011. 170 f. : il. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Caxias do Sul, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2011. “Orientação: Profª. Drª. Flávia Brocchetto Ramos” 1. Leitura – Estudo e ensino. 2. Bibliotecas escolares. 3. Literatura infantil. 4. Campanhas nacionais de alfabetização. I. Título. CDU : 028.6 Índice para catálogo sistemático: 1. Leitura – Estudo e ensino 028.6 2. Bibliotecas escolares 027.625 3. Literatura infantil 82-93 4. Campanhas nacionais de alfabetização 37.014.22 Catalogação na fonte elaborada pela bibliotecária Kátia Stefani – CRB 10/1683 3 O mundo que a palavra cria é o mundo humano. A palavra inventa/descobre a realidade humana em sua complexidade, em seus dilemas, em suas aporias. E para nos darmos conta desta realidade humana, precisamos nela mergulhar mediante a palavra pensada,a palavra consciente. (Gabriel Perissé) 4 DEDICATÓRIA À Flávia Brocchetto Ramos e a Jayme Paviani, por me iluminarem com seus vastos saberes. 5 AGRADECIMENTOS À minha orientadora Flávia Brocchetto Ramos, pela exigência em todas as etapas do trabalho e pela confiança em mim depositada. Ao professor Dr. Jayme Paviani, pelos questionamentos que contribuíram para meu amadurecimento intelectual. Aos professores deste Programa de Pós-Graduação, que proporcionaram reflexões sobre a educação ao longo do estudo. Às professoras Neires Paviani e Neiva Senaide Panozzo, por suas valiosas contribuições durante a qualificação do projeto de pesquisa. Às amigas e colegas deste curso de Mestrado, Andreia Borba e Athany Gutierres, pelo companheirismo e trocas durante o percurso da pesquisa. À rede municipal de ensino de Caxias do Sul e às escolas participantes do processo de pesquisa de campo, pelo acolhimento e pela colaboração. Aos meus familiares, pela compreensão das minhas ausências durante esta etapa tão importante da minha vida. A Deus, pela força interior que me proporciona. A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta dissertação. 6 RESUMO A presente dissertação de mestrado está vinculada à linha de pesquisa Educação, Epistemologia e Linguagem do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS). O estudo discute práticas de mediação de leitura literária, a partir da perspectiva da educação, tendo como foco obras de literatura selecionadas pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE)/2008 para alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental. A investigação busca analisar o trajeto dessas obras no contexto escolar do município de Caxias do Sul/RS, especialmente nas bibliotecas dessas instituições de ensino, as quais se configuram como o espaço educacional que recebe o material do Governo e estão vinculadas ao docente que realiza a mediação. Para fundamentar as discussões acerca da educação e da literatura, visando à formação do sujeito, utilizam-se pressupostos teóricos de Candido (1995), Dewey (1971/1978), Larrosa (2002), Paviani (2003/2005) e Zilberman (1998). Autores como Chartier (2005), Hauser (1973), Saraiva & Mugge (2006) e Vygotsky (1991) auxiliam a pensar sobre questões referentes à mediação de leitura. A partir desse estudo, a pesquisa evidencia que a realidade escolar demonstra a falta de preparo do agir docente em relação ao tratamento das obras, que se constituem como acervos de boa qualidade literária. Dessa maneira, o papel da biblioteca escolar no processo de formação do leitor literário precisa ser repensado. Tais apontamentos conduzem à elaboração de roteiros de leitura, tendo como base livros do PNBE/2008 analisados nesse estudo – Contos de animais do mundo todo (2003), de Naomi Adler, Maria Mole (2002), de André Neves, O rei maluco e a rainha mais ainda (2006), de Fernanda Lopes de Almeida e Os Lusíadas em quadrinhos (2006), de Fido Nesti – e apoio teórico na Estética da Recepção, cuja proposta coloca o leitor no lugar do processo, concentrando as ações nos modos de percepção e de recepção do texto literário. Os roteiros, intencionalmente planejados, podem contribuir para a atuação do mediador de leitura e, em especial, para promover a competência leitora e a fruição da literatura dos estudantes. Eis a relevância deste estudo, que ficará à disposição de profissionais interessados no tema e preocupados em oferecer à criança leituras emancipadoras, a partir do texto literário. Palavras-chave: Linguagem literária. Mediação. Biblioteca escolar. Programa Nacional Biblioteca da Escola/2008. 7 ABSTRACT This master dissertation is related to the research line of Education, Epistemology and Language, of the Post-Graduation Program in Education at the Caxias do Sul University. This study focuses on practices of mediation in reading of the literary text, considering an educational perspective and literary books selected by Programa Nacional Biblioteca da Escola [School Library National Program] (PNBE)/2008, which are published and directed to students of the first years of Elementary School. The investigation shows how the books are managed in schools of the city of Caxias do Sul/RS, specially, in the libraries of these learning institutions, which are the places that receive the material from the Brazilian Government and which are linked to the teachers who practices the mediation. In order to provide elements that could contribute to think about Education and Literature, considering both as ways to educate the person, the concepts are analyzed by ideas of Candido (1995), Dewey (1971), Larrosa (2002), Paviani (2005) e Zilberman (1998). Authors as Chartier (2005), Hauser (1973), Saraiva and Mugge (2006) and Vygotsky (1991) help to think about issues concerning reading mediation. The research shows that there are not well prepared teachers to use the books, which are very good ones considering their quality. Thus, the library function needs to be rethought. Because of that, guidelines for reading are created, using books of PNBE/2008 – Contos de animais do mundo todo [Tales about animals around the world] (2003), by Naomi Adler, Maria Mole [Floppy Mary] (2002), by André Neves, O rei maluco e a rainha mais ainda [Crazy king and the craziest queen] (2006), by Fernanda Lopes de Almeida and Os Lusíadas em quadrinhos [Comic version of the Lusiads] (2006), by Fido Nesti – and theoretical background provided by Reception Aesthetics – a theory that emphasizes the reader’s reception of a literary text, originated in twentieth century. The guidelines for reading, purposely planned, can contribute to the mediation processes of teachers and to the enjoyment of literature by students. Therefore, this study is important because it will be available for professionals whom are interested on the study and worried about offering to children opportunities of emancipation reading through the literary text. Keywords: Literature. Mediation. School library. Programa Nacional Biblioteca da Escola/2008 [School Library National Program/2008]. 8 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 - Etiqueta da estante: tradição oral, contos, crônicas ...................... 60 Ilustração 2 - Etiqueta da estante: hora do conto ................................................ 60 Ilustração 3 - Etiqueta da estante: Pedro Bandeira, Sérgio Caparelli, Paulo Coelho ................................................................................................................. 60 Ilustração 4 - Etiqueta da estante: FNDE ............................................................ 60 Ilustração 5 - Sacola da leitura ............................................................................ 61 Ilustração 6 - Uma das salas da biblioteca da escola ......................................... 63 Ilustração 7 - A outra sala da biblioteca escolar .................................................. 63 Ilustração 8 - A porta que separa os dois ambientes .......................................... 63 Ilustração 9 - Exposição no corredor: autores na escola .................................... 64 Ilustração 10 - Hall de entrada da escola ............................................................ 65 Ilustração 11 - Capa da obra Contos de animais do mundo todo ....................... 76 Ilustração 12 - Gravura da p. 6 de Contos de animais do mundo todo ............... 77 Ilustração 13 - Gravura da p. 14 de Contos de animais do mundo todo ............. 77 Ilustração 14 - Gravura da p. 22 de Contos de animais do mundo todo ............. 77 Ilustração 15 - Recorte da gravura da p. 34 de Contos de animais do mundo todo ..................................................................................................................... 78 Ilustração 16 - Gravura da p. 38 de Contos de animais do mundo todo ............. 78 Ilustração 17 - Gravura da p. 48 de Contos de animais do mundo todo ............. 78 Ilustração 18 - Gravura da p. 56 de Contos de animais do mundo todo ............. 79 Ilustração 19 - Gravura da p. 64 de Contos de animais do mundo todo ............. 79 Ilustração 20 - Recorte da gravura da p. 72 de Contos de animais do mundo todo ..................................................................................................................... 79 Ilustração 21 - Capa da obra Maria mole ............................................................ 86 Ilustração 22 - Recorte da gravura da p. 9 de Maria mole .................................. 87 Ilustração 23 - Recorte da gravura da p. 17 de Maria mole ................................ 89 9 Ilustração 24 - Recorte da gravura da p. 19 de Maria mole ................................ 89 Ilustração 25 - Recorte da gravura das p. 24-25 de Maria mole ......................... 91 Ilustração 26 - Recorte da gravura da p. 11 de Maria mole ................................ 92 Ilustração 27 - Recorte da gravura da p. 15 de Maria mole ................................ 93 Ilustração 28 - Recorte da gravura da p. 25 de Maria mole ................................ 94 Ilustração 29 - Recorte da gravura da p. 29 de Maria mole ................................ 94 Ilustração 30 - Recorte da gravura da p. 29 de Maria mole ................................ 94 llustração 31 - Recorte da gravura da p. 29 de Maria mole ................................ 94 Ilustração 32 - Capa do livro Os Lusíadas em quadrinhos ................................ 96 Ilustração 33 - P. 5 dos Lusíadas em quadrinhos ............................................... 98 Ilustração 34 - Recorte da p. 8 dos Lusíadas em quadrinhos ............................. 98 Ilustração 35 - Recorte da p. 14 dos Lusíadas em quadrinhos ........................... 99 Ilustração 36 - Recorte da p. 20 dos Lusíadas em quadrinhos ........................... 99 Ilustração 37 - Recorte da p. 34 dos Lusíadas em quadrinhos ........................... 99 Ilustração 38 - Recorte da p. 44 dos Lusíadas em quadrinhos ........................... 99 Ilustração 39 - P. 8 dos Lusíadas em quadrinhos ............................................... 100 Ilustração 40 - P. 11 dos Lusíadas em quadrinhos ............................................. 100 Ilustração 41 - P. 12 dos Lusíadas em quadrinhos ............................................. 100 Ilustração 42 - Recorte da p. 46 dos Lusíadas em quadrinhos ........................... 100 Ilustração 43 - P. 21 dos Lusíadas em quadrinhos ............................................. 100 Ilustração 44 - Quadrinho da p. 31 dos Lusíadas em quadrinhos ....................... 101 Ilustração 45 - Quadrinho da p. 22 dos Lusíadas em quadrinhos ....................... 101 Ilustração 46 - Quadrinho da p. 22 dos Lusíadas em quadrinhos ....................... 101 Ilustração 47 - Quadrinho da p. 22 dos Lusíadas em quadrinhos ....................... 101 Ilustração 48 - Pintura retratando Luís Vaz de Camões ..................................... 102 Ilustração 49 - Camões, representado por Fido Nesti, nos Lusíadas em quadrinhos ........................................................................................................... 102 10 Ilustração 50 - Personagem Tintim, de Hergé ..................................................... 103 Ilustração 51 - Capitão Haddock, de Hergé ........................................................ 103 Ilustração 52 - Vasco da Gama, representado por Fido Nesti, nos Lusíadas em quadrinhos ........................................................................................................... 103 Ilustração 53 - Cena do filme O gabinete do Dr. Caligari .................................... 104 Ilustração 54 - Quadrinho da p. 9 dos Lusíadas em quadrinhos ......................... 104 Ilustração 55 - Cena 1 do filme O barão de Munchausen ................................... 105 Ilustração 56 - Cena 2 do filme O barão de Munchausen ................................... 105 Ilustração 57 - Cena 3 do filme O barão de Munchausen ................................... 105 Ilustração 58 - Quadrinho da p. 6 dos Lusíadas em quadrinhos ......................... 105 Ilustração 59 - Quadrinho da p. 6 dos Lusíadas em quadrinhos ......................... 105 Ilustração 60 - Cena do filme Moby Dick ............................................................. 106 Ilustração 61 - Quadrinho da p. 22 dos Lusíadas em quadrinhos ....................... 106 Ilustração 62 - Cena 1 do filme Moby Dick .......................................................... 107 Ilustração 63 - Cena 2 do filme Moby Dick .......................................................... 107 Ilustração 64 - Quadrinho da p. 35 dos Lusíadas em quadrinhos ....................... 107 Ilustração 65 - Quadrinho da p. 35 dos Lusíadas em quadrinhos ....................... 107 Ilustração 66 - Capa do livro O rei maluco e a rainha mais ainda ....................... 109 Ilustração 67 - P. 6 e 7 de O rei maluco e a rainha mais ainda .......................... 110 Ilustração 68 - Recorte do título da capa de O rei maluco e a rainha mais ainda..................................................................................................................... 111 Ilustração 69 - Recorte do título da p. 36 de O rei maluco e a rainha mais ainda ................................................................................................... ................. 111 Ilustração 70 - Recorte da formiga falante da p. 10 de O rei maluco e a rainha mais ainda ........................................................................................................... 112 Ilustração 71 - Recorte da p. 9 de O rei maluco e a rainha mais ainda .............. 112 Ilustração 72 - Recorte da p. 10 de O rei maluco e a rainha mais ainda ............ 112 Ilustração 73 - Recorte da capa de O rei maluco e a rainha mais ainda ............ 114 Ilustração 74 - Recorte da p. 30 de O rei maluco e a rainha mais ainda ............ 115 1 1 Ilustração 75 - Recorte da p. 44 de O rei maluco e a rainha mais ainda ............ 116 Ilustração 76 - Recorte da p. 13 de O rei maluco e a rainha mais ainda ............ 117 Ilustração 77 - Recorte da p. 15 de O rei maluco e a rainha mais ainda ............ 117 Ilustração 78 - Recorte da p. 15 de O rei maluco e a rainha mais ainda ............ 117 Ilustração 79 - Recorte da p. 93 de O rei maluco e a rainha mais ainda ............ 119 Ilustração 80 - Recorte da p. 92 de O rei maluco e a rainha mais ainda ............ 119 Ilustração 81 - Recorte da p. 93 de O rei maluco e a rainha mais ainda ............ 119 Ilustração 82 - Recorte da p. 36 de O rei maluco e a rainha mais ainda ............ 120 Ilustração 83 - Sugestão de gráfico para as transformações da floresta ............ 125 Ilustração 84 - Sugestão de gráfico para os animais criados .............................. 126 Ilustração 85 - Sugestão de gráfico para a sequência de fatos da história ......... 128 Ilustração 86 - Sugestão de tabela para os acontecimentos dos alunos ............ 129 Ilustração 87 - Sugestão de gráfico para a votação das histórias ....................... 131 Ilustração 88 - P. 10 de Maria mole .................................................................... 133 Ilustração 89 - P. 11 de Maria mole .................................................................... 133 Ilustração 90 - P. 12 de Maria mole .................................................................... 134 Ilustração 91 - P. 13 de Maria mole .................................................................... 134 Ilustração 92 - P. 22 de O rei Maluco e a rainha mais ainda .............................. 141 Ilustração 93 - Capa original de Os Lusíadas ..................................................... 147 Ilustração 94 - Mapa mundi ................................................................................. 148 12 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Acervo 1 do PNBE/2008 ................................................................. 42 Tabela 2 – Acervo 2 do PNBE/2008 ................................................................. 43 Tabela 3 – Acervo 3 do PNBE/2008 ................................................................. 44 Tabela 4 – Acervo 4 do PNBE/2008 ................................................................. 45 Tabela 5 – Acervo 5 do PNBE/2008 ................................................................. 45 Tabela 6 – Relação de empréstimos de livros aos alunos da biblioteca da primeira escola ................................................................................................. 72 Tabela 7 – Relação de empréstimos de livros aos alunos da biblioteca da segunda escola ................................................................................................. 73 Tabela 8 – Ilustrações dos Contos de animais do mundo todo ........................ 77 Tabela 9 – Aspectos do conto popular e ilustrativos em Maria mole ................ 92 Tabela 10 – Conexões linguísticas nos Lusíadas em quadrinhos .................... 98 Tabela 11 – Os Lusíadas em quadrinhos e o filme O gabinete do Dr. Caligari.................................................................................................................. 104 Tabela 12 – Os Lusíadas em quadrinhos e o filme O barão de Munchausen.......................................................................................................... 105 Tabela 13 – Os Lusíadas em quadrinhos e o filme Moby Dick ............................ 106 Tabela 14 – As personagens constitutivas do reino do Rei maluco e a rainha mais ainda ................................................................................................... ......... 112 Tabela 15 – Proposta de atividade relativa ao jogo de xadrez ............................ 138 Tabela 16 – Proposta de atividade referente aos dados da obra....................................................................................................................... 140 Tabela 17 – Proposta relativa às personagens da obra O rei maluco e a rainha mais ainda ............................................................................................................ 140 Tabela 18 – Proposta de tabela referindo-se a partes da história do Rei maluco e a rainha mais ainda ........................................................................................... 142 Tabela 19 – Sugestão de tabela para a atividade 5 ........................................... 142 Tabela 20 – Sugestão de tabela para a atividade 1 ............................................ 145 Tabela 21 – Sugestão de tabela para a atividade 4 ............................................ 149 13 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................... 16 1 EDUCAÇÃO, LITERATURA INFANTIL E BIBLIOTECA ESCOLAR ............. 20 1.1 O PROCESSO EDUCATIVO: UM ENCONTRO PARA A CONSTRUÇÃO... 20 1.2 A LITERATURA INFANTIL COMO POSSIBILIDADE DE LEITURA ESTÉTICA ......................................................................................................... 22 1.3 A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO PELA EDUCAÇÃO E PELA LITERATURA .................................................................................................... 26 1.4 A LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA ......................................................... 31 1.4.1 A escolarização da literatura infantil ..................................................... 34 1.4.2 As orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais ..................... 35 1.5 A MEDIAÇÃO DE LITERATURA NA BIBLIOTECA ...................................... 37 1.5.1 A importância do outro no processo de leitura .................................. 39 1.5.2 O Programa Nacional Biblioteca da Escola e o acesso à literatura........................................................................................................... 40 1.5.3. A possibilidade de mediar o texto literário através de roteiros de leitura ........................................................................................................... 46 2 A MEDIAÇÃO DE LEITURA LITERÁRIA NA BIBLIOTECA .......................... 51 2.1 O PERCURSO INVESTIGATIVO ............................................................... 52 2.1.1 A caracterização da pesquisa ................................................................ 52 2.1.2 A seleção das escolas ...................................................................... 53 2.2 OS INSTRUMENTOS DE COLETA ............................................................ 55 2.2.1 A entrevista ....................................................................................... 55 2.2.2 A observação ...................................................................................... 57 2.3 O PERFIL DA PRIMEIRA ESCOLA .......................................................... 58 2.4 O PERFIL DA SEGUNDA ESCOLA ........................................................... 62 14 2.5 A BIBLIOTECA ESCOLAR COMO ESPAÇO DE MEDIAÇÃO: CRUZAMENTO DE DADOS ........................................................................... 65 2.5.1 O empréstimo de livros ........................................................................... 66 2.5.2 A formação do docente ...................................................................... 67 2.5.3 A interação entre alunos .................................................................... 69 2.5.4 O acervo do PNBE/2008 .................................................................... 70 3 O PNBE COMO MEDIADOR NO PROCESSO DE LEITURA LITERÁRIA................................................................................................. 75 3.1 AS OBRAS DO PROGRAMA: TRAMAS LITERÁRIAS DO ACERVO DE 2008 ............................................................................................................... 75 3.1.1 “Magia na floresta amazônica”: um conto de tradição brasileira ....... 76 3.1.2 Maria mole: uma experiência estética ................................................... 85 3.1.3 Os Lusíadas em quadrinhos: uma leitura renovada do clássico ........ 96 3.1.4 A literatura presente no reino do Rei maluco e a rainha mais ainda............................................................................................................. 109 4 UMA FORMA DE MEDIAR: ROTEIROS DE LEITURA COM TÍTULOS DO PNBE/2008 .............................................................................................. 123 4.1 A PRIMEIRA PROPOSTA: “MAGIA NA FLORESTA AMAZÔNICA” ............ 123 4.2 A SEGUNDA PROPOSTA: MARIA MOLE ................................................ 131 4.3 A TERCEIRA PROPOSTA: O REI MALUCO E A RAINHA MAIS AINDA........................................................................................................ 138 4.4 A QUARTA PROPOSTA: OS LUSÍADAS EM QUADRINHOS ..................... 145 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 152 REFERÊNCIAS ........................................................................................... 156 ANEXOS ........................................................................................................ 162 ANEXO A – Termo de consentimento livre e esclarecido ............................. 163 1 5 ANEXO B – Aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de Caxias do Sul ..................................................................................... 165 ANEXO C – Tabelas para controle de empréstimos de livros ...................... 167 Tabela 1 – Empréstimos referentes ao acervo 2 ......................................... 168 Tabela 2 – Empréstimos referentes ao acervo 3 ........................................... 169 Tabela 3 – Empréstimos referentes ao acervo 4 .......................................... 170 1 6 INTRODUÇÃO No âmbito educativo, a leitura é atividade precípua e o estudo integra as áreas de Educação e Literatura, as quais podem contribuir de maneira significativa para a formação do sujeito-leitor. Ambas, intrinsecamente relacionadas, adquirem um papel transformador na vida dos educandos, no sentido de configurar uma realidade que privilegie a soma de experiências. Desde o início da escolarização, os alunos têm contato com o objeto livro, no entanto, sabe-se que não há um processo sistemático de mediação para a formação do leitor, visando ao letramento literário do estudante, e a qualidade da interação com o texto artístico assume especial importância. Nesse contexto, a presente dissertação de mestrado situa-se na linha de pesquisa Educação, Epistemologia e Linguagem, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (PPGEd/UCS) e discorre sobre a mediação de leitura no contexto escolar, analisando obras literárias distribuídas pelo Governo Federal, através do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). O Programa, instituído pelo MEC (Ministério da Educação), em 1997, tem o objetivo de democratizar o acesso de alunos e professores à cultura, à informação e aos conhecimentos socialmente produzidos ao longo da história da humanidade, distribuindo, anualmente, acervos formados por obras de referência, de literatura e de apoio à formação de professores às escolas do Ensino Fundamental. No entanto, de acordo com uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (BRASIL, 2002, p. 1), foi constatado que o PNBE não tinha atividades de monitoramento e avaliações bem estruturadas e que o MEC não dispunha de informações que permitissem conhecer o nível de utilização dos acervos, bem como os problemas que poderiam estar afetando a presença dos livros no desenvolvimento escolar dos alunos. 17 Todos os Programas de incentivo à leitura fundamentam-se em alguma concepção de leitura nem sempre vinculada às práticas sociais e o PNBE permite que as bibliotecas de escolas públicas do Brasil recebam livros literários de boa qualidade, porém não basta que essas obras cheguem às instituições sem considerar também o viés pelo qual é realizado o processo de mediação de leitura e o uso realizado com os livros. Quem é o responsável por essa mediação? O professor de sala de aula ou o docente que atua na biblioteca? Qual a formação desse profissional? De que maneira a história é apresentada ao aluno? Há uma preparação do mediador para trabalhar com as obras? Há alguma estratégia de mediação? De acordo com Aguiar (2006, p. 245), os conteúdos dos textos só adquirem sentido quando expostos à investigação de quem lê, ou seja, eles vivem através da regência do leitor e o que importa não é o texto em si, mas o uso que a ele se dá. Por isso, é importante ressaltar que o docente que atua nas bibliotecas escolares desempenha um papel fundamental na formação do leitor, pois as obras do PNBE são direcionadas a esse ambiente escolar e o profissional que recebe os acervos é quem deve possibilitar ao aluno o contato com tais títulos. Nessa perspectiva, o estudo tem o objetivo de identificar os processos de mediação dos acervos do PNBE/2008, realizados em duas escolas municipais de Caxias do Sul/RS, analisando informações referentes às práticas mediadoras, empreendidas pelos docentes atuantes nas bibliotecas das escolas participantes do processo investigativo. Obras do Programa que fazem parte desse processo também são analisadas, para constatar se os livros infantis que são distribuídos, enquanto objeto industrial, atingem o estatuto da literatura para o qual ele é suporte. Para delinear a pesquisa, a dissertação se divide em quatro capítulos. No primeiro deles, intitulado “Educação, literatura infantil e biblioteca escolar, ”aborda-se a concepção de educação que permeia este estudo, visando ao desenvolvimento integral do sujeito e a sua socialização, processo que pode definir-se como uma maneira de compreender e transformar o mundo. No mesmo capítulo, discorre-se sobre o papel que a literatura infantil pode desempenhar nessa ação educativa, estabelecendo um diálogo sobre contribuições que ambas – Educação e Literatura – ocasionam para a formação do educando. A proposta apóia-se em Dewey (1971), Osakabe (2004) e Paviani (2005), teóricos que pensam a prática educativa como um processo constituído por sujeitos, que está relacionado ao saber pensar e à 18 construção de conhecimentos por parte deles. Candido (1995), Larrosa (2002) e Zilberman (1998) discorrem acerca da experiência de leitura do texto literário infantil, o qual possui função educacional à medida que humaniza e, através dele, a criança pode transformar a sua realidade, apontando para uma das razões de ser da educação. Em seguida, ainda no capítulo primeiro, discute-se a mediação de leitura literária no contexto da biblioteca escolar, apoiando-se no referencial teórico de Hauser (1973), Vygotsky (1991) e Chartier (2005). Sabe-se que quanto mais complexo um texto literário, mais se faz presente a figura do mediador. Por isso, ainda nesse capítulo, apresentam-se aspectos do Programa Nacional Biblioteca da Escola, que tem o objetivo de disponibilizar obras literárias de boa qualidade às escolas brasileiras, permitindo que os estudantes tenham acesso a elas. Nesse sentido, o segundo capítulo, “A mediação de leitura literária na biblioteca”, contempla a realização de uma pesquisa de campo em duas escolas municipais da cidade de Caxias do Sul/RS. O estudo analisa o processo de mediação e obras do Programa Nacional Biblioteca da Escola/2008, que são distribuídas às bibliotecas dessas instituições de ensino. Diante dessa realidade, quatro livros do Programa – os mais lidos pelos estudantes pesquisados – são analisados no terceiro capítulo, denominado “O PNBE como mediador no processo de leitura literária”, sendo observadas peculiaridades de cada obra no que se refere à contribuição das mesmas para a formação do leitor, já que se constituem literatura. A investigação focaliza os seguintes títulos de literatura infantil: Contos de animais do mundo todo (2003), de Naomi Adler, Maria mole (2002), de André Neves, O rei maluco e a rainha mais ainda (2006), de Fernanda Lopes de Almeida e Os Lusíadas em quadrinhos (2006), de Fido Nesti. Os livros foram escolhidos durante a pesquisa in loco, ao perceber que os estudantes apreciavam tais títulos e os retiravam para empréstimo de leitura com maior frequência perante outros nas referidas bibliotecas. Baseando-se na realidade constatada sobre a precariedade da mediação na realidade escolar e a significativa qualidade das obras do PNBE/2008, é que se constrói o capítulo quatro, “Uma forma de mediar: roteiros de leitura com títulos do PNBE/2008”, em que os livros analisados do capítulo anterior servem de apoio para a elaboração de roteiros de leitura, os quais se constituem como uma proposta de mediação que tem origem na Estética da Recepção e coloca o leitor no lugar do 19 processo, concentrando as ações nos modos de percepção e de recepção diante de um texto literário, preocupando-se com etapas de apropriação do texto, iniciando-se pela captação do sentido, seguindo-se a interpretação e, por último, a transferência de significados. Tal discussão é feita à luz de orientações de Saraiva e Mügge (2006), que acreditam que se a leitura acontece de acordo com essa sequência de ações, é assim que o mediador pode agir para não romper a cadeia de deciframento da escrita por parte do leitor. Ainda nesse capítulo, os roteiros de leitura integram uma proposta entre a leitura literária e o uso de novas tecnologias, agregando o espaço da biblioteca escolar e da sala de computação, já que as escolas públicas atuais, geralmente, estão equipadas por salas de Informática com computadores acessíveis aos alunos. Moraes (2000) auxilia a pensar sobre esse novo paradigma em que o avanço tecnológico vem apresentando à escola e às comunidades que a envolve, novas maneiras de perceber e construir conhecimentos. Assim, este estudo se propõe a contribuir com as pesquisas relacionadas à educação literária e com as análises de obras direcionadas às crianças, possibilitando a ampliação dos horizontes de interlocutores interessados e preocupados com a biblioteca escolar e favorecendo a formação de leitores iniciantes, já que, posteriormente, ficará à disposição de professores e de instituições de ensino. Nunca é demais a realização de estudos em favor da valorização do ato da leitura, já que essa se impõe, frequentemente, como uma responsabilidade da educação em nosso País. É preciso ressaltar ainda que a biblioteca está sendo redescoberta pelas escolas, pelas editoras, pelos governos, pelos próprios professores atuantes e pela sociedade de um modo geral. Isso porque a biblioteca escolar está sendo vista como um espaço de aprendizagem do qual a educação não pode mais se desfazer. 20 1 EDUCAÇÃO, LITERATURA INFANTIL E BIBLIOTECA ESCOLAR Há duas maneiras de percorrer um bosque. A primeira é experimentar um ou vários caminhos (a fim de sair do bosque o mais depressa possível, digamos, ou de chegar à casa da avó, do Pequeno Polegar ou de Joãozinho e Maria); a segunda é andar para ver como é o bosque e descobrir por que algumas trilhas são acessíveis e outras não. (Umberto Eco) Este capítulo tem por objetivo abordar aspectos relacionados à educação e à literatura infantil, discutindo questões referentes ao contexto escolar. Sem desconsiderar a amplitude dos espaços de educação, neste estudo privilegiar-se-á a biblioteca, um lugar significativo por abarcar a literatura e desempenhar um papel importante na formação de leitores. Inicialmente, as reflexões se encaminham a apresentar de forma breve algumas considerações sobre a educação e a literatura infantil. Em seguida, serão levantados aspectos sobre a leitura literária na escola e a escolarização da literatura. Por fim, haverá uma discussão considerando a biblioteca escolar, em relação à mediação do docente que atua nesse ambiente e a um programa criado pelo Governo Federal, que possibilita aos alunos o acesso à literatura: o Programa Nacional Biblioteca da Escola. 1.1. O PROCESSO EDUCATIVO: UM ENCONTRO PARA A CONSTRUÇÃO A criança vai aprendendo a se posicionar no mundo de acordo com a maneira que ela vê o caminho que lhe aparece, seja experimentando aquele que a leva rapidamente ao final da trilha ou descobrindo as possibilidades que esse trajeto 21 pode lhe oferecer. É através dos percursos que cada indivíduo escolhe que serão configuradas as suas experiências e sua própria vida. Na configuração do que significa educação, essa ação pode ser entendida como um processo para o vir a ser do sujeito, auxiliando-o na sua caminhada e criando condições para seu desenvolvimento integral e sua socialização. Dessa maneira, a ação educativa visa essencialmente a criar consciência da realidade, isto é, da realidade humana e do mundo que nos cerca; criar condições que permitam ao homem e à população identificar os problemas e buscar as soluções mais adequadas. Nesse sentido, a educação se define como uma maneira de compreender, interpretar e transformar o mundo (PAVIANI, 2005, p. 29). Para chegar a essa ideia, é necessário transcender o sentido etimológico da palavra educação, em que o ato de educar está associado ao processo de ensino aprendizagem. Sob esse ponto de vista, o termo tem duplo significado, cuja raiz provém dos termos latinos educare e e-ducere. De acordo com Fullat (1994, p. 20- 21), educare assinala a ação de formar, instruir, guiar, colocar para dentro; acentuando a figura ativa de quem ensina e o papel passivo do aprendiz, assim como acontece na concepção da Escola Tradicional; e o termo e-ducere significa conduzir, colocar para fora. Esse sentido remete à visão educativa da Escola Nova, em que o aluno é a figura principal, e o professor conduz a partir daquilo que o educando é, daquilo que ele já sabe. Além disso, a educação, muitas vezes, é confundida com a pedagogia. Por isso, é preciso fazer uma distinção entre ambas, embora possuam uma vinculação e uma não pode ser compreendida sem a outra. A educação está relacionada à prática, à vida existencial de cada ser humano, enquanto que a pedagogia situa-se no campo da teorização, na esfera da conscientização e da sistematização do conhecimento, ou seja, “educação é uma prática, uma atividade social, uma ação; por seu turno, pedagogia é uma reflexão, uma teorização, um conhecimento ou uma tomada de consciência” (FULLAT, 1994, p. 19), (grifos do autor). O autor cita ainda os conceitos apresentados por alguns filósofos importantes, como Platão, que entendia “educar-se como fazer-se”, numa tarefa que abrange a existência do 22 homem em todas as dimensões e Aristóteles, que a entendia como “saber agir” na vida (FULLAT, 1994, p. 23-24). Em meio a essas considerações sobre a educação, percebe-se que há diferentes formas de pensar sobre ela, de defini-la, de explicá-la. Osakabe define a educação enquanto “processo constitutivo (de) e constituído (por) sujeitos” (OSAKABE, 2004, p. 8), cuja concepção aparece em sintonia com a linguagem e a prática educativa refere-se ao saber pensar, à construção de conhecimentos e à participação ativa do sujeito no seu próprio desenvolvimento e com os outros. De acordo com esse ponto de vista, a linguagem é constitutiva da existência humana e está presente nos processos de interação com o outro e é através da interrelacionalidade social que se pode avançar no processo de formação. Na convivência, o sujeito forma e partilha o mundo com os demais, estabelecendo relações, se compreendendo e se constituindo. Pensando desse modo, a educação é um ato formativo que proporciona encontros de relação e de troca através da linguagem. Nesse sentido, o nosso pensamento realiza-se no âmbito dinâmico da linguagem. Mais do que um veículo de ideias puras que desceriam de algum distante empíreo, a linguagem é o meio no qual vislumbramos nossos vínculos (tênues que sejam) com outras pessoas, com o nosso entorno. Esses vínculos são a forma vital de compreendermos o mundo (PERISSÉ, 2006, p. 14). Tendo em vista que cada indivíduo é um ser único, através dessas trocas, a situação educativa pode ser capaz de fazer com que o educando ultrapasse sua própria realidade, compreendendo-a e transformando-a. 1.2 A LITERATURA INFANTIL COMO POSSIBILIDADE DE LEITURA ESTÉTICA Todas as ações do ser humano o dirigem para um determinado caminho e quando se considera que a liberdade é uma desvinculação total do poder a que se é submetido, dentro do universo linguístico, não há maneiras de ser livre. Só resta, pois, ao homem, a fuga da linguagem por meio de uma trapaça lingüística utilizando- 23 se da própria língua: “Essa trapaça, salutar, essa esquiva [...], eu a chamo, quanto a mim: literatura” (BARTHES, 1978, p. 16). A concepção do autor de que a literatura é a utilização da linguagem não submetida ao poder, deve-se ao fato de que a linguagem literária não necessita de regras de estruturação para se fazer compreender, em que o autor, que se utiliza dessa linguagem, não é obrigado a emoldurar seus pensamentos nas estruturas linguísticas e é livre para criar uma estrutura própria, passando da simples utilização comunicativa da linguagem a uma utilização artística da mesma. Dessa maneira, a literatura tem como uma de suas funções a representação da realidade, porém dela fugindo através do uso da linguagem. Candido, por exemplo, entende a literatura como uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal da linguagem, que propõe um tipo arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um elemento de vinculação à realidade natural ou social, e um elemento de manipulação técnica, indispensável à sua configuração, e implicando em uma atitude de gratuidade (CANDIDO, 1972, p. 53). Nesse sentido, a literatura permite a criação de novos universos, baseados na realidade da qual o escritor participa. Para Candido, a literatura pode humanizar, porque corresponde a uma necessidade universal que deve satisfazer a personalidade ao dar forma aos sentimentos e à visão de mundo, organizando e libertando os seres humanos do caos, portanto, humanizando. A literatura tem uma grande função educacional, pois é um instrumento de educação e cultura usada para formar os estudantes, tanto pela forma quanto pela mensagem. Vista dessa forma, a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos, adquirindo um papel formador de personalidade. Para Candido (1995, p. 243), vive-se num mundo injusto e desumano, que tem prejudicado o acesso das pessoas aos bens literários e, nesse cenário, a literatura se constitui como um direito inalienável das pessoas, pois aparece como manifestação universal de todos os homens, sendo um instrumento poderoso de educação, já que é capaz de confirmar e negar, propor e denunciar, apoiar e 24 combater, fornecendo a possibilidade de se viver dialeticamente os problemas (CANDIDO, 1995, p. 243). A história da literatura infantil mostra que ela nasceu comprometida com a educação e tal comprometimento, localizado na sua origem, ainda hoje repercute em parte da produção e no campo de estudos da literatura infanto-juvenil, sendo que um dos efeitos da permanência da vinculação literatura/escola pode ser percebido em muitos trabalhos sobre o tema, nos quais há uma frequente preocupação em reafirmar a condição artística da obra literária para crianças (PAIVA e RODRIGUES, 2008, p. 104). No longo trajeto percorrido pelas edições de livros destinados a esse público até a atualidade, o conjunto da produção literária apresenta uma forte tendência a desatar os laços pedagogizantes, embora ainda se preservem propostas que optam por aquele caminho, já que “o ponto de chegada para as diferentes propostas é o mesmo: a escola, o lugar onde se formam leitores” (PAIVA e RODRIGUES, 2008, p. 105). Para as autoras, nesse contexto, em que se estabelece uma nova concepção de literatura infantil, o caráter limitador do adjetivo “infantil” que acompanha o substantivo “literatura” na expressão que nomeia a modalidade, tem sido contestado por aqueles que querem incluí-la, sem restrições quanto ao público- alvo das obras literárias em geral, no estatuto a) estético – referindo-se ao o belo, pensando as questões: o que é o belo? O belo é o adequado? É o que tem proporção? É útil? Sendo essa uma análise estética do belo, que depende da teoria das ideias, que fundamenta o mundo real, o qual se caracteriza por ser eterno e imutável. O belo não depende do gosto pessoal, de uma qualidade atribuída a algo, tendo, pois valor ontológico, valor em si. Ou seja, o belo, o estético, é uma manifestação sensível da verdade. E b) artístico – a arte vista como uma forma sofisticada de conhecimento e pensamento do ser humano, a qual é bem elaborada, pois a grande arte exprime a dor, o sofrimento, enquanto que a arte popular exprime o cotidiano e é mais simples. A arte popular é derivada da arte erudita e a arte popular não exige tanto uma compreensão inteligível, se dirige mais ao sensível. O artístico é autêntico, inovador e, para entender as produções artísticas, precisa-se entender o mundo, a teoria sobre a arte. Por isso, é necessário esclarecer que o conceito de literatura infantil é bastante discutido entre estudiosos do assunto. Um dos ensejos é que a palavra literatura é intransitiva, ou seja, possui autonomia e, independentemente do adjetivo ou classificação que receba – no caso, o termo “infantil” – não significa que deixe de 25 ser arte. Sabe-se que não há, na área da arte, uma designação específica para a pintura, como por exemplo, pintura infantil, então, por que haver essa denominação para a literatura? Até que ponto uma obra literária pode ser classificada para crianças, jovens ou adultos? A literatura infanto-juvenil é uma modalidade da literatura, dedicada especialmente às crianças e aos jovens, havendo ainda uma subdivisão das obras literárias em literatura infantil – para crianças – e literatura juvenil – para os jovens. Na verdade, entende-se que a literatura infantil acaba sendo aquela que corresponde, de alguma forma, aos anseios do leitor mirim e que se identifique com ele, ou seja, que apresente estímulos visuais, linguagem e temas relacionados ao mundo da criança, não necessariamente uma linguagem simplificada, mas compreensível a esse leitor. Determinar um lugar específico para a literatura infantil não pode implicar seu caráter artístico e seus vínculos com a literatura propriamente dita, pois, a caracterização da obra literária evidencia o dilema da literatura infantil. Se esta quer ser literatura, precisa se integrar ao projeto desafiador próprio a todo fenômeno artístico. Nesta medida, deverá ser interrogada das normas em circulação, impulsionando seu leitor a uma postura crítica perante a realidade e dando margem à efetivação dos propósitos da leitura enquanto habilidade humana. Caso contrário, transformar-se-á em objeto pedagógico, transmitindo a seu recebedor convenções instituídas, em vez de estimular a um conhecimento da circunstância humana que adotou tais padrões (ZILBERMAN,1998, p. 69-70). Dessa forma, a literatura infantil não deve ser vista essencialmente com intenção pedagógica ou didática, mas como um produto cultural que desperte a criança para o mundo da leitura, não se constituindo somente como um ato de aprendizagem significativa, mas também como uma atividade prazerosa. Enfim, a literatura para crianças é arte que lhes permite ampliar, transformar e até mesmo enriquecer sua própria experiência. 26 1.3 A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO PELA EDUCAÇÃO E PELA LITERATURA As acepções sobre educação e literatura infantil, anteriormente mencionadas, permitem afirmar que, de alguma maneira, ambas almejam contribuir para a formação do educando. Se a educação visa a criar consciência da realidade humana através da compreensão, interpretação e transformação do mundo, então a literatura infantil – que é capaz de impulsionar seu leitor a uma postura crítica perante a realidade e dar margem à efetivação dos propósitos da leitura enquanto habilidade humana – pode ser usada pelos professores como um instrumento de educação para formar seus alunos. Muitos docentes usam textos literários ignorando sua natureza artística e, na maioria das vezes, convertendo-a em material para exercícios gramaticais e pretexto para o ensino de outras disciplinas1. O costume que muitos profissionais têm de considerar todos os textos para crianças como sendo literatura infantil, deve-se, em parte, ao curso histórico percorrido desde as primeiras criações livrescas destinadas a elas. A literatura infantil apresenta um trajeto peculiar. As primeiras obras direcionadas a esse público foram elaboradas por professores e pedagogos no final do século XVII, com o objetivo de passar valores e criar hábitos, sendo que “os primeiros livros para crianças foram produzidos ao final do século XVII e durante o século XVIII. Antes disto, não se escrevia para elas, porque não existia a ‘infância’” (ZILBERMAN, 1998, p. 13). O século XVII elabora uma literatura para a criança com função educativa, e o conto de fadas nasce inicialmente na França como forma literária aristocrática e sofisticada, que quer construir no feérico uma literatura de evasão, para qual colaboram Charles Perrault e outros contistas franceses (CAMBI, 1999, p. 314). Dessa maneira, a literatura infantil surge somente depois do conceito de infância e, é a partir desse período que a criança passa a ser considerada um ser 1 Pesquisas realizadas na Universidade de Caxias do Sul demonstram essa realidade escolar através de projetos como A produção de sentido e a interação texto-leitor na literatura infantil (2003-2006) e Formação do leitor: o processo de mediação docente (2006-2008), que contaram com o apoio da FAPERGS e do CNPq e foram desenvolvidos pelas professoras Dr. Flávia Brocchetto Ramos e Neiva Senayde Petry Panozzo. Os resultados apontaram que os alunos buscam lições moralizantes ou conteúdos escolares nas obras literárias, em detrimento de suas qualidades estéticas e que isso ocorre devido ao fato dos docentes apresentarem deficiências no momento de tratar o texto literário em sala de aula (RAMOS, PANOZZO, ZANOLLA). 27 diferente do adulto, com necessidades e características próprias, pelo que deveria distanciar-se dos mais velhos e receber uma educação especial, que a preparasse para a vida adulta. Rousseau é quem centraliza, pela primeira vez, o tema da infância na educação: a partir dele, a criança não é mais considerada um adulto em miniatura, ela vive um mundo próprio que precisa compreender e, para isso, a educação não deveria apenas instruir, mas permitir que a natureza desabrochasse na criança, não mais reprimindo ou modelando (GADOTTI, 1999, p. 87). O aparecimento da literatura infantil decorre da ascensão da família burguesa, do novo status concedido à infância na sociedade e da reorganização da escola, já que “antes da constituição deste modelo familiar burguês, inexistia uma consideração especial para com a infância” (ZILBERMAN, 1998, p. 13). E, sua emergência, deveu-se, antes de tudo, à sua associação com a Pedagogia, já que as histórias eram elaboradas para se converterem em instrumento dela. Foi no século XVIII que apareceram as primeiras formas de literatura infantil, porém ela surgiu em uma época em que a sociedade sofria várias modificações no que diz respeito à arte escrita. Nesse contexto, o surgimento da literatura infantil ocorreu devido às modificações nas famílias da época e também com a reorganização da escola. As transformações observadas na família relacionavam-se ao valor dado às crianças que até então eram consideradas “adultos pequenos”, não possuindo o direito de fruição através da arte, principalmente a literatura. A reorganização da escola, por sua vez, necessitava de uma nova pedagogia, então a literatura serviu como um instrumento para ensinar e as histórias passaram a ser usadas a serviço de uma ação pedagógica. Essas histórias eram escritas com o intuito de ensinar moral e também conteúdos às crianças, ou seja, a literatura era feita para elas, no seu início, no entanto, não possuía, de fato, valor de arte literária. No Brasil, a transformação da literatura ocorre nas proximidades da década de 70, que ficou conhecida como a época do boom da literatura infantil. Em 1968, foi criada a Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil que promove e congrega ações relativas ao livro infantil e juvenil. Em 1971, é implantada uma Reforma na educação através da Lei 5692/71, que fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional até 1996, criando a disciplina de Comunicação e Expressão. Nesse contexto, a leitura é valorizada como instrumento de comunicação e a leitura literária ganha destaque. Com a Reforma, há a consolidação do mercado editorial no que se refere à 28 produção de obras de literatura infantil e juvenil e a crescente dependência do livro com a escola, aumentando expressivamente o número de autores produzindo para a infância. Os textos literários – porém, nem todos – que começam a ser produzidos nessa época adquirem um caráter emancipatório – o qual não se preocupa com as lições de moral, mas enaltece o valor artístico do texto, auxiliando a criança a compreender-se a si mesma e a desenvolver sua personalidade –, rompendo com o discurso monológico e tornando-se portavoz do leitor mirim. Nesse cenário, um dos pontos que caracteriza o gênero para crianças é a adaptação. A produção para o público mirim deve romper com a visão adultocêntrica, através do qual os temas e o modo de contar precisam adequar-se ao universo infantil, sem diminuir o valor do texto artístico: a produção de uma teoria da literatura infantil deve evitar a circunscrição à ótica adulta, na qual toda a primazia lhe é concedida, já que é o sujeito da produção, do consumo [...] e da recepção dos textos. Ou melhor, cabe ao exercício de uma reflexão que verifique os efeitos da participação citada e mostre a posição ocupada pela criança dentro desse processo particular de circulação de ideologias, uma vez que é ela que dá o nome ao gênero de que é tão-somente o beneficiário e objeto de manipulação (ZILBERMAN, 1998, p. 37). Essa unidirecionalidade, em que o texto é produzido do adulto para a criança, é o que vai determinar o valor artístico da obra, assistindo ou não à gênese do horizonte de expectativas do leitor (ZILBERMAN, 1998, p. 39). Nesse caso, a literatura infantil propicia ao leitor a descoberta do real por meio do simbólico, despertando prazer que só a exploração dos recursos da linguagem do texto estético é capaz de mobilizar. Outro elemento fundamental da literatura para crianças que pode ser constatado é o maravilhoso – fenômenos ou situações que ocorrem fora da nossa percepção da dicotomia espaço/tempo, que, segundo a classificação de Todorov (1979, p. 160), é uma modalidade de fantástico e permeia a narrativa, supondo um pacto em que o leitor aceita os elementos extraordinários. O simbolismo que está implícito nas tramas e nas personagens atua inconscientemente para ajudar seu leitor a resolver conflitos e a amadurecer emocionalmente. E, nesse sentido, a literatura infantil pode auxiliar no processo da formação da criança em relação a si 29 mesma e ao mundo a sua volta. Pode-se citar, por exemplo, o maniqueísmo que divide as personagens em boas ou más, belas ou feias, poderosas ou fracas. Se essas dicotomias forem reveladas ao leitor através de uma linguagem simbólica, serão favoráveis à compreensão de certos valores básicos da conduta humana, da conduta social ou da consciência ética, sem necessariamente estar pedagogizando a arte literária. Dessa maneira, através da literatura infantil, a criança pode conhecer, experimentar, ser capaz de moldar-se em relação aos seus desejos, anseios e medos, permitindo-se sonhar, querer, buscar, conquistar e, assim, transformar a realidade, apontando para uma das razões de ser da educação. No entanto, essa aproximação entre a educação e a literatura se rescinde a partir do momento em que a maioria da população não tem contato com esse tipo de produção artística. Muitas crianças não têm acesso a ela pelo fato de os familiares viverem em condições precárias e não disponibilizarem de recursos financeiros para comprar livros de literatura. Outras quase não leem devido ao excesso de aparelhos tecnológicos – computador, vídeo game, televisão – que há em suas residências, fazendo desses recursos uma das principais formas de entretenimento. Assim, a escola deve – ou deveria – ser o lugar primordial a proporcionar o encontro dos alunos com essa arte, formando leitores literários. De acordo com Dewey, cuja filosofia articula-se em torno de uma teoria da experiência, a educação tradicional oferece experiências do tipo errado, e ele questiona: “quantos para sempre perderam o gosto pelos livros, associando-os a supremo enfado e ficando ‘condicionados’ para apenas lerem sumária e ocasionalmente?” (DEWEY, 1971, p. 15). Não basta insistir na necessidade de experiência, tudo depende da qualidade da experiência por que se passa e “se uma experiência desperta curiosidade, fortalece a iniciativa e suscita desejos e propósitos suficientemente intensos para conduzir uma pessoa aonde for preciso no futuro” (DEWEY, 1971, p. 29). A teoria deweyana explicita que a escola não pode ser uma preparação para a vida, mas sim, a própria vida. Ou seja, a experiência consiste, por um lado, em experimentar e, por outro, em provar. A experiência educativa torna-se para a criança um ato de constante reconstrução. Para ele, vida-experiência e aprendizagem estão unidas, de tal forma que a função da escola encontra-se em possibilitar uma reconstrução permanente feita pela criança através da experiência 30 por ela adquirida. Assim, a educação é um “processo de reconstrução e reorganização da experiência, pelo qual lhe percebemos mais agudamente o sentido, e com isso nos habilitamos a melhor dirigir o curso de nossas experiências futuras” (DEWEY, 1978, p.17). Essa concepção educacional permite afirmar que o sujeito amplia seus horizontes em relação à vida e seu significado e a atitude de estar aberto ao mundo ajuda a desenvolver uma visão da diversidade cultural existente entre os seres humanos. Na visão de Larrosa (2002, p. 141-142), a experiência é, em primeiro lugar, um saber finito, ligado ao amadurecimento de um indivíduo particular, ou seja, é um saber que revela ao homem singular sua própria plenitude; em segundo lugar, é um saber subjetivo, que ninguém pode evitar ou aprender de outro; em terceiro, a experiência só tem sentido no modo pelo qual configura uma personalidade, uma forma humana singular que é, por sua vez, ética (um modo de se conduzir) e uma estética (um estilo); por último, o saber da experiência ensina a viver humanamente e a conseguir a excelência em todos os âmbitos da vida humana, como por exemplo, no intelectual, no moral, no político, no estético. Dessa maneira, a experiência da leitura é um acontecimento da pluralidade (LARROSA, 2002, p. 147), pois, para que a leitura seja experiência – porque, às vezes, ela é experiência e, às vezes, não – tem de afirmar a sua multiplicidade, mas uma multiplicidade dispersa e nômade, que sempre se desloca e escapa ante qualquer alternativa de reduzi-la. Assim, fica claro que a experiência da leitura tem sempre uma dimensão de incerteza que não se pode reduzir. No entanto, Larrosa (2002, p. 148) afirma que a pedagogia sempre tentou controlar a experiência da leitura, submetê-la a uma causalidade técnica, reduzir o espaço no qual ela poderia se produzir como acontecimento, capturá-la em um conceito que impossibilite o que ela poderia ter de pluralidade, prever o que ela tem de incerto, conduzi-la até um fim pré-estabelecido; ou seja, convertendo-a em experimento, em uma parte definida e sequenciada de um método seguro e na direção de um modelo prescritivo de formação. O que o professor deve ensinar “é uma relação com o texto: uma forma de atenção, uma atitude de escuta, uma inquietude, uma abertura” (LARROSA, 2002, p. 151). Para ele, o ato de leitura não consiste em somente deixar que os alunos leiam, mas fazer com que a leitura, como experiência, seja possível. 31 Nesse processo de formação do leitor, a experiência tem um papel importante e Paviani defende que “o discurso da experiência, posto no texto literário, é o que importa, porque é pela linguagem que se chega à realidade, e esta se constitui na linguagem” (PAVIANI, 2008, p. 75), e quando se faz relação entre o saber e as obras literárias, não se pensa na verdade dos saberes por ela articulados, senão que expressam visão de mundo, experiências de vida, a história da humanidade, etc. (PAVIANI, 2008, p. 74). Sabe-se que as produções literárias destinadas ao público infantil são constituídas a partir da expressão artística, manifestada através da linguagem verbal e visual, havendo uma adequação da linguagem ao leitor. Dessa forma, o livro possui um papel importante na vida da criança, atuando como intermediário entre o leitor e o mundo onde vive, estimulando seus interesses e despertando-lhe para diferentes aspectos daquilo que o rodeia. 1.4 A LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA A leitura não se limita ao conceito clássico de decodificação do código escrito, ela vai além, pois o leitor precisa interagir com o que lê, atribuindo sentido às coisas. Para Ramos, há a possibilidade de leitura quando “o texto revela ao leitor sua proposta [...] e o leitor conta suas vivências para o texto.” (RAMOS, 2010, p. 24). Nesse processo de reciprocidade, o sujeito busca algum sentido, construindo significados. Ao se tratar de leitura literária, sabe-se que essa linguagem é caracterizada pelos múltiplos significados que uma palavra pode assumir em um texto, muitas vezes utilizada com um sentido que ultrapassa aquele referenciado pelo dicionário, diferentemente daquele que lhe é comum. “A plurissignificação e a capacidade de instalar sensações são traços fundamentais do texto literário” (SARAIVA e MUGGE, 2006, p. 30) e, nesse sentido, a obra literária infantil compõe- se pela plurissignificação e pela polissemia, assim como a literatura para adultos. E isso ocorre porque a estrutura do texto deixa espaços permitindo ao leitor partilhar com o escritor suas distintas formas de ver o mundo apresentado, possibilitando- lhe extravasar sua imaginação, por meio do ato de ler. E a literatura permite a leitura do mundo. 32 Muitos dos sentidos que se pode depreender ao ler um texto derivam de operações cognitivas realizadas pelo leitor que permite a produção de inferências. Por isso, muitas vezes, pode-se ler o que está nas entrelinhas, nos intervalos entre as palavras, naquilo que não está escrito. É como se o texto apresentasse lacunas a serem preenchidas pelo leitor e a arte literária é amplamente educativa de acordo com Eco, o qual argumenta que o texto literário é um organismo preguiçoso, pois trabalha pouco para se constituir, sendo econômico na ação e delegando ao leitor a tarefa de completá-lo (ECO, 1979, p.37). O texto é imprevisível, já que traz para o universo do leitor possibilidades novas de sentido, colocando em questão suas verdades, desestabilizando-o e levando-o a reestruturar-se. No entanto, uma das falhas da escola é tratar a leitura do texto literário como uma atividade que limita a capacidade de imaginação do aluno, que não permita a ele fazer inferências, a pensar sobre o mundo, a fazer reflexões. O aluno-leitor faz parte do processo do texto literário. Ele é um dos que podem vir a ler as entrelinhas deixadas pelo autor. Conforme Paviani (2003, p. 113), ler é uma competência óbvia e necessária para qualquer profissional, e a arte de ler demanda reflexão e uma certa dose de solidão, a fim de percorrer os segredos de um texto, que é capaz de oferecer o prazer de descobrir o ser das coisas ou as artimanhas da razão. Ele acrescenta ainda que os leitores de literatura são aqueles que sabem buscar a plenitude dos saberes, o conhecimento que ultrapassa as definições e as classificações da ciência e os minguados dados de uma informação objetiva. De fato, quem lê cria a possibilidade de efetivar o ato de conhecer e, portanto, além de aprender, adquire consciência de que está aprendendo. Para o pesquisador, em outras palavras, a pessoa que adquiriu a competência da leitura tende a se tornar autônoma e não depende das opiniões dos outros. Em relação à realidade que permeia a escola, deve-se levar em conta que os alunos vivem na era da tecnologia, convivendo com meios de comunicação rápidos, alusivos e dinâmicos e são capazes de buscar informações com agilidade, além de discutir novidades de jogos e sites sem inibições. É por isso que, na maioria das vezes, talvez seja por isso que preferem sentar-se à frente do computador, conectados à internet, ao Orkut, ao Messenger, do que ler um livro literário. Nesse contexto, a escola é a instituição que não deve deixar de valorizar o ato da leitura, antes que esse vá se extinguindo gradativamente. Muitas vezes, o único contato dos alunos com o texto literário 33 acontece somente no ambiente escolar e é por isso que as instituições de ensino precisam investir na formação de seus alunos, em especial o leitor literário. Ramos (2004, p. 109) esclarece que, para transformar alunos em leitores, a escola tem que mobilizá-los internamente e mostrar a leitura como uma atividade interessante e desafiadora, que contribua para a autonomia e independência. Explicita que no momento dessa ação, o interlocutor põe em prática as suas capacidades intelectuais e afetivas e que o conjunto de experiências culturais e o conhecimento das convenções literárias geram diversas expectativas e previsões em relação ao texto e o prazer da leitura pode vir tanto da confirmação dessas previsões, quanto das surpresas provocadas pelos elementos imprevistos. De acordo com a autora, quando o leitor dialoga com a literatura, está realizando uma prática social de interação com signos que lhe permitem desvelar alguns dos possíveis sentidos do texto e, consequentemente, da realidade, estabelecendo vínculos com manifestações socioculturais que podem estar distantes no tempo e no espaço. No que se refere aos resultados de avaliações educacionais, essas revelam o Brasil como um país carente de leitores, apontando para a precária formação dos alunos e para um enorme déficit no que diz respeito a práticas leitoras dos textos escritos. Lê-se, com frequência, em revistas e jornais, resultados preocupantes obtidos através de diversas pesquisas, realizadas nos últimos anos, apresentando o hermético cenário brasileiro em que se insere a questão da leitura, revelando as mazelas que afligem esse aspecto do âmbito educacional. Indicadores do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica2 (IDEB) evidenciam que a condição atual do ensino no Brasil é dramática. Em 2009, a média brasileira foi de 4,6. O IDEB faz parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e o indicador é calculado a partir dos dados obtidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) – para as unidades da federação e para o País –, e a Prova Brasil – para os municípios. Tanto as provas de Língua Portuguesa do SAEB, quanto as da Prova Brasil, avaliam as competências básicas de leitura. 2 A respeito do IDEB, consultar: http://sistemasideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultadoBrasil.seam?cid=3596832. Acesso em 12 dez 2010. 34 1.4.1 A escolarização da literatura infantil Se os resultados das avaliações dos alunos leitores iniciantes são negativos, o que ocorre então, na escola? Primeiramente, pode-se dizer que um dos motivos é porque essa instituição de ensino “escolariza” de forma inadequada os saberes, os conhecimentos, não só os de literatura infantil, mas também os de matemática, geografia, história e assim por diante. Nesse sentido, o termo escolarização é, em geral, tomado em sentido pejorativo, depreciativo, quando utilizado em relação a conhecimentos, saberes, produções culturais; não há conotação pejorativa em “escolarização da criança”, em “criança escolarizada”, ao contrário, há uma conotação positiva; mas há conotação pejorativa em “escolarização do conhecimento”, ou “da arte”, ou “da literatura”, como há conotação pejorativa nas expressões adjetivadas “conhecimento escolarizado”, “arte escolarizada”, “literatura escolarizada”. No entanto, em tese, não é correta ou justa a atribuição dessa conotação pejorativa aos termos “escolarização” e “escolarizado”, nessas expressões (grifos da autora) (SOARES, 2001, p. 20). A autora explica que não é justa essa atribuição pejorativa do termo devido ao fato de que não há como ter escola sem ter escolarização de conhecimentos, de saberes, de artes, já que o surgimento da escola está ligado à constituição de saberes escolares, que se corporificam e se formalizam em currículos, matérias, disciplinas, programas, metodologias, tudo isso exigido pela criação da escola, de um espaço de ensino e de um tempo de aprendizagem (SOARES, 2001, p. 20). Assim, a escola é uma instituição em que as ações e os saberes são ordenados através de procedimentos formalizados de ensino, e a literatura infantil é escolarizada quando dela se apropria a escola. Esse processo, dessa maneira, é inevitável, porque é da essência desse ambiente a instituição de saberes, que se constituem pela didatização ou pedagogização de conhecimentos e práticas culturais. A questão fundamental das relações entre literatura infantil e escola é que é necessário saber (ou descobrir?) como realizar, de maneira adequada, a inevitável escolarização da literatura, pois o letramento literário é responsabilidade da escola, assim como defende Cosson: 35 a questão a ser enfrentada não é se a escola deve ou não escolarizar a literatura, como bem nos alerta Magda Soares, mas sim como fazer essa escolarização sem descaracterizá-la, sem transformá-la em um simulacro de si mesma que mais nega do que confirma seu poder de humanização (COSSON, 2009, p. 23). Dessa maneira, o uso desse gênero como matéria educativa, muitas vezes, recai sobre a prática do mediador e o sentido da plurissignificação do texto literário aparece em segundo plano (ou até mesmo nem aparece) e grande parte dos professores demonstra desconhecer a especificidade do texto literário e a função formadora da literatura, atribuindo a razão da escolha dos textos literários a aspectos que lhes são exteriores, como a ampliação do vocabulário, a assimilação de regras de escrita ou, até mesmo, a preparação para exames de mudança de nível de ensino (SARAIVA e MUGGE, 2006, p. 27). O que está acontecendo nas escolas é que, na maioria das vezes, é apresentada uma escolarização inadequada da leitura literária, em que o professor não possui critérios para selecionar os gêneros textuais a serem trabalhados com seus alunos, ou até mesmo não sabe diferenciar texto literário de não-literário e realiza práticas de leitura que, ao invés de aproximar o educando ao mundo mágico da leitura, só o afasta, criando desgosto pelo ato de ler. 1.4.2 As orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais Sabe-se que os Parâmetros Curriculares Nacionais são um instrumento que orienta as escolas brasileiras à elaboração de planos de ensino ou de estudo, nas discussões pedagógicas, no planejamento das aulas, na reflexão sobre a prática educativa ou até mesmo na análise do material didático, além de apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres. Assim, é pertinente verificar que o conceito de ensino de literatura subjaz aos PCNs. 36 No que se refere à especificidade do texto literário, os PCNs (BRASIL, 1997, p. 16) apontam que o trabalho com esse texto é importante, desde que esteja incorporado às práticas cotidianas da sala de aula, visto tratar-se de uma forma específica de conhecimento. Consta no documento que a literatura não é cópia do real, nem puro exercício de linguagem, tampouco mera fantasia que se asilou dos sentidos do mundo e da história dos homens e que, se tomada como uma maneira particular de compor o conhecimento, é necessário reconhecer que sua relação com o real é indireta (BRASIL,1997, p. 16). Os PCNs (BRASIL, 1997, p. 25) esclarecem que o ensino da literatura ou da leitura literária envolve exercício de reconhecimento das singularidades e das propriedades compositivas que matizam um tipo particular de escrita, sendo possível afastar uma série de equívocos que costumam estar presentes na escola em relação aos textos literários, ou seja, tratá-los como expedientes para servir ao ensino das boas maneiras, dos hábitos de higiene, dos deveres do cidadão, dos tópicos gramaticais, das receitas desgastadas do prazer do texto. Postos de forma descontextualizada, tais procedimentos pouco ou nada contribuem para a formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias. Um dos objetivos gerais de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental, propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais é “valorizar a leitura como fonte de informação, via de acesso aos mundos criados pela literatura e possibilidade de fruição estética” (BRASIL, 1997, p. 28). Dessa forma, entende-se que os documentos que norteiam a teoria proposta pelas escolas corroboram o ensino da leitura literária, mas na maioria dessas instituições de ensino, a prática educativa é diferente, já que nem sempre se valoriza esse tipo de leitura. Outro tópico tratado pelos PCNs (BRASIL, 1997, p. 43) são as condições de leitura: o documento justifica que formar leitores é algo que requer condições favoráveis para a prática de leitura, incluindo a disposição de uma boa biblioteca na escola. 37 1.5 A MEDIAÇÃO DE LITERATURA NA BIBLIOTECA A biblioteca escolar, em muitas situações, ainda é percebida como a guardiã do conhecimento, sendo considerada apenas como um depósito de livros e deixando de ser um espaço que viabilize o hábito da leitura e novas vivências. Para Nóbrega (2002, p. 121), na etimologia da palavra biblioteca (em grego, biblon=livro; théke=caixa, armário) denota-se uma imagem, a ela, constantemente atribuída: um cofre que guarda a memória, o tesouro da humanidade, seu legado, sua herança aos homens que virão. Mas, eterno e comum agir humano, do baú de riquezas só a alguns é revelada a chave para abri-lo e penetrar seus segredos. Aguiar (2001, p. 235) afirma que o livro não se coloca num templo, acima e além do leitor, como objeto intocável, sagrado e detentor de uma verdade acabada e inquestionável, que se constrói por si mesma. Assegura que, em oposição, é entendido como produto cultural ativo, integrado ao sistema de trocas da comunidade, desde sua criação até seu consumo, passando pelas ingerências de edição e circulação. Assim, o livro tem as funções alargadas, uma vez que sua leitura é considerada como fato presente no cotidiano, prática social vivenciada entre as demais e relativizada segundo as regras dos jogos sociais de que participa. Segundo Carvalho (2005, p. 23), a escola que pretenda investir na leitura como ato verdadeiramente cultural não pode ignorar a importância de uma biblioteca aberta, interativa, espaço livre para a expressão genuína da criança e do jovem. Lugar, insiste ela, para se gestar e praticar a troca espontânea que a leitura crítica proporciona, a leitura que inquieta, que faz pensar e reelaborar num autêntico processo de comunicação, cujo resultado é, sem dúvida, dos mais compensadores para as pessoas nele envolvidas, adultos e crianças, mediadores e leitores em formação. Conforme Campello (2005, p. 11), a biblioteca é, sem dúvida, o espaço de excelência para promover experiências criativas de uso de informação. Ao reproduzir o ambiente informacional da sociedade contemporânea, esse ambiente escolar pode, através de seu programa, aproximar o aluno de uma realidade que ele vai vivenciar no seu dia-a-dia, como profissional e como cidadão. Para a autora, a escola não pode mais contentar-se em ser apenas transmissora de conhecimentos que, provavelmente, estarão defasados antes mesmo que o estudante termine sua 38 educação formal; tem de promover oportunidades de aprendizagem que lhe ofereçam condições de aprender a aprender, permitindo-lhe educar-se durante a vida inteira. A biblioteca está presente no processo educativo. Trabalhando em conjunto, professores e bibliotecários podem e devem planejar situações de aprendizagem que desafiem os alunos, acompanhando seus progressos, orientando-os e guiando- os no desenvolvimento de suas competências. Kuhlthau (2002, p. 19) afirma que as habilidades para usar a biblioteca não são aspectos isolados do projeto pedagógico da escola, e sim constituem um conjunto de habilidades usadas para alcançar outros objetivos. Para a autora, quando conjuntos de habilidades são ensinados como atividades isoladas, geralmente ocorrem problemas de aprendizagem. Dessa maneira, é preciso questionar-se sobre as formas de ler e de ensinar a ler que estão sendo realizadas nesse ambiente escolar. De acordo com Carvalho (2005, p. 22), o papel da biblioteca no processo de formação do leitor estético deve ser repensado. A autora explicita que um número significativo de pesquisas tem revelado o equívoco das políticas e das atividades de promoção de leitura que partem do princípio de que o importante é ler, não importa o quê; é colocar o livro na mão da criança a qualquer custo; é criar o hábito de leitura através de técnicas de animação, jogos, de fichas de leitura. Mas, a biblioteca, segundo Carvalho, deve ser pensada como um espaço de criação e de compartilhamento de experiências, um espaço de produção cultural em que crianças e jovens sejam criadoras e não apenas consumidoras de cultura. Nessa perspectiva, Júnior e Bortolin (2009, p. 207) idealizam uma biblioteca escolar que dê conta dos seguintes aspectos: acervo atualizado e diversificado; serviços e atividades apropriados; boa localização; mobiliário confortável; decoração agradável; iluminação, ventilação e temperatura adequadas; e controle de umidade do ar. Assim, leva-se em conta a interferência dos diferentes mediadores de leitura que atuam nesse ambiente e agem sobre a quantidade, o gosto, o interesse e o comportamento do leitor. 39 1.5.1 A importância do outro no processo de leitura O agir docente é uma questão fundamental no processo da formação do leitor iniciante, porém há muitos professores não-leitores atuando nas bibliotecas das escolas brasileiras. Como pode alguém que não lê, permitir ao outro um momento agradável de leitura? Como pode ser feita a seleção de obras para a leitura se há professores atuantes nesse contexto que ainda não sabem diferenciar um texto literário de um não-literário? Quanto mais complexa a obra ou menos entendidos os receptores, mais necessária a mediação de professores, de diretores, de intérpretes e de críticos. Para Hauser, uma obra de arte é um desafio; não a explicamos, ajustamo-nos a ela. Ao interpretá-la, fazemos uso dos nossos próprios objetivos e esforços, dotamo-la de um significado que tem a sua origem nos nossos próprios modos de viver e de pensar (HAUSER, 1973, p.11). A necessidade de que a leitura literária realmente adquira a centralidade do mediador na construção do valor simbólico deste produto, sugere a atuação de um leitor mais experiente que possa mediar a relação entre o possível leitor e o objeto cultural – livro. Por isso, a interação entre os indivíduos é um fator fundamental para que esse entendimento ocorra e, de acordo com Vygotsky (1991, p. 33), é através da interação professor-aluno e entre os próprios alunos que cada indivíduo concebe o seu desenvolvimento. É a partir das relações sociais estabelecidas que o processo de ensino- aprendizagem se constitui, nos diversos contextos sociais. No momento em que permite a experiência da leitura literária, o professor está formando leitores, ou seja, está preparando sujeitos para o exercício consciente da cidadania e para a convivência saudável consigo mesmo e com os outros. Está realizando, de certa forma, um ato educativo. Dessa forma, a biblioteca escolar pode ser considerada um lugar privilegiado para a sistematização do conhecimento e o docente, um articulador na construção do saber, criando um ambiente de formação de leitores e pesquisadores, que revela uma postura de “um mediador mais flexível, interessado e respeitoso. Outra 40 característica básica do mediador é o de ser um leitor atento e desprendido de preconceitos” (JÚNIOR e BORTOLIN, 2009, p. 207-208), sendo um modelo a ser seguido sem deixar de manifestar suas preferências literárias. O mediador, nesse caso, possui uma tarefa complexa, pois “se se deseja formar o gosto de alguém pela leitura, todos sabem que não se pode prometer a essa pessoa o prazer imediato e durante todo o tempo” (CHARTIER, 2005, p. 129), mas que vale a pena lutar contra o estilo Mc Donald’s, contra a “literatura em massa” que dá tanto prazer imediato às crianças. A autora (CHARTIER, 2005, p. 132) prossegue explicando que há certos livros presentes no mercado que são considerados indignos de figurar numa lista proposta em sala de aula e que a questão de que é melhor ler alguma coisa do que nada ler está presente em discussões entre pedagogos e bibliotecários. Em contrapartida, há nas bibliotecas públicas brasileiras um material diversificado de literatura, de autores renomados, proporcionado pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola. 1.5.2 O Programa Nacional Biblioteca da Escola e o acesso à literatura O Programa Nacional Biblioteca da Escola distribui anualmente livros de literatura às escolas públicas brasileiras. No curso de sua história, o PNBE, criado em 1997, vem se modificando e tentando se adequar à realidade e às necessidades educacionais. Em 1998, o acervo incluiu material de História e Geografia, além de obras clássicas e modernas da literatura brasileira, atendendo escolas de 5ª a 8ª série. Em 1999, o acervo composto por obras de literatura infantil e juvenil se preocupou em atender escolas de 1ª a 4ª série. Frente a esses dados, percebe-se que o PNBE deu conta, nos dois primeiros anos de distribuição, de todas as séries do Ensino Fundamental e incluiu obras de literatura em seus acervos, além de outros materiais. No ano de 2000, o PNBE privilegiou a distribuição de produções destinadas para a formação de docentes às instituições escolares das séries iniciais (1ª a 4ª) do Ensino Fundamental. Entre 2001 e 2004, foi definido um novo tipo de atendimento, intitulado Programa Nacional Biblioteca da Escola – Literatura em Minha Casa e Palavras da Gente, focalizando a distribuição de coleções de literatura diretamente 41 aos estudantes de determinadas séries, para utilização individual. Cada aluno recebeu um conjunto de obras de literatura de gêneros diversos, com ilustrações em preto e branco – fato que tornava os livros pouco atraentes, sendo que a ilustração é um instrumento fundamental de apoio para a ativa intervenção do leitor na construção de sentidos e na formulação de hipóteses para a interpretação do texto. As bibliotecas de escolas que ofereciam essas séries igualmente receberam os acervos entregues aos estudantes. Nesse momento, a literatura infantil deixou de ser apenas voltada para a biblioteca, tornando possível o acesso desses estudantes e suas famílias a produções representativas da literatura e proporcionando uma atividade de lazer, que pôde ser ampliada além do ambiente escolar. A partir de 2005, a Secretaria de Educação Básica – SEB/MEC retomou o foco de ação no atendimento aos alunos nas escolas, por meio da ampliação de acervos das bibliotecas escolares, beneficiando as séries iniciais do Ensino Fundamental. As coleções foram escolhidas pelas escolas, via internet, sendo compostas por obras de diferentes gêneros e tipos de texto, além de material em Libras. Em 2006, os acervos destinaram-se às séries finais do Ensino Fundamental, contendo títulos de literatura dos mais variados gêneros e, em 2007, houve atendimento aos alunos do Ensino Médio. O PNBE vem aperfeiçoando a cada ano a distribuição das obras literárias que, atualmente, é responsável por coordenar a seleção dos títulos que compõem a lista do PNBE e Paiva esclarece, numa entrevista concedida à revista Educação como foi realizado o processo de escolha dos livros em 2009: participaram da seleção 72 avaliadores (mestres e/ou doutores na área), vinculados a instituições de ensino superior (preferencialmente públicas) de 14 estados brasileiros, agrupados em quatro sub-coordenações, submetidas a uma coordenação geral e uma consultoria. As deliberações finais sobre os acervos são submetidas a um colegiado de 12 pesquisadores, representantes de cinco núcleos consolidados de pesquisa e pós-graduação na área de teoria literária e ensino de literatura, instância da qual fizeram parte, também, técnicos do MEC (PAIVA, 2009, p. 46). De fato, os dados comprovam que a escolha das obras é criteriosa, porém, a avaliação do Tribunal de Contas da União (BRASIL, 2002, p. 9), demonstrou um estudo em que não havia informações sobre a utilização dos livros distribuídos pelo 42 PNBE, decorrente da falta de uma avaliação sistemática da utilização dos acervos pelos alunos e professores, o que impedia o conhecimento sobre os resultados do Programa. Paiva (2009, p. 46) afirma ainda, em sua entrevista, que pesquisas demonstram o quanto é fundamental investir na formação do leitor-professor para que ele esteja em condições de exercer uma boa mediação de leitura, deixando clara a necessidade de se investir no uso dos acervos do PNBE, já que esses são distribuídos para as escolas públicas de todo país. É através da execução do Programa que o Ministério da Educação incentiva, desde 1997, a prática da leitura e o acesso à cultura junto aos alunos, professores e comunidade em geral. Sob a gestão do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, ele é gerido com recursos financeiros originários do Orçamento Geral da União e da arrecadação do salário-educação. É por meio da distribuição de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referência que o Programa tem o objetivo de apoiar o cidadão no exercício da reflexão, da criatividade e da crítica. Para o PNBE/20083, foram selecionados 3 acervos de 20 títulos em cada conjunto para a Educação Infantil e 5 acervos de 20 títulos para o Ensino Fundamental. O foco da pesquisa são os acervos destinados ao público das séries iniciais (1ª a 4ª série ou 2º ao 5º ano), referidos nas tabelas abaixo: Tabela 1 – Acervo 1 do PNBE/2008 Autor/a Título da obra Editora Anna Claudia de Moraes Hoje é amanhã? YH Lucerna Ltda Ramos Antonio Luiz Ramos Cedraz A turma do Xaxado (vol. 2) Aclausio Cavalcante Cedraz Fernando Vilela de Moura Lampião e Lancelote Cosac & Naify Edições Ltda Silva. Ivan Angelo O vestido luminoso da Richmond Educação Ltda princesa James Riordan Histórias do mar Livraria Martins Fontes Editora Ltda José Paulo Paes e Walter É isso ali Richmond Educação Ltda Vasconcelos José Santos Matos O Casamento do Boitatá com Companhia Editora a Mula-sem-Cabeça Nacional Luiz Antonio Aguiar João e Maria de barro Distribuidora Record de 3 A respeito, consultar o site do Programa. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12368&Itemid=574. Acesso em 15 jan 2011. 43 Serviços de Imprensa S/A Márcia Kupstas O filho da bruxa Jpa Ltda Maria Terezinha de Mello A lenda da paxiúba Ediouro Publicações de Eboli Lazer e Cultura Ltda Mariana Tasca e Valéria Ana vaivém Projeto Ltda Portella Mauricio Veneza da Silva Vovô foi viajar Compor Ltda Michael Ende A história da sopeira e da Salamandra Editorial Ltda concha Neil Gaiman Os lobos dentro das paredes Rocco Ltda Ricardo Azevedo Aula de carnaval e outros Ática S/A poemas Rogério Andrade Barbosa Os três presentes mágicos Record Ltda Sylvia Orthof O sapato que miava Ftd S/A Ted Naifeh Crumrin & as criaturas da Devir Livraria Ltda Courtney Noite Teresa Costa e Paula e João Meu tempo e o seu Lê Ltda Basílio Costa e Paula Valéria Barros Belém Dias O cabelo de Lelê Companhia Editora Nacional Tabela 2 – Acervo 2 do PNBE/2008 Autor/a Título da obra Editora Angela Lago Outra vez Rhj Livros Ltda Carlos Drummond de Vó caiu na piscina Best Seller Ltda Andrade Christina Cidade Dias de O galinheiro do Bartolomeu Best Book Comércio de Castro Livros Ltda Fabiana dos Santos Patativa do Assaré: o poeta Fundação Demócrito Rocha passarinho Fernanda Lopes de Almeida O rei maluco e a rainha mais Ática S/A ainda Joann Sfar Pequeno vampiro vai à Jorge Zahar Editor Ltda escola Jorge Amado A bola e o goleiro Distribuidora Record de Serviços De Imprensa S/A Lia Zatz Tô com Fome Biruta Ltda Luiz Antonio Aguiar O sino que queria voar Record Ltda Luiz de Alvarenga Galdino Um Índio chamado Nova Alexandria Ltda Esperança Mamadou Diallo Os chifres da hiena e outras Comboio de Corda Editora histórias da África Ocidental Ltda Maria Lúcia Pimentel de Vira, vira, vira lobisomem Pia Sociedade Filhas de São Sampaio Góes Paulo Maria Valéria Rezende Jardim de menino poeta Planeta do Brasil Ltda Mário Quintana Lili inventa o mundo Global Editora e Distribuidora Ltda Marina Colasanti A menina arco – íris Gaudi Editorial Ltda 44 Marina Colasanti A moça tecelã Global Editora e Distribuidora Ltda Millôr Fernandes Abecedário do Millôr para Pixel Média Comunicação crianças S/A Octavia Monaco e Nicola Romeu e Julieta Ática S/A Cinquetti Renato Vinicius Canini e O amigo urso Saraiva S/A Livreiros Mery Weiss Editores Rosane Svartman Melhores amigas Jorge Zahar Editor Ltda Tabela 3 – Acervo 3 do PNBE/2008 Autor/a Título da obra Editora Astrid Lindgren Píppi Meialonga Schwarcz Ltda Charles Kiefer Você viu meu pai por aí? Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S/A Cláudio Roberto Agata O vôo supersônico da Distribuidora Record de Lopes galinha Galatéia Serviços de Imprensa S/A Daniel Monteiro Costa Catando piolhos. Contando Brinque –Book Editora de histórias Livros Ltda Edna Maria de Lopes Bueno Entre os bambus Gaudi Editorial Ltda Elisa Lucinda Campos O menino inesperado Distribuidora Record de Gomes Serviços de Imprensa S/A Eva Furnari Felpo Filva Moderna Ltda Ikechukwu Sunday Nkeechi Ulomma – a casa da beleza Pia Sociedade Filhas De e outros contos São Paulo João Proteti À toa, à toa Mr Cornacchia Livraria e Editora Ltda Kátia Canton Brincadeiras Livraria Martins Fontes Editora Ltda Leonardo Antunes Cunha A Menina da varanda Record Ltda Liliana Lacocca Lampião e Maria Bonita: o Ática S/A rei e a rainha do Cangaço Luiz Antonio Aguiar Dadá e Dazinha Best Seller Ltda Marcia Williams O rei Artur e os cavaleiros da Ática S/A Távola Redonda Marilda Castanha Da cabeça aos pés Ediouro Publicações de Lazer e Cultura Ltda Naomi Adler Contos de animais do Livraria Martins Fontes mundo todo Editora Ltda Ricardo Azevedo Livro de papel Editora Do Brasil S/A Ruth Rocha As coisas que a gente fala Salamandra Editorial Ltda Sylvia Orthof Cantarim de cantará Agir Editora Ltda Ziraldo 25 Anos do Menino Editora Globo S/A Maluquinho 45 Tabela 4 – Acervo 4 do PNBE/2008 Autor/a Título da obra Editora André Neves Maria Mole Pia Sociedade de São Paulo André Ricardo Almeida de O rato que roeu o rei Editora Jpa Ltda Aguiar Ari Evaldo Viana Lima A raposa e o cancão Imeph-inst Meta de Educ., Pesq e Formação de Rec Hum Ltda Claudio Galperin A música viva de Mozart Ática S/A Fido Nesti Os Lusíadas em quadrinhos Fundação Peirópolis Ltda Gonzalo Ivar Cárcamo O amigo fiel Berlendis Editores Ltda Heloísa Prieto Lá vem história Schwarcz Ltda Guto Lins E o palhaço o que é? FTD S/A José de Castro Poemares Dimensão Ltda Leonardo Antunes Cunha Conversa pra boy dormir Dimensão Ltda Marcio Túlio Costa O gato que falava siamês Best Seller Ltda Maria José Martins de Salada, saladinha Moderna Ltda Nóbrega e Rosane Límole Paim Pamplona Mário Quintana Sapato furado Gaudi Editorial Ltda Praline Gay Para O príncipe corajoso e outras Comboio De Corda Editora histórias da Etiópia Ltda Rogério Andrade Barbosa Os gêmeos do tambor Dcl Difusao Cultural do Livro Ltda Sylvia Orthof Currupaco paco e tal, quero Frente Editora Ltda ir pra Portugal! Sylvia Orthof O rei preto de Ouro Preto Gaia Ltda Thais Linhares Vovó dragão Frente Editora Ltda Walter Ono O melhor amigo Caros Amigos Ltda Walter Ono O melhor amigo do melhor Caros Amigos Ltda amigo Tabela 5 – Acervo 5 do PNBE/2008 Autor/a Título da obra Editora Adriana Falcão A tampa do céu Salamandra Editorial Ltda André Neves A caligrafia de Dona Sofia Pia Sociedade Filhas de São Paulo Carlos Drummond de A senha do mundo. Distribuidora Record de Andrade Serviços de Imprensa S/A Carlos Eduardo Lima Histórias com poesia, alguns Editora 34 Ltda Machado bichos & Cia Catherine Zarcate Enigmas do vampiro: Comboio de Corda Editora histórias da Índia Ltda Cecília Vicente de Azevedo O livro do trava-língua Lacerda Editores Ltda Alves Pinto Gianni Rodari Alice viaja nas histórias Biruta Ltda Graziela Bozano Hetzel O jogo de amarelinha Manati Produções Editoriais 46 Ltda Ignácio de Loyola Brandão Menino que não teve medo Editora Gaia Ltda do medo James Rumford Chuva de manga Brinque-Book Editora de Livros Ltda José Carlos Barbosa de No palco todo mundo vira Planeta Do Brasil Ltda Aragão bicho José Carlos Botelho de Asas brancas Richmond Educação Ltda Queiroz Telles José Ribamar Ferreira Dr. Urubu e outras fábulas José Olympio Editora Ltda Leny de Azevedo Werneck Embaixo da cama Dimensão Ltda Leonardo Antunes Cunha Lápis encantado Ftd S/A Luiz Raul Dodsworth João teimoso Nova Fronteira S/A Machado Marcia Williams Mitos gregos: o vôo de Ícaro Ática S/A e outras lendas Maria Lúcia Pimentel de Assombrações da Terra Larousse do Brasil Sampaio Góes Participações Ltda Niki Daly O que tem na panela, Edições Sm Ltda jamela? Werner Zotz Barco branco em mar azul Letras Brasileiras Ltda Os cinco acervos dessa edição do Programa foram compostos por livros de literatura e com gêneros textuais variados, entre eles, narrativa, poesia, prosa e história em quadrinhos – conforme classificação posta pelo Edital. Em relação à origem dos exemplares, há livros nacionais e traduções, havendo autores e ilustradores distintos para cada grupo de títulos. Destacam-se escritores e ilustradores consagrados na composição dos acervos, sinalizando o desejo do Programa em expor o aluno em contato com obras de estilos diferentes. Porém, um trabalho de política pública não pode alcançar seu êxito apenas com a distribuição de livros às escolas, é necessário também que se formem pessoas capazes de incentivar nos alunos o hábito da leitura, ainda mais quando se trata de livros de literatura infantil. 1.5.3. A possibilidade de mediar o texto literário através de roteiros de leitura Propostas de mediação de leitura literária são sugeridas, no capítulo 4, para livros do PNBE/2008, as quais se baseiam em estudos de Juracy Assmann Saraiva (2006). A proposta é concretizada através de roteiros de leitura, os quais são 47 formados por três etapas, denominadas: (i) atividade introdutória à recepção do texto (que objetiva sensibilizar os alunos para a leitura); (ii) leitura compreensiva e interpretativa do texto (em que se destacam as significações não-explicitadas pelo texto); e (iii) transferência e aplicação da leitura (que privilegia a produção de textos dos alunos, expressos por meio de variadas linguagens). As etapas, instituídas pela autora, se desenvolvem a partir da Estética da Recepção – vertente de pensamento nascida no interior da Teoria da Literatura, durante a segunda metade do século XX, que coloca o sujeito no lugar do processo, concentrando as ações nos modos de percepção e recepção diante de um texto literário –, que eleva o leitor e seu horizonte, atribuindo-lhe um estatuto estético e epistemológico, colocando-lhe à frente do autor e também da própria obra literária. A escola alemã, que entre seus membros e seguidores, em diferentes épocas, conta com Hans-Georg Gadamer, Hans Robert Jauss, Herbert Marcuse, Jürgen Habermas, Theodor Adorno e Walter Benjamin, é também responsável pela difusão da arte literária como um fenômeno estético atrelado e essencialmente necessário à vida dos sujeitos. A esse respeito, Gadamer atesta que obra de arte é compreendida como a consumação da representação simbólica da vida, a caminho da qual já se encontra igualmente toda a vivência e é por isso que ela mesma é caracterizada como objeto da vivência estética. Para a estética, isso tem como consequência que a chamada arte vivencial aparece como verdadeira arte (GADAMER, 2005, p. 117). Graças aos pressupostos filosóficos provenientes desse movimento a favor da recepção artística do texto como foco do processo hermenêutico, atribui-se à obra literária o estatuto de arte e de conhecimento que, a partir das representações que faz da realidade, abre-se como um jogo de experiências necessárias para o ser humano no seu processo de constituição como sujeito. Com base nisso, a literatura pode manter seu caráter estético e cumprir sua função na escola, que é humanizar os estudantes a partir da experimentação do texto e da ampliação de seu horizonte de expectativas, tal qual propõem as abordagens do Método Recepcional e dos roteiros de leitura. Por essa razão, os roteiros preocupam-se com as etapas de apropriação do texto artístico, que se iniciam pela captação do sentido, seguindo-se a interpretação e, depois, a transferência de significados. Se a leitura acontece de acordo com essa sequência de ações, é assim que o mediador pode agir para não romper a cadeia de deciframento da escrita por parte do leitor. Saraiva (2001, p. 85) explica que a idéia 48 de roteiro pode ser melhor apreendida quando relacionada à produção cinematográfica: o roteiro é o texto sobre o qual se realiza o filme; todavia quando acabado, o discurso fílmico é muito mais rico do que a sequência que orientou sua execução. É nesse sentido que se emprega a palavra roteiro: como fio condutor de uma ação produtiva, cujos resultados transcendem aquilo que lhe deu origem. De uma forma mais específica, a primeira etapa visa a estimular as crianças à leitura: elas podem ter o próprio texto como instrumento de motivação ou se valer de informações prévias para alcançar o objetivo desejado. As experiências pessoais, entre elas e brincadeiras infantis são utilizadas para ativar a curiosidade dos alfabetizandos em relação à leitura do texto e, simultaneamente, para valorizar seu conhecimento de mundo e ampliá-lo. A segunda etapa caracteriza-se pela apreensão do horizonte inscrito no texto, do qual o receptor faz parte. Segundo Saraiva, as atividades sugeridas na segunda etapa distinguem-se segundo a modalidade dos textos: tratando-se de uma narrativa, o professor procede a uma leitura compartilhada pelos alunos, levantando questões sobre os enunciados verbais e visuais; ao explorar poemas, o professor recorre a alternativas diversas para apresentar a transcrição gráfica do texto – seja através do quadro-verde ou de painéis que permitam a apreensão visual do todo -, objetivando estimular sua memorização. Uma vez realizada, gera diferentes situações, como a leitura de faz-de-conta, a demonstração oral da leitura, a recriação do texto pela mudança da disposição de versos ou estrofes ou pela substituição de palavras (SARAIVA, 2001, p. 86). A terceira etapa é decorrente da anterior, em que as significações, evidenciadas no texto, são reelaboradas pelo leitor em termos de novas possibilidades expressivas, que recria a leitura, dando forma à finalidade prevista pelo ato de ler, gerando experiências, originando reflexões, exigindo posicionamentos e levando à renovação. Saraiva afirma ainda que as atividades de produção textual compreendem ações das mais variadas, prevendo composição de narrativas e poemas, concepção de entrevistas, criação de livros, recriação de poemas, brincadeiras com a sonoridade das palavras, jogos dramáticos, exercícios físicos, organização de painéis, desenhos, ilustrações, confecção de bonecos, de fantoches, execução de dobraduras, agregando diferentes modalidades de 49 linguagens, para promover a capacidade expressiva e comunicativa das crianças, cujo reconhecimento se busca através do envolvimento da comunidade escolar. O referencial proposto abriga conceitos que se referem à educação numa visão emancipatória, em que o texto literário e a leitura como experiência constituem-se como fatores essenciais para a formação do aluno. Nesse sentido, o professor-mediador que atua na biblioteca possui um papel fundamental na formação do sujeito-leitor e, se essa mediação for realizada de uma maneira pensada, o trabalho nesse ambiente escolar pode, certamente, interferir de forma positiva na educação. Além disso, os roteiros de leitura integram uma proposta entre a leitura literária e o uso de novas tecnologias. As escolas públicas atuais, geralmente, estão equipadas de salas de Informática com computadores acessíveis aos alunos, por isso os roteiros aqui apresentados agregam o espaço da biblioteca escolar e da sala de computação, já que se percebe que, na era contemporânea, as novas tecnologias fazem parte do panorama social, participando de modo altamente ativo na constituição de sujeitos e sociedades, gerando diálogos, interações e novas formas de socialização. Nesse processo atual, o avanço tecnológico vem apresentando à escola e às comunidades que a envolve, novas maneiras de perceber e construir conhecimentos e as ferramentas desse novo paradigma propõem formas dinâmicas de estabelecer e construir relações com o outro e podem constituir espaços para que tais relações estabeleçam meios de aprendizagem. Quando o aluno usa o computador para construir o seu conhecimento, essa máquina passa a ser uma ferramenta que propicia condições para que o aluno use linguagens para refletir sobre os resultados obtidos, depurando suas ideias por intermédio da busca de novos conteúdos e novas estratégias. De acordo com Moraes (2000), a tecnologia é mais uma ferramenta que, ao fazer parte do cotidiano do professor, pode oferecer e enriquecer consideravelmente seus projetos de trabalho e de estudo, além de, obviamente, contribuir significativamente com os processos de aprendizagem dos alunos. Por isso, pensou- se em apresentar uma proposta baseada na integração entre literatura e tecnologia, já que fazer parte do novo mundo virtual deveria constituir parte da vida do sujeito e no mundo de hoje há novas bases epistemológicas e novos ambientes interativos de 50 aprendizagem. Dessa maneira, o contexto escolar para os roteiros de leitura, no capítulo 4, irá integrar a biblioteca e a sala da Informática. A fim de analisar obras do PNBE/2008 e elaborar roteiros de leitura com as mesmas, parte-se, primeiramente, para o estudo da realidade escolar, a ser descrito no próximo capítulo, que se refere a aspectos relacionados ao uso desses acervos em escolas municipais da cidade de Caxias do Sul. 51 2 A MEDIAÇÃO DE LEITURA LITERÁRIA NA BIBLIOTECA É preciso ler, é preciso ler... E se, em vez de exigir a leitura, o professor decidisse partilhar sua própria felicidade de ler? A felicidade de ler? O que é isso, felicidade de ler? (Daniel Pennac) Este capítulo faz referência aos procedimentos metodológicos e instrumentos utilizados durante a realização da pesquisa de campo, caracterizando a dimensão espaço-temporal determinada para o estudo, além de apresentar as estratégias e os critérios utilizados para tais escolhas. Primeiramente, são apresentadas as características da pesquisa, no que se refere ao seu cunho qualitativo, e os critérios para a definição das escolas que participam do estudo in loco. Além disso, são elencados e discutidos os instrumentos utilizados durante a coleta de dados: a entrevista e a observação. Após a caracterização da pesquisa, há um estudo sobre as escolas que participaram do processo, considerando aspectos relacionados ao espaço físico, à comunidade escolar, à biblioteca e aos projetos de leitura desenvolvidos nas instituições de ensino participantes. Em seguida, analisam-se os dados, considerando questões pertinentes que estão relacionadas à mediação de leitura na biblioteca escolar. 52 2.1 O PERCURSO INVESTIGATIVO 2.1.1 A caracterização da pesquisa O termo pesquisa pode remeter a vários sentidos, sendo eles relacionados à área da política, como as pesquisas eleitorais, por exemplo; ou até mesmo à área escolar, em que a professora sugere que os alunos realizem pesquisa sobre algum assunto (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 1). No entanto, esse tipo de atividade não chega a representar verdadeiramente o conceito de pesquisa, que pode ir mais além. Na área da pesquisa em educação, Lüdke e André afirmam que para se realizar uma pesquisa é preciso promover o encontro entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele. Em geral, isso se faz a partir do estudo de um problema, que ao mesmo tempo desperta o interesse do pesquisador e limita sua atividade de pesquisa a uma determinada porção do saber, aquela que se compromete a construir naquele momento (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 1-2). De acordo com essa última concepção de pesquisa da área educacional, é que será apresentado e tratado este estudo, no que se refere à coleta de dados e à análise dos mesmos. Há discussões sobre as diferenças entre pesquisa qualitativa e quantitativa. O sentido deste estudo não é discutir tais conceitos, mas optar por um referencial teórico que subsidie a análise das informações coletadas durante a pesquisa de campo. De maneira a apresentar o percurso metodológico que se pretende empregar, tem-se, como base, as concepções de Bauer e Gaskell, os quais consideram que a pesquisa quantitativa utiliza números e usa modelos estatísticos para explicar os dados, enquanto que a qualitativa prioriza interpretações das realidades sociais e o protótipo mais conhecido é a entrevista (BAUER e GASKELL, 2002, p. 22-23). Nesse sentido, o pressuposto que serve de fundamento para as análises segue princípios da pesquisa qualitativa. A coleta de dados implica realização de entrevistas, observações e análise desses dados, e envolve a realidade de escolas públicas do município de Caxias do Sul, no que se refere à mediação de leitura 53 Em relação ao estudo em questão, apresentaram-se, no capítulo primeiro, conceitos e referenciais teóricos relacionados à educação, à literatura infantil e à biblioteca escolar, enquanto que neste capítulo, será feita a vinculação da teoria exposta com os dados coletados durante a pesquisa de campo, descrevendo-os e analisando-os, caracterizando como um estudo de cunho qualitativo. Além disso, a pesquisa tem um caráter descritivo, pois o foco residiu num estudo sobre uma determinada realidade, delimitando técnicas, métodos, modelos e teorias que orientaram a coleta e a interpretação de dados (TRIVIÑOS, 1987, p. 112). A investigação teve como foco escolas da cidade de Caxias do Sul4, a qual está localizada na região nordeste do Rio Grande do Sul, a 127 km de Porto Alegre, a capital do Estado. Em 2009, a população total do município era de aproximadamente 413.000 habitantes e a imigração é basicamente italiana, apresentando pontos turísticos que contemplam a história desse povo. A cidade possui boa infraestrutura, pois a Prefeitura mantém projetos relacionados à água, saneamento, energia e habitação. Há estabelecimentos de saúde públicos e privados e a provisão de segurança pública é dada por diversos organismos. Caxias do Sul possui altos índices de desenvolvimento econômico e humano e sua economia é uma das mais dinâmicas do Brasil, presente em muitos mercados internacionais. Também sua cultura se internacionalizou, dispondo de várias instituições de ensino superior e apresentando uma significativa vida artística e cultural em suas mais variadas manifestações5. 2.1.2 A seleção das escolas Nesse panorama, a rede municipal de ensino de Caxias do Sul, de acordo com dados de 2009, é constituída por 89 escolas de Ensino Fundamental – 68 4 A respeito dos dados apresentados sobre o município, consultar: http://www.cic-caxias.com.br/perfil/. Acesso em 10 jan 2011. 5 Em 2008, Caxias do Sul ganha o prêmio Capital Brasileira da Cultura (CBC), que foi lançado no Brasil no final de 2003 com a finalidade de eleger, anualmente, uma cidade brasileira como referência cultural do país. Para essa finalidade, foi fundada em janeiro de 2004 a Organização Capital Brasileira da Cultura (ONG CBC), com sede na cidade de São Paulo de onde dirige as suas operações para implementar o projeto. A Capital Brasileira da Cultura conta com apoio institucional do Ministério da Cultura, Ministério do Turismo, UNESCO e da Discovery Networks, empresa oficial de TV do projeto CBC. Para maiores informações, consultar: http://www.caxiascapitaldacultura.com.br/. Acesso em 12 dez 2010. 54 localizadas no perímetro urbano e 21 na área rural – e 31 escolas de Educação Infantil conveniadas. Conta com cerca de 2500 professores que atendem aproximadamente 38000 alunos, divididos em Educação Infantil (das escolas conveniadas ao município), Pré-Escola, Ensino Fundamental, Educação Especial e Educação de Jovens e Adultos (EJA). No segundo semestre de 2009, período determinado, de acordo com o projeto de pesquisa aprovado pelo curso de Mestrado – PPGEd-UCS –, houve um acompanhamento das atividades em duas escolas dessa cidade. O foco do estudo de campo centralizou-se nas bibliotecas dessas escolas, as quais pertencem à rede pública municipal de ensino, já que possuem uma proposta mais orientada em relação aos projetos realizados e aos educadores atuantes nesse ambiente escolar do que as da rede estadual. Outro fator que justifica essa escolha é o fato de que, atualmente, em Caxias do Sul, muitas bibliotecas de escolas estaduais estão fechadas por falta de docentes e ainda não há uma política clara para a indicação do professor que atua nesse ambiente escolar. Além do mais, o professor necessita, para trabalhar na biblioteca de uma escola da rede municipal de ensino, apresentar um projeto que contemple questões de leitura e apropriadas para esse ambiente, o qual deve ser aprovado pela equipe diretiva e pelos demais colegas. Foram escolhidas duas bibliotecas escolares cujas atividades de mediação acompanhadas no período de dois meses: outubro e novembro de 2009. O critério para a escolha das escolas baseou-se na lista do IDEB6, criado pelo INEP, ponderando os resultados do ano de 2007 e as médias de desempenho da Prova Brasil7, utilizada para a avaliação do rendimento escolar de Língua Portuguesa e Matemática. É importante ressaltar que na Prova Brasil, que avalia alunos de quarta e de oitava séries do Ensino Fundamental, as questões de Língua Portuguesa focam a leitura. Dessa maneira, realizou-se a pesquisa de campo em duas escolas que obtiveram bom desempenho da cidade de Caxias do Sul – ficando entre as cinco primeiras colocadas – aliando-se à aceitação da Secretaria Municipal de Educação (SMED) desse município e das escolas em participar como área de estudo. A autorização da SMED, das escolas municipais e das pessoas em contribuir para a 6 O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado pelo Inep em 2007 e representa a iniciativa pioneira de reunir num só indicador dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações. A respeito, consultar: http://portalideb.inep.gov.br. Acesso em 10 ago 2010. 7 A Prova Brasil é um exame complementar que compõe o sistema de Avaliação da Educação Básica. A respeito, consultar: http://provabrasil.inep.gov.br. Acesso em 10 ago 2010. 55 pesquisa foi aceita mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO B). Outro aspecto relevante a ser citado refere-se ao fato de que o estudo desenvolvido nas escolas teve início somente após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Universidade de Caxias do Sul – CEP/FUCS (ANEXO C). 2.2 OS INSTRUMENTOS DE COLETA A entrevista e a observação foram os meios utilizados para a reunião de informações durante o processo de coleta de dados neste estudo, especificados a seguir. 2.2.1 A entrevista Para o estudo in loco, optou-se por realizar entrevistas com a equipe diretiva e com as professoras bibliotecárias, já que esse gênero representa uma técnica de trabalho básica para a coleta de dados, devido ao tipo de interação que proporciona. Lüdke e André ressaltam que “na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem responde” (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 33). Considerando que o objetivo proposto foi investigar a mediação de leitura na biblioteca escolar, acredita-se que a entrevista se constitui de um dos instrumentos mais confiáveis para subsidiar a análise das informações, pois por meio dela o pesquisador interage com o entrevistado, buscando os dados necessários para o estudo que está sendo focalizado. As entrevistas realizadas nas escolas foram as semi-estruturadas, pois são as mais indicadas para esta pesquisa de cunho qualitativo-descritivo. Segundo Triviños, a entrevista semi-estruturada é um dos principais meios que tem o investigador para realizar a Coleta de Dados [...] porque esta, ao mesmo tempo que valoriza a presença do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a 56 espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação (TRIVIÑOS, 1987, p. 145-146). Entende-se por entrevista semi-estruturada, de acordo com Triviños, aquela que parte de certos questionamentos básicos, os quais são apoiados em teorias e hipóteses que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa (TRIVIÑOS, 1987, p. 146). De modo geral, o processo da entrevista semi-estruturada ocorre com um roteiro formado por questões de interesse do pesquisador, o qual, no momento da entrevista vai seguindo os questionamentos sem deixar que o informante participe com suas colocações. A partir desses dados, elaboraram-se os roteiros de entrevista semi- estruturada, os quais foram realizados com a equipe diretiva e com as professoras bibliotecárias das escolas que fizeram parte deste estudo. Os questionamentos focaram a caracterização das escolas, das bibliotecas, da comunidade escolar e a mediação de leitura, entre outros tópicos. O corpus coletado para a posterior análise, através dessas entrevistas, foi arquivado por transcrições. Segundo Bauer e Gaskell, a primeira exigência é uma transcrição, quando se trata da prática da análise do discurso, a não ser que se seja um texto de domínio público, como por exemplo, um artigo de jornal, um relatório de uma companhia ou até mesmo um registro de um debate (BAUER e GASKELL, 2002, p. 251). Concorda-se com Triviños quando ele afirma que a transcrição é muito importante, mesmo se demorada, e que a gravação é um meio eficiente de coletar dados, já que “a gravação permite contar com todo o material fornecido pelo informante, o que não ocorre seguindo outro meio” (TRIVIÑOS, 1987, p. 148). Dessa maneira, as entrevistas, no estudo em questão, foram pré-agendadas com a equipe diretiva e com as docentes atuantes na biblioteca e, durante a coleta dos dados, a entrevista foi gravada com um aparelho celular. Somente o som foi captado, pois a imagem do informante não será utilizada na pesquisa, já que a postura corporal e a entonação da voz não serão analisadas. Após a realização das 57 mesmas, a pesquisadora efetivou a transcrição das informações, para a posterior análise. 2.2.2 A observação No que se refere à coleta de informações, além das entrevistas, foram realizadas, também, observações das escolas em questão, focando espaços de mediação de leitura presentes nessas instituições e aspectos da biblioteca escolar. De acordo com Lüdke e André, tanto quanto a entrevista, a observação ocupa um lugar privilegiado nas novas abordagens de pesquisa educacional, já que possibilita um contato estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 26). Durante o estudo, as entrevistas permitiram a interação com os sujeitos da pesquisa e a obtenção de dados sobre ações realizadas nas escolas voltadas à mediação, ao funcionamento da biblioteca, aos projetos de leitura, ao empréstimo de livros, entre outros aspectos, enquanto que o armazenamento de dados referentes à descrição dos espaços físicos e dos materiais de leitura foram submetidos a observações. Sabe-se que observar é algo subjetivo, sendo que duas pessoas podem olhar para um mesmo objeto e perceber coisas diferentes. Lüdke e André afirmam que as observações que cada um de nós faz na nossa vivência diária são muito influenciadas pela nossa história pessoal, o que nos leva a privilegiar certos aspectos da realidade e negligenciar outros (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 25). E, baseados nessa concepção, eles apontam que a observação pode ser planejada e determinada com antecedência para que se torne um instrumento válido de investigação científica e precisa ser antes de tudo controlada e sistemática. Isso implica a existência de um planejamento cuidadoso do trabalho e uma preparação rigorosa do observador (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 25). Dessa maneira, as observações realizadas durante a pesquisa seguiram um roteiro, pois se concorda 58 com Lücke e André quando eles afirmam que é necessário planejar a observação, determinando “o quê” e “como” observar, delimitando o objeto de estudo (LUCKE e ANDRÉ, 1986, p. 25). Nessa etapa, dois roteiros foram elaborados: um para observar a escola (sua localização e os espaços de mediação de leitura fora do ambiente da biblioteca) e outro específico para a biblioteca (focalizando o acervo do PNBE, as etiquetas das estantes, a mobília, a disposição do material de leitura, entre outros aspectos). Durante as observações, efetuaram-se registros através dos roteiros, e as partes relevantes serão referidas na análise. Os dados apresentados a seguir, que se referem às instituições de ensino, são oriundos de entrevista realizada com a direção escolar dos estabelecimentos em questão. Ao se tratar das bibliotecas escolares, as informações provêm de entrevistas realizadas com as docentes que atuam nesses ambientes e de observações desempenhadas pela pesquisadora. 2.3 O PERFIL DA PRIMEIRA ESCOLA A escola está localizada no bairro Desvio Rizzo do município de Caxias do Sul, pertencente à zona urbana e composto por várias indústrias de pequeno, médio e grande porte, além de ter dois grandes centros comercias nas suas proximidades. O estabelecimento de ensino foi fundado no ano de 1987 e está construído sobre rochas, situado num morro e, segundo a direção escolar, não tem mais espaço para ampliação física, sem a detonação de pedras. Não há, dessa maneira, ampliação de turmas, nem de salas. A escola funciona na parte da manhã e da tarde, constituída por um grupo de 570 alunos, sendo a sua maioria composta por alunos de classe média baixa e moradores do bairro em questão. O estabelecimento é administrado por uma diretora e, para cada turno, há uma vice-diretora, uma coordenadora pedagógica e uma docente que atua na biblioteca. O grupo é constituído por 40 professores e, desses docentes, apenas um possui somente magistério, os demais já são 59 graduados e a maioria faz pós-graduação, sendo 4 professores com curso de mestrado. Os pais participam da vida escolar de seus filhos através do CPM (Círculo de Pais e Mestres). Mensalmente, há reuniões para discussões, prestações de contas e nesses momentos, também há conversas sobre o aperfeiçoamento da instituição. A diretora explicita que a escola acredita numa proposta sociointeracionista e baseia- se em ideias de Celso Antunes e Piaget, visando à formação de cidadãos livres, conscientes, integrados e participantes da comunidade e promovendo o desenvolvimento de habilidades dos alunos. Os espaços que a escola dispõe para mediação de leitura se resumem à biblioteca escolar e às salas de aula. Nesse contexto, a biblioteca está próxima a uma sala de aula e ao pátio e, quando os alunos têm Educação Física ou realizam atividade ao ar livre, há ruídos exteriores que interferem na concentração de quem está dentro desse ambiente. Pode-se dizer que a luminosidade é adequada, porque há doze lâmpadas fluorescentes e duas janelas, por onde entra a claridade. Há também uma ventilação apropriada para o tamanho da sala, porque além de ter a porta e as janelas, há um ventilador de teto, centralizado. A sala utilizada para a biblioteca dispõe de 36,6m² e comporta 30 alunos sentados. A mobília está disposta ao redor da sala: há estantes, umas ao lado das outras, encostadas nas paredes e contendo o material de leitura. As obras estão em pé nas prateleiras e etiquetadas. A classificação parece não obter um critério específico, pois ora aparecem nomes de autores, ora assuntos, como por exemplo: Pedro Bandeira, Sérgio Caparelli, Paulo Coelho, hora do conto, tradição oral, contos, crônica, teatro, novela e biografias. Há uma etiqueta específica para os livros doados pelo governo, estando escrito: FNDE, destacando-os. Essas classificações estão especificadas nas ilustrações 1, 2, 3 e 4, a seguir: 60 Ilustração 1 Ilustração 2 Etiqueta da estante: tradição oral, contos, Etiqueta da estante: hora do conto crônicas, etc... Ilustração 3 Etiqueta da estante: Pedro Bandeira, Sérgio Caparelli, Ilustração 4 Paulo Coelho Etiqueta da estante: FNDE São disponibilizadas em torno de onze mil obras aos estudantes das séries iniciais do Ensino Fundamental, que compõe um grupo de 210 alunos. A aquisição do material ocorre de diferentes maneiras. Uma delas refere-se à associação do aluno: para poder retirar livros do acervo, o aluno paga uma taxa anual de R$ 1,00 (um real) – esse foi o valor referente ao ano da pesquisa de campo (2009) –, que é utilizado para compra de material a ser utilizado na biblioteca. Outras medidas tomadas em relação à aquisição de material para a biblioteca referem-se à verba que a escola tem para gastar e ao lucro do dinheiro do bar localizado dentro da instituição – que vende bebidas e alimentos na hora do recreio. Essa biblioteca, de acordo com a direção, destaca-se das outras que compõem a rede de escolas municipais porque é uma das que contém o melhor acervo. Essa qualificação, para ela, ocorre porque as obras ali presentes possuem 61 gêneros variados e o material possui boa qualidade, pois, às vezes, adquirem livros um pouco mais caros de autores renomados e não somente coleções baratas que os vendedores apresentam. Em 2008, a escola recebeu o acervo 4 do PNBE 2008. A instituição disponibiliza diversos projetos relacionados à leitura. Um deles refere-se ao autor na escola, em que, no final do ano, um escritor é convidado a visitar a escola e a realizar atividades com os alunos, como por exemplo, teatros, entrevistas, exposições de trabalhos, etc. Para que isso aconteça, nas listas de material do aluno, que orientam a compra no início do ano letivo, é solicitado algum livro do escritor. De acordo com a diretora, durante o ano, os livros são trabalhados de diferentes maneiras – lidos para e com os alunos, feitas interpretações dos textos, realizadas atividades envolvendo o texto – e, no final do segundo semestre, há a culminância do projeto com a visita do autor em questão. Às vezes, são trazidos dois autores por ano, um que escreva livros direcionados para os alunos das séries iniciais e outro que atinja o público das séries finais. Geralmente, os autores que participam desse projeto moram na região ou no estado do Rio Grande do Sul. Outro projeto que a escola realiza no campo da leitura é o chamado “Projeto Monteiro Lobato”. Cada ano, a instituição escolhe uma obra do autor e realiza atividades relacionadas ao livro selecionado. No ano de 2009, que foi o ano desse estudo, a escola determinou a obra Emília no país da gramática e trabalhou questões relacionadas à reforma ortográfica, assunto bastante discutido Ilustração 5 Sacola da leitura no ano em questão. Há também a “Sacola de leitura”, que é uma bolsa com livros selecionados pela professora atuante na biblioteca e que cada aluno leva para casa, diariamente, como é possível de observar na ilustração 5. Todos os alunos participam dessa atividade e cada turma tem a sua própria. Semanalmente, os alunos vão à biblioteca buscar a sacola, com as obras. Outra atividade realizada é referente às series iniciais do Ensino Fundamental – dos primeiros aos quintos anos. Todos os dias, os alunos e os professores das turmas referentes ao projeto destinam 15 minutos à leitura. O material é selecionado pela professora titular dos alunos e incluem-se livros literários, gibis, jornais e revistas. A direção escolar pretende organizar e ampliar esse projeto para com os 62 alunos das séries finais do Ensino Fundamental futuramente, pois os alunos maiores possuem 50 minutos hora-aula e não há professores adeptos à ideia. 2.4 O PERFIL DA SEGUNDA ESCOLA A outra escola municipal que fez parte dos estudos de pesquisa está situada no bairro Petrópolis da cidade de Caxias do Sul, o qual pertence à zona urbana e é conhecido por ser um bairro universitário e comportar, em sua localidade, a Universidade de Caxias do Sul – uma das maiores universidades do Estado. A escola foi fundada em 1972 e oferece, durante o dia, a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, divididos entre os turnos da manhã e da tarde. No turno da manhã, têm-se dos primeiros aos quintos anos e, no turno da tarde, da quinta à oitava série, além da Educação Infantil. Na parte da noite, a escola proporciona a modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA). A estrutura administrativa é composta por uma diretora na escola e, para cada turno, uma vice-diretora, totalizando 3 vices. Há também, em cada turno, uma coordenadora pedagógica e uma docente responsável pelo funcionamento da biblioteca escolar. O grupo é composto por 55 professores e somente um desses não possui nível superior. A maioria dos docentes já cursou especialização. O corpo discente é formado por 200 alunos no turno da manhã, 250 à tarde e 150 à noite, pertencente à classe média baixa. Apesar de a escola estar situada num bairro universitário, que é visto como um bairro de classe alta, sua clientela é variada, recebendo alunos de diferentes bairros do município, como por exemplo, Sagrada Família, Jardelino Ramos, Cinquentenário, Centro, entre outros. Isso ocorre devido ao fato de a escola estar localizada num ponto de fácil localização e também, porque os pais trabalham nas redondezas e optam por deixar seus filhos em tal instituição. A diretora cita que a escola tem uma proposta pedagógica de ensino voltada à construção do conhecimento do aluno e ressalta que as questões interpessoais são valorizadas, acreditando na formação da pessoa como um todo e valorizando o aluno em todas as suas dimensões. A base dessa proposta está centrada nas ideias sociointeracionistas. Há também o Círculo de Pais e Mestres (CPM), em que os pais 63 dos alunos fazem parte do grupo e, mensalmente, são discutidas questões escolares, inclusive aspectos a serem melhorados na escola. A biblioteca escolar está situada no segundo andar do prédio, próxima a salas de aula. Não há Ilustração 6 Uma das salas da biblioteca da escola ruídos externos que prejudicam a concentração de quem se encontra em tal lugar. O espaço físico é privilegiado, pois essa biblioteca dispõe de dois ambientes. Um deles tem 5 mesas redondas, com 3 ou 4 cadeiras em cada uma e uma mesa retangular, com 4 cadeiras. Além disso, há o material para leitura que Ilustração 7 A outra sala da biblioteca escolar está disposto em estantes, colocadas ao redor da sala. O outro ambiente contém um sofá, cadeiras, almofadas, uma televisão e um aparelho de dvd, além do material de leitura, também distribuído em estantes. Há uma porta que separa os dois espaços. A ilustração 6 exemplifica melhor o espaço da Ilustração 8 biblioteca dessa escola, constituída A porta que separa os dois ambientes por dois ambientes. O material de leitura está classificado em infanto-juvenis, etiquetados em aventura, romance, poesia, conto, mistério, ficção e crônicas; e os infantis estão etiquetados em poesia, piada, folclore e por série (primeira, segunda, terceira e quarta série). Pode-se dizer que a iluminação e a ventilação são adequadas para o ambiente, já que uma parte da parede é constituída por janelas grandes e há 64 lâmpadas fluorescentes e 1 ventilador de teto centralizado em cada um dos espaços. A aquisição do material de leitura acontece de várias formas. Há a doação de livros de programas do governo (FNDE, PNBE) e há a participação da escola no projeto de uma ONG, que doa livros para a instituição de ensino. Anualmente, a escola tem em média quatro mil reais para serem gastos com compras de livros e realiza uma rifa de Páscoa, em que o dinheiro adquirido é utilizado para a compra de materiais destinados à biblioteca escolar. Além disso, na biblioteca, são vendidos adesivos e se algum aluno esquece o livro na data prevista, é cobrada uma multa. O valor da venda dos adesivos e da multa também é destinado à compra de materiais para serem colocados na biblioteca. Em 2008, a instituição recebeu dois acervos do PNBE: o 2 e o 3. Nessa escola, há projetos relacionados à área da leitura e alguns são similares aos que ocorrem na outra escola. Semanalmente, num dia específico, todos os alunos, professores e funcionários param suas atividades por 15 minutos e dedicam esse tempo à leitura de algum material, que pode ser livro, revista, jornal, etc. Todos os turnos – manhã, tarde e noite – participam dessa atividade. A pessoa responsável pela escolha do material é a professora titular da turma. Os funcionários dirigem-se à biblioteca ou à entrada da escola, onde há um espaço reservado para a leitura, com um sofá e uma estante com materiais diversos. Há também a sacola da leitura, constituída por textos de vários gêneros textuais, em que, semanalmente, um aluno leva para casa e pode realizar a leitura do acervo. Juntamente com a sacola, tem uma ficha avaliativa, em que o aluno registra se conseguiu ou não ler tudo que estava dentro da sacola, o que gostou, o que não gostou, e apresenta para a professora da turma. Quem seleciona os livros da sacola é a professora da biblioteca e cada turma tem a sua sacola. Essa escola também tem um projeto relacionado ao autor na escola, que é trazido na Feira do Ilustração 9 Exposição no corredor: autores na escola 65 Livro da Escola e na Semana Literária – essas duas atividades ocorrem ao mesmo tempo. Para esse projeto, o autor é selecionado, e os alunos realizam atividades manuais, teatro, produções textuais, entre outros, referentes a uma obra e, no dia da visita do escritor, que é a culminância do Ilustração 10 Hall de entrada da escola projeto, essas produções dos alunos são apresentadas. A escola já trouxe autores conhecidos, como por exemplo, André Neves, Kalunga e Maria Dinorah, entre outros, e tem um mural no corredor da escola com quadros de registros das vindas dos escritores, como se pode ver na ilustração 9. O estabelecimento tem parceria com uma ONG, que realiza projetos de leitura em escolas. A escola foi selecionada porque um pai de um aluno trabalha nessa Organização. Por causa dessa parceria, a escola recebe livros de literatura e a ONG, juntamente com os professores titulares das turmas, fazem o acompanhamento do material. Além da biblioteca e das salas de aula, há outros espaços que a escola disponibiliza para a mediação de leitura. No hall da entrada principal, há um sofá próximo a uma estante com materiais disponíveis para leitura (jornais, revistas e livros), como se fosse uma sala de espera, perto da secretaria e da sala da direção – ver ilustração 10. Há também, nos corredores, murais com frases de autores. 2.5 A BIBLIOTECA ESCOLAR COMO ESPAÇO DE MEDIAÇÃO: CRUZAMENTO DE DADOS Para Júnior e Bortolin, “todo processo de mediação é um processo de interferência” (JÚNIOR e BORTOLIN, 2009, p. 208). Dessa maneira, a atuação do docente e dos colegas de classe ao interagirem na biblioteca revela-se fundamental, no que se refere ao processo de aprendizagem. Ao disponibilizar as obras às escolas brasileiras, o PNBE também interfere na vivência desses alunos e 66 professores, proporcionando um acervo de qualidade e, por isso, está incluído nessa análise. Dessa maneira, os tópicos que seguem tratam do empréstimo de livros nas bibliotecas observadas durante a pesquisa; da formação dos mediadores atuantes nesse contexto; da interação entre os colegas nesse ambiente escolar; e do acervo do PNBE/2008 nessas escolas. 2.5.1 O empréstimo de livros Nas escolas participantes desse estudo, é oferecido o empréstimo de livros para a leitura em casa ou na própria biblioteca. Na primeira escola, os estudantes pagam uma taxa anual de R$ 1,00 (geralmente no início do ano) para poder associar-se e realizar a retirada – esse foi o valor solicitado no ano de 2009, referente à coleta de dados da pesquisa. Os alunos que não pagam a taxa não podem retirar livros, restringindo o número de alunos com acesso ao material oferecido pela escola. Dessa forma, não são todos que participam dessa ação. O procedimento de troca de livros ocorre semanalmente e cada turma tem um horário específico para ir à biblioteca e devolver o livro que levou para casa e escolher outro. Esse horário é organizado no início do ano letivo, pela professora que atua na biblioteca e tem a duração de uma hora-aula, ou seja, 50 minutos. Os alunos podem retirar quantos títulos e quaisquer materiais que desejarem, desde que obedeçam ao critério da bibliotecária de levar sempre um livro de literatura, juntamente aos gibis e revistas. Nessa biblioteca, os alunos podem retirar jornais, já que a escola possui assinatura do Pioneiro e do Correio Rio- Grandense. Caso algum aluno tenha terminado de ler o material antes do tempo previsto, ele pode dirigir-se à biblioteca para fazer a troca em outro horário, mas isso geralmente não acontece, já que os horários estão pré-organizados. Na segunda escola, o horário que as turmas dos anos iniciais têm na biblioteca é semanal. Quinzenalmente, realiza-se ou o empréstimo de livros ou a hora do conto. Os estudantes podem retirar a quantidade desejada de material para ler em casa e, como na outra biblioteca, há um critério estabelecido pela professora bibliotecária: as crianças podem levar gibis, jornais e revistas desde que levem também um livro. A docente afirmou ainda que o livro precisa ser de literatura. 67 Geralmente, os alunos levam no máximo 4 materiais de leitura, porque a professora entende que se eles retiram mais que essa quantidade, eles não conseguem ler tudo. Caso os alunos esqueçam o material, é cobrada uma multa. Se, por ventura, os alunos solicitarem a troca antes do tempo previsto, há a possibilidade de que isso seja feito, mas usando o horário da hora do conto, que é o momento em que eles vão para a biblioteca. Percebe-se que, nas duas escolas, o processo de retirada oportuniza aos alunos o acesso ao material da biblioteca escolar, podendo levá-lo para casa. O fato de que os alunos tenham um horário determinado semanal ou quinzenalmente para a troca de material facilita a organização, mas porque isso é estabelecido? E se o aluno lê o que retira antes do tempo previsto? As professoras afirmaram que se isso acontece, há a possibilidade de troca, mas porque não acontece com frequência, se as professoras estão na biblioteca em tempo integral? Se fosse organizado um horário diário somente para empréstimo na biblioteca e esse fosse respeitado, os alunos conseguiriam trocar seus materiais e teriam a liberdade de escolher outros de acordo com o tempo de leitura deles, que não é igual para todos. 2.5.2 A formação do mediador A mediação de leitura depende da formação do professor, que pode contribuir de forma mais ou menos significativa na constituição do aluno-leitor. Uma das professoras atuantes na biblioteca de uma das escolas em questão é formada em História e já atua nesse ambiente escolar há 4 anos. Além disso, no turno contrário, atua em sala de aula com alunos das séries iniciais. A professora da outra escola é formada em Geografia, com pós-graduação em Educação Infantil e iniciou seu trabalho na biblioteca escolar no ano dessa pesquisa (2009), saindo da Secretaria Municipal de Educação, lugar em que estava atuando há 5 anos. Como havia a vaga de professora bibliotecária nessa escola, ela não precisou apresentar o projeto de biblioteca exigido para a obtenção de tal cargo. Antes de trabalhar na Secretaria, ela atuava na biblioteca escolar. Para esclarecer, nas bibliotecas de escolas municipais de Caxias do Sul, são requeridos, pela direção escolar, projetos a serem apresentados pelos professores 68 que querem a vaga e o melhor deles é aprovado em reunião com todo o corpo docente do turno. Assim, o cargo é obtido pelo professor bibliotecário. Como a professora entrou sem projeto, ela foi realizando seu trabalho juntamente com a coordenação pedagógica da escola. Assumir um cargo na biblioteca sem um projeto com objetivos, procedimentos e atividades a serem realizadas é algo apropriado? Pensa-se que esse não é um procedimento adequado. Através das entrevistas, pôde-se perceber que ambas as professoras leem muito e gostam disso. As duas interagem com materiais diversos e citaram revistas, jornais e livros, além de falarem que gostam de poesia. Como as duas trabalham na biblioteca com alunos das séries iniciais, citaram leituras e autores referentes ao público infantil, como por exemplo, As melhores histórias das mil e uma noites, de Carlos Heitor Cony, (que faz parte do acervo do PNBE/2006) 8, A velhinha que dava nome às coisas, de Cynthia Rylant (que faz parte do acervo do PNBE/1999)9 A raposa, de Margaret Wild (PNBE/2006), Cora Coralina, Cecília Meireles, Marina Colasanti, entre outros escritores reconhecidos. Uma das frases citadas por uma das professoras foi “e se o professor é leitor, a gente percebe”. As duas professoras não têm formação de graduação relacionada à biblioteca escolar, mas gostam de ler diversos gêneros textuais e tem algum conhecimento sobre o material de leitura destinado ao público com o qual trabalham. Destacam que, ao ir à biblioteca escolar, os alunos pedem sugestões a elas sobre o material a ser retirado para empréstimo. Baseando-se nessa ideia, percebe- se, que a questão da formação do professor que atua nesse contexto é algo importante. E se o professor não conhece o acervo? Que dicas o professor pode dar aos alunos se não conhece o material com o qual está trabalhando? Ambas participaram do encontro anual do Proler no ano de 2009 – Programa Nacional de Incentivo à Leitura, que é um projeto de valorização social da leitura e da escrita vinculado à Fundação Biblioteca Nacional e ao MINC (Ministério da Cultura), comprometido com a democratização do acesso à leitura. Quando podem, se inscrevem para os cursos de formação oferecidos pela Secretaria Municipal de 8 Lista para consulta do acervo. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Avalmat/pnbe_2006.pdf. Acesso em 12 ago 2010. 9 Lista para consulta do acervo. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/avamatpnbe_99.pdf. Acesso em 12 ago 2010. 69 Educação, direcionados aos professores que atuam nas bibliotecas escolares da rede de ensino. Uma das professoras afirmou que, ao participar do Proler do ano anterior ao da pesquisa, ficou conhecendo o livro A Raposa, de Margaret Wild, da editora Brinque-book. Ela afirmou ter se apaixonado pela história e por esse motivo, resolveu fazer as horas do conto na escola utilizando-o, já que o mesmo fazia parte do acervo. Nesse caso, os cursos de formação servem para a atualização do professor e para o conhecimento de novos materiais de leitura. Às vezes, nesses cursos, são apresentadas maneiras de como trabalhar com a leitura na biblioteca, aperfeiçoando ainda mais a mediação de leitura que pode ser realizada nesse ambiente escolar. 2.5.3 A interação entre alunos Ambas as professoras afirmaram que os alunos sugerem leituras entre eles, principalmente no momento de troca de livros, dando dicas do material lido e opinando sobre o que leram. Geralmente, se o colega recomenda, o outro leva para empréstimo. Se o colega que leu um livro e não achou “legal” (termo utilizado pela professora que afirmou ser a palavra mais utilizada pelos alunos para caracterizar os livros), ele não leva. Essa questão da interação entre os pares remete a estudos de Vygostky – já citado anteriormente no capítulo 1 –, em que o aprendizado ocorre através da interação entre os indivíduos. Percebe-se, pelas falas das professoras, que as opiniões dos alunos sobre os livros influenciam as escolhas dos outros no momento dos empréstimos. Por isso, destaca-se a importância de o professor-mediador apresentar bons livros e trabalhar com eles durante o ano com os alunos, para que eles formem um repertório de leitura e sintam-se motivados a estarem sempre retirando tais exemplares. É como se fosse uma espiral: o professor bibliotecário apresenta o livro, trabalha com ele, o aluno gosta e sugere para outro colega e assim sucessivamente. 70 2.5.4 O acervo do PNBE/2008 No item anterior, foram consideradas questões relacionadas à formação do mediador de leitura e, sabe-se que a inclusão do acervo do PNBE na biblioteca de cada escola depende da forma como o professor que atua nesse ambiente o realiza. Vale lembrar que o estudo em questão foca, principalmente, o PNBE/2008. Nas duas escolas, o acervo está exposto nas prateleiras, juntamente com os demais livros. Numa das bibliotecas, há uma parte da estante específica para os livros do Programa, contendo a seguinte etiqueta: FNDE, em que se inclui o acervo do PNBE/2008. Nessa escola, em que os livros estão etiquetados de maneira diferenciada, a professora bibliotecária utiliza a seguinte estratégia para apresentá-los aos alunos: no momento da retirada dos livros, ela coloca as novidades (que foram pouco retirados) numa mesa específica, a qual os alunos já conhecem por se tratar de livros novos. Esse procedimento foi realizado com os livros do PNBE/2008 também, no início do ano letivo. Na outra instituição de ensino, a estratégia utilizada pela professora que atua na biblioteca, para mostrar os livros recém-chegados, é diferente. Ela declarou, na entrevista, que “a propaganda é a alma do negócio”. E considerando essa concepção, utiliza as horas do conto quinzenais para fazer a propaganda dos livros aos alunos, contando as histórias para eles e mostrando quem é o autor. Geralmente esse processo é realizado logo que os livros chegam à escola, porque ela não faz a hora do conto sempre com livros do PNBE. Considerando que a hora do conto é quinzenal, tem-se que não são muitos os livros trabalhados, porém afirmou que procura usar livros diferenciados para cada turma. A escola que apresentou os livros etiquetados do PNBE recebeu os acervos 2 e 3 do PNBE/2008 (vale lembrar aqui que cada acervo é constituído por 20 livros) e a outra escola recebeu o acervo 4. Durante a pesquisa, fez-se um levantamento dos empréstimos desses livros, ocorridos no segundo semestre letivo de 2009 – do início de agosto até a última semana do mês de novembro do mesmo ano. Da escola que recebeu os dois acervos, apenas 7 livros foram retirados nesse período – ver tabela 7, a seguir. Pode-se dizer que esse índice de retirada é muito baixo para o tempo em questão, além de considerar o total de livros disponíveis (40 títulos). 71 Dessa maneira, pensa-se: será que as estratégias de mediação devem ocorrer somente quando os livros são novidades na biblioteca? Ou um trabalho realizado no decorrer do ano com os títulos demonstra-se mais efetivo? Uma das professoras bibliotecárias afirmou que, se a professora apresenta o livro aos alunos e trabalha com ele de forma diferenciada (lendo a história ou uma parte dela, falando sobre o autor, ou até mesmo somente mostrando a capa), a curiosidade dos alunos é despertada e eles se mostram mais interessados para a leitura. Na outra escola, que recebeu o acervo 4 (durante o mesmo período de tempo de observação que aquele designado para a outra escola – o segundo semestre letivo de 2009), os livros foram retirados 92 vezes – ver tabela 6, a seguir –, o que demonstra que um trabalho assíduo com os livros sugere um resultado mais efetivo. Já foi citado e vale ressaltar que a estratégia dessa professora bibliotecária é apresentar os livros para os alunos nas horas do conto. Os aspectos citados anteriormente remetem a uma realidade em que as escolas têm desenvolvido um trabalho apropriado para com a leitura. E isso é revelado nos índices do IDEB das instituições da investigação, em relação à prova que avalia competências dessa área. No entanto, esses índices são baixos se comparados com outros países, porque o Brasil não está entre os melhores em relação à avaliação da Educação. Isso mostra que ainda falta um preparo no país, comprovando que algo precisa ser feito para obter melhorias. Os índices do IDEB das duas instituições são bons, se comparados com as outras escolas do município, uma vez que estão entre as cinco melhores colocadas no processo de avaliação considerado. Mas, se a qualidade do ensino for aprimorada, os índices tendem a aumentar. Baseando-se nesses fatos, considera-se que a questão da formação de professores está relacionada a tais índices e à qualidade do ensino. Dessa forma, investir em cursos de capacitação e fazer com que os professores participem é um tópico primordial para a melhoria da qualidade do ensino nas escolas. Nesse estudo, que uma das professoras teve conhecimento de um livro literário do PNBE através de cursos. E os acervos compostos por esse Programa apresentam boa qualidade. Então porque não investir no mediador de leitura para que ele realize um trabalho competente na biblioteca? Assim, estarão formando leitores e, consequentemente, educando os alunos através da leitura. E mais: se os 72 professores trabalharem de forma problematizadora com os acervos do PNBE e os colocarem em uso, estarão formando leitores de literatura. Portanto, são analisadas quatro obras do PNBE/2008, as quais são selecionadas durante essa pesquisa de campo e apresentadas a seguir. Os títulos são definidos mediante observações de empréstimos realizados pelos alunos nas bibliotecas dessas instituições. Para esse controle, houve preenchimento de fichas com as obras mais retiradas dos acervos (ANEXO H), que foram completadas com base em informações adquiridas nos registros de empréstimos utilizados nas bibliotecas das escolas. As tabelas que seguem mostram os resultados com a frequência da retirada dos livros do PNBE/2008 pelos alunos durante o segundo semestre de 2009, desde a primeira semana de agosto até a primeira de dezembro. É importante lembrar que a troca de livros da biblioteca da primeira escola é realizada semanalmente e, da segunda escola, quinzenalmente. Tabela 6 – Relação de empréstimos de livros aos alunos da biblioteca da primeira escola (Acervo 4) Título da obra Quantidade de empréstimos Os Lusíadas em quadrinhos 15 Maria Mole 9 O amigo fiel 8 O melhor amigo 8 O melhor amigo do melhor amigo 8 O príncipe corajoso e outras histórias da 6 Etiópia O rato que roeu o rei 6 Salada, saladinha 6 E o palhaço o que é? 5 Vovó dragão 5 Currupaco paco e tal, quero ir pra Portugal! 3 O gato que falava siamês 3 Sapato furado 3 O rei preto de Ouro Preto 2 Poemares 2 A raposa e o cancão 1* Conversa pra boy dormir 1* A música viva de Mozart 1 73 Lá vem história 1 Os gêmeos do tambor 1 * Esses livros não foram retirados por alunos, mas por uma professora do quarto ano do estabelecimento em questão. Tabela 7 – Relação de empréstimos de livros aos alunos da biblioteca da segunda escola (Acervos 2 e 3) Título da obra Quantidade de empréstimos Contos de animais do mundo todo 4 O rei maluco e a rainha mais ainda 2 Dadá e Dazinha 1 25 Anos do Menino Maluquinho 0 A bola e o goleiro 0 A menina arco – íris 0 A Menina da varanda 0 A moça tecelã 0 À toa, à toa 0 Abecedário do Millôr para crianças 0 As coisas que a gente fala 0 Brincadeiras 0 Cantarim de cantará 0 Catando piolhos. Contando histórias 0 Da cabeça aos pés 0 Entre os bambus 0 Felpo Filva 0 Jardim de menino poeta 0 Lampião e Maria Bonita: o rei e a rainha do 0 Cangaço Lili inventa o mundo 0 Livro de papel 0 Melhores amigas 0 O amigo urso 0 O galinheiro do Bartolomeu 0 O menino inesperado 0 O rei Artur e os cavaleiros da Távola 0 Redonda O sino que queria voar 0 O vôo supersônico da galinha Galatéia 0 Os chifres da hiena e outras histórias da 0 África Ocidental Outra vez 0 Patativa do Assaré: o poeta passarinho 0 Pequeno vampiro vai à escola 0 74 Píppi Meialonga 0 Romeu e Julieta 0 Tô com Fome 0 Ulomma – a casa da beleza e outros contos 0 Um Índio chamado Esperança 0 Vira, vira, vira lobisomem 0 Vó caiu na piscina 0 Você viu meu pai por aí? 0 As tabelas são expressivas ao mostrar que os dois livros mais retirados na primeira biblioteca foram Os Lusíadas em quadrinhos e Maria mole e, na segunda, Contos de animais do mundo todo e O rei maluco e a rainha mais ainda. Essas quatro obras – duas de cada biblioteca – serão analisadas no capítulo próximo, com vistas a abordar peculiaridades de cada uma, já que são literárias e agradaram ao público mirim. No entanto, se for considerado o índice de frequência de retirada das obras, esse se revela ainda muito baixo: o tempo de análise para a observação dos empréstimos totalizou 18 semanas – da primeira de agosto até a primeira de dezembro de 2009. Na primeira escola, em que a retirada é quinzenal, o livro mais retirado teve 15 saídas, enquanto que os outros não passaram de 10. Dos 20 títulos recebidos pela Escola, todos eles foram emprestados. Já, na segunda, em que os alunos trocam de livros semanalmente, somente 3 livros foram retirados para empréstimo. Vale lembrar ainda que essa instituição recebeu 40 títulos do governo. De acordo com esses dados, fica evidente que o tratamento com as obras do PBNE/2008 deve ser repensado, pois os acervos estão chegando nas escolas e uma das maneiras de revelar o potencial das qualidades textual, temática e gráfica oferecidas pelo Programa é proporcionar o contato dos livros aos alunos. E essa responsabilidades recai, principalmente, na figura do mediador que, ao perceber características fundamentais de uma obra literária, pode ser capaz de partilhar com seus educandos a felicidade que teve ao entender entrelinhas do texto. Portanto, no capítulo seguinte, as quatro obras recém citadas serão analisadas, com a finalidade de oferecer um estudo sobre elas. 75 3 O PNBE/2008 COMO MEDIADOR NO PROCESSO DE LEITURA LITERÁRIA As artes são fazeres humanos cuja verdade não está na correspondência com o real vivido, mas na proposta assumida de um vir a ser, que é simultaneamente antecipação e retorno, memória e força de criação. (Graça Paulino) No capítulo anterior, tratou-se da realidade de duas bibliotecas escolares da rede municipal de ensino de Caxias do Sul, focando a mediação de leitura. Constatou-se, no estudo, que as escolas receberam acervos do PNBE/2008 e inseriram-no em seus estabelecimentos. Dessa maneira, quatro obras do Programa serão analisadas nesse capítulo, com o intuito de constatar peculiaridades de cada uma. 3.1 AS OBRAS DO PROGRAMA: TRAMAS LITERÁRIAS DO ACERVO DE 2008 Uma produção literária permite a abertura de um leque de possibilidades de leitura capaz de despertar o ser humano para o vir a ser, o constituir-se, proporcionado pela ficção, congregando uma trama de relações marcada pela experiência de vida do leitor. Nessa perspectiva, a mediação de leitura literária ocorre pela aproximação leitor-texto e o PNBE disponibiliza aos alunos de escolas públicas brasileiras o contato com bons livros de literatura. Assim, as obras aqui analisadas pertencem a esse Programa e fazem parte dos acervos e da realidade das escolas observadas durante o estudo. 76 A análise não segue um roteiro pré-determinado, pois o livro será observado a partir da sua proposta discursiva e sobre que possui de forma peculiar no que se refere à formação do leitor. As obras que serão analisadas a seguir e que foram selecionadas durante a pesquisa de campo nas bibliotecas escolares são, respectivamente: Contos de animais do mundo todo (2003), Maria mole (2002), O rei maluco e a rainha mais ainda (2006) e Os Lusíadas em quadrinhos (2006). 3.1.1 “Magia na Floresta Amazônica”: um conto de tradição brasileira Contos de animais do mundo todo – cujos contos são recontados por Naomi Adler, ilustrados por Amanda Hall e traduzidos por Monica Stahel – reúne nove histórias tradicionais de diferentes culturas, apresentando tradições de países como Estados Unidos (“Vovó Aranha”), Índia (“O coelho na lua”), China (“O dragão e o galo”), Austrália (“O sapo ganancioso”), Alemanha (“Os músicos de Bremen”), Tailândia (“Não confie em Pelicanos”), Quênia (“O coração do macaco”), Ilustração 11 Canadá (“Sedna e o rei Gaivota”) e Brasil Capa da obra Contos de animais do mundo (“Magia na Floresta Amazônica”). Esses contos são apresentados no livro, na sequência apresentada acima. Na obra, as ilustrações de cada conto remetem a características dos países e suas culturas, como na tabela que segue: 77 Tabela 8 – Ilustrações dos Contos de animais do mundo todo “Vovó Aranha” As cores azul, vermelho e branco Estados Unidos (p. 6) são as mesmas do formato da bandeira estadounidense, em que há semelhança entre a predominância do azul escuro no fundo e as listras vermelhas e brancas. Além disso, a figura está representada em forma triangular, remetendo à bandeira do País. Ilustração 12 Gravura da p. 6 de Contos de Animais do mundo todo “O coelho na lua” A estrutura que envolve o coelho, Índia (p. 14) protagonista do conto, remete às construções desse país oriental, com tetos arredondados e uma curvatura de linhas que se unem no topo, juntadas por uma esfera. O contorno da edificação lembra o famoso ponto Ilustração 13 turístico Taj Mahal. Gravura da p. 14 de Contos de Animais do mundo todo “O dragão e o galo” Essa ilustração representa a China (p. 22) arquitetura chinesa, com moradias altas, compostas por vários andares e janelas pequenas, com teto triangular e detalhes ao redor da estrutura física. Além disso, a personagem veste roupa característica do lugar, com mangas largas e chapéu fino. Os olhos puxados são típicos do povo chinês. Ilustração 14 Gravura da p. 22 de Contos de animais do mundo todo 78 “O sapo ganancioso” A Austrália, conhecida pelas regiões Austrália (p. 30) desérticas, está representada na ilustração pela presença de dunas de areia e pela árvore seca, sem muitas folhas e outras caídas no chão. O canguru, animal típico do País, também aparece na gravura. Ilustração 15 Recorte da gravura da p. 34 de Contos de animais do mundo todo “Os músicos de Bremen” A arquitetura alemã é representada Alemanha (p. 38) nesse desenho nas várias casas, bem próximas umas das outras. O estilo rebuscado lembra as construções do País da época medieval. A presença de árvores em meio às residências é um traço peculiar do lugar. Ilustração 16 Gravura da p. 38 de Contos de animais do mundo todo “Não confie em Pelicanos” Traços desse país oriental são Tailândia (p. 48) retratados pela estrutura que envolve o pelicano. A moldura é composta por vários detalhes e feita em cor que remete ao ouro. Além disso, apresenta cantos arredondados, como nas residências tailandesas. Ilustração 17 Gravura da p. 48 de Contos de animais do mundo todo 79 “O coração do macaco” País localizado na África e composto Quênia (p. 56) por muitas regiões secas, representadas pela cor amarelo- alaranjada. As árvores frutíferas, que se encontram dentro da figura semi arredondada – a qual se assemelha ao monte Quênia –, representam a variedade de vegetação crescente Ilustração 18 Gravura da p. 56 de Contos de animais nas áreas montanhosas. do mundo todo “Sedna e o rei Gaivota” País conhecido por suas regiões Canadá (p. 64) geladas, representadas na ilustração pelas montanhas e pela neve caindo. No oeste do Canadá, há a região das montanhas rochosas, similares à gravura. A conhecida região dos Grandes Lagos é representada na ilustração pelas ondas azuis. Ilustração 19 Gravura da p. 64 de Contos de animais do mundo todo “Magia na Floresta Amazônica” O Brasil apresenta regiões de Brasil (p. 72) florestas tropicais, predominando na ilustração, muito verde, representado por diferentes tons e plantas. Animais típicos desses lugares também se encontram na gravura, como, por exemplo, o tucano, o lagarto, o caracol, demonstrando a variedade de existências vitais. Ilustração 20 Recorte da gravura da p. 72 de Contos de animais do mundo todo 80 O livro permite ao leitor, através da experiência da leitura, um conhecimento de mundo, em que as linguagens verbal e visual atuam na cognição do leitor para a produção de sentido do texto. A obra pertence ao acervo 3 do PNBE/2008 e o conto selecionado para a análise é “Magia na floresta amazônica”, que se refere à cultura brasileira e será utilizado como sugestão para o roteiro de leitura. A história pode ser classificada como conto popular por apresentar certas características que pertencem a tal gênero textual. Antiguidade, anonimato de autoria, capacidade de persistir ao tempo e modo de transmissão são quatro fatores essenciais para que um conto seja considerado popular de acordo com Leal (1985, p. 12). “Magia na floresta amazônica” apresenta essas características citadas pelo autor. Em relação ao anonimato, não se sabe quem foi o criador da história, sendo considerada criação do povo. O conto aqui analisado também não apresenta autor, sendo recontado pela autora do livro, que afirma estar, em 1986, em Londres, contando histórias sobre os índios norte-americanos, quando encontrou uma índia brasileira, que estava lá para aprender inglês e acabou por contar essa história (ADLER, 2003, p. 80). A antiguidade está relacionada à temática dos contos, que em sua raiz, relatam temas comuns referentes à essência dos homens, sendo contados numa determinada época e num determinado lugar. O conto popular dessa análise refere- se à criação do dia e da noite, além do surgimento dos animais na Floresta Amazônica através da magia das árvores, fato ocorrido há tempos remotos. A partir dessas criações, começam os conflitos entre os animais na Floresta. A capacidade de persistir no tempo refere-se ao fato desses contos possuírem uma linguagem simbólica e universal, podendo ser compreendidos por pessoas de épocas e lugares distintos. Não há data definida para a criação do conto, mas a história remete a um tempo muito antigo e possui características da região de onde surge (no caso a floresta Amazônica), mas mantém traços que dialogam com a narração contada em outros lugares. Além disso, o livro é uma tradução da versão original em inglês, escrito pela autora que nasceu em Israel, passando a ser conhecido em diferentes lugares e por culturas diferentes, distribuído por todo o Brasil através do PNBE e representando as tradições do passado que hoje fazem parte da história de alguns povos. O modo de transmissão dos contos populares geralmente remete à contação oral ou são cantados. Além disso, são transmitidos de pais para filhos, ao longo das 81 gerações. Já que o povo indígena tem o costume de contar e preservar suas histórias, pensa-se que este conto perdurou por muito tempo entre essa comunidade, até que a índia brasileira relatou novamente para Naomi Adler, que o reescreveu em seu livro. A predominância do caráter atemporal e universal permite a atualização constante do enredo, através da leitura. Essa história não apresenta determinação de datas ou referência a eventos ocorridos em épocas passadas, sabe-se somente, pela narrativa, que a história se sucede na época da criação do mundo, algo que, supostamente, aconteceu para todos os leitores do texto. O caráter ficcional dos contos populares abre as portas da imaginação, já que a história deixa de existir em um plano real, passando para um mundo imaginário. No início do conto, não “havia escuridão, nem noite nem sono, somente havia luz, dia e despertar” (ADLER, 2003, p. 72) – assim como na criação do mundo, fez-se o dia e a noite. E a sabedoria das árvores da floresta tirou a noite do rio e a trouxe para o mundo. A partir deste acontecimento, as velhas árvores lançam sua magia pela floresta e nascem todos os animais. A aparente não delimitação espacial, a indefinição temporal e a ausência de nomenclatura para as personagens aproxima a narrativa do leitor, abrindo espaço para que esse se identifique com aspectos do conflito. Tal identificação que pode, por exemplo, referir-se às personagens, permite ao sujeito leitor a vivência de diferentes papéis que somente a leitura poderá proporcionar. O texto tem como cenário a magia da noite na floresta, contando a história de amizade entre a onça e o Gavião-de-penacho, em que esse ajuda a onça a livrar-se da magia da serpente. Por isso, além de ser um conto popular, a história também pode ser classificada como conto de animais, já que os animais adquirem comportamentos humanos em seu enredo. Nesse panorama, a serpente configura-se como vilã da história e o Gavião- de-penacho, o herói, que salva a onça da magia da serpente. As árvores da floresta são auxiliares no processo de salvamento. A presença dos elementos maravilhosos e fictícios – animais que possuem características humanas e árvores capazes de fazer magias – contribui para o caráter imaginativo da obra, de modo que o leitor passa a fazer parte dos acontecimentos, identificando-se com as personagens e desvendando seus mistérios. 82 As personagens, geralmente sem nome, aparecem como estereótipos: os heróis têm traços positivos enquanto que os vilões assumem traços negativos: a serpente (vilã) “não perde a oportunidade de se exibir” (ADLER, 2003, p. 74) e é traiçoeira, enquanto que a onça e o gavião-de-penacho demonstram amizade e lealdade um pelo outro. A serpente á caracterizada por ser uma “criatura fria, sem patas, sem pêlos, sem plumas” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1999, p. 814), demonstrando-se “enigmática, secreta” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1999, p. 815), sendo impossível prever-lhe as decisões, “que são tão súbitas quanto as suas metamorfoses” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1999, p. 815). Após os animais terem sido criados, ocorre a situação inicial do conto, em que, certa noite, a serpente faz uma magia com seus olhos e, através de canções, pode tirá-los de sua face, fazê-los dançar sobre o rio e, por fim, tê-los de volta. As canções são apresentadas através de poema, apresentando musicalidade. Para que os olhos saiam de sua face, a serpente canta: “Brilho do meu olhar / Na magia da noite / Quero ver você dançar.” (ADLER, 2003, p. 74). E para que os tenha de volta: “Brilho do meu olhar / Na magia da noite / Quero ver você voltar.” (ADLER, 2003, p. 74). Ao realizar a magia com a onça, a cantiga para que os olhos do felino dancem no rio é a seguinte: “Brilho do seu olhar / Na magia da noite / A onça quer ver você dançar.” (ADLER, 2003, p. 75). Quando a serpente deseja que os olhos da onça voltem para sua face, ela canta: “Brilho do seu olhar / Na magia da noite / A onça quer ver você voltar.” (ADLER, 2003, p. 76). Essas canções, apresentadas ao longo da narrativa, quebram o roteiro da prosa e sugerem uma pausa cantada na história. O conto popular pode ser contado e cantado e esse, em questão, pode ser, por vezes, contado, em sua estrutura em forma de prosa e, em outros momentos, cantado, quando aparecem tais canções. A constituição de sentidos se efetiva pela atuação do leitor, que é seduzido pelas surpresas reveladas na sequência dos acontecimentos, através das combinações inesperadas presentes nos tercetos, as quais identificam as magias da serpente. O movimento das ações ocorre através da introdução dos versos, que se repetem: “Brilho do meu (seu) olhar/na magia da noite...”. Essa parte inicial contextualiza os fatos e, à medida que o texto avança, novos dados são acrescentados e os sentidos vão se sobrepondo. É o jogo da poesia, que apresenta uma surpresa (no caso, a magia da serpente) representada através da brincadeira com as palavras. 83 A sedução que a música da poesia exerce sobre a criança é reforçada pelos valores rítmicos das canções, as quais permitem que o leitor se sujeite às coerções normativas da língua de maneira mais criativa e revele-se mais sensível e menos automatizada, denotando o gosto infantil pelos jogos e brincadeiras encontrado no ludismo verbal. O metro breve e o ritmo constante denotam a sonoridade evidenciada, mantendo a regularidade métrica e mimetizando a inconstância do pensamento infantil, fazendo com que o leitor coloque em prática o pensamento mágico e as habilidades lúdico-sonoras para o entendimento do texto. Através do ritmo e das rimas, sugeridos pelas canções, o leitor vai constituindo a imagem proposta pela palavra escrita – o movimento dos olhos da serpente (ou da onça) que vai e volta de seus olhos, dançando no rio. Essa estrutura esquemática abre, portanto, espaços de atualização para o leitor, exigindo sua atuação no preenchimento de vazios. A musicalidade dos versos coloca o educando em funcionamento com habilidades mentais como a associação, a imaginação, a comparação, a fim de compreender e apreciar a leitura, colocando-o no centro da cena criada pelo eu-poético. Cada estrofe delineia uma possibilidade de magia, proporcionando ao leitor o fortalecimento da experiência vivenciada pela leitura e não permitindo que ele fique passivo frente ao devaneio sugerido. Após a configuração dessa situação, ocorre o conflito, em que a onça, vendo a serpente fazer tais magias, quis que a serpente fizesse o mesmo com os olhos dela. Ao realizar o pedido, a serpente come os olhos da pobre onça (AUDLER, 2003, p. 77), que fica “amendrotada, sozinha e deseperada” (AUDLER, 2003, p. 77) e, sem enxergar, “não podia caçar e estava condenada a morrer de fome” (AUDLER, 2003, p. 77). Como os acontecimentos presentes em cada conto não respeitam princípios éticos, nem leis que consideram o comportamento das personagens como certo ou errado e, em geral, obedecem a uma moral ingênua, por isso, no decorrer da história, ocorrem situações que causam “sentimento de injustiça – injustiça que deve ser reparada” (JOLLES, 1976, p. 199). É o que acontece após a serpente comer os olhos da onça: o enredo apresenta o restabelecimento da injustiça, evidenciando o herói da história, que é o gavião-de-penacho. Após sair desesperada pela floresta, sem conseguir ver nada, a onça encontra uma árvore que usa seus poderes mágicos para chamar seu amigo, o Gavião-de-penacho, o qual encontra uma alternativa para ajudar a onça a 84 recuperar seus olhos de volta: ele pede para a serpente entoar a canção da magia e ao ver os olhos dela no rio, rouba-os com o bico e os leva para a onça, dando-lhe de volta o direito de enxergar. Quando a injustiça é restabelecida, e não há mais crueldade por parte do vilão, o desfecho da história com um final feliz vai se encaminhando. Em agradecimento ao gavião-de-penacho, a onça, a partir daquele dia, deixa sempre uma parte de seu alimento para seu novo amigo e a serpente promete nunca mais realizar a magia, vendo seus próprios olhos crescerem novamente. É essa estrutura interna do conto – a situação inicial, o conflito, o restabelecimento da injustiça e o desfecho feliz – que provoca a satisfação do leitor, “ao ingressar-se no universo do Conto, aniquila-se o universo de uma realidade tida por imoral” (JOLLES, 1976, p. 201-202). O leitor ou ouvinte tem a possibilidade de vivenciar experiências que talvez a realidade não ofereça, a qual é composta por injustiças e desigualdades contra as quais os homens lutam constantemente. O texto literário se configura, nesse cenário, como uma poderosa força que traz o conflito entre a ideia convencional que eleva e modifica , trazendo livremente em si o que se chama de bem e de mal, humanizando em sentido profundo, porque faz viver (CANDIDO, 1995, 244). A convivência com elementos inimigos aparece com freqüência na literatura popular e essas forças estão integradas, tanto às personagens quanto aos seres humanos e o leitor se identifica com o herói não porque este representa a bondade, mas devido ao apelo positivo da personagem, sugerindo uma referência positiva para a criança, que tende a se identificar com o vencedor (BETTELHEIM, 1980, p. 18). Nesse processo de identificação, a criança assume aspectos de conduta de vencedores e o conflito solucionado propicia novas experiências ao leitor, resolvendo os problemas surgidos. O enredo da história, que mostra a amizade verdadeira entre aqueles que demonstram boas atitudes – a onça e o gavião-de-penacho – e o “castigo” para a serpente, que agiu de forma errônea para com eles, mostra que o texto literário, através da ficção, é capaz de revelar a promessa de um mundo possível que prima pela noção de organicidade e verossimilhança. A cultura popular, dessa maneira, demosntra que é possível um mundo melhor, a partir da esperança de mudança e de regeneração – até porque a serpente ficou sem seus olhos provisoriamente; com o tempo ela recuperou sua visão de volta; o que ela não conseguiu mais realizar 85 foram suas magias de má fé. A partir disso, o conto popular torna-se essencial para o público mirim, a fim de povoar seu imaginário e contribuir para sua identidade. Além disso, o conto pertence ao repertório cultural da tradição indígena brasileira e a autora resgata, nos moldes contemporâneos (da linguagem), a contadora de histórias ouvida por ela – a índia brasileira –, que agora está personificada na figura do narrador que conta. A narrativa de antigamente, passada de maneira oral através de gerações, é resgatada na obra, retomada pela relevância do projeto gráfico e via literatura, através da sabedoria de contar a história para o leitor, por meio da voz de um contador corporalmente ausente. No conto popular, o narrador pode ser comparado a um sábio, um conselheiro, visto que na tradição oral sempre há um ensinamento a ser transmitido a quem está lendo ou escutando e para se constituir literatura, como ensina Benjamin para formular um conselho é necessário antes de mais nada saber narrar a história, pois considerada como uma forma “artesanal de comunicação” (BENJAMIN, 1986, p.205), a relação milenar entre o ouvir e o contar deu origem a um dos ofícios mais antigos: a arte de narrar, na qual o ser humana relata o que vê, o que sente, como sente e ainda pode inventar. E o conto de Adler promove um diálogo aberto com o interceptor, assegurando um valor literário ao conto tradicional e oferecendo aquém dele quiser e souber servir-se. 3.1.2 Maria mole: uma experiência estética Maria mole (2002), de André Neves10, é o sétimo livro de inteira autoria do autor e pertence ao acervo 4 do Programa Nacional Biblioteca da Escola/2008. Faz parte da Coleção Arteletra, que é composta por títulos de literatura infantil de autores e ilustradores renomados. A obra já foi agraciada pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil com o prêmio Luís Jardim (melhor livro de imagem) e reúne o verbal e o imagético, permitindo ao leitor apreender a significação da história através dessas duas linguagens. Na capa, a hibridez entre o texto e a ilustração já pode ser percebida. 10 André Neves vem, desde 1998, desenvolvendo trabalhos como autor, ilustrador e arte-educador. Alguns de seus desenhos estiveram na mostra Internacional “Le Immagini della Fantasia”, na Itália, percorrendo várias cidades para colorir os olhos de muitas crianças. 86 As informações verbais contidas na capa – ilustração 21 – são o título, o nome do autor, a editora e o símbolo do programa institucional que realizou a doação da obra. O movimento proposto a partir do título, que está disposto de forma levemente curvada na parte superior e inferior, é de sugerir ao leitor um percurso que reconstitui as tramas do sentido do texto visual, remetendo à forma ondulada de Maria mole. As palavras ocupam a parte direita da capa, dispostas Ilustração 21 num fundo preto, enquanto que há um tom Capa da obra Maria mole avermelhado por trás da ilustração. O título, que têm as letras em cor branca sob o fundo preto e está em tamanho maior que as outras, aumenta consideravelmente o contraste, dando destaque a Maria Mole, que é, ao mesmo tempo, enfatizada também pela ilustração, e chega ao leitor antes do texto escrito, por estar do lado esquerdo da capa – e o sistema ocidental de leitura remete a começá-la por esse caminho. Há, no plano de fundo, uma oposição na verticalidade. Do lado esquerdo há movimento e leveza, pela imagem e pelo traçado que a constitui. Do lado direito, há rigidez, dureza, parece estreito e apertado, enquanto que o esquerdo é mais amplo. O fundo preto oferece a sensação de espaço fechado, e em oposição, as letras brancas do título remetem luminosidade a ele, convidando o leitor ao ingressar na obra. O papel da capa apresenta-se em tom fosco e textura áspera se comparados com o título e a ilustração, que estão em destaque por terem textura lisa e o emprego do verniz (informação que não pôde ser demonstrada na figura acima devido à digitalização), anunciando que o texto visual e o título Maria Mole possuem alguma relação, que poderá ser confirmada no decorrer da leitura. É uma história contada em prosa poética, um texto escrito em forma de prosa que pode ser considerado poesia, já que possui função poética de exprimir emoções e sentimentos e sugere uma imagética mais sofisticada ou maior efeito emocional, apresentando ritmo, rima e outros elementos sonoros presentes na poesia. Já na primeira página da história do livro, em que a estrutura é apresentada em forma de parágrafo (prosa), percebe-se a linguagem poética: 87 Maria Mole é mole de sentimento. Não é doce nem salgada, nem fria nem quente. Maria Mole é apenas diferente. Diferente porque permite que suas emoções sejam livres, sejam importantes, sejam soltas ao vento por meio de rimas bobas só pra deixar um rastro de alegria, de luz macia por onde passa. Maria Mole é esperta, levada, travessa. Gosta de dançar no ar, brincando com rimas musicais, procurando no meio daquele ritmo solto um choro soluçado que interrompa de súbito seu gingado (NEVES, 2002, p. 6). O autor, ao descrever Maria Mole, utiliza o “doce” e o “salgado” (paladar), o “frio” e o “quente” (tato), a “luz macia” (visão e tato) e as “rimas musicais” (audição) produzindo uma esfera de diferentes sensações no leitor, que vai constituindo a personagem através dessas descrições. O poder das palavras provoca no interlocutor a construção de imagens e efeitos que lidam com o corpo humano, provocando percepções visuais, auditivas e táteis. O ritmo da leitura desse trecho vai envolvendo o leitor e a cena vai se formando como se fosse uma música leve, bailável, até que no final, é interrompido por uma quebra no compasso – pelos vocábulos “súbito” e “gingado” – marcando o choro da menina. O livro conta a história de Maria, uma menina com olhos tristes – ilustração 22 – que tem muito medo de se mostrar diferente perante os outros e que, em sua imaginação, cria “Maria Mole”, personagem que aparece para ajudá-la a perder o medo de expressar desejos e sentimentos. No decorrer dos acontecimentos, o leitor percorre com a personagem o caminho de busca do que lhe deixa feliz, criando estratégias para definir a situação de conflito, não esperando que um Ilustração 22 Recorte da gravura da p. 9 de Maria mole elemento mágico apareça para resolvê-la. Logo no início da história, a menina Maria decide sair em busca de sua felicidade: “E como Maria Mole de mole não tem nada, sentiu aquele sentimento confuso e saiu atrás da menina flutuando no vento como perfume de flor” (NEVES, 2002, p. 8). No início do livro, Maria possui aparência deprimida: “Maria era assim. Não Maria Mole, outra Maria. Uma Maria menina com olhos tristes de tanto chorar esse choro que pouquíssimas pessoas sabem escutar” (NEVES, 2002, p.8). A musicalidade das palavras remete à tristeza sentida pela menina: a aliteração da consoante nasal /m/ representa melancolia e a repetição das vogais fechadas como e, o e u produzem 88 um efeito de nostalgia. E o restante de sua descrição apresenta palavras que remetem a sentimentos de amargura, como “choro”, “triste”, “abafado”, “calado”, “sozinho”, além de repetir o verbo/substantivo “chorar/choro” quatro vezes em apenas duas frases, enfatizando essa ação de desânimo, a qual demonstra que algo está errado na vida da menina. A ilustração que acompanha o texto escrito – ilustração 22 – também revela a fisionomia abatida da personagem, através da presença de uma lágrima e dos olhos cabisbaixos da menina. O cabelo amarrado para trás com uma fita de cor clara representa o desinteresse da menina em cuidar de si mesma (já que mais adiante ela enche o cabelo de fitinhas coloridas). Além disso, Maria está virada para a esquerda, como se estivesse olhando para o passado e o cabelo preso, está amarrado como ela. Então, surge o ponto da história em que a passividade da menina é posta à prova e Maria, com ajuda de Maria Mole, decide abandonar essa situação de angústia, de tristeza e enfrentar seus conflitos, não demonstrando mais o medo que ela tinha dentro dela de ser quem ela realmente é: “no dia seguinte nem pai, nem mãe, nem vizinho, nem a meninada que brincava na rua acreditaram quando Maria acordou com vontade de não ser o que os outros queriam que ela fosse, mas aquilo que ela queria ser” (NEVES, 2002, p. 16). A partir desse momento, “Maria abriu bem os olhos para a vida” (idem) e “com seu jeito espontâneo, ela decidiu dar um basta na situação” (NEVES, 2002, p. 14). Depois da decisão que a personagem teve de querer perder o medo de se mostrar aos outros como realmente é, primeiramente, conquista a mãe para poder vestir-se do jeito que almeja e colocar um vestido que a mãe detesta, além de arrumar o cabelo do jeito que fazia escondida, cheio de tranças e fitas. A menina consegue essa proeza com facilidade, recitando o seguinte verso: Vestir vestido colorido Com babado, renda e bico Deixa o espírito dolorido Mais alegre e divertido Como se estivesse revestido Como babado, renda e bico (NEVES, 2002,p. 16). 89 A menina demonstra o desejo de querer abandonar o “espírito dolorido” que ela tinha e sentir-se mais alegre e divertida, através do uso do vestido “com babado, renda e bico”, verso que se repete duas vezes no sexteto, para chamar atenção da mãe em relação ao uso do vestido cheio de apetrechos, que ela “detestava” (NEVES, 2002,p. 16) e que a menina tanto queria vestir, já que era o que mais gostava. Essa canção, que se assimila a um amuleto, a uma proteção contra os pensamentos das outras pessoas – e refere-se ao vestido, que representa o objeto defensor – caracteriza um momento de desenvolvimento linguístico, chamando atenção (a) tanto pela sua sonoridade: organizada principalmente no esquema de aliterações (por exemplo, a repetição próxima do som /v/ em “vestir vestido”, ou de /b/ em “babado” e “bico”) ou rítmico (como os vocábulos finais dos versos: “colorido”, “dolorido”, “divertido” e “revestido”) ou (b) quanto pelos paralelismos de sentido estabelecidos pelos vocábulos pertencentes a um mesmo campo semântico, que são unificados pela ideia da vestimenta, a qual a menina tanto queria usar: “vestir”, “vestido”, “babado”, “renda” e “bico”. Na ilustração 23, Maria está dando um beijo na mãe, mostrando que a relação materna está associada ao sentimentalismo, denotando o afeto entre elas. O texto escrito também revela a ação do beijo, que representa a demonstração de carinho: “depois beijou a mãe com beijo gostoso. Gosto que a gente nem sente, mas tem um sabor doce. Ilustração 23 Recorte da gravura da p. 17 de Maria mole Qualquer doce. Até doce de maria-mole, porque beijo que nem esse deixa o coração de quem se beija mole, mole” (NEVES, 2002, p. 16). A mãe de Maria ficou com o “coração mole”, cedendo aos encantos da filha. A repetição da palavra beijo, que remete a uma ação Ilustração 24 de alegria sentida pela menina – e não mais tristeza Recorte da gravura da p. 19 de Maria mole 90 – enfatiza esse ato, representado igualmente pelo texto visual. A mãe da personagem foi a primeira a ser “conquistada” pela filha, na busca de sua identidade e, geralmente, a mãe é a figura mais próxima da criança, por isso aparece por primeiro na história. Ambas estão na cozinha e, ao fundo do cenário, há uma janela, que representa abertura para o novo, o desejo de conhecer o que está do outro lado da passagem. Depois que consegue o que almeja com a figura materna, Maria sai em busca do pai, tentando convencê-lo a sair de casa para brincar. O texto visual – ilustração 24 – demonstra a imagem do pai, escondido atrás do jornal, na sala, sentado no sofá, não estando muito interessado no diálogo da filha. Na ilustração, a proporcionalidade das personagens denota o poder do pai, que tem um tamanho muito maior que a filha. Na primeira vez que ela pede, recebe uma negação e é mandada para o quarto estudar. Depois de um tempo de estudo no quarto, a menina volta para a sala, onde está o pai e recita “versos alegres cheios de sabedoria” (NEVES, 2002, p. 20), representando que a menina deve ter mesmo estudado, já que era obediente. O pai vai se envolvendo pelos versos e acaba cedendo à vontade da filha: [...] aí o pai foi se envolvendo. Primeiro foi aquele olharzinho curioso por cima dos óculos. Depois um risinho desconfiado que foi ficando mais aberto até tomar conta de todo o rosto. O coração também bateu acelerado fazendo o corpo todo se mexer (NEVES, 2002, p. 22). As ações tomadas pelo pai são separadas por frases curtas com um ponto ao final de cada uma, representando a sequência das mesmas e sugerindo uma certa pausa ou lentidão a cada passo dado pelo pai. O envolvimento do pai acontece aos poucos, como se fosse alguém que não é tão fácil de ser conquistado quando se quer alguma coisa. O jogo de palavras da composição do trecho denota o envolvimento vagaroso do pai, pois, no início, os vocábulos estão no diminutivo: ele tem um “olharzinho”, dá um “risinho” atingindo o “rosto”; e, no final, atinge a totalidade, tomando conta de “todo” o “corpo”. Dessa forma, a menina passa por vários graus de dificuldade: com a mãe foi mais fácil de conseguir o que almejava – que era vestir-se de acordo com sua própria vontade; e, com o pai, foi mais complicado resolver seu conflito, que era sair para a rua. 91 Agora, Maria está fora de casa e passa a se relacionar com seus amigos, brincando com eles e se mostrando do “seu jeito esquisito, estranho, mas divertido de ser” (NEVES, 2002, p. 22). O texto visual – ilustração 25 – mostra crianças brincando de roda: têm meninos de mãos dadas com meninas, pessoas de cor branca e negra, denotando que não é somente a personagem principal que é diferente. Há uma miscelânea de garotos e garotas com características distintas. A figura 25 exibe duas páginas, como se o livro estivesse aberto. O texto narrado pelo autor apresenta-se como nas outras páginas, de forma linear, constituído por 2 parágrafos (é o texto que tem o fundo amarelo). Para orientar o leitor e diferenciar o que é escrito pelo narrador e o que é dito pelas crianças, as cantigas que elas cantam estão dispostas nas páginas Ilustração 25 Recorte da gravura das p. 24-25 de Maria mole de maneira diferenciada, ou seja, não estão em sua forma linear de leitura que, geralmente, ocorre da esquerda para a direita. Tem texto disposto em forma de leitura circular e de cima para baixo. No meio da roda (de cor azul), está a cantiga disposta que sugere a leitura em forma circular. O conteúdo também está relacionado à circularidade: “Meia, meia feita. Meia meia por fazer. Cantando meia por meia. Várias voltas vamos ter. Quantas voltas na ciranda. Meia por meia vou fazer” (NEVES, 2002, p. 25). O ilustrador, nessas páginas, usa cores para definir espaços: o meio da roda é azul, o texto do narrador tem fundo amarelo e cada cantiga tem um fundo em cor diferente (amarelo, verde e vermelho). Essa estratégia permite ao leitor identificar o texto escrito com mais facilidade. As cantigas apresentam seres que fazem parte do universo infantil, como o gato, o sapo, o saco e o vento, e o autor mostra de forma divertida e engraçada o que pode acontecer com esses elementos, instigando a imaginação do leitor, como por exemplo, um gato fazendo academia ou um sapo batendo papo: 92 Na minha rua Todo dia Um gato mia Quando se assobia Pulando academia Espia, espia Mia e assobia Olha o sapo dentro do saco, O saco com saco dentro O sapo batendo papo E o papo soltando vento (NEVES, 2002, p. 24-25). Através do jogo de palavras criado pelo autor, ele produz um efeito estético ao texto, através do ludismo sonoro, composto por rimas, como na primeira canção: “dia”, “mia”, “assobia”, academia”, espia” e assobia”; ou na segunda, com os vocábulos “dentro” e “vento” ou “sapo” e “papo”. Essa ludicidade é uma das ações mais ligadas à criança, que gosta da brincadeira, do jogar, pois é nessa etapa do desenvolvimento humano que a atividade lúdica mais se manifesta. Além disso, o escritor dá contemporaneidade ao segundo poema, quando lhe acrescenta a academia, um espaço urbano da atualidade. Nessa obra, a constituição da personagem Maria, desde o início até o final, pode exemplificar esse caminho gradativo que sugere sua formação, e convida o leitor a participar do processo, como se percebe na tabela que segue: Tabela 9 – Aspectos do conto popular e ilustrativos em Maria Mole 1. Situação inicial: Maria está triste por ter medo de mostrar-se diferente perante os outros. Ilustração 12 - Recorte da gravura da p. 9 de Maria Ilustração 26 mole Recorte da gravura da p. 11 de Maria mole 93 2. Maria decide, com ajuda de Maria Mole, partir em busca da solução de seus conflitos, tendo que passar por tarefas difíceis. Ilustração 27 Recorte da gravura da p. 15 de Maria mole 3. A protagonista consegue resolver a primeira tarefa de conquistar a mãe. Ilustração 13 Recorte da gravura da p. 17 de Maria mole 4. Em seguida, conquista o pai, cumprindo mais uma tarefa – sendo essa com grau de dificuldade maior que a anterior. Ilustração 14 Recorte da gravura da p. 19 de Maria Mole 94 5. Depois, sai de casa, deslocando-se no espaço e distanciando-se do seu local de origem, conquistando as crianças da rua. Ilustração 28 Recorte da gravura da p. 25 de Maria mole 6. Situação final: A menina resolve seus conflitos, encontrando sua identidade e, consequentemente, a felicidade. Ilustração 29 Ilustração 30 Recorte da gravura da p. 29 Recorte da gravura da p. 29 de Maria mole de Maria mole O quadro evidencia que além de poesia, a história possui aspectos do conto popular, se a sequência do enredo for considerada – destacam-se as partes negritadas. No momento em que a protagonista distancia-se de seu local de origem, saindo de sua residência e indo para a rua, o ato está remetendo a peculiaridades desse gênero textual, em que a personagem principal precisa sair de casa e passar por várias provas para amadurecer e se conhecer. Ilustração 31 Após todos os acontecimentos de conflito, Maria consegue Recorte da gravura da p. 29 de Maria Mole aceitar-se como é, não tendo mais aquele medo de mostrar- se diferente: “A menina então abriu os braços para não segurar suas vontades e deixou o vento soprar para fora aquele medo miudinho, que foi sumindo, sumindo, sumindo...” (NEVES, 2002, p. 29). A imagem que acompanha 95 o texto, - a última do livro – demonstra a transformação da personagem, que era triste no início e, no final, aparece esbanjando movimentos e está radiante de felicidade por ter conseguido resolver seu conflito e assumir sua identidade. A protagonista, seja pelo modo como é ilustrada, seja pela atuação na trama, rompe com as tendências dos contos tradicionais, como em A Bela Adormecida, Cinderela e Rapunzel, em que a mulher desempenha papel passivo. Pelo contrário, aqui, cabe à menina partir, buscar e lutar, assumindo sua verdadeira identidade. De certo modo, há esperança de mudança e de um mundo melhor e, essa transformação sugere ao leitor a existência de um mundo possível, diverso do real, cujo sentido peculiar é atribuído individualmente de acordo com suas vivências, contribuindo para sua autonomia. De certa maneira, o texto vai educando pelas palavras, já que o leitor, no decorrer da história, vai estabelecendo procedimentos para definir a personagem e tendo que mostrar-se ativo nesse processo. A presença da figura do pai na história, da mãe e dos amigos permite ao leitor uma aproximação com seu mundo real. Nos dias atuais, há vários tipos de famílias, com avôs, tios e outros parentes que assumem crianças da família e podem representar o papel dos pais. Dessa forma, o livro abre espaços para que o leitor, de alguma forma, se identifique com aspectos do conflito, como, por exemplo, as personagens. Além disso, a busca pela identidade, por mostrar-se como realmente os indivíduos são perante aos outros é algo próprio do ser humano. É nessa perspectiva que essa prosa poética, através da poesia, da narrativa, e da linguagem visual atrelada significativamente à linguagem verbal, proporciona ao leitor, de forma gradativa, que ele se aproprie do texto literário, adquirindo sua competência leitora, além de perceber e significar os elementos constituintes da obra. Nota-se, assim, que o sujeito leitor é convidado a experimentar, através do texto escrito e das imagens, uma vivência que o leva ao conhecimento de mundo, constituindo um espaço de leitura ampliado, ao acompanhar Maria em sua trajetória pelo autoconhecimento. O texto literário estimula a imaginação e alarga os horizontes do conhecimento do sujeito, que compreende a busca da personagem por sua própria identidade. As possibilidades que a literatura oferece à formação humanista do leitor encontram-se na expressão da necessidade universal e de um direito dos indivíduos em qualquer sociedade de poder mostrar-se em sua individualidade. Aceitar o outro como ele é, com suas qualidades, seus defeitos e suas características singulares 96 não é uma tarefa fácil, pois no mundo atual há uma diversidade quanto a raças, religiões, cores, pontos de vista, etc. E no final da obra, que apresenta um final feliz, a protagonista Maria enfrenta a todos e conquista seu espaço. Esse texto mostra o quanto é fundamental um processo de humanização que confirme no homem traços como a percepção da complexidade do mundo e dos seres, satisfazendo “à necessidade de conhecer os sentimentos e a sociedade, ajudando-nos a tomar posição em face deles” (CANDIDO, 1995, p. 249). Assim, a obra tem a potencialidade de permitir uma reflexão do leitor sobre aspectos revelados durante a leitura, contribuindo para sua formação e a transformação do mundo. 3.1.3 Os Lusíadas em quadrinhos11: uma leitura renovada do clássico O primeiro livro de Fido Nesti12, Os Lusíadas em quadrinhos (2006), pertencente a um acervo do PNBE/2008, nesse caso, o 4, é uma adaptação em quadrinhos da obra original Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, que foi publicada em 1572. A nova versão mantém passagens dos 8.816 versos originais, dividindo-se em seis episódios: “Introdução”, “Inês de Castro”, “Velho do rastelo”, “Gigante Adamastor”, “Ilha dos amores” e “Epílogo”. Essa edição, selecionada Ilustração 32 pelo Programa do governo, é apoiada pelo Capa do livro Os Lusíadas em quadrinhos Instituto Português do Livro e das Bibliotecas. Além de manter trechos da obra original, o autor mescla o primeiro capítulo de seu livro com partes da biografia de Camões, também contada em quadrinhos. A obra de Nesti (2006), que apresenta trechos de os Lusíadas através do gênero textual história em quadrinhos, é constituída por linguagem que mescla 11 Além de pertencer ao acervo do PNBE/2008, o livro foi selecionado para fazer parte do Programa Mais Cultura da Biblioteca Nacional e para o acervo da Coordenadoria Municipal de Bibliotecas (SMC/PMSP), em 2008, e para o Programa Salas de Leitura/Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, em 2009. 12 Ilustrador e cartunista paulistano. 97 palavra e ilustração. Nesse sentido, os quadrinhos são uma narrativa gráfico-visual, impulsionada por sucessivos cortes que agenciam imagens rabiscadas, desenhadas e/ou pintadas e esse espaço narrativo existe somente na medida em que se articula com os cortes e que são redimensionados pelo leitor, o qual determina o ritmo das tiras em função de cada leitura particular (CIRNE, 2000, p. 23-24). Nessa perspectiva, Nesti extrai dos dez cantos lusitanos os trechos que julga mais populares – “a trágica história de Inês de Castro, as experientes palavras do Velho do Rastelo, o dramático encontro com o Gigante Adamastor e os suspiros lascivos da Ilha dos Amores” (NESTI, 2006, p. 47) – para designar imagens respeitando a métrica rítmica de Camões e cuidando para que a narrativa visual flua naturalmente. Assim, o autor cria uma adaptação, que se constitui como uma peculiaridade da literatura infantil para que o livro se configure a um estilo mais próximo de seu público, determinando a preocupação com a transmissão de normas “que tanto podem ser de tipo social [...] quanto estéticas” (ZILBERMAN, 1998, p. 39). No texto original, Camões é o autor que descreve episódios da história de Portugal, glorificando os lusos; enquanto que na obra de Nesti, Camões passa a ser narrador-personagem de sua própria obra, apresentando trechos de sua omamos e relatando os fatos mais significativos de sua vida, além de dialogar com o leitor, tentando mantê-lo preso à leitura. Dessa maneira, Zilberman afirma que a literatura infantil oferece um campo de trabalho igualmente válido, ao reproduzir, nas obras transmitidas às crianças, as particularidades da criação artística que via a uma interpretação da existência que conduza o ser humano a uma compreensão mais ampla e eficaz de seu universo, qualquer que seja sua idade ou situação intelectual, emotiva e social (ZILBERMAN,1998, p. 40). De acordo com esse pondo de vista, a obra do cartunista paulista oferece uma abordagem mais próxima do universo infantil, através do gênero escolhido, estabelecendo uma relação com o outro que, neste caso, é, sobretudo, a criança. Considerando que, de um lado, tem-se a narrativa proposta pelo autor e, de outro, aquela mentalmente trabalhada pelo leitor, no decorrer da história o ritmo do texto é determinado pelos cortes dos quadros e pela quantidade de conteúdo verbal. Assim, os quadrinhos não são sempre do mesmo tamanho e nem do mesmo formato, remetendo a objetivos distintos, expostos a seguir. 98 No primeiro quadrinho de cada capítulo, as cores utilizadas para a escrita do título e para a ilustração são o branco, o cinza e o lilás, não havendo uma borda ao redor do mesmo, deixando-o em aberto, sob o fundo branco, enquanto que nos demais quadrinhos são utilizadas inúmeras cores e, geralmente, uma borda preta em seus contornos. Essa estratégia que diferencia o quadrinho introdutório dos demais, deixando-o sem bordas e com cores diferenciadas, orienta o leitor para demarcar a abertura de mais uma etapa da história. A figura 33 identifica o quadrinho introdutório, sem bordas e com fundo branco, nas cores lilás, cinza e branca, contendo o título do capítulo. Não é somente a Ilustração 33 P. 5 dos Lusíadas em quadrinhos ilustração que mostra essa característica do texto. Em nível verbal, o final de cada capítulo apresenta falas de Camões introduzindo a parte da história seguinte. Geralmente, a personagem direciona seu discurso aos leitores, sugerindo que esses fiquem atentos aos acontecimentos e à leitura da obra (os trechos do texto original que representam esse diálogo encontram-se destacados em negrito): Tabela 10 – Conexões linguísticas nos Lusíadas em quadrinhos Dois últimos “Pois, das páginas de meu quadrinhos da livro, contar-vos-ei agora um “Introdução”, caso mais triste ainda.../ apresentando Aconteceu da mísera e o próximo mesquinha que despois de capítulo “Inês ser morta foi rainha!...” de Castro” - Rainha mísera e mesquinha: referindo-se à Inês de Castro Ilustração 34 - Recorte da p. 8 dos Lusíadas em quadrinhos 99 Antepenúltimo “Passo agora a palavra a um e penúltimo ilustre cavalheiro.../Com quadrinho de vocês, Vasco da Gama!” “Inês de Castro”, - Vasco da Gama participa do introduzindo episódio do capítulo “Velho do “Velho do Rastelo”, por isso ele é citado Rastelo” e aparece no último quadrinho de Inês de Castro Ilustração 35 - Recorte da p. 14 dos Lusíadas em quadrinhos Penúltimo e “Nosso Gama não estaria último assim tão poético se pudesse quadrinho de adivinhar o que viria pela “Velho do frente.../Sim, prezado leitor, Rastelo”, pode apostar que este antecedendo oceano esconde uma “Gigante encrenca da grossa...” Adamastor” - No capítulo “Gigante Adamastor” Ilustração 36 - Recorte da p. 20 dos Lusíadas em quadrinhos Penúltimo e “Ao longo desta costa, último começando já de cortar as quadrinho de ondas do levante, por ela “Gigante abaixo um pouco Adamastor”, omamos s, onde segunda identificando a vez terra omamos.” “Ilha dos Amores” - “Por ela” e “terra”: referindo- se à Ilha dos Amores Ilustração 37 - Recorte da p. 34 dos Lusíadas em quadrinhos Dois últimos “Sim, bravíssimo leitor, as quadrinhos de cortinas se fecham... Parece- “Ilha dos me que este é mesmo o fim... Amores”, Mas... Espere! Creio que apresentando ainda tenho algumas falas...” o “Epílogo” - “Parece-me que este é mesmo o fim”: vocábulos que estão relacionados ao epílogo – remetendo à finalização do Ilustração 38 - Recorte da p. 44 dos Lusíadas em quadrinhos livro. - “As cortinas se fecham”: ato em teatros que sinalizam o 100 final de uma peça. Essas conexões, que aparecem no final de cada capítulo introduzindo o conteúdo do seguinte, articulam a história, já que está separada em partes. Esse recurso de mediação, adotado pelo escritor ao leitor iniciante, permite a construção de inferências por parte do interceptor entre aquilo que aconteceu e o que está por vir. Outra maneira de ritmizar a ação, refere-se ao tamanho Ilustração 39 – P. 8 dos dos quadrinhos, que ora se apresentam todos do mesmo Lusíadas em quadrinhos tamanho na mesma página – ilustração 39 –, seguindo a medida padronizada de diagramação e tornando a história mais ou menos uniforme pela quantidade de cortes que apresenta; ou ocupam uma página inteira – ilustração 40 – enfatizando o quadrinho pelo tamanho maior e pela falta de divisórias. O autor também reparte os quadros em forma de tirinhas – ilustração Ilustração 40 – P. 11 dos Lusíadas em quadrinhos 41 – uma modalidade das histórias em quadrinhos, a qual representa uma leitura breve, com ênfase na ilustração e pouco texto verbal. Ao final do livro, os últimos quadrinhos vão se estreitando à medida que o livro vai chegando ao final, indicando o fechamento da história – Ilustração 41 – P. 12 dos Lusíadas em quadrinhos ilustração 42. Ao usar essa diferenciação de quadros, em relação ao posicionamento e ao Ilustração 43 - P. 21 dos Lusíadas em tamanho dos mesmos, o autor Ilustração 42 – Recorte da p. 46 quadrinhos utiliza setas para indicar a dos Lusíadas em quadrinhos sequência de leitura, já que essa pode ser não tão clara em alguns casos, como o especificado a seguir: O enquadramento, apresentado em planos e ângulos de visão diferentes, serve “para aproximar uma figura ou mostrar uma visão geral da cena” (IANNONE e IANNONE, 1994, p. 63), como se fosse uma lente zoom, de forma semelhante como acontece na televisão ou no cinema. Esse recurso é utilizado por Nesti na obra para 101 ressaltar a personagem, havendo menos destaque para o cenário e vice-versa, como no caso a seguir, em que o primeiro quadrinho – ilustração 44 – mostra o Gigante Adamastor acima da cintura e os demais – ilustrações 45, 46 e 47 – focalizam partes de sua face: seus olhos, sua orelha e seus dentes, respectivamente, enfatizando-as. Ilustração 44 Ilustração 45 Ilustração 46 Ilus tração 47 Quadrinho da p. 31 dos Quadrinho da p. 22 dos Quadrinho da p. 22 dos Quadrinho da p. 22 dos Lusíadas em quadrinhos Lusíadas em quadrinhos Lusíadas em quadrinhos L usíadas em quadrinhos Na ilustração 44, o Gigante Adamastor aparece maior que uma caravela, ressaltando seu tamanho e, no verbal, ele “tão grande era de membros” (NESTI, 2006, 22). As outras partes que destacam seu rosto remetem à ideia do tamanho da personagem, com olhos, orelhas e boca grandes, assim como o lobo-mau, no Conto de Fadas da Chapeuzinho Vermelho, que representa uma figura maldosa, tentando devorar a menina. Nesse caso, Adamastor pode ser associado com a personagem lobo-mau, pois assusta a todos por onde passa: “c’um tom de voz nos fala, horrendo e grosso, que pareceu sair do mar profundo. Arrepiam-se as carnes e o cabelo, a mi e a todos só de ouvi-lo e vê-lo” (NESTI, 2006, p. 22). Com “os olhos encovados”, a “boca negra” e os “dentes amarelos” (NESTI, 2006, p. 22) o Gigante Adamastor é uma das personagens da história e este é um elemento dos quadrinhos que se distingue pela tipologia que assume. Ou seja, “de acordo com o traço e as feições utilizadas pelo desenhista, o personagem assume um tipo, independente da sua descrição” (IANNONE e IANNONE, 2003, p. 67). No caso da obra de Nesti, Camões é o protagonista que assume um papel caricaturizado, por ser uma personagem da vida real e ter características exageradas de uma forma humorística, em que o autor distorce alguns traços e joga 102 com as formas. A ilustração 4813 retrata Luís Vaz de Camões em sua originalidade, enquanto que a figura 49 mostra a personagem criada por Nesti, o qual exagera o tamanho do bigode de Camões, curvando-o nas pontas, enfatizando essa característica que marca seus traços físicos. A testa grande e o nariz avantajado dão um ar burlesco à nova personagem, como se pode perceber no exemplo que segue. Ilustração 48 Ilustração 49 Pintura retratando Luís Vaz de Camões, representado por Fido Nesti, nos Camões Lusíadas em quadrinhos Seu pequeno topete foi inspirado em Tintim, assim como a sisuda barba de Vasco da Gama em Capitão Haddock, ambos personagens de Hergé14, afirma o autor no posfácio do livro (NESTI, 2006, 47). Tintim foi uma personagem das histórias em quadrinhos, criado em 1929 e conhecido por seu espírito aventureiro e curioso – características presentes também em Camões –, geralmente guiado por uma personalidade descrita como nobre, audaciosa e perspicaz. Tintim era desenhado como um garoto de pele clara e cabelos castanhos, apresentando o característico topete que se tornou sua marca registrada e deu origem ao de Camões, de Nesti. 13 Gravura em cobre de Fernando Gomes. É o único retrato do poeta reproduzido do natural. Disponível em http://www.revista.agulha.nom.br/camoes.jpg. Acesso em 05 jan 2011. 14 George Prosper Remi, conhecido pelo nome de Hergé, foi escritor, artista e desenhista belga. Tornou-se famoso como criador do herói Tintim, o qual ele escreveu e ilustrou a partir de 1929, até sua morte, em 1983. 103 Ilustração 50 Ilustração 49 Personagem Tintim, de Hergé Camões, representado por Fido Nesti, O maior aliado das aventuras de Tintim, além do cão, que o acompanha em todas histórias, é o Capitão Haddock, arquétipo do marinheiro ranzinza, mas de bom coração e uma longa barba – ilustração 51 –, que serviu de inspiração para Nesti produzir o desenho de Vasco da Gama – ilustração 52 –, que também teve uma vida relacionada à marinha, comandando esquadras ao redor do mundo. Ilustração 51 Ilustração 52 Capitão Haddock, de Hergé Vasco da Gama, representado por Fido Nesti, nos Lusíadas em quadrinhos Além de usar referências de outros artistas em seu trabalho, o quadrinista brasileiro também remete ao cinema em sua obra. O leitor atento, ao folhear as páginas de Os Lusíadas em quadrinhos, pode encontrar cenas da história baseadas em trechos de filmes como “O Gabinete do Dr. Caligari”, “O Barão de Munchausen” e “Mobi Dick” (NESTI, 2006, p. 47), revelando a intertextualidade. Os quadros a seguir denotam as semelhanças entre os quadrinhos de Nesti e os filmes por ele citados: 104 Tabela 11 – Os Lusíadas em quadrinhos e o filme O gabinete do Dr. Caligari Filme (1919): na ilustração 53, a cena do filme, congelada aos 31min35sec, mostra que a personagem feminina Jane é carregada numa ponte cheia de galhos ao redor, como se estivesse indo em direção ao espectador. Cesare, o homem que está lhe trazendo, possui um tom maligno e veste roupa toda preta, com cabelos curtos e lisos. O clássico de terror e suspense revela imagens que criam um tom meio surrealista, privilegiando estranhos efeitos de luz e sombra na composição Ilustração 53 - Cena do filme do enredo sob a ótica de um louco, com distorções O gabinete do Dr. Caligari e deformações das ruas, casas e pessoas. Livro: a personagem Inês de Castro sendo carregada, na ilustração 54, em uma ponte, semelhante à do filme. O homem que a transporta é parecido com o do cinema, pelos traços físicos, pela maneira de se vestir e de caminhar, como se estivesse indo em direção ao leitor. A história triste de Inês de Castro, que é assassinada e torna-se rainha postumamente à sua morte, é contada nos Ilustração 54 quadrinhos de Nesti, com um estilo também meio Quadrinho da p. 9 dos Lusíadas em quadrinhos surrealista, como no cinema, apresentando personagens deformadas por suas formas caricaturizadas e lugares sinistros, pintados nas cores fortes preta e vermelha, que representam certo pavor. 105 Tabela 12 – Os Lusíadas em quadrinhos e o filme O barão de Munchausen15 Filme (1989): na ilustrações 55, 56 e 57, há cenas em que o barão de Munchausen é lançado, pelos ares, atingindo o céu, em cima de uma bola de canhão, chegando ao oriente. O filme enreda a história dessa Ilustração 55 – Cena 1 do filme O barão de Munchausen personagem, que vive diversas Ilustração 58 peripécias, denotando-lhe um ar Quadrinho da p. 6 dos Lusíadas em cômico e ridículo. quadrinhos Livro: As figuras 58 e 59 mostram a parte em que Camões é lançado, pelos ares, Ilustração 56 - Cena 2 do filme atingindo o céu, em cima de O barão de Munchausen uma bola de canhão, chegando ao oriente. Em sua jornada, a personagem portuguesa, que é Ilustração 59 ilustrada de maneira burlesca, Quadrinho da p. 6 dos Lusíadas em assemelha-se ao barão do filme, quadrinhos vivendo também inúmeras Ilustração 57 - Cena 3 do filme O barão de Munchausen aventuras. 15 Dirigido por Terry Gilliam, o filme britânico conta as fantásticas histórias do maior mentiroso de todos os tempos, o barão de Munchausen. Enquanto tenta escapar da morte, encontrar seus amigos e salvar a cidade do ataque dos turcos, o Barão relembra a aposta com o Califa, a visita à Lua e a dança com Afrodite. 106 Tabela 13 – Os Lusíadas em quadrinhos e o filme Moby Dick Na figura 60, a lente cinematográfica dá um zoom nos olhos da baleia branca Moby Dick, personagem do filme, enquanto que na gravura 61, o cartunista Fido Nesti utiliza o mesmo recurso de aproximação para enfatizar os olhos do gigante Adamastor. Tanto a tela do cinema quanto o quadrinho apresentam-se nas cores preta, azul e branca. Enquanto que nas telas, a baleia Ilustração 60 é perseguida de forma obsecada por seu Cena do filme Moby Dick inimigo Capitão Ahab – que fica transfigurado por que ela o feriu e o transfigurou–; no livro, o gigante Adamastor representa as forças da natureza contra Vasco da Gama. Ilustração 61 - Quadrinho da p. 22 dos Lusíadas em quadrinhos 107 Nas cenas do filme, o diretor focaliza a baleia Moby Dick através da lente de uma luneta, assim como no quadrinho de Nesti, que foca a Ilha dos Amores pelo mesmo ponto de vista, possibilitando, mais uma vez, a Ilustração 62 articulação entre as linguagens Cena 1 do filme Moby Dick cinematográfica e dos quadrinhos. Ilustração 63 Cena 2 do filme Moby Dick Ilustração 65 Ilustração 64 Quadrinho da p. 35 dos Quadrinho da p. 35 dos Lusíadas em quadrinhos Lusíadas em quadrinhos As significações das tabelas anteriores apontam para um texto em que a linguagem cinematográfica se revitaliza – até mesmo porque os filmes não são tão atuais. Os enquadramentos possibilitam a interrelação com a manifestação das 108 telas, compondo um discurso em que os elementos dialogam e os sincretismo de linguagens se revela nas suas várias articulações, formando um todo de sentido. Baseando-se nas comparações feitas anteriormente, é possível afirmar que esses quadrinhos sugerem uma leitura “aberta”, porque “[...] renova os caminhos do olhar, reinventa a leitura, modifica a linguagem” (CIRNE, 2000, p. 24), já que permite ao leitor uma possibilidade de ver determinados discursos, fazendo alusão intertextual com outras linguagens, como, por exemplo, a referências cinematográficas, ao texto original de Camões e possuindo traços de obras de outros autores. Além disso, essa produção estética utiliza a linguagem verbal e a visual, reunindo uma série de signos capazes de gerar um processo dialógico sobre a consciência do leitor, a qual é explicitada por Bakhtin: a lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem (BAKHTIN, 1992, p. 37). Nesse sentido, a obra é dialógica, em princípio, porque responde a outros enunciados que a antecedem e se constitui de um enunciado, de um todo de sentido, que se vale da linguagem verbal e não-verbal, como uma réplica ao texto original, com fins de atingir seu público: o leitor iniciante. Sabe-se que as crianças não leem Lusíadas no original, no entanto, apreciam quadrinhos e têm o direito de conhecer grandes clássicos. A obra, portanto, é um grande poder de humanização pois propõe um modelo gerado pela força da palavra organizada (CANDIDO, 1995, p. 245), e o leitor é mobilizado a apreender, além da linguagem verbal, também a visual – para chegar à significação do texto e compreender o sentido do texto. Dessa maneira, o interlocutor constrói competências de leitura, que demanda qualificar o processo de compreensão do discurso construído. Esse destinatário, que vive imerso e é ativado por diferentes mídias, é marcado por um olhar que acolhe e dialoga com diferentes sistemas de linguagem. Por isso, o edital do PNBE tem contemplado esse gênero textual que faz parte do mundo infantil e remete à literatura. Dessa maneira, Lusíadas em 109 quadrinhos surge como reposta a questões que lhe antecede e vai aguardar/gerar outras respostas, dependendo da forma que for tratada pelo leitor e, principalmente pelo mediador, já que tal obra é distribuída às escolas públicas de todo o Brasil. 3.1.4 A literatura presente no reino do Rei maluco e a rainha mais ainda A obra O rei maluco e a rainha mais ainda (2006), escrita por Fernanda Lopes de Almeida e ilustrada por Luiz Maia, pertence ao acervo 2 do Programa Nacional Biblioteca da Escola de 2008 e foi finalista do Prêmio Jabuti na categoria Melhor Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil do mesmo ano. Pertence à Coleção Fernanda Lopes de Almeida, que é composta por outros títulos, como: A Aranha, a Dor de Cabeça e outros males que assolam o mundo; A fada que tinha ideias; A lei do mais forte e outros males que assolam o mundo; Contos de Perrault; e Soprinho – o segredo do bosque encantado. Essa informação encontra-se na pasta16 de trás do livro. O título, o nome da autora, do ilustrador, da editora e do símbolo do governo que realizou a doação aparecem na capa, que mostra a ilustração do rei e da rainha. Para poder encontrar as Ilustração 66 – Capa do livro O rei maluco e a rainha mais ainda outras personagens que participam da história, o leitor precisa abrir o livro e observar a capa e a contra capa, que juntas, exibem também a Formiga falante e Heloísa, protagonistas do Reino Maluco. Essa estratégia é marcada pelo braço da Rainha, que começa a ser desenhado na capa e termina na contra capa, induzindo o olhar curioso do leitor a 16 Pasta é o nome dado à parte interior da capa de um livro. 110 ver o que tem atrás do livro. Além das personagens, aparece também o lugar por onde a história se passa: o reino maluco, mostrando o castelo do rei e da rainha, algumas casas e moradores. Logo acima dessa figura, aparece o texto que introduz a obra: “Imagine um rei tão diferente que vive trabalhando para o povo: até pão ele faz, porque o padeiro prefere pintar quadros...”. Para apresentar essas palavras de uma maneira vinculada com a ilustração, Heloísa (que á a menina de vestido azul), aponta com sua mão para o texto verbal. Tanto Heloísa, quanto a Formiga, o Rei e a Rainha estão olhando diretamente para o leitor, como se estivessem convidando-lhe para participar da história. Esse convite é indicado também pelo texto verbal, em que a autora estabelece um diálogo direto para com a pessoa que pretende ler o livro: “acompanhe Heloísa em suas aventuras e descobertas... Pode ser que você não descubra o que é um estafilágrio, mas, com certeza, vai querer procurar o seu”. A história acontece em 128 páginas e 25 capítulos, que são curtos, geralmente 3 ou 4 páginas, para propor uma leitura organizada em partes pequenas, não tornando-a cansativa caso o leitor queira desfrutar do texto pouco a pouco. Ou até mesmo se o professor desejar utilizar o livro em sala de aula para apresentar o enredo dividindo-o em capítulos e lendo, por exemplo, uma parte por dia. Os títulos dos capítulos são apresentados no início do livro, em forma de Sumário, com a respectiva numeração e paginação, orientando o leitor para a divisão da história. O início de cada capítulo é marcado pelo capitular da primeira palavra Ilustração 67 – P. 6 e 7 de O rei maluco e a rainha mais ainda do texto e uma ilustração que está vinculada à significação do texto verbal, como exemplificado na figura 66. Como se trata de um reino maluco, a fonte escolhida para os títulos (tanto do livro quanto dos capítulos) também revela a impressão do diferente, do incomum. A história é contada em Times New Roman, fonte indicada para textos longos (que é o caso dessa história), possuindo traços retos e um estilo legível. Esse tipo de letra, classificado como serifa triangular, apresenta extremidades nas pontas que guiam 111 os olhos do leitor de um caractere para outro, imprimindo ritmo e facilitando a leitura. Enquanto isso, os títulos recebem destaque e são apresentados em fonte que deixa o texto mais divertido, possuindo caracteres com detalhes nas extremidades e demonstrando-se esteticamente agradáveis, atraindo a atenção de quem olha por ser diferente da escrita do restante da história: Ilustração 68 Ilustração 69 Recorte do título da capa de Recorte do título da p. 36 de O rei maluco e a rainha mais ainda O rei maluco e a rainha mais ainda Alguns títulos citam as personagens que aparecem no decorrer do texto, como nesse apresentado na ilustração acima – “A Moça do Poço” –, além de outros: “A formiga falante”, “O rei maluco”, “O rei ajuizado”, “O palhaço” e “A pobre viúva”. Durante a narrativa, essas figuras vão mostrando suas características e traços de suas personalidades. A história gira em torno da menina Heloísa e cada personagem aparece com relevância fundamental para a constituição do enredo e para a formação da personalidade da protagonista, que recebe esse nome, pois seu significado17 remete a uma pessoa persistente, que alcança sucesso em todas as áreas de atividade quando consegue acreditar na sua própria capacidade. Dessa maneira, o enredo se desenvolve à medida que a menina, através de sua determinação, vai tomando decisões que envolvem atitudes das outras personagens, as quais a auxiliam nesse processo de autoconhecimento. A situação inicial da história refere-se à menina que está em seu quarto, quase a adormecer, quando aparece uma formiga e lhe impõe dúvidas sobre a vida que leva: 17 A respeito do significado de nomes, consultar: http://www.significado.origrm.nom.br Acesso em 12 dez 2010 112 Heloísa achou que ela estava caçoando, mas a Formiga puxou um lencinho e enxugou uma lágrima de emoção: - Hoje é o dia mais feliz da minha vida! Desde que você nasceu, eu me esforço para incomodá-la e, afinal, hoje estou conseguindo! - Mas porque esse esforço todo para me incomodar? - Porque só os incomodados é que se mudam. - Agradeço o interesse, mas fique sabendo que não pretendo me mudar. A Formiga fez cara de medo: - Nem diga uma barbaridade dessas menina. Já pensou que perigo uma pessoa que não se muda? (ALMEIDA, 2006, p. 9). A partir de um diálogo despertado pela Formiga, composto por questionamentos, a curiosidade da garota é aflorada, que se interessa em conhecer o tal reino maluco e distancia-se de casa, assim como acontece com as personagens dos contos, que se afastam do seu local de origem para aprender a enfrentar as situações que a vida lhe impõe como forma de crescimento. Nesse reino, a menina conhece várias personagens, as quais participam do seu processo de autoconhecimento, como apresentadas na tabela a seguir. Tabela 14 – As personagens constitutivas do reino do Rei maluco e a rainha mais ainda A formiga falante Ilustração 70 Recorte da formiga falante da p. 10 de O rei maluco e a rainha mais ainda 113 No início da história, Heloísa está em seu quarto, quase a adormecer, quando é surpreendida por uma formiga falante que começa a conversar com ela e acaba levando-a para o reino maluco. Nessa parte inicial, a menina está muito satisfeita em seu mundo ordenado e cheio de regrinhas, quando chega o tal animalzinho e a convida a partir para uma visão mais ampla de como ver o mundo. O bichinho contestador, que a leva para o reino do Rei maluco tem a oferecer a Heloísa a dose de loucura saudável que está lhe faltando. Heloísa trata-se de uma garotinha toda atenta a idéias preconcebidas, mas que tem um lado dela que quer conhecer a própria originalidade. E esse lado é representado pela Formiga, a princípio pequenina, como se fosse uma coceirinha, um formigamento, já que formigas “aparecem como símbolos da pequenez de todo vivente” (CIRLOT, 1984, p. 264). Depois que Heloísa aceita conhecer o castelo do Rei maluco, a Formiga ganha estatura, representando também o lado operoso, pois é “um símbolo de atividade industriosa, de vida organizada em sociedade” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1999, p. 447) e “tem um importante papel na organização do mundo” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1999, p. 448), já que procurar conhecer-se no que se tem de mais original trata-se de um processo de avanços e recuos, conquistas e resistências. Nas ilustrações 70 e 71, a diferença de tamanho da formiga, que aumenta sua estatura – lembrando Alice no país das maravilhas – quando Heloísa decide acompanhá-la na viagem até o reino maluco. A vestimenta do animal, com um pano amarrado na cabeça, reforça a ideia de um símbolo laborioso, que auxiliará a menina na caminhada pela procura do conhecer-se. Ilustração 71 Ilustração 72 Recorte da p. 9 de Recorte da p. 10 de O rei maluco e a rainha mais ainda O rei maluco e a rainha mais ainda 114 O rei e a rainha Ilustração 73 - Recorte da capa de O rei maluco e a rainha mais ainda Chegando ao reino maluco, Heloísa percebe o jogo de opostos entre o Rei e a Rainha, que a faz perceber como eles podem se completar, ajudando um ao outro. Enquanto o Rei é um cumpridor de deveres, realizando-os com a maior alegria e tendo a loucura da extrema bondade, tolerância e desejo de servir, sua esposa, a Rainha, representa o lado da travessura, leve e despreocupado de que se precisa para contrabalançar os lados trabalhosos da vida. A personagem feminina, com seus desastres, está sempre mostrando, sem querer, que o progresso não se dá em linha reta e que faz parte do crescimento errar e acertar. Talvez seja por isso que o Rei, tão laborioso, vive dizendo que ela não o atrasa, só o adianta e o povo acaba achando maravilhoso tudo o que a Rainha faz. Essa diferença entre os dois não se revela somente no plano da personalidade, como também fisicamente, aparecendo nas ilustrações do livro e, exemplificadamente, na figura ao lado: a Rainha é alta, magra, possui bastante cabelo e apetrechos na cabeça, inclusive a coroa de rainha; enquanto que o Rei é baixo, gordo e careca, não tendo nem um fio de cabelo, muito menos a coroa que o designaria como o Rei do lugar, a qual recebe somente no final da história e, em seguida, dirige-se a Heloísa, que mais uma vez percebe que o casal se completa em suas diferenças: - Lembre-se que depois de coroado terei de trabalhar vinte vezes mais. - Mas Vossa Majestade não vai agüentar! - Vou - disse o Rei, muito contente. – Por sorte esta coroa pesa muito. Se o peso que tenho que carregar ficou vinte vezes maior, é sinal que estou vinte vezes mais forte. - Em compensação – disse a Rainha -, eu fiquei vinte vezes mais leve. Posso voar até o teto se quiser. 115 ‘Que egoísta’, pensou Heloísa. Mas, pela cara de felicidade do casal, logo percebeu que não: aquilo era uma nova ajuda que a Rainha estava dando ao marido.” (ALMEIDA, 2006, p. 122). O rei ajuizado Ilustração 74 - Recorte da p. 30 de O rei maluco e a rainha mais ainda Em contrapartida com as ideias do Rei maluco, surge na história o Rei Ajuizado, que está à procura de um juiz para seu reino e, ao conhecer Heloísa, com suas ideias todas corretas, decide dar a ordem que ela é a escolhida, a qual foge seguindo conselhos da Rainha e da Formiga, pois, naquele reino, “um juiz só descansa dez minutos, de dez em dez anos” (ALMEIDA, 2006, p. 35). Dessa maneira, a menina aprende a ter coragem de enfrentar situações difíceis que poderiam levá-la a um “horroroso destino” (ALMEIDA, 2006, p. 35). Como o nome revela, o Rei Ajuizado quer fazer tudo da maneira mais correta, representando o bom senso e o espírito prático, além de demonstrar–se ranzinza, cheio de preceitos, sempre pronto a julgar sem nem ao menos ter compreendido. De certa maneira, essas atitudes, que pertencem ao ser humano, fazem parte do processo do crescimento interno, pois os opostos se confrontam (Rei Maluco e Rei Ajuizado) e disso, pode nascer o novo, assim como acontece no caso de Heloísa, que enfrenta uma situação de risco, a qual é muito importante para seu futuro. A ilustração do Rei Ajuizado também representa esse seu lado audacioso, possuindo uma postura ereta e sombrancelhas em formato V, sendo tão importante quanto o Rei Maluco, pois é da tensão entre as forças inovadoras e as conservadoras que se faz o crescimento. O livro mostra que esse conflito pode ser resolvido também através do diálogo entre ambos, já que os dois Reis se entendem após conversarem. 116 A velhinha da torre do sono Ilustração 75 - Recorte da p. 44 de O rei maluco e a rainha mais ainda Há, no Reino, a Torre do Sono, onde mora uma velhinha que tem mil anos e fia numa roca. Heloísa visita esse lugar três vezes durante a história, tentando espetar o dedo e dormir por cem anos, como ela havia visto na Bela Adormecida. Queria fugir, primeiramente, de uma homenagem e, em seguida, das situações em que se encontra no Reino que as deixa irritada. No entanto, a velhinha é a vigia do instrumento que tece e não permite que a menina encoste na roca. Nesse caso, a Velhinha da Torre simboliza a guardiã da vida e o sono, ou seja, o sono existencial, que é a fuga, a negação. Ela diz a Heloísa, que, em seguida, questiona: - Não admito que ninguém durma nesta torre. - Essa é boa! Então para que existe uma torre do Sono no palácio? - Não sei e nem quero saber. Só sei que estou aqui para não deixar ninguém dormir e não vou deixar. (ALMEIDA, 2006, p. 45). Além desse sono reparador, o qual Heloísa tenta alcançar para fugir da realidade em que se encontra, há a fuga para a Torre, que simboliza “dispersão” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1999, p. 889), ou seja, outro marco que representa o desejo da menina de não querer estar vivendo tal situação e a velhinha auxilia a levá-la de volta para a realidade. A imagem da Torre lembra também a expressão "torre de marfim", lugar onde a pessoa se isola dos acontecimentos e é utilizada para assinalar o distanciamento da realidade, a fuga de sonhos individuais. 117 O povo do reino Ilustração 76 Ilustração 77 Ilustração 78 Recorte da p. 13 de Recorte da p. 15 de Recorte da p. 15 de O rei maluco e a rainha O rei maluco e a rainha O rei maluco e a rainha mais ainda mais ainda mais ainda No Reino Maluco, onde cada um se veste como quer, fala o que lhe dá na telha, porque é assim que o pensamento humano é quando não está tolhido pelas convenções, é uma metáfora que representa a originalidade de cada indivíduo. As convenções são úteis, no mundo concreto, porque sem elas não seria possível o convívio. Mas, nos domínios do pensamento, as normas do mundo externo não contam. O prazer do pensar é a capacidade de imaginar os maiores absurdos. E as personagens estão em um reino livre. A rapidez com que tudo acontece no país do Rei Maluco, mencionada várias vezes no livro, é a agilidade do pensamento, que pode se transportar para onde bem quiser, como exemplificado a seguir (os trechos que remetem a essa ideia serão sublinhados da parte original do livro): “- Se você descobriu logo no princípio, é porque o seu dicionário tem cura!” (ALMEIDA, 2006, p. 13). Ou ainda: “- E ela só pensou em cinco minutos!” (ALMEIDA, 2006, p. 14). Ou por exemplo: “- Como aprende depressa!” (ALMEIDA, 2006, p. 17). E por último: - Para que essa pressa? - Que menina precipitada! - Em vez de aproveitar o momento presente, vive pensando no futuro! O Rei achava a mesma coisa: - Desculpe, querida menina, mas, já que não está havendo nenhuma coroação e sim um plebiscito, você deveria pensar no plebiscito e não na coroação (ALMEIDA, 2006, p. 56). Esse último trecho assinala a agilidade para resolver as situações sobre o presente, para pensar sobre o agora, sem ter a ansiedade pelo futuro, permitindo, até mesmo, aos habitantes do reino, falar o que lhes vêm à cabeça, com liberdade de pensamento, fazendo poesia: 118 -Vento do sul, grito no azul – exclamou a mocinha vestida de bailarina. - As neves breves – respondeu a velha do aquário, olhando por cima dos óculos. - Breves e leves – concordou um senhor gordo, de patins. - Leves e flocos – acrescentou a bailarina. - Flocos ou blocos? – perguntou um homem de avental branco, todo salpicado de tinta. Heloísa começou a achar que aquilo parecia música e a gostar. Mas estava estranhando demais a aparência de seus novos conhecidos: - Não leve a mal – disse ela para a bailarina -, mas por que você anda com um colar de parafusos no pescoço?”(ALMEIDA, 2006, p. 14). O povo do reino maluco é capaz de brincar com as palavras, fazendo com que essas adquiram musicalidade. No entanto, Heloísa está ainda no início da história e encontra-se presa a compreender o porquê de tudo o que vê, ao invés de se envolver na brincadeira, como por exemplo, questionando sobre o colar da bailarina. O que ela começa a perceber daí por diante é que o reino é um mundo onde o padeiro prefere pintar quadros, a Rainha dá aulas quando a professora falta e todos vivem à procura de um estafilágrio, que ninguém sabe o que é. Esse objeto é algo que se busca e se alguém já o tivesse encontrado, significaria que a procura teria terminado. Tal instrumento simboliza o sentido da vida e todos querem algo que os façam viver melhor e, quando conquistam, seguem em busca de outra coisa para haver progresso. À medida que vai conhecendo esses habitantes do reino, Heloísa vai adquirindo conhecimentos para crescer como pessoa, além de ser questionada por eles a pensar sobre sua evolução: “- Ora, menina, você sempre com a mania de só falar no que já sabe.” (ALMEIDA, 2006, p. 88). A menina é instigada a refletir sobre o que fala, sendo induzida pelos habitantes a evoluir seus pensamentos. No início, afirmavam que a menina sofria de uma doença chamada “dicionário”, já que era presa a falar tudo com seu sentido correto e denotativo. Aos poucos, vai deixando a imaginação tomar conta e vai brincando com as palavras, criando novos vocábulos e deixando de ser tão presa a regras – tanto gramaticais, quanto da vida em que levava – sendo uma pessoa mais feliz: “- É, mas ainda não posso pensar muito que ele é um hipopótamo, porque me desabraço e começo a berrar – confessou Heloísa” (ALMEIDA, 2006, p. 121). Nessa parte da história, ela cria a palavra “desabraçar” e deixa de ter medo do hipopótamo, descobrindo que pode ser amiga dele, sendo essa sua vontade própria. 119 As costureiras da floresta Ilustração 81 Recorte da p. 93 de O rei maluco Ilustração 80 e a rainha mais ainda Ilustração 79 Recorte da p. 92 Recorte da p. 93 de de O rei maluco e O rei maluco e a rainha mais ainda a rainha mais ainda Desde o início da história, Heloísa está de camisola, pois é pega de surpresa em sua cama pela Formiga Falante. No decorrer dos acontecimentos, os habitantes do reino decidem preparar um grande baile em homenagem à menina, por isso ela decide não querer mais usar essa vestimenta e sim um belo vestido. Dessa maneira, a Formiga acompanha Heloísa até a Floresta das Costureiras, que fogem da menina ao saber que precisariam costurar um vestido para a menina por encomenda: -Elas só cosem para quem esquece que elas existem... Elas nunca fazem roupa para quem não as conhece. São muito melindrosas nese ponto. Primeiro você tem que conhecê-las. Depois você tem que esquecê- las. (ALMEIDA, 2006, p. 95). Elas cosem na floresta, nos ocos das árvores, no maior silêncio, sentadas sobre velhas pedras escuras. Representam a costura dos fatos, que tem que ser feita em silêncio e somente depois que o trabalho vem à luz do dia se pode ver o que se constrói sem saber. Não é por nada que as costureiras habitam a floresta, lugar que que “por sua obscuridade e seu enraizamento profundo, ... simboliza o inconsciente” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1999, p. 439). É o que acontece com a menina, já que ela trabalha pelo seu lado, guiada pela Formiga, e as costureiras trabalham por outro lado, dentro da floresta do inconsciente. Ou seja, no grande baile, Heloísa usa um belo vestido feito pelas costureiras e isso demonstra o trabalho da própria Heloísa, em seu esforço de autoconhecimento, ela é alguém que se desperta para a necessidade de conhecer-se em nível mais profundo que o convencional, sendo auxiliada pelas costureiras nesse processo de conhecer-se, já 120 que representam o inconsciente da menina. A moça do poço Ilustração 82 - Recorte da p. 36 de O rei maluco e a rainha mais ainda Há, no reino, uma moça que está sempre olhando para dentro de um poço, tentando se encontrar: A moça olhava tão atentamente para dentro do poço que nem levantou os olhos. Heloísa aproximou-se cheia de curiosidade: - Que está fazendo aí? - Estou me procurando. É claro que eu estou dentro desse poço, mas não consigo achar-me (2006, p. 37). A menina Heloísa não entende como a moça pode estar olhando para dentro desse lugar, tentando se entender. Nesse caso, o poço simboliza “o microcosmo,... é o próprio homem” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1999, p. 727), por isso, essa personagem, deitada sobre o poço, representa a subjetividade, debruçada sobre suas profundezas, tentando compreender sua existência, com a angústia da procura, até o ponto de chegar a um certo momento da vida em que consegue entender sua própria personalidade. No final da história, distraidamente, a moça se encontra e não passa mais a viver olhando para aquele lugar preso e fixo de antes que é o poço, tendo a liberdade de poder morar onde quer e até se relacionar com as outras pessoas do reino: Mal acabou de dizer essas palavras entrou no salão a moça do poço, com os longos cabelos esvoaçando: - Tenho uma grande notícia – anunciou. – Acabo de me encontrar! Foi um rebuliço. Todos rodearam a moça. - Não diga! É verdade? – queriam saber,mas podendo acreditar no que ouviam. - É, sim! Assim que me encontrei, me reconheci logo. Eu me pareço comigo mesma,como se fosse irmã gêmea (ALMEIDA, 2006, p. 120) 121 A personagem se encontra somente quando percebe que não se parece com mais ninguém, admitindo a própria personalidade. Ao passar por várias tarefas difíceis, impostas por essas personagens, como por exemplo, enfrentando a velhinha da Torre do Sono ao tentar dormir; fugindo do Rei Ajuizado ao não querer ser juiz de seu Reino; visitando a Floresta das costureiras ao desejar um vestido para o baile; ou até mesmo lidando com o povo do Reino Maluco que afirmava que a menina sofria de dicionário; Heloísa, finalmente, recebe sua homenagem: o tão esperado baile, em que todos celebram também o aniversário de crescimento pessoal da garota, representando mudança por parte da mesma: - De quem é o aniversário? – perguntou Heloísa, que estava dançando com o padeiro. - Seu, é claro! Hoje é seu aniversário de crescimento (ALMEIDA, 2006, p. 118). Ao cumprir todas as tarefas, com auxílio dos habitantes do reino, a menina regressa a sua casa, acordando na manhã seguinte, como se tudo não tivesse passado de um sonho. No entanto, a presença da Formiga, quando a menina corda, sugere um ciclo de aprendizados que a vida pode lhe reservar: Na manhã seguinte acordou com um raio de sol batendo no nariz. “Que sonho!” pensou, espreguiçando-se. “Foi o mais comprido e o mais interessante que já tive na vida.” - Quem lhe disse que foi sonho? – perguntou uma voz, muito sua conhecida. Era a Formiga, em pé ao lado da cama, de lanço na cabeça e sainha vermelha. Nunca mais se separaram e viveram juntas muitas e muitas aventuras (ALMEIDA, 2006, p. 125). O desenvolvimento da personagem, que revela um crescimento desde as páginas iniciais até o final do livro, fornece ao leitor condições para uma compreensão da realidade criada pela fantasia. Na medida em que o sujeito acompanha o enredo, o estilo, a aparência do livro e o progresso da protagonista, que não se revela passiva diante das dificuldades impostas, ele vai atribuindo significação à história, participando do processo do texto. O tempo da narrativa, contado sempre no presente e marcado pelos verbos no mesmo tempo – como, por exemplo, nos trechos: “É assim que Vossa Majestade 122 faz faxina?” (p. 48); “É verdade” (p. 51); “Anime-se meu bem” (p. 54) – ambientam o leitor num contexto de narração que assinala uma lógica em que a trama ainda não terminou e as ações estão sempre ativas no momento da leitura, fazendo com que o interceptor se envolva nesse processo. O leitor, ao interagir com a trama, apreende a estrutura, ou seja, o modo como a história é organizada, que nesse caso, consiste num movimento cíclico: vários conflitos são impostos e a menina os vai resolvendo, à medida que a história avança, como por exemplo, o medo do hipopótamo, a confecção do vestido para o baile, as fugas sem sucesso à torre do sono, etc. Ao final, quando há o baile que reúne todos os habitantes para o final feliz e a trama parece terminar, Heloísa acorda e tudo parece um sonho. No entanto, a formiga falante aparece novamente, como no início do enredo, levando Heloísa a viver “muitas e muitas aventuras” (p. 125). O sentido humanizador recai no processo que confirma no homem aqueles traços essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, a percepção da complexidade do mundo (CANDIDO, 1995 p. 249), enfim, todos aspectos vivenciados pela protagonista Heloísa no decorrer do texto. Essa obra literária revela sua natureza artística ao incorporar os modelos estéticos e ao desafiar o leitor com questionamentos que fazem parte do mundo de menina, mas que também podem circular no meio em que vive o leitor, transformando-o. No entanto, se essas obras não chegarem até o seu leitor mirim, esse não terá a oportunidade de conhecê-las e, se for considerado que “a nossa experiência estética como receptores ativos se realiza no encontro entre nós e a obra de arte” (PERISSÉ, 2009, p. 29), o contato com os livros analisados, os quais se configuram como literários, deve ser repensado. Devido ao fato de que as escolas brasileiras possuem esses títulos, de boa qualidade, e que muitas vezes, o mediador, não assume a postura de realizar um trabalho que privilegie o caráter artístico, apresentam-se, no capítulo a seguir, roteiros de leitura, a partir de tais livros, como uma estratégia de mediação. 123 4 UMA FORMA DE MEDIAR: ROTEIROS DE LEITURA COM TÍTULOS DO PNBE/2008 [...] ele (professor) não deve ensinar pensamentos, mas a pensar, não deve carregar seu aprendiz, mas guiá-lo, se quer que ele seja apto no futuro a caminhar por si próprio. (Kant) Este capítulo aborda propostas de roteiro de leitura, baseadas nas quatro obras literárias analisadas no capítulo anterior. As atividades de mediação seguem a teoria exposta no primeiro capítulo, abordando o aspecto emancipatório da literatura e favorecendo a formação do sujeito e sua autonomia enquanto leitor. Não se pretende apresentar um caminho pronto, mas possibilidades de caminhada que leve o interlocutor a possíveis interpretações e formulações de sentido. As propostas, direcionadas ao professores-mediadores, precisam adequar-se à realidade de seus educandos e não é necessário que todas as atividades sejam aplicadas na íntegra, conforme aspectos oriundos de pesquisa realizada por Ramos e Panozzo (2011). 4.1 A PRIMEIRA PROPOSTA: “MAGIA NA FLORESTA AMAZÔNICA” As atividades que seguem podem ser realizadas com alunos do quarto ano do Ensino Fundamental de 9 anos, pois é necessário que o educando seja alfabetizado e tenha conhecimento sobre o uso computador – já que há uma integração de atividades entre os espaços da biblioteca, da sala de aula e da sala da informática. 124 ● Etapa I – Atividades introdutórias à recepção do texto 1. Os alunos realizam, na sala da informática, uma pesquisa na internet com fotos/imagens da floresta Amazônica, em que apareçam animais na parte do dia e outros na parte da noite. As imagens são impressas e é solicitado que montem um mural com elas. A seguir, os alunos são divididos em grupos de três ou quatro elementos. Cada grupo recebe as seguintes questões para pensarem e discutirem: ___________________________________________________________________ Observe o mural que montamos e discuta sobre as seguintes questões: - Nas fotos/imagens pesquisadas, quais animais aparecem? - Há plantas? Que tipos de plantas você vê? - Imagine que as árvores e os animais da Floresta Amazônica podem fazer magias. Pense numa magia que você gostaria que eles fariam e apresente ao grande grupo. ___________________________________________________________________ Em seguida, cada grupo apresenta as questões debatidas aos colegas, incluindo a magia que eles imaginaram que poderia acontecer. 2. A professora questiona: - Vocês sabiam que há um conto denominado Magia na floresta Amazônica? A professora apresenta num telão, ou em telas dos computadores, a ilustração inicial do conto (p. 72-73) e pede para que os alunos a observem, respondendo às seguintes perguntas: ___________________________________________________________________ - Você acha que é dia ou noite? Por quê? - Que animais você enxerga? ___________________________________________________________________ Ao término, a professora lê a história. ● Etapa II - Leitura compreensiva e interpretativa do texto Após a leitura, a professora permite que os alunos manuseiem o livro. Ao final, são realizadas as seguintes atividades: 125 1. A professora escreve no quadro da sala da Informática o seguinte: No início da história não havia escuridão, nem noite, nem sono. Só existiam os dias na Floresta Amazônica. E quem trouxe a noite para o mundo foi a sabedoria das árvores, através de uma magia lançada por elas. Ao ser criada a noite, nasceram também todos os animais da floresta. Procure no texto os animais que foram transformados. Observação: antes da atividade, lembrar que a história estará salva nos computadores. Caso a opção escolhida for passá-la com data show, a trama é repassada para os alunos observarem e comentarem a questão. 2. A docente sugere: no computador, crie um gráfico com os animais que você citou na atividade anterior. Observação: o mediador da sala de informática auxilia com essa criação através de instruções de elaboração de gráficos, repassadas antes do início da atividade. Sugestão de gráfico para o professor: A. Transformações: Ilustração 83 – Sugestão de gráfico para as transformações da floresta 126 B. Criações: Ilustração 84 – Sugestão de gráfico para os animais criados 3. Os alunos recebem uma folha contendo o que segue: A cada magia que a onça faz, ela canta uma canção. Relacione as canções com o fato que acontece na história: Canções Parte referente da história (1). “Brilho do meu olhar, ( ) Nessa parte, os olhos da serpente voltam Na magia da noite dançando do rio à sua cabeça. Quero ver você dançar”. (2). “Brilho do meu olhar, ( ) Os olhos da onça vão dançando até a Na magia da noite serpente, que os engole. Quero ver você voltar”. (3). “Brilho do seu olhar, ( ) Ao cantar esta canção, os olhos da Na magia da noite serpente pulam fora de sua cabeça e dançam A onça quer ver você dançar”. na superfície da água do rio. (4). “Brilho do seu olhar, ( ) Quando a serpente canta esta canção, a Na magia da noite pedido da onça, que fica impressionada com A onça quer ver você voltar”. a magia que a serpente pode fazer, os olhos 127 da onça pulam fora da cabeça dela e vão dançar no rio. (5). “Brilho do seu olhar, ( ) Ao ser cantada esta canção pela Na magia da noite serpente, os olhos da onça voltam para sua EU quero ver você voltar”. cabeça. 4. Em seguida, os alunos são divididos em cinco grupos. Cada grupo recebe uma canção da atividade anterior, com a respectiva parte da história. Os alunos dramatizam o trecho que receberam e apresentam ao grande grupo, de acordo com a sequência do texto (nesta parte, para as dramatizações, podem ser usadas fantasias e os alunos podem cantar a canção, etc.). Enfatizar, ao término de cada apresentação, o significado de cada uma. 5. Os alunos retornam à sala de Informática. Em duplas, a professora sugere que pesquisem na internet o significado de “serpente”, tentando descobrir se remete a boas ou más referências. Ao término, discutem o resultado com o colega, baseando- se também nos acontecimentos das dramatizações da atividade anterior. 6. A professora fala: ao ficar sem seus olhos, a onça sai perambulando pela floresta, condenada a morrer de fome, já que não podia mais ver e, consequentemente, não podia mais caçar. O que acontece depois? Trocando de duplas em relação à atividade anterior, os estudantes elaboram um gráfico sequencial, usando o de sugestão como exemplo, colocando os fatos em ordem, de acordo como aparecem na história. Sugestão: 128 Ilustração 85 – Sugestão de gráfico para a sequência de fatos da história Abaixo seguem os acontecimentos a serem colocados em ordem e utilizados na montagem do gráfico (esses podem ser escritos no quadro da sala de informática, permitindo a visualização dos alunos enquanto realizam suas produções): - Desesperada, a onça começa a chorar debaixo de uma árvore. - A serpente faz a magia para o Gavião-de-penacho e quando os olhos dela saem a dançar no lago, o gavião os pega com seu bico e os leva para a onça. - A onça conta a história para o Gavião-de-penacho, que decide ajudá-la e vai em busca da serpente. - O Gavião-de-penacho encontra a serpente. - A árvore, com pena da onça, chama seu amigo, o Gavião-de-penacho, para poder ajudar a onça. 7. A professora comenta com os alunos: na história, ocorrem os seguintes fatos: - A serpente come os olhos da onça, deixando-a sem conseguir ver. - O Gavião-de-penacho, para ajudar a onça, pega os olhos da serpente e dá eles para a onça, que volta a enxergar, deixando a serpente sem seus olhos. Em seguida, sugere que os alunos reflitam sobre as perguntas e exponham as respostas para os colegas: 129 - Você considera correta a atitude da serpente? - Por que você acha que a serpente fez isso? - E em relação à atitude do gavião-de-penacho, na sua opinião, você acha que ele agiu corretamente? Por quê? 8. Ao término da exposição das opiniões, a docente explana: agora, pense sobre acontecimentos de sua vida e sobre atitudes que você tenha tomado que não tenham sido legais em relação a seus amigos, colegas, família, etc e sobre acontecimentos e atitudes que tenham sido boas, como por exemplo, em que você tenha ajudado um amigo, um colega. Então, elabore uma tabela com suas respostas. Observação: sugestão que pode ser desenhada no quadro da informática para os alunos terem como referência: Ilustração 86 – Sugestão de tabela para os acontecimentos dos alunos 9. Quando todos os alunos tiverem terminado, são divididos em duplas. Cada aluno conta ao outro os acontecimentos que completou na tabela. Ao término, os integrantes das duplas contam ao grande grupo os fatos mais interessantes do outro colega no momento da socialização. 10. Depois que o gavião-de-penacho pegou os olhos da serpente e deu-lhes para a onça, ela voltou a enxergar muito melhor que antes. Como forma de agradecimento, a onça caçou uma anta e os dois novos amigos comeram juntos um jantar maravilhoso. A partir desse dia, a onça sempre deixa uma parte de sua presa para o gavião-de-penacho. Agora, pense numa boa ação que você tenha realizado por um 130 amigo ou colega seu (um abraço que tenha dado, emprestado um material quando ele esqueceu, etc...) e envie esta história por email para o colega que você pegar no sorteio. Observações: - Nessa atividade, a professora da informática auxilia os alunos que ainda não tiverem, a criar uma conta de email. - É feito uma espécie de amigo secreto, em que os alunos pegam papeizinhos com nomes dos colegas a fim de enviar os emails. Quando todos os alunos tiverem enviado e recebido os emails, eles encaminham para os outros colegas (de novo precisa-se do auxílio da professora da Informática), a fim de que todos leiam as produções feitas. Os estudantes respondem os emails que acharem mais interessantes. ● Etapa III - Transferência e aplicação da leitura 1. No conto “Magia na floresta Amazônica”, aparece a floresta Amazônica, que ocupa uma grande extensão territorial do Brasil. Além do mais, a origem do conto é brasileira, que provém das culturas indígenas do nosso país. Agora, observe um mapa mundi e imagine um outro lugar do mundo que você gostaria de conhecer. Invente uma história com animais que poderia acontecer nesse lugar (pode ser levado o globo para a sala de aula para auxiliar na localização dos alunos ou feita uma pesquisa na internet com mapas e lugares). Você pode escolher os animais que desejar. A história pode ser engraçada, assustadora, pode ter muita magia. Dê asas à imaginação e crie algo diferente com os animais habitantes do lugar escolhido por você. Mande essa história para seus colegas, através do mesmo email que você utilizou na outra atividade realizada anteriormente. Depois de ler as histórias que você recebeu, responda os emails dos colegas com seus comentários. 2. Ao término da atividade anterior, é realizado um concurso com as histórias dos alunos – a mais interessante, a mais original, a mais engraçada, a mais assustadora, criando as categorias de acordo com as histórias criadas por eles. O interessante é que os próprios alunos votem e pode ser feito um gráfico de votação, como o exemplo que segue, para ser exposto na biblioteca, na sala da informática ou nos corredores da escola, juntamente com os emails (que podem ser impressos): 131 Histórias e votos 5 4,5 4 3,5 3 2,5 Histórias e votos 2 1,5 1 0,5 0 Interessante Engraçada Assustadora Diferente Ilustração 87 – Sugestão de gráfico para a votação das histórias 4.2 A SEGUNDA PROPOSTA: MARIA MOLE O roteiro de leitura, apresentado a seguir, pode ser realizado, preferencialmente, com o quarto ano do Ensino Fundamental de 9 anos, pois é necessário que os alunos sejam alfabetizados e apresentem conhecimento sobre o uso do computador. ● Etapa I – Atividades introdutórias à recepção do texto 1. Os alunos pesquisam a música Maria Mole, que está disponível no youtube18 e é cantada pela dupla Sandy e Júnior. 18 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=e-4su0OzEL0. Acesso em 29 de agosto de 2010. 132 Letra da música: Maria Mole Lenga-lenga Maria Mole só pra disfarçar Trabalho que é bom nenhum, Não faz força nem pra soltar pum! Pum? Lero-lero, blá blá blá Tira o dedo do nariz Melecada de chiclets, Nunca rapa a perna com giletes! Giletes? Dengo-dengo Maria Gosta só de namorar Derretida de paixão Lambuzada de sabão E o namorado dela é o rocambole E quando eles se beijam os dois se engolem Fazendo assim: Maria Mole, Maria Mole! Oh, oh Maria Mole... 2. Ao término do vídeo, a professora questiona os alunos: - Qual o nome da personagem da música? - Que ações ela realiza no decorrer da canção? - Essa letra remete a que doce típico brasileiro? - Há alguma relação entre as ações realizadas por Maria Mole com a sua vida? 3. A professora continua questionando: - Vocês sabiam que tem um livro denominado Maria Mole? - Alguém já leu essa história? ● Etapa II - Leitura compreensiva e interpretativa do texto 1. A professora mostra a capa do livro para os alunos, a qual também é exibida digitalizada em forma de slides (pode ser apresentada numa tela branca – dependendo dos recursos disponíveis – ou numa parede), a fim de que haja melhor visualização da obra por parte dos alunos. E, em seguida, a professora realiza algumas perguntas: 133 - Quem é o autor do livro? (Apresentar dados do autor que constam na orelha do livro). - Qual é a editora? - Mostrar o símbolo do PNBE e perguntar se os alunos sabem o que ele significa. - Qual o título da obra? O que você acha que vai acontecer no decorrer da história? 2. Após os alunos levantarem hipóteses sobre o que eles acham que vai acontecer, a professora lê a história. No decorrer da leitura, o livro vai sendo passado em forma de slides (para isso, deve ser digitalizado antes), a fim de que os alunos acompanhem o texto escrito e as ilustrações. Na sequência, os estudantes manuseiam o livro, que vai sendo passado de mão em mão. 3. A professora mostra aos alunos os slides das páginas 10 (texto escrito) e 11 (ilustração) do livro, lendo alguns trechos do texto: No início da história, “a menina chamada Maria tinha muito medo, não porque era medrosa... aquele medo que nem mesmo é medo, é covardia de não aceitar que cada um possa ser o que quiser, mesmo que seja diferente” (p. 10). “Mas Maria tinha um jeitinho especial, que deixava o espírito colorido como um arco-íris. Azul, amarelo, vermelho, roxo, verde, todas as cores. Quer dizer, menos cinza. Porque cinza era a cor com que ela se sentia por fora... Bastava demonstrar um pouquinho suas vontades, que todo mundo lhe jogava em cima um olhar daqueles de quem não gosta nada do que está vendo e, para se defender, o único jeito era ser como todos gostariam que ela fosse: cinza.” (p. 10). Ilustração 88 – P. 10 de Ilustração 89 – P. 11 de Maria mole Maria mole 134 Após a realização da leitura do trecho do livro e de ter sido mostrada a ilustração, a professora questiona os alunos: - Quando Maria se sentia cinza? - Por que ela se sentia assim? - Quando ela tinha o sentimento de espírito colorido? - Vocês já se sentiram assim alguma vez? Em seguida, sugere que os alunos produzam, individualmente, em power point, um slide, contendo gravuras, obras de arte, desenhos, etc, pesquisados por eles, que demonstrem os sentimentos de quando estão tristes, magoados, rejeitados, com medo de mostrar-se diferente. Ao término, os alunos expõem ao grupo suas ideias. 4. A professora mostra aos alunos os slides das páginas 12 (texto escrito) e 13 (ilustração) do livro, lendo o seguinte trecho: “Afinal, aquele era o cantinho que Maria tinha escolhido para desabafar, para assumir sozinha sua dor. Aquele era uma cantinho só dela... cada um tem direito de escolher um lugarzinho especial para chorar suas mágoas...” (p. 12). Ilustração 90 – P. 12 de Maria mole Ilustração 91 – P. 13 de Maria Mole Em seguida, a professora questiona oralmente: - Qual a dor que Maria estava sentindo naquele momento? - Qual o cantinho que Maria escolheu para chorar suas mágoas? - Você tem esse lugar? Se não tem, onde seria? Quando você se sente triste, para onde você vai? 5. A partir das respostas dos alunos, a professora sugere que, em grupos de 4 ou 5 alunos, eles produzam um cartaz por grupo. Nesses cartazes, eles têm que retratar 135 – utilizando recortes de revistas e jornais e desenhos feitos à mão para complementar – lugares que eles geralmente ficam quando não se sentem legais. Após, a professora bate fotos da produção dos alunos, que serão utilizadas posteriormente. Sugestão: os integrantes de cada grupo fica ao lado do cartaz produzido por eles. 6. A professora conta aos alunos: depois que Maria ficou bem triste no seu cantinho, ela decidiu dar um basta na situação e “no dia seguinte nem pai, nem mãe, nem vizinho, nem a meninada que brincava na rua acreditaram quando Maria acordou com vontade de não ser o que os outros queriam que ela fosse, mas aquilo que ela queria ser” (p. 16). Então, mostra slides das ilustrações do livro e questiona aos alunos sobre o que Maria fez em cada parte da história para se mostrar do jeitinho que era em relação às outras personagens: Em relação à mãe Em relação ao pai Em relação à meninada da rua Ilustração 13 – P. 17 de Maria Mole Ilu s tração 14 – P. 23 de Maria Mole Ilustração 21 – P. 25 de Maria Mole Após os questionamentos, em duplas, os alunos registram suas respostas, suas falas, em slides, como no exemplo a seguir: 136 Em relação à Em relação ao m ãe pai ______________ _______________ ______________ _______________ ______________ _______________ ______________ _______________ ______________ _______________ ______________ _______________ ______________ _______________ Em relação à meninada da rua _______________ _______________ _______________ _______________ _______________ 7. Depois da decisão que a personagem teve de querer perder o medo de se mostrar aos outros como realmente é, primeiramente, conquista a mãe para poder vestir-se do jeito que almeja e colocar um vestido que a mãe detesta, além de arrumar o cabelo do jeito que fazia escondida, cheio de tranças e fitas. A menina consegue essa proeza com facilidade, recitando o seguinte verso: “Vestir vestido colorido Com babado, renda e bico Deixa o espírito dolorido Mais alegre e divertido Como se estivesse revestido Como babado, renda e bico.” (NEVES, 2002,p. 16) Agora, elabore versos como se estivesse tentando conseguir algo que você quer muito e sua mãe não deixa. 8. A professora lê o trecho da página 26 aos alunos: “quando a claridade do dia começou a enfraquecer, Maria estava tão feliz por ter sido tantas coisas que nunca mais queria deixar de ser o que quisesse ser” e da página 28: “a menina estão abriu os braços para não segurar suas vontades e deixou o vento soprar para fora aquele medo miudinho, que foi sumindo, sumindo, sumindo... Até desaparecer completamente.” Em seguida, sugere que os alunos olhem os slides que 137 demonstravam quando se sentiam tristes e que, agora, como Maria, sem medo de se mostrar como são, façam um outro slide, contendo também gravuras, obras de arte, desenhos, etc, mas que demonstrem sentimentos de quando se sentem felizes, alegres,com o espírito “colorido”. ● Etapa III - Transferência e aplicação da leitura 1. Elabore uma tabela com as mudanças da menina Maria, desde o início até o final da história, contendo trechos do livro e ilustrações da personagem. Observação: nesse momento, os alunos precisam digitalizar as imagens que vão usar na atividade e a professora da informática auxilia no processo. 2. A professora sugere que, em duplas, os alunos elaborem um poema, utilizando trechos ou partes de trechos da história do livro, que remetam a acontecimentos parecidos do cotidiano da vida deles, como por exemplo: “Depois beijou a mãe com beijo gostoso. Gosto que a gente nem sente, mas que tem um sabor doce. Qualquer doce. Até doce de maria-mole, porque beijo que nem esse deixa o coração de quem se beija mole, mole, mole.” (NEVES, 2009, p. 16). Ou ainda: “Pai mandão é coisa séria, fala com um olhar baixo, estranho, a voz vai lá no chão quando dá uma ordem. Quando fala que fala uma coisa, só tendo mesmo muito jogo de cintura para fazer ele desfalar” (NEVES, 2009, p. 18). Entre outras sugestões. 3. A professora recolhe os poemas das crianças e os alunos fazem uma montagem com esse material. Procedimento: As duplas apresentam o poema, e a professora grava as apresentações dos alunos, em formato de vídeo (pode-se usar câmera digital, filmadora, web cam, dependendo dos recursos que a escola disponibilizar). Observação: No final, são reunidas todas as produções dos alunos (os slides produzidos nas atividades, as fotos dos cartazes, as gravações dos poemas), as quais são gravadas num cd ou num dvd – dependendo dos recursos – e são feitas cópias do mesmo para que cada aluno tenha o seu, contendo a produção de todos. 138 4.3 A TERCEIRA PROPOSTA: O REI MALUCO E A RAINHA MAIS AINDA As atividades sugeridas para essa obra, podem, preferencialmente, ser executadas com alunos do quarto ano do Ensino Fundamental de 9 anos, uma vez que os alunos precisam demonstrar habilidades com o uso do computador e serem alfabetizados. As questões referentes ao texto lidam, geralmente, com a faixa etária dessa série. ● Etapa I – Atividade introdutória à recepção do texto 1. Atividade nos computadores em duplas: os alunos jogam xadrez online no site que segue: http://ultradownloads.uol.com.br/jogo-online/Tabuleiro/Xadrez-3D/ Em seguida, nas mesmas duplas, completam a tabela seguinte (que estará salva em documentos dos computadores) com os nomes das peças que fazem parte do jogo de xadrez. Tabela 15 – Proposta de atividade relativa ao jogo de xadrez Nomes das peças do Peças jogo de xadrez 139 ● Etapa II - Leitura compreensiva e interpretativa do texto Quando todos os alunos tiverem terminado de completar as tabelas e a correção tiver sido feita, a professora questiona: - Vocês já leram o livro “O Rei Maluco e a Rainha mais ainda”? - O que você acha que vai acontecer nessa história? Por tratar-se de um livro extenso, os alunos realizam a leitura da obra de acordo com a realidade escolar (na sala de aula, em casa) ou até mesmo a professora pode ler, a cada horário na biblioteca escolar, alguns capítulos por vez. Quando todos os alunos tiverem lido a obra, eles realizam as atividades que seguem: 1. Os alunos, na sala da informática, elaboram uma tabela com dados da obra, como a que segue: 140 Tabela 16 – Proposta de atividade referente aos dados da obra Nome da autora Ilustrador Editora Ano da edição Qual programa do governo que realizou a doação Ao término, os alunos leem oralmente as respostas, para conferir se acertaram os itens completados. 2. Em seguida, recebem a seguinte atividade: Pinte as personagens com suas respectivas características e curiosidades, utilizando a mesma cor, como no exemplo citado e completando a última coluna: Tabela 17 – Proposta relativa às personagens da obra O rei maluco e a rainha mais ainda Personagens Características e curiosidades das Outras características personagens ou curiosidades Rei Maluco Nem maluca, nem ajuizada (p.83), vive numa aflição porque não sabe nem onde mora, vive se procurando, tentando de encontrar. Rainha A velhinha mais bonitinha que Heloísa tinha visto na vida (p. 45), era impertinente, não deixava ninguém dormir, fiava uma roca, morava na Torre do Sono. Heloísa É muito nervoso, (p. 31), está sempre acompanhado de um juiz. Era magro e cabeludo (p. 28) Formiga Avoada (p. 72), substitui a professora quando ela falta, e até esquece a lição. Seus conselhos são sempre péssimos, mas é muito querida pelo povo (p. 37) Moça do poço Era gordinho, careca e não usava coroa. Via-se que era rei por causa do manto e do cedro (p. 19). Era diferente, vivia trabalhando para o povo, até pão ele fazia porque o padeiro preferia pintar quadros. O Rei ajuizado O povo diz que ela sofre de dicionário, uma doença que acontece com quem se prende demais ao uso literal das palavras. 141 Velhinha da Torre do Falante, cheia de ideias esquisitas, usa Sono lenço na cabeça e sainha vermelha, geralmente acompanha Heloisa. 3. Confusão é o que não falta no reino maluco, que é super diferente de todos os outros. Leia o trecho do texto, do capítulo 4, intitulado “As ruas daquele reino”, que descreve o reino da história do “Rei maluco e a rainha mais ainda”, e observe a respectiva ilustração: Ilustração 92 – P. 22 de O rei Maluco e a rainha mais ainda “Havia casas roxas, azul-pavão, verde-periquito, casas pintadas com flores, listradas, redondas, redondas como bolos, compridas e fininhas, enfeitadas com laçarotes, penduradas nos galhos das árvores como balanços e até umas duas ou três voadoras, como balões. Quando a carruagem chegou mais perto, Heloísa pôde ver que o castelo não era tão normal assim. Havia plumas no alto das torres, flores de papel crepom emoldurando as janelas e um enorme escorrega descia da torre principal até o chão”. (ALMEIDA, 2003, p. 23). Agora, construa uma tabela contendo outras partes da história que descrevem o reino maluco e as páginas que têm ilustrações mostrando como ele é. 142 Tabela 18 – Proposta de tabela referindo-se a partes da história do Rei maluco e a rainha mais ainda Outras partes da história que Página descrevem o reino maluco 4. No capítulo “A Rainha naufraga na cozinha”, é o dia de folga da cozinheira e quem faz a faxina é a própria rainha, que diz para Heloísa: “não há nada melhor na vida do que a gente se sentir útil... O melhor dia da semana, para mim, é o dia em que fico no lugar da cozinheira” (2006, p. 50). Agora, complete a tabela com ações, situações, acontecimentos em que você se sente bem ao ser útil: Tabela 19 – Sugestão de tabela para a atividade 5 Ações, acontecimentos ou situações em que sou útil e me sinto bem 1. 2. 3. 4. 5. 6. 5. A Moça do poço tem grandes dúvidas, como por exemplo, não sabe nem onde mora, porque vive trocando de lugar na história, às vezes está no jardim, às vezes está na praça. E ela vive tirando coisas do poço para tentar descobrir quem ela é: ela tira uma viúva – que representa algo triste e um palhaço – que representa a felicidade. Agora, imagine que, de dentro deste poço, podem sair coisas que representam a sua vida. O que você tiraria dele? 143 O que tiraria do Por quê? poço? ● Etapa III - Transferência e aplicação da leitura 1. O povo do reino maluco faz, geralmente, o oposto do esperado, fala o que pensa e vive à procura de um estafilágrio, algo que ninguém sabe o que é. Preste atenção no diálogo entre Heloisa e a formiguinha, que se encontra na página 8 do livro: Formiguinha: Estafilágrio é uma coisa que nem eu, nem você, fazemos a menor ideia do que seja. Heloisa resolveu ter paciência: - Está bem! Então porque nos preocuparmos se eu vou ou não vou conseguir ver um? A formiga tornou a suspirar: - Menina, que graça tem ver o que você já conhece? O importante é ver o que você ainda não viu. De acordo com o pensamento da formiguinha, o importante não é encontrar um estafilágrio, mas sim ver o que nunca viu, estar à procura de novas descobertas. E dessa forma, o povo maluco vai fazendo brincadeiras com as palavras, falando 144 coisas que nunca tinham dito antes, criando rimas. E por causa disso, os habitantes do povo maluco diziam que a menina Heloisa sofria de dicionário, uma doença a quem se prende demais ao sentido literal das palavras. A partir dessas ideias, a professora sugere a atividade que segue, em duplas: Leia o trecho retirado da página 13 do livro: - Vento do sul, grito no azul!– exclamou a mocinha vestida de bailarina. - As neves breves – respondeu a velha do aquário, olhando por cima dos óculos. - Breves e leves – concordou um senhor gordo, de patins. - Leves e flocos – acrescentou a bailarina. - Flocos ou blocos? Perguntou um homem de avental branco, todo salpicado de tinta. Agora, crie, invente com palavras suas próprias rimas! Fuja do sentido do dicionário, não pegue essa doença da Heloísa... Os alunos escrevem os textos preenchendo um balão em forma de diálogo, como o que segue: Quando todos os alunos tiverem terminado de escrever seus textos, é montada uma tabela com a produção dos alunos, tendo como exemplo a tabela que segue: 145 Tabela 20 – Sugestão de tabela para a atividade 1 “Título a ser criado com os alunos” Ao término, a tabela é impressa e cada aluno tem a sua, com a produção de todos. A seguir, cada dupla apresenta sua escrita para a turma, realizando a leitura. 4.4 A QUARTA PROPOSTA: OS LUSÍADAS EM QUADRINHOS Essa proposta dirige-se, preferencialmente, a alunos do quinto ano do Ensino Fundamental de 9 anos, devido aos conhecimentos exigidos nas atividades em relação à linguagem do texto, ao uso do computador e a noções de Geografia. O roteiro que segue refere-se ao primeiro capítulo da obra, pois foca a vida de Camões e sua obra: os Lusíadas. ● Etapa I – Atividade introdutória à recepção do texto 1. A professora faz a brincadeira chamada “roletrando” com as crianças. Procedimento: - A professora desenha no quadro a seguinte estrutura: 146 - A turma é dividida em duas grandes equipes. - Cada equipe tem sua vez de falar uma letra, caso acertar, tema chance de falar outra vez. Se errar, é a vez da outra equipe ter a chance de falar uma letra. E assim segue, sucessivamente, até que uma equipe acerte a palavra e ganhe a brincadeira. - Palavra do jogo: Lusíadas. - Quando uma das equipes tiver adivinhado a palavra, a professora avisa que o significado desta palavra está escondido num pedacinho de papel em algum lugar da biblioteca (antes que os alunos cheguem, vários papeizinhos já devem ter sido espalhados e escondidos pela sala – como, por exemplo, embaixo das cadeiras, atrás das almofadas, embaixo das mesas, etc). Os alunos, então, procuram o papel com o significado. - Os papéis que os alunos encontrarem terão textos diferentes: - Os Lusíadas é o maior poema épico (poema longo sobre assunto grandioso e heróico) da Língua Portuguesa. - Lusíadas são os lusitanos, ou seja, os portugueses. Quem nasce em Portugal. - Os Lusíadas somam 1102 estrofes e 8816 versos. - Os Lusíadas foi escrito por Luís Vaz de Camões. - Os Lusíadas foi publicado em 1572. - Já existe Os Lusíadas em quadrinhos. Quando os alunos tiverem encontrado os papéis, eles leem para a turma as informações e a professora questiona se eles já leram Os Lusíadas em quadrinhos. ● Etapa II - Leitura compreensiva e interpretativa do texto A professora lê o primeiro capítulo da história para os alunos, chamado Introdução (já que se trata de história em quadrinhos, essa pode ser digitalizada e passada através do datashow ou aparecer em telas do computador, na sala de Informática, enquanto a professora conta, para que os alunos visualizem melhor). Em seguida, são realizadas as seguintes atividades: 147 Ilustração 93 Capa original de Os Lusíadas Ilustração 32 Capa de Os Lusíadas em quadrinhos 1. Na história, há um quadrinho apresentando o desenho da capa da obra original contada por Luís Vaz de Camões, que é o escritor de Os Lusíadas. Observe a capa da obra original e a capa da história recontada por Fido Nesti, escrevendo o que há de semelhante e de diferente entre ambas: Semelhanças Diferenças 2. Nos três primeiros quadrinhos, Luís Vaz de Camões está dentro de um barco lendo uma folha de papel, que é sua própria obra. Esse texto que ele está lendo são as duas primeiras estrofes do Canto I da obra original, em que o autor expõe o assunto do poema. Releia novamente e responda: - Nesta parte, o poeta declara que espalhará por toda parte a fama dos heróis lusitanos que fizeram a grande viagem e que passaram além da Taprobana. Realize uma pesquisa para saber esta ilha está localizada. 148 -O poeta diz que cantará a glória de reis conquistadores de dois continentes, quais são eles? Os alunos localizam no mapa abaixo os dois continentes citados na resposta, marcando com um X. Ilustração 94 – Mapa mundi 3. No trecho citado, há várias expressões com palavras que talvez você desconheça e que não permitem o entendimento do texto que você leu. Para ver se você entendeu, pinte com a mesma cor as expressões retiradas do texto e o seu significado: Expressões do texto Significado “E entre gente remota edificaram” defeituosas “Novo Reino, que tanto sublimaram” vitoriosas E também as memórias gloriosas construíram Daqueles Reis, que foram dilatando espalhando A Fé, o Império, e as terras viciosas simples De África e de Ásia andaram devastando destruindo E aqueles, que por obras valerosas exaltaram, engrandeceram. 149 Agora que o texto deve ter ficado mais claro para você, leia os três primeiros quadrinhos novamente. Boa leitura! 4. Luís Vaz de Camões conta fatos marcantes da vida dele no decorrer dos quadrinhos. Procure as informações no texto, completando a tabela. Observação: os alunos elaboram a tabela nos computadores da sala de informática com auxílio da docente que atua nesse ambiente escolar. Tabela 21 – Sugestão de tabela para a atividade 4 Questionamentos Informações Onde Camões nasceu? Quando ele nasceu? Onde ele estudou e o que ele estudou? Ao freqüentar os serões da corte, o que ele fez? O que Camões foi fazer na África? Quando Camões voltou para Portugal, ele foi jogado num calabouço. Por quê? Em Portugal, ele se meteu em várias confusões e foi mandado para bem longe de sua terra. Para que lugares ele foi? Qual o nome da amada de Camões? Quando ele regressou a Portugal, ele conseguiu terminar a sua grande epopéia, os Lusíadas. Em que ano ela foi publicada? Camões foi ficando miserável, porque o rei não pagava o que devia pela 150 obra, que ficou famosíssima e acabou morrendo. Em que ano isso aconteceu? Onde ele foi enterrado? 5. Agora, baseando-se em suas respostas, construa uma linha do tempo da vida de Camões em que tenha os acontecimentos mais importantes. Lembre-se de colocar os fatos em ordem cronológica. Para esta atividade, os alunos são divididos em grupos e a linha do tempo é construída em forma de cartazes, utilizando papel colorido, recorte, colagem, letreiros, etc. Ao término, a professora fotografa as produções dos alunos, que são apresentadas ao grande grupo. 6. Camões fala o seguinte: “de volta a Portugal, me meti em lençóis ainda mais sujos...” (p. 6). O que essa expressão que está sublinhada significa? Faça uma tirinha representando um exemplo da vida real demonstrando uma ação, um acontecimento em que ela possa ser usada. Situação inicial Conflito Desfecho Fim 7. Quando Camões foi mandado para longe de Portugal e foi parar no Oriente, ele conseguiu um emprego na China como provedor-mor dos defuntos e ausentes. Você tem ideia do que seria esse trabalho realizado por ele? (Contar aos alunos que provedor-mor é alguém que tem um posto encarregado de lidar de assuntos com vínculos econômicos). Agora, imagine qual profissão você gostaria de exercer no futuro. Escreva, numa folha, as características dessa profissão, o que a pessoa precisa fazer, se trabalha em escritório, ao ar livre, etc. 151 Os alunos são divididos em duplas. Cada aluno da dupla lê o texto que escreveu para o outro, o qual precisa adivinhar a profissão que o colega quer exercer através das características fornecidas por ele. ● Etapa III - Transferência e aplicação da leitura 1. Camões, na Introdução do livro Os Lusíadas em quadrinhos, fala sobre aspectos da vida dele. Quando contamos fatos da vida de alguém, chamamos esse texto de biografia, que contém os acontecimentos mais importantes e mais marcantes da pessoa, desde quando ela nasceu. Agora, faça uma biografia da sua vida, contando fatos, como por exemplo, quando você nasceu,quando entrou para a escola, qual foi o aniversário mais legal, um dia da sua vida que foi muito marcante e você não vai esquecer jamais, entre muitos outros. Atenção! A sua biografia será contada em forma de quadrinhos. A professora da informática auxilia os alunos na produção do texto, ensinando a inserir os balões de diálogo, a pesquisar imagens na internet, etc. Quando todos os alunos tiverem terminado seus textos, esses são enviados por email para os colegas. Quando receberem os textos, os educandos respondem os emails aos colegas, comentando-os. Observação: a professora da informática auxilia na criação de emails para os estudantes que não tiverem. O caráter sistemático do planejamento das propostas implica na maneira de sua aplicação na vida real. Com o intuito de destacar a ação educativa, pensa-se que a tarefa de elaborá-los possa contribuir para a melhoria do ensino no que tange a leitura literária. Depende também do mediador em adequar as atividades à realidade de seu aluno, para que ele se coloque no lugar do processo. 152 CONSIDERAÇÕES FINAIS Se a leitura literária for pensada como um processo que qualifica a formação do sujeito, suas ações, reações e decisões, então a mediação é imprescindível nesse contexto, já que o mediador pode disponibilizar ao educando o acesso à informação e ao conhecimento, proporcionando reflexões diversas acerca do material trabalhado. Devido ao interesse de ampliar os estudos dessa área, o foco desta dissertação situa-se na problemática da mediação de leitura, mais especificamente aquela relativa a obras literárias que constituem o acervo do PNBE/2008. Os dados expressos na pesquisa realizada, principalmente nas tabelas de empréstimo, evidenciam que os livros do programa são pouco utilizados e que os alunos não têm contato frequente com a literatura. Na tentativa de buscar elementos que norteassem esse estudo, a pesquisa fez, primeiramente, uma reflexão teórica que subsidiasse a investigação para, em seguida, descrever a percepção da realidade escolar no que se refere a questões que permeiam os âmbitos da Educação e da Literatura, percebendo a precariedade do trabalho com a literatura infantil e, portanto, elaborando propostas de mediação com obras que fazem parte do contexto dos educandos. Para que o leitor mirim possa avançar na realidade que aflora a partir da leitura de livros infantis, o contato com o docente e com outras crianças que participam desse processo se faz necessário e os resultados evidenciados durante a pesquisa de campo revelam o despreparo do profissional mediador, no sentido de não possuírem formação específica para estudar uma obra literária e utilizá-la com os alunos de maneira emancipadora ou por apresentarem um índice não satisfatório no que se refere ao contato dos alunos com esse gênero. Dessa maneira, o estudo aponta para a necessidade de clareza docente sobre as concepções de mediação de leitura literária, principalmente em relação aos acervos do PNBE que poderiam estar mais presentes no cotidiano dos alunos. 153 Através das entrevistas e das observações, a realidade escolar percebida demonstra que os docentes atuantes nesse ambiente não trabalham de forma artística com os livros do Programa, os quais se constituem como bons acervos de literatura. O papel da mediação do professor, nesse processo, implica negativamente o desenvolvimento da competência leitora dos alunos e percebe-se que a questão da atuação docente necessita de melhorias para que a formação do estudante ocorra de acordo com o objetivo do processo educativo. Nesse cenário, as reflexões decorrentes das análises das obras do PNBE permitiram compreender que a literatura é meio de construir conhecimento e repensar o mundo, fazendo parte da Educação e podendo sugerir um plano mais humano para o sujeito que dela se apropria. A educação literária é capaz de contribuir como agente modificador quando se trata do processo de formação do leitor e a arte educa quando desencadeia mecanismos de autoconhecimento, permitindo ao receptor construir maneiras de ver o mundo, vivendo nele e transformando-o. Através da interação com o texto literário, é possível desenvolver habilidades de compreensão e interpretação, de forma que o leitor possa estabelecer vínculos com seu próprio universo. A relação com a o obra, com o outro, denota que a leitura se constitui como um processo complexo, um jogo de interação entre leitor-texto-mediador-contextos, em que o texto literário se revela como um instrumento de questionamentos através de sua natureza artística e cada história analisada proporciona ao interceptor um mundo de possibilidades aprimorado através das propostas de mediação. Em Contos de animais do mundo todo (2003), de Naomi Adler, a serpente, que é a vilã por fazer magia de má fé contra a onça, se modifica no final da história, prometendo nunca mais realizar esse tipo de ação. A onça, que é injustiçada pela serpente durante o enredo, tem o auxílio de seu amigo, o gavião-de-penacho, para que a situação de conflito se resolva e quando isso ocorre, os dois iniciam uma grande amizade. É o restabelecimento da injustiça e o desfecho feliz que, nesse caso, determinam a ausência de uma realidade considerada imoral, provocando satisfação por parte do leitor. A elaboração do roteiro adiciona ao texto uma interação maior com o leitor, que através da realização das atividades – as quais priorizam situações do enredo –, é capaz de perceber as representações simbólicas da trama e a estrutura do conto popular. 154 Maria mole (2002), de André Neves, mobiliza o leitor ao fazer com que esse se aproprie da linguagem poética e da significação da linguagem visual ao participar da trajetória ativa da protagonista em sua busca pelo autoconhecimento. O sujeito- leitor participa do processo gradativo de formação da personagem, integrando-se ao mundo da obra, percebendo e significando os elementos que a constituem. A leitura poética oferece prazer ao educando, que se diverte com o ludismo verbal. A proposta de mediação enaltece a trajetória da personagem principal, focando em atividades relacionadas à estrutura da prosa, à linguagem poética e à visualidade, aspectos, todos, presentes na obra. Ao acompanhar a protagonista Heloísa na história do livro O Rei maluco e a rainha mais ainda (2007), de Fernanda Lopes de Almeida, o leitor tem acesso a questionamentos que o impulsionam a uma postura crítica perante a realidade, efetivando um dos propósitos da literatura infantil e da educação. O momento da leitura permite dar forma a sentimentos, dilemas, angústias, sonhos e desafios apresentados no decorrer do enredo. As atividades do roteiro privilegiam o progresso da personagem e a superação de seus conflitos, abrindo um espaço ao leitor que concebe ligações com suas vivências. Os Lusíadas em quadrinhos (2006), de Fido Nesti, por se apresentar como gênero textual que reúne as linguagens verbal e visual, é organizado considerando o em forma de história em quadrinhos e constitui-se como uma possibilidade de relação estética entre sujeito e objeto, interferindo na cognição do leitor. A leitura da palavra e da imagem coloca o sujeito na presença do objeto, fazendo com que ele perceba significados inscritos no texto. A vida de Camões e a exploração da interação entre as linguagens – seja a quadrinística ou lingüística – são redescobertas no roteiro de leitura, valorizando esses aspectos do livro. As análises revelam que esses livros tratam de temas vitais – como o autoconhecimento, a injustiça, a amizade, os questionamentos perante situações- problema que surgem –, possibilitando ao sujeito, através da leitura, alimentar-se do texto para se transformar e recriar seu mundo, vivenciando experiências que talvez a realidade não lhe ofereça. As análises das obras revelam que a linguagem literária educa, revelando em seu âmbito a função de despertar o crescimento do ser humano. Não é necessário que os docentes a tratem com uma visão pedagogizante na busca por lições que moralizem seus alunos. A literatura permite desenvolver a competência leitora, humanizando, se for dado o tratamento adequado para com ela. 155 Se tanto se almeja a formação do sujeito, esse precisa do contato com a obra literária de maneira desafiadora, que o impulsione a uma postura crítica perante a realidade. O papel do educador assume uma postura que se consolida de forma preocupante, uma vez que se revela a falta de preparo em oferecer oportunidades aos alunos de maneira a qualificar os processos de leitura literária. Não é suficiente ler uma história aos alunos, é necessário promover conhecimentos sobre esse ato, contribuindo para qualificar processos de atribuição de sentidos. Conforme dados coletados, as obras que estão chegando às escolas públicas por meio do Programa do Governo são pouco usadas e não há um trabalho efetivo de mediação com os acervos. No entanto, os livros são esteticamente elaborados, veiculando a linguagem visual em junção com a verbal, permitindo o desenvolvimento da experiência estética por parte do sujeito leitor. Há boa qualidade textual – demonstrando coerência e consistência da linguagem –, adequação temática – estando adequadas à faixa etária e tendo potencial de incitar novas leituras – e projeto gráfico exemplar – possuindo capa atraente, papel adequado à leitura, ausência de erros de revisão e distribuição espacial adequados aos pequenos leitores. Dessa maneira, esse estudo implica, de certa maneira, repensar sobre práticas interdisciplinares, mostrando que o envolvimento da biblioteca escolar com os laboratórios de Informática e com a sala de aula pode ser algo a ser realizado nas instituições de ensino brasileiras, sugerindo reorganização de programas para a formação de professores e novos campos de estudo para as pesquisas educacionais. A partir da pesquisa realizada, o estudo contribui, através das análises das obras e da elaboração dos roteiros de leitura, como uma estratégia de intervenção na realidade, em que, principalmente, professores de escolas públicas possam ter acesso aos dados e à teoria exposta a fim de que haja mudanças no ensino escolar, no que se refere à mediação do docente. A pesquisa realizada interpela a questionamentos sobre o que fazer e como fazer para transformar a realidade. E a literatura convida as pessoas a se interessarem pela formação de uma sociedade mais justa, solidária e para todos, consequentemente, construindo um mundo melhor. Dessa maneira, o estudante tem direito à literatura do PNBE, seja como competência leitora, seja como processo de humanização. 156 REFERÊNCIAS ADLER, Naomi. Contos de animais do mundo todo. São Paulo: Martins Fontes, 2003. AGUIAR, Vera Teixeira de. Leitura literária e escola. 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ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1998. 1 6 2 ANEXOS 16 3 ANEXO A – Termo de consentimento livre e esclarecido 164 O projeto de pesquisa “Mediação de leitura na biblioteca escolar: o PNBE/2008 em Caxias do Sul”, que se realiza nos anos de 2009 e 2010, tem por objetivo estudar de que maneira é realizada a mediação de leitura literária dos acervos do Programa Nacional Biblioteca na Escola/2008 em bibliotecas escolares do município de Caxias do Sul, a fim de contribuir para a análise do processo de mediação do acervo distribuído pelo Governo Federal. Para que a pesquisa aconteça, busca-se observar e analisar o funcionamento de duas bibliotecas da rede municipal de ensino, considerando as escolas com melhores médias da Prova Brasil do ano de 2007. As observações acontecerão nos meses de outubro e novembro de 2009, abrangendo as horas do conto/da leitura e os empréstimos de livro para os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Pretende-se realizar, também, questionários e entrevistas com a docente atuante nesse ambiente escolar. Após o período de análise de dados, a pesquisadora irá elaborar roteiros de leitura utilizando os livros selecionados pelo PNBE/2008 e apresentá-los ao professor-mediador da biblioteca, o qual poderá utilizá-los com seus alunos. Dessa forma, haverá um aperfeiçoamento na mediação do docente atuante na biblioteca e as crianças estarão em contato com um trabalho efetivo das obras literárias infantis, que contribuirá no desempenho da sua formação leitora. O projeto é desenvolvido pela aluna do Mestrado em Educação da Universidade de Caxias do Sul e não tem fins lucrativos e nem financiadores externos. Pelo presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, declaro que autorizo a minha participação neste projeto de pesquisa, pois fui informado (a), de forma clara e detalhada, livre de qualquer forma de constrangimento e coerção, dos objetivos, da justificativa, dos procedimentos que serei submetido(a), todos acima listados. Ficou claro que não sofrerei riscos, desconfortos, pelo contrário, poderei ser beneficiado (a) em virtude das discussões realizadas. Fui, igualmente, informado (a): da garantia de receber resposta a qualquer pergunta ou esclarecimento a dúvidas acerca dos procedimentos, riscos, benefícios e outros assuntos relacionados à pesquisa; da liberdade de retirar meu consentimento, a qualquer momento, e deixar de participar do estudo; da garantia de que não serei identificado quando da divulgação dos resultados e que as informações obtidas serão utilizadas apenas para fins científicos vinculados ao presente projeto de pesquisa; do compromisso de proporcionar informação atualizada obtida durante o estudo, ainda que esta possa afetar a minha vontade em continuar participando. A pesquisadora responsável por este Projeto de Pesquisa é Morgana Kich (Fone 54-91315124) e o telefone para contato do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Universidade de Caxias do Sul é (54) 32182100 (ramal 2289). O presente documento foi assinado em duas vias de igual teor, ficando uma com o voluntário da pesquisa e outra com o pesquisador responsável. Data ____ / ____ / ______ ________________________ __________________________ Nome e assinatura do voluntário Nome e assinatura do responsável pela obtenção do presente consentimento 16 5 ANEXO B – Aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de Caxias do Sul 166 16 7 ANEXO C – Tabelas para controle de empréstimos de livros do PNBE/2008 168 Tabela 1 – Empréstimos referentes ao acervo 2 Empréstimos relativos ao período de ________ a _________ ALUNO TURMA OBRAS DO ACERVO 2 PNBE/2008 A bola e o goleiro A menina arco – íris A moça tecelã Abecedário do Millôr para crianças Jardim de menino poeta Lili inventa o mundo Melhores amigas O amigo urso O galinheiro do Bartolomeu O rei maluco e a rainha mais ainda O sino que queria voar Os chifres da hiena e outras histórias da África Ocidental Outra vez Patativa do Assaré: o poeta passarinho Pequeno vampiro vai à escola Romeu e Julieta Tô com Fome Um Índio chamado Esperança Vira, vira, vira lobisomem Vó caiu na piscina 169 Tabela 2 – Empréstimos referentes ao acervo 3 Empréstimos relativos ao período de ________ a ________ ALUNO TURMA OBRAS DO ACERVO 3 PNBE/2008 25 Anos do Menino Maluquinho A Menina da varanda À toa, à toa As coisas que a gente fala Brincadeiras Cantarim de cantará Catando piolhos. Contando histórias Contos de animais do mundo todo Da cabeça aos pés Dadá e Dazinha Entre os bambus Felpo Filva Lampião e Maria Bonita: o rei e a rainha do Cangaço Livro de papel O menino inesperado O rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda O vôo supersônico da galinha Galatéia Píppi Meialonga Ulomma – a casa da beleza e outros contos Você viu meu pai por aí? 170 Tabela 3 – Empréstimos referentes ao acervo 3 Empréstimos relativos ao período de _________ a ____________ ALUNO TURMA OBRAS DO ACERVO 4 PNBE/2008 A música viva de Mozart A raposa e o cancão Conversa pra boy dormir Currupaco paco e tal, quero ir pra Portugal! E o palhaço o que é? Lá vem história Maria Mole O amigo fiel O gato que falava siamês O melhor amigo O melhor amigo do melhor amigo O príncipe corajoso e outras histórias da Etiópia O rato que roeu o rei O rei preto de Ouro Preto Os gêmeos do tambor Os Lusíadas em quadrinhos Poemares Salada, saladinha Sapato furado Vovó dragão