1 UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS, CULTURA E REGIONALIDADE SHEILA DA ROCHA CAMPANHAS DE PREVENÇÃO HIV/AIDS: MULTIMODALIDADE DA LINGUAGEM E MODELOS CULTURAIS CAXIAS DO SUL - RS 2015 2 UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS, CULTURA E REGIONALIDADE SHEILA DA ROCHA CAMPANHAS DE PREVENÇÃO HIV/AIDS: MULTIMODALIDADE DA LINGUAGEM E MODELOS CULTURAIS Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade, com concentração nas áreas de Língua, Cultura e Regionalidade, pela Universidade de Caxias do Sul. Orientadora: Dra. Heloísa Pedroso de Moraes Feltes CAXIAS DO SUL - RS 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Universidade de Caxias do Sul UCS - BICE - Processamento Técnico R672c Rocha, Sheila da, 1972- Campanhas de prevenção HIV/AIDS : multimodalidade da linguagem e modelos culturais / Sheila da Rocha. – 2015. 151 f. ; 30 cm Dissertação (Mestrado) – Universidade de Caxias do Sul, Programa de Pós-Graduação em Letras, Cultura e Regionalidade, 2015. Orientação: Profa. Dra. Heloísa Pedroso de Moraes Feltes. 1. Metáfora. 2. Gramática cognitiva. 3. Campanhas publicitárias. 4. AIDS (Doença). I. Título. CDU 2.ed.: 81'373.612.2 Índice para o catálogo sistemático: 1. Metáfora 81'373.612.2 2. Gramática cognitiva 81'232 3. Campanhas publicitárias 659.11 4. AIDS (Doença) 616.98:578.828HIV Catalogação na fonte elaborada pela bibliotecária Paula Fernanda Fedatto Leal – CRB 10/2291 3 Para que eu continue acreditando em mim e nos meus sonhos, fazendo emergir o meu melhor modelo de ser humano. Para meus pais, João e Zilma, meus reais modelos culturais. E para o Fernando, meu verdadeiro modelo de atenção. 4 AGRADECIMENTOS A minha família, João, Zilma e Franciele, meu modelo de amor maior, com quem aprendo e divido todas as lições de vida. Ao Fernando, meu modelo de companheirismo, que caminha ao meu lado e compartilha comigo meus melhores e piores modelos. A minha orientadora, Professora Heloísa Pedroso de Moraes Feltes, meu modelo de dedicação, confiança e sabedoria, que me colocou nos trilhos (e espero que num caminho sem volta) e me ajudou a entender que eu podia (e posso) ir além. Um modelo de amizade que eu levo para a vida inteira. Ao coordenador do Programa de Pós-Graduação da UCS, Professor João Cláudio Arendt, e a todos os professores que também fizeram parte desta jornada, especialmente à Ana Cristina Pelosi, Carmen Maria Faggion e ao Rafael José dos Santos, que aceitaram participar da minha banca de qualificação e conclusão do curso. Meus grandes modelos do que é ser um Mestre. A todos os meus colegas que me auxiliaram nessa trajetória, mestrandos e doutorandos, e à Larissa Rizzon da Silva, secretária do programa, meus modelos de apoio e perseverança. Agradeço, especialmente, à colega Aline Gambin, com quem troquei modelos e “figurinhas”. À Professora Suzana Damiani, e à turma de Estudos Discursivos de 2014/2, por quem me senti bem tão bem acolhida durante meu estágio. Ao Augusto Bellini, e a todos os meus colegas-modelo da StudioDesign, que sempre me deram força e incentivo, mesmo nos dias mais difíceis. À Valesca Nora, que sempre esteve presente quando eu precisei discernir meu próprio modelo de sanidade. A todos os meus amigos e familiares, de perto e de longe, que torcem para que o meu modelo de vida seja de sucesso. E à CAPES, que contribuiu muito para a viabilização desta pesquisa. Um modelo a ser seguido. 5 RESUMO O objetivo desta dissertação é analisar e comparar a linguagem multimodal em campanhas de prevenção HIV/Aids, concentrando-se, principalmente, na perspectiva da Linguística Cognitiva, incorporando a abordagem de fatores regionais, culturais e identitários, implicados na produção dessas campanhas. Para isso, também investigam-se as diretrizes apontadas por modelos de atenção e políticas públicas de saúde no Brasil, em especial ao caso da Aids, e como o marketing social atua na intenção de criar melhores condições de vida para todos, utilizando a publicidade como uma ferramenta de propagação desses conceitos. Nesta pesquisa, são levantadas e analisadas metáforas e metonímias multimodais cujo apelo traz marcas de regionalidades diversas, observando de que forma a linguagem publicitária utiliza esses recursos para provocar reações de natureza atitudinal e comportamental em seu público- alvo. Para atender a essa proposição, o corpus é formado por oito cartazes e dois outdoors de campanhas publicitárias lançadas em diferentes regiões do país entre 2009 e 2015, passados mais de 30 anos do surgimento da epidemia. A investigação fundamenta-se na Teoria da Metáfora Conceitual, proposta por George Lakoff, Mark Johnson e autores associados, bem como nos estudos sobre multimodalidade, desenvolvidos, especialmente, por Charles Forceville. Através deste estudo, conclui-se que as metáforas/metonímias verbais e visuais evidenciam traços regionais, culturais e identitários, aproximando a linguagem do seu público-alvo e salientando especificidades que acionam o processo perceptivo dos receptores, contribuindo para a eficácia das mensagens que estimulam a mudança de hábitos e comportamentos. PALAVRAS-CHAVE: Campanhas de Prevenção HIV/Aids; Multimodalidade; Metáfora; Metonímia e Modelos Culturais. 6 ABSTRACT The objective of this dissertation is to analyze and compare the multimodal language from campaigns that prevent HIV/AIDS, mainly focusing in the Cognitive Linguistics perspective by incorporating the approach of regional, cultural and identity factors that are present in the production of these campaigns. In view of that, the guidelines indicated by models of care and public health policies in Brazil were investigated, notably in the case of AIDS. The study also evaluates how social marketing works in an attempt to create better living conditions for all through the use of advertising as a tool to help spreading these concepts. In this research, metaphors and multimodal metonymies, hich appeal to several regions with different characteristics, are brought to light and analyzed. This approach method is used to observe how the advertising language uses these features to provoke reactions of attitudinal and behavioral nature on the target audience. In order to meet this proposition, a corpus was built with the use of eight posters and two billboards of advertising campaigns that were spread in different parts of the country between 2009 and 2015, more than 30 years after the emergence of the epidemic. The study is based on the Conceptual Metaphor Theory proposed by George Lakoff, Mark Johnson and associated authors, as well as in studies of multimodality especially developed by Charles Forceville and other authors cited in the course of the analysis. Through this study is possible to conclude that verbal and visual metaphors/metonymies show regional, cultural and identity traces, bringing together the language of the target audience and highlighting specifics that drive the perceptual process of receivers, which contributes to the effectiveness of the messages that stimulate change of habits and behaviors. KEYWORDS: HIV/AIDS Prevention Campaigns; Multimodality; Metaphor; Metonymy and Cultural Models. 7 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Campanha Xamêgo bom, só com camisinha......................................................... 80 Figura 2 – Modelo de decomposição...................................................................................... 80 Figura 3 – Um deles tem HIV. O outro sabe.......................................................................... 85 Figura 4 – Sem camisinha não dá – CAR1............................................................................. 90 Figura 5 – Camisinha é bom, bom, bom - OUT2................................................................... 93 Figura 6 – Aids: ela não perde uma balada! – CAR2............................................................. 97 Figura 7 – Isso rola muito – CAR3........................................................................................ 100 Figura 8 – Xamêgo bom, só com camisinha – CAR4............................................................ 105 Figura 9 – Se tem festa, tem que ter camisinha – CAR5........................................................109 Figura 10 – Proteja o gol – CAR6.......................................................................................... 112 Figura 11 – AIDS não tem cura, mas tem tratamento – CAR7.............................................. 116 Figura 12 – Eu sou um cartaz HIV Positivo – CAR8............................................................ 119 8 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Principais características dos modelos de atenção............................................... 23 Quadro 2 – Lei n. 9.313.......................................................................................................... 29 Quadro 3 – Síntese do Plano Estratégico do Programa Nacional de DST e Aids Brasil – 2004-2007................................................................................................................. 31 Quadro 4 - 50 questões importantes que o marketing social pode influenciar........................ 44 Quadro 5 – Esquemas de Imagem........................................................................................... 58 Quadro 6 – Elementos Básicos da Composição Visual.......................................................... 72 Quadro 7 – Decomposição do outdoor – OUT1..................................................................... 85 Quadro 8 – Decomposição do cartaz – CAR1........................................................................ 90 Quadro 9 – Decomposição do outdoor – OUT2..................................................................... 94 Quadro 10 – Decomposição do cartaz – CAR2...................................................................... 97 Quadro 11 – Decomposição do cartaz – CAR3..................................................................... 101 Quadro 12 – Decomposição do cartaz – CAR4..................................................................... 105 Quadro 13 – Decomposição do cartaz – CAR5..................................................................... 109 Quadro 14 – Decomposição do cartaz – CAR6..................................................................... 112 Quadro 15 – Decomposição do cartaz – CAR7..................................................................... 116 Quadro 16 – Decomposição do cartaz – CAR8..................................................................... 119 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 11 2 MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE NO BRASIL E AS POLÍTICAS DE PREVENÇÃO HIV/AIDS............................................................................................. 21 2.1 MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE...................................................................... 21 2.2 POLÍTICAS DE SAÚDE............................................................................................. 26 2.3 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À AIDS.......................................................................... 28 3 REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES.............. 33 3.1 REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL........................................................ 33 3.2 A REGIONALIDADE E AS IDENTIDADES REGIONAIS...................................... 35 3.3 AIDS: UMA IDENTIDADE CONSTRUÍDA ............................................................ 38 4 MARKETING SOCIAL E CAMPANHAS DE HIV/AIDS............................................ 42 4.1 MARKETING SOCIAL E PUBLICIDADE................................................................ 42 4.2 ESTRATÉGIAS DA LINGUAGEM PUBLICITÁRIA NAS CAMPANHAS SOCIAIS............................................................................................................................. 47 4.3 AS CAMPANHAS DE HIV/AIDS .............................................................................. 51 5 LINGUÍSTICA COGNITIVA E MULTIMODALIDADE DA LINGUAGEM: MODELOS COGNITIVOS E CULTURAIS...................................................................... 54 5.1 LINGUÍSTICA COGNITIVA....................................................................................... 54 5.2 METÁFORAS E METONÍMIAS................................................................................. 61 5.3 MULTIMODALIDADE................................................................................................ 69 5.4 MODELOS CULTURAIS............................................................................................. 73 6 MÉTODO, PROCEDIMENTOS, ANÁLISE DO CORPUS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS.............................................................................................................. 78 6.1 MÉTODO: PESQUISA QUALITATIVA A PARTIR DE CORPUS MULTIMODAL ................................................................................................ 78 6.2 DESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DO CORPUS.......................... 79 10 6.3 ANÁLISE DO CORPUS........................................................................................... 84 6.3.1 Viver com Aids é possível. Com o preconceito não – OUT1...................... 84 6.3.2 Sem camisinha não dá – CAR1..................................................................... 89 6.3.3 Camisinha é bom, bom, bom – OUT2.......................................................... 93 6.3.4 Aids: ela não perde uma balada! – CAR2.................................................... 96 6.3.5 Isso rola muito. Esperar por isso não rola – CAR3..................................... 99 6.3.6 Xamêgo bom, só com camisinha! – CAR4.................................................. 104 6.3.7 Se tem festa, tem que ter camisinha – CAR5.............................................. 108 6.3.8 Proteja o gol – CAR6..................................................................................... 111 6.3.9 AIDS não tem cura, mas tem tratamento – CAR7...................................... 115 6.3.10 Eu sou um cartaz HIV Positivo – CAR8.................................................... 118 6.4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS.......................................................................... 123 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 131 REFERÊNCIAS................................................................................................................... 134 ANEXOS – CORPUS........................................................................................................... 141 ANEXO A – VIVER COM AIDS É POSSÍVEL. COM O PRECONCEITO NÃO...... 142 ANEXO B – SEM CAMISINHA NÃO DÁ........................................................................ 143 ANEXO C –- CAMISINHA É BOM, BOM, BOM........................................................... 144 ANEXO D – AIDS: ELA NÃO PERDE UMA BALADA!............................................... 145 ANEXO E – ISSO ROLA MUITO. ESPERAR POR ISSO NÃO ROLA....................... 146 ANEXO F – XAMÊGO BOM, SÓ COM CAMISINHA!................................................. 147 ANEXO G – SE TEM FESTA, TEM QUE TER CAMISINHA...................................... 148 ANEXO H – PROTEJA O GOL......................................................................................... 149 ANEXO I – AIDS NÃO TEM CURA, MAS TEM TRATAMENTO.............................. 150 ANEXO J – EU SOU UM CARTAZ HIV POSITIVO..................................................... 151 11 1 INTRODUÇÃO Preconceito, estigma, terror. O surgimento do vírus HIV trouxe com ele termos que anunciavam o crescimento de uma nova epidemia social. A situação exigiu, das políticas públicas, campanhas preventivas que despertassem a população para novos modelos comportamentais, através de um discurso produzido para tentar amenizar a possível tragédia que se anunciava nos anos 1980. 1 Herbert de Souza, o Betinho , foi a primeira pessoa pública no Brasil a declarar que era portador do vírus HIV, em 1986. Em seu livro intitulado A Cura da Aids (1994, p. 41), ele faz a seguinte reflexão: Viver sob o signo da morte não é viver. Se a morte é inelutável, o importante é saber viver, e para isso é importante reduzir o vírus da Aids à sua real dimensão: um desafio a ser vencido. É fundamental, portanto, reafirmar que esse vírus não é mortal. Mortais somos todos nós. Isso sim é o inelutável e faz parte da vida. 2 3 De acordo com dados do Ministério da Saúde , a Aids – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (sigla em inglês: Acquired Immune Deficiency Syndrome) – é causada pelo vírus HIV (que corresponde, em inglês, a Human Immunodeficiency Virus), que ataca as células de defesa do corpo, deixando o organismo vulnerável a diversas doenças, de um simples resfriado a infecções mais graves como tuberculose ou câncer. O vírus, que é transmitido através de relações sexuais desprotegidas, pela transfusão de sangue, pelo compartilhamento de seringas contaminadas ou de mãe para filho através da gravidez e amamentação, tornou-se uma verdadeira epidemia em meados dos anos 80. Nessa época, receber o diagnóstico de Aids era uma sentença de morte. Sobre esse tema, Herbert de Souza (1994, p. 37) constata que: 1 Herbert José de Souza (1935-1997), mais conhecido como Betinho, foi sociólogo e ativista dos direitos humanos. Seu trabalho mais importante, o projeto Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, mobilizou várias campanhas para arrecadar mantimentos em favor dos pobres e excluídos. Betinho e seus irmãos, o cartunista Henfil e o músico Chico Mário, eram hemofílicos, doença herdada da mãe. 2 Dados retirados do portal sobre Aids, doenças sexualmente transmissíveis e hepatites virais, do Governo Federal. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2014. 3 Adota-se nesta tese a sigla „Aids‟. Entretanto, mantemos a forma „AIDS‟, quando assim utilizada pelos autores citados. 12 A AIDS surgiu nos anos 80 como uma doença mortal e sem cura. Um vírus transmitido pela relação sexual ou pelo sangue entrava no sistema imunitário e protegido, por estar dentro dele, o destruía de forma inexorável, deixando suas vítimas expostas a todo tipo de doenças que, em última análise, determinavam uma morte rápida, trágica e sem remédio. 4 Alguns anos após o surgimento da doença foram criados medicamentos para controlar o desenvolvimento do vírus, que ajudaram a prolongar a vida de seus portadores. O próprio Betinho é quem afirma: “no campo da clínica médica, o monitoramento dos soropositivos e o tratamento das pessoas com Aids foram passos importantes para prolongar e melhorar a qualidade de vida das pessoas.” (1994, p. 39). Outra mudança relatada por Betinho é que “a idéia de grupos de risco, que servia para isolar e criminalizar as vítimas, foi abandonada. Fala-se hoje em comportamentos de risco e sabe-se que, em tese, todas as pessoas podem vir a ser afetadas pela epidemia.” (1994, 5 p. 39). No caso particular de Betinho, ele era portador de hemofilia, uma doença que ataca a coagulação sanguínea e exige a frequente reposição de sangue. Em livro publicado em 1994, A Aids no Brasil (1982-1992), os autores lembram que: “atingindo crianças e adultos, a contaminação de hemofílicos contribuiu para que a AIDS fosse publicamente percebida segundo um padrão bipartido: as vítimas inocentes versus os culpados pela sua condição.” (PARKER et al., 1994, p. 27). Os estigmas associados à doença geravam medo, culpa e solidão e acompanharam as vítimas e os dramas individuais e coletivos vividos por elas: a impotência diante da doença, a perda, o luto, a frustração. 6 Segundo as informações divulgadas no site da Organização Mundial de Saúde , em outubro de 2013, mais de 36 milhões de pessoas já morreram e ainda existem cerca de 35 milhões de pessoas infectadas pelo vírus em todo o mundo. Por isso, a prevenção é tão importante para que a doença possa ser controlada. E uma das formas mais disseminadas de prevenção consiste em educar para o uso de preservativo durante a relação sexual. Essa medida socioeducativa está entre as ações mais importantes adotadas pelas políticas públicas de saúde. Souza (2006, p. 25) define política pública como o planejamento e a execução de um conjunto de ações referentes a uma situação social problemática. Essas políticas envolvem 4 A Aids é definida, cientificamente, como uma síndrome, isto é, um conjunto de sinais e sintomas que se manifestam no organismo humano após a infecção pelo vírus HIV. Porém, devido a sua ampla utilização, nesta dissertação também iremos adotar o termo “doença” para designar a Aids. Outros termos abordados como sinônimos são: “epidemia” e “pandemia” (uma epidemia de abrangência global). 5 Os textos referidos nesta pesquisa seguem a ortografia original das obras pesquisadas. 6 Informações obtidas no site da OMS. Disponível em: Acesso em: 20 jul. 2014. 13 programas que procuram desenhar atividades para mudar um problema social, num determinado momento de uma determinada população. Nesse sentido, os órgãos ligados à saúde devem promover uma comunicação abrangente e estratégica, levando em conta também que essas questões abordam temas delicados. A Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, em sua seção II que trata sobre saúde, artigo 196, estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, 7 proteção e recuperação.” Diante dessa diretriz, a prevenção é um tema extremamente relevante, principalmente quando pensamos em doenças transmissíveis. Em sua análise sobre os cartazes de divulgação das campanhas de erradicação da poliomielite, Porto (2003, p. 725) argumenta que: As informações veiculadas têm de ser de fácil assimilação por toda a sociedade, porque, em geral, sua mensagem visa atingir a todos, e ser capaz de romper barreiras impostas pelo analfabetismo ou por singularidades regionais. Quem lida com a saúde deve desenvolver formas de comunicação eficazes, que informem e provoquem reações no público-alvo. O Brasil, entretanto, é um país de uma extensa área territorial, o que torna ainda mais desafiadora a eficácia na divulgação de campanhas preventivas. São territórios que se caracterizam por diferentes regiões, diferentes culturas e por uma diversidade linguística. Para Pozenato (2003, p. 150), uma região não é apenas um espaço delimitado, de origem natural, mas “uma divisão do mundo social estabelecida por um ato de vontade”. Para o autor, a região é uma rede de relações que vai além do seu espaço natural, ela se estabelece também a partir de decisões políticas e representações sociais. Segundo ele, “com os canais de comunicação hoje existentes, as ideias de centro e de fronteiras perdem cada vez mais o sentido”. (POZENATO, 2003, p. 157). Mas se vivemos num mundo assim, onde a informação não tem limites, e tudo o que acontece é visto em qualquer parte, como ficam as fronteiras geográficas, nossos modelos culturais e nossas percepções de mundo? Até que ponto elas irão interferir para o entendimento de uma determinada mensagem? Esse é um grande desafio para a eficácia das mensagens publicitárias que procuram atingir diferentes públicos e extensas áreas geográficas. 7 Texto retirado do site do Governo Federal do Brasil. Disponível em: Acesso em: 20 jul. 2014. 14 O antropólogo Rafael José dos Santos, em seu estudo sobre a publicidade norte- americana no Brasil, afirma que: “os anúncios publicitários, hoje, constituem artefatos arqueológicos da modernidade”. Para ele, “a publicidade vincula-se historicamente ao advento de novas modalidades de experiência social, de formas inéditas de sensibilidade e percepção do mundo.” (2010, p. 15). Santos avalia que a publicidade faz parte de um processo globalizado entre capitalismo e cultura. Como tal, precisa acompanhar as transformações do mundo, fazer parte dessa cultura multifacetada e atender aos anseios e às práticas desses novos sujeitos sociais. A publicidade, portanto, situa-se em um território amplo e globalizado do consumo, ao mesmo tempo em que também é a representação de uma dada identidade cultural. 8 Kotler define propaganda como “qualquer forma de apresentação impessoal e de promoção de ideias, bens ou serviços, paga por um patrocinador identificado.” (1994, p. 538). Existe, porém, uma importante distinção entre a publicidade comercial, que tem por objetivo a venda e disseminação de uma marca ou produto, e a publicidade social, que tem como finalidade a mudança de comportamento em prol de um benefício comum. Gisela Gonçalves, ao analisar a publicidade voltada a causas sociais salienta que Kotler, ao fazer essa distinção, apontava dois caminhos para esta técnica de comunicação persuasiva: A publicidade dita comercial (promoção de bens e serviços), enquanto variável de um mix de comunicação, inserido numa estratégia de marketing, e a publicidade enquanto elemento chave na comunicação de causas e valores sociais, ao serviço do interesse público, a publicidade social ou comunitária (promoção de ideias). (GONÇALVES, 2004, p. 1) A publicidade voltada a causas sociais também é o tema de um estudo feito por Sara Balonas (2011). Ela diferencia a publicidade que exerce a função de apresentar uma marca, 8 Neste trabalho, optamos por adotar a expressão publicidade, já que os termos „publicidade‟ e „propaganda‟ são usados no Brasil, na maioria das vezes, indistintamente, representando definições similares. O que queremos expressar aqui, nesta dissertação, são as interfaces exercidas pela publicidade em seu contexto linguístico, cultural e social. Em nossa pesquisa, autores distintos fazem uso de diferentes significações para os termos, resultando em conceitos contraditórios e inconclusivos. Para Antônio Sandman, “em português publicidade é usado para a venda de produtos ou serviços e propaganda tanto para a propagação de ideias como no sentido de publicidade”. (2012, p. 10). Em sua opinião, o termo propaganda seria mais abrangente. Já Rafael Sampaio afirma que “no Brasil, para diferenciar os diversos tipos de propaganda, usamos adjetivações, tais como „propaganda política‟, „propaganda ou publicidade comercial‟, „propaganda de utilidade pública‟, „publicidade editorial‟.” Entretanto, o autor adverte: “na maioria das vezes, no entanto, propaganda é a divulgação de um produto ou serviço com o objetivo de informar e despertar interesse de compra/uso nos consumidores.”. (2003, p. 27). De acordo com Armando Sant‟Anna, “publicidade deriva de público, e designa a qualidade do que é público. Significa o ato de vulgarizar, de tornar público um fato, uma ideia. Propaganda é definida como a propagação de princípios e teorias, compreende a ideia de implantar, de incluir uma ideia, uma crença na mente alheia.” O autor segue explicando que “comercialmente falando, anunciar visa promover vendas e para vender é necessário, na maior parte dos casos, implantar na mente da massa uma ideia sobre o produto. Contudo hoje ambas as palavras são usadas indistintamente.” (1996, p. 75). 15 vender um produto e criar um desejo de consumo, e a publicidade de causas sociais, que procura sensibilizar os cidadãos para problemas que afetam o seu cotidiano, como as questões relativas à saúde e ao meio ambiente. Balonas avalia que: “nesta ordem de ideias, questionamo-nos sobre qual o possível contributo da publicidade para uma melhor qualidade de vida em sociedade e para o exercício da cidadania” (2011, p. 12). Nos últimos anos, a publicidade vem ganhando novas esferas e se ajustando às novas tendências mundiais. Balonas (2011, p. 04) acredita que “a publicidade de carácter social tem- se desenvolvido na directa proporção de questões como o marketing social e a responsabilidade social, temas de crescente actualidade no espaço comunitário e mundial.” Embora as campanhas de responsabilidade social carreguem o ideal de transformar a imagem das marcas, elas também acabam trazendo benefícios para toda a sociedade. A diferença é que as campanhas de causas sociais não estão vinculadas a nenhuma marca, seu objeto é a causa social em si. Essa outra faceta da publicidade, para Balonas, “parece introduzir uma nova função – a de agente de mudança social – a uma área desde sempre referenciada como ferramenta de apologia ao consumo, carregada de materialismo e, muitas vezes, entendida de forma pejorativa.” (BALONAS, 2011, p. 12). Por sua vez, em seu estudo sobre a concepção de texto e discurso em semiótica social, Záira Santos (2011, p. 2) analisa os processos envolvidos no discurso social através de uma leitura multimodal, utilizando como objeto de estudo um anúncio de prevenção da Aids. Ela afirma que: Tem-se a Semiótica Social como a ciência que se encarrega da análise dos signos na sociedade, com a função principal de estudar as trocas das mensagens. Nessa perspectiva, a escolha dos signos e a construção dos discursos são movidas por interesses específicos, que representam um significado escolhido através de uma análise lógica relacionada a um contexto social. Através dessa abordagem, a autora buscou compreender como se dá a articulação dos diversos modos semióticos utilizados nas práticas sociais, com o objetivo de se comunicar. A análise foi centrada nos estudos de Kress e Van Leeuwen (apud SANTOS, 2011) através de uma abordagem multimodal, que envolve um complexo jogo entre linguagem, cores, imagens, elementos gráficos, sonoros, perspectivas e espaços entre imagem e texto verbal, escolhas lexicais, com predominância de um ou de outro modo, de acordo com a finalidade da comunicação, tornando-se, portanto, recursos semióticos importantes na construção de diferentes discursos. Após a análise, a autora conclui que: “dada a proeminência de recursos imagéticos nas produções midiáticas, o „letramento visual‟ consiste em uma questão de 16 cidadania, permitindo aos indivíduos se inserirem e se posicionarem como cidadãos na esfera da comunicação.” (SANTOS, 2011, p. 12). Em outro estudo feito através da análise do discurso, Pinto-Coelho (2010) dedicou-se a investigar as construções visuais e linguísticas sobre a Aids, encontradas em jornais portugueses. Em sua análise crítica, ela seguiu a perspectiva da semiótica social de Kress e Van Leeuwen: “as imagens resultam de escolhas motivadas por „interesses‟ dos seus produtores e têm o poder de condicionar, de alguma forma, o leque de leituras possíveis.” (apud PINTO-COELHO, 2010, p. 338). A autora reitera que em uma análise desse tipo não se pode separar o que é mostrado da forma como é mostrado, isto é, não se pode distanciar o conteúdo do modo como o leitor é convidado a posicionar-se diante dele. Para ela, “as desigualdades de género e as ideologias na sua base constituem um problema fundamental 9 para a prevenção e cuidados associados ao VIH/SIDA ” (2010, p. 334). Em suas conclusões, ela afirma que a mensagem que se deseja passar é alicerçada por uma ideologia conservadora e patriarcal, retratada principalmente, pelas imagens. De acordo com a autora: Estes tipos de discursos são visíveis nos tópicos escolhidos e mostrados, mas também nas exclusões e nos modos como se escolhe escrever e mostrar. São os corpos e os comportamentos das mulheres heterossexuais que estão sob escrutínio público, permitindo-se assim que os homens heterossexuais se mantenham na (imaginária) posição privilegiada de “limpos” (WALBY apud PINTO-COELHO, 2010, p. 359). A categorização preconceituosa e conservadora de nada ajuda nas políticas de prevenção à Aids, já que a doença, hoje, não tem mais um estereótipo de gênero ou de preferência sexual. Noutra perspectiva, Gizela Rendo (2004) pesquisou como se dá a coerência, complexidade e multiplicidade de narrativas no confronto com esse diagnóstico. Segundo ela, por se tratar de um acontecimento que introduz uma importante descontinuidade na trajetória de vida do indivíduo, é fundamental que ele próprio assuma a construção de um novo discurso e encontre equilíbrio. Nesse caso, a abordagem da narrativa ocorre de dentro para fora, utilizando a produção do discurso sobre si próprio como uma prática de intervenção no tratamento psicológico dos portadores do vírus. Rendo afirma que: 9 De acordo com as diretrizes de terminologia do UNAIDS/ONUSIDA, no Brasil, adota-se a sigla em inglês “AIDS” (Acquired Immunodeficiency Syndrome), enquanto em outros países de língua oficial portuguesa, e em espanhol, utiliza-se “SIDA” (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). Disponível em: Acesso em: 30 dez. 2014. 17 Alguns factores de ordem psicológica (tal como o recurso a estratégias adequadas de coping, a expressão emocional e a atribuição de significados à experiência, entre muitos outros) parecem interferir positivamente neste processo, tornando-o mais construtivo e permitindo ao indivíduo integrar as vivências ligadas à infecção pelo VIH na sua multidimensionalidade da sua experiência sem condicionar a totalidade da sua existência a esta condição (2004, p. 100). Esse conflito do indivíduo em relação à doença acontece porque a representação de quem é infectado com Aids foi um fenômeno que a mídia apresentou de forma contundente para a sociedade. Parker (et al., 1994, p. 31) avalia que a “caracterização da AIDS enquanto doença contagiosa, incurável, mortal e ligada principalmente à homossexualidade, fez associar à doença vários estigmas e preconceitos advindos das nossas posições perante a morte, a contaminação, a sexualidade.” Em estudo sobre o discurso publicitário adotado pelo Ministério da Saúde para tratar do tema da Aids na mídia nacional, José Silva (2011, p. 68) analisou as campanhas de prevenção divulgadas pelo órgão nas décadas de 80, 90 e 2000. Ele avalia que “as campanhas ficaram restritas a apenas duas épocas do ano, o Carnaval e o Dia Mundial de Luta contra a AIDS, fazendo os mesmos tipos de propaganda, que falam sobre usar camisinha para a prevenção e sobre tentar diminuir o preconceito nas pessoas.” Ele também observa que a única informação sobre prevenção é o uso de preservativo durante as relações sexuais, mas existem outras formas de contágio, como a utilização de seringas infectadas por usuários de drogas, porém este tema não aparece no argumento das campanhas. O autor conclui, em seu projeto, que, apesar dessa deficiência, “o Ministério da Saúde consegue chegar ao receptor, através da publicidade e passar sua mensagem de forma clara e limpa, sem deixar que aconteçam ruídos de comunicação”. (2011, p. 69). Mas será que a linguagem publicitária consegue ter força e eficiência a ponto de interagir com seu público-alvo? A própria publicidade também precisou se adequar às novas tecnologias. Softwares gráficos substituíram o desenho à mão. As imagens são facilmente manipuladas em computadores, o que eliminou horas de trabalho. Mas e a linguagem? Dentro da área criativa de uma agência, o redator, responsável pelo desenvolvimento dos textos e conteúdos, continua trabalhando com recursos como o conhecimento, a imaginação, a capacidade, o esforço, o talento. Tudo isso para encontrar uma ideia que cause o impacto necessário para que ela seja lembrada pelas pessoas. E que assim como a própria cultura, esteja inserida no inconsciente coletivo. Denys Cuche (2002, p. 15) enfatiza que: 18 Seja no campo político ou religioso, na empresa ou em relação aos imigrantes, a cultura não se decreta; ela não pode ser manipulada como um instrumento vulgar, pois ela está relacionada a processos extremamente complexos e, na maior parte das vezes, inconscientes. Sobre a questão do impacto de campanhas voltadas para a saúde da população, encontramos o estudo realizado em Maringá por Melo Júnior (2012), que investigou a retórica das campanhas de prevenção à dengue. O corpus foi constituído principalmente de cartazes produzidos para a região do Paraná. Nesse trabalho, o autor usou a fundamentação argumentativa dos estudos de Perelman e Olbrechts-Tyteca e verificou uma presença maciça de metáforas de guerra, argumentos de medo e horror, além de cores fortes e assustadoras. Para Melo Júnior, isso aconteceu devido à situação emergencial de prevenção à dengue na região. Ele destaca que: “quando se enfrentam situações em que é preciso agir rápida e energicamente, convocar a população para o combate, para a guerra, é uma forma de tentar diminuir números que se encontram perigosamente altos e uma maneira de tentar evitar mortes na população.” (2012, p. 58). Tendo esse cenário em mente e os diferentes tipos de investigação relatados, nesta dissertação, usamos as campanhas sociais de prevenção ao vírus da Aids como objeto de estudo da linguagem, destacando justamente as relações que ela exerce com a cultura em que está inserida. Além disso, escolhemos investigar justamente esse tipo de campanha por se tratar de um tema que vem se transformando ao longo dos anos. Envolve preconceito, medo e mudança de comportamento. Aqui, a publicidade atua para exercer um dos seus papéis menos valorizados, mas também um dos mais ilustres, que é o de despertar um desejo, não o de consumo, mas, sim, o de proteger a própria vida. Essa distinção aparece bem na teoria de Balonas (2011, p. 26): Ao nível da construção do discurso publicitário, as técnicas utilizadas para promover produtos e marcas são agora aplicadas para promover ideias, defender causas e influenciar comportamentos sociais. As metonímias, as metáforas, os testemunhos, os jogos de palavras, as frases feitas, a ironia, o humor (por vezes sarcástico) e toda a parafernália de técnicas usadas são exactamente as mesmas. Os objectivos diferem: agora trata-se de sensibilizar, emocionar, chocar e, por fim, mobilizar. Com base na discussão que desenvolvemos até aqui, lançamos nosso problema de pesquisa: A linguagem multimodal das campanhas voltadas à prevenção de HIV/Aids constrói-se a partir de recursos que expressam diferenças culturais/regionais, para provocar reações de natureza atitudinal e comportamental em seu público-alvo? A partir dessa questão, objetivamos investigar, sob a ótica da Linguística Cognitiva, a 19 multimodalidade da linguagem e as possíveis diferenças regionais que garantem a eficácia de campanhas publicitárias de saúde voltadas à prevenção de HIV/Aids. Os objetivos específicos são: (a) construir corpus de distintas regiões do Brasil que permita identificar diferentes marcas regionais e apelos persuasivos na linguagem multimodal; (b) comparar os recursos de linguagem multimodal utilizados que se acomodam a aspectos culturais e comportamentais de cada público-alvo; (c) investigar como a questão da regionalidade se reflete na linguagem, através da análise de campanhas de prevenção de HIV/Aids. Para responder ao problema de pesquisa e atingir os objetivos formulados, a dissertação está organizada em seis capítulos. O primeiro capítulo é a presente Introdução. No segundo capítulo, caracterizamos e discutimos os modelos de saúde que embasam as Políticas Públicas de Prevenção ao HIV/Aids. Para discorrer sobre esse tema, buscamos autores especializados nas áreas da medicina, psicologia, ciência política e administração pública. Entre eles, citam-se os seguintes pesquisadores: Ana Luiza Viana, Assis Ouverney, Francisco Inácio Bastos, Jairnilson Silva Paim, Mônica Malta, Sonia Fleury e Tatiana de Faria Baptista. No terceiro capítulo, abordamos a questão da regionalização da saúde e construção de identidades, através de autores da área da medicina e dos estudos sociais. Para esse referencial, destacam-se: Cristiane Vieira Machado, Fabíola Lana Iozzi, Luciana Dias de Lima, Mariana de Albuquerque, Ruben Oliven, Stuart Hall e Susan Sontag. No quarto capítulo, tratamos do marketing social, da publicidade e das campanhas de HIV/Aids com base em algumas das teorias propostas por Everardo Rocha, Nancy Lee e Philip Kotler, entre outros autores. No quinto capítulo, apresentamos o referencial teórico da Linguística Cognitiva, com ênfase nos estudos sobre a multimodalidade da linguagem e sobre modelos cognitivos e culturais. Os linguistas George Lakoff, Mark Johnson, Charles Forceville e Urios-Aparisi são alguns dos referenciais para esta pesquisa. No sexto capítulo, tratamos dos métodos, técnicas e procedimentos utilizados nesta investigação, além de apresentarmos a análise e discussão dos resultados, incorporando outros autores para abordar questões mais específicas que auxiliem na complementação e entendimento da linguagem publicitária. Este estudo é parte das investigações do projeto de pesquisa SEMACOG II-I, no âmbito da Linguística Cognitiva, coordenado pela Profa. Dra. Heloísa Pedroso de Moraes Feltes, na linha de pesquisa Língua, Cultura e Regionalidade. Acreditamos que é fundamental e extremamente relevante para o Programa de Pós- Graduação em Letras, Cultura e Regionalidade da Universidade de Caxias do Sul um tema de análise que está diretamente ligado ao uso da linguagem como forma de transformação social. Se, através desta investigação, conseguirmos detectar, analisar e explicar esses mecanismos de 20 linguagem que contribuem para a persuasão e o convencimento, encontrando formas mais eficazes para que a publicidade realmente possa contribuir para a mudança de hábitos e comportamentos em favor de causas sociais, teremos obtido um grande êxito. 21 2 MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE NO BRASIL E AS POLÍTICAS DE PREVENÇÃO HIV/AIDS Nossa investigação sobre a linguagem das campanhas sociais de prevenção de HIV/Aids passa por uma importante análise dos modelos de atenção à saúde praticados no Brasil. Neste capítulo apresentamos e discutimos esses modelos de atenção à saúde e as políticas de prevenção adotadas para o controle da epidemia. Tratamos aqui dos aspectos mais relevantes dessas abordagens para a nossa área de investigação, já que esse tema, por si só, carrega várias possibilidades de discussão. 2.1 MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE Para entender como se formam os modelos de atenção à saúde, ou modelos assistenciais, esmiuçaremos esse conceito. Ao pensar sobre o significado do termo modelo podemos encontrar várias significações, mas ao restringir essa expressão ao conceito da saúde, fica mais evidente uma associação semântica trazida pelo significado de norma, padrão, referência. De acordo com Jairnilson Paim, a partir da ótica da saúde pública, é preciso ter cuidado com essa associação, pois ela traz consigo uma normatização que nem sempre é positiva. O autor afirma que, na ciência, por se tratar de um esquema, o modelo “pode ser um desenho (modelo pictórico), um conjunto articulado de conceitos (modelo teórico ou teorético) ou uma fórmula (modelo matemático)” (2012, p. 460). Ele acredita que este modelo esquemático é o que mais se enquadra nos modelos assistenciais na área da saúde. Tal modelo não deve ser entendido apenas como “algo exemplar”, mas que identifica traços e fundamentos primordiais para a conduta. O autor reforça que, “ultimamente, prefere- se utilizar o conceito de „modos tecnológicos de intervenção em saúde‟, em vez da expressão „modelos de atenção à saúde‟, para evitar o entendimento de modelo como algo exemplar.” 10 (2012, p. 488). Essa tradução de modelo talvez respeite o que há de mais importante na saúde: a individualidade. Isso porque os modelos traçam referências na conduta assistencial, mas a atenção à saúde deve levar em conta também as particularidades de cada cidadão. Na tradução de Paim, o modelo de atenção à saúde pode ser definido como: “combinações tecnológicas 10 O conceito „modos tecnológicos de intervenção em saúde‟ está sendo usado pelos autores: Paim (2009), Arreaza e Moraes (2010). 22 estruturadas para a resolução de problemas e para o atendimento das necessidades de saúde individuais e coletivas”. (2012, p. 463). Para explicar como os modelos de atenção à saúde operam no Brasil, o autor identifica duas correntes principais: os modelos hegemônicos e as propostas alternativas. Para ele, “esses modelos hegemônicos não contemplam nos seus fundamentos o princípio da integralidade”. Isso significa que “ou eles estão voltados para a demanda espontânea (modelo médico) ou buscam atender necessidades que nem sempre se expressam em demanda (modelo sanitarista).” (2012, p. 468). Os modelos que predominam no sistema de saúde brasileiro são justamente o modelo médico hegemônico e o modelo sanitarista. Para identificar o modelo médico hegemônico, apresentamos aqui os seus traços fundamentais citados por Paim: 1) individualismo 2) saúde/doença como mercadoria 3) ênfase no biologismo 4) a-historicidade da prática médica 5) medicalização dos problemas 6) privilégio da medicina curativa 7) estímulo ao consumismo médico 8) participação passiva e subordinada dos consumidores (2012, p. 468) Já o modelo sanitarista está mais identificado ao conceito de campanha/programa. Para o autor, esse é um modelo subalterno ao modelo médico, mas que é predominante no país, reforçado pela influência norte-americana. O pesquisador afirma que ele “fundamenta-se no saber biomédico (microbiologia, parasitologia, virologia, imunologia, clínica, etc.), bem como nas disciplinas de epidemiologia, saneamento, entre outras.” É nesse modelo sanitarista que se incluem as campanhas de HIV/Aids que serão analisadas neste trabalho. Paim faz a seguinte divisão: “campanhas sanitárias (vacinação, controle de epidemias, erradicação de endemias), programas especiais (controle da tuberculose, hanseníase, Aids, tabagismo) e as vigilâncias sanitária e epidemiológica”. (2012, p. 469). Porém, é emergente a necessidade de tratar a saúde com um olhar mais voltado para aspectos como integralidade, eficácia e humanização, e é por isso que existem as propostas alternativas, em que inserem-se ações como: promoção da saúde, saúde da família, acolhimento, entre outras estratégias. Todos esses modelos estão no Quadro 1 – que apresenta as principais características dos modelos de atenção, criado por Jairnilson Paim (2012, p. 481 a 483). 23 Quadro 1 – Principais características dos modelos de atenção Modelos Características Médico hegemônico Individualismo, saúde/doença como mercadoria; ênfase no biologismo; a-historicidade da prática médica; medicalização dos problemas; privilégio da medicina curativa; estímulo ao consumismo médico; participação passiva e subordinada dos consumidores. Médico-assistencial Centrado na clínica, na demanda espontânea e na atenção médica privatista individual; ênfase em procedimentos e serviços especializados; não contempla o conjunto dos problemas de saúde da população; doença ou doente como objeto; médico e especialista como agentes; tecnologias médicas como principais meios de trabalho; redes de serviços priorizando hospitais; sem prioridade para a promoção da saúde e a prevenção das doenças; organização da assistência médica em especialidades, valorizando o ambiente hospitalar em detrimento da assistência ambulatorial; tendência à superprodução de serviços, ações e procedimentos. Atenção gerenciada Fundamentada na medicina baseada em evidências e economia; tendência de adoção pelos planos privados de saúde; coexistência contraditória com o modelo médico assistencial privatista; relevância dos protocolos clínicos como tecnologias para o controle de custos e do trabalho médico; compatível com a promoção da saúde e prevenção no sentido de baixar custos e aumentar lucros; tendência à subprodução de serviços; pré- pagamento; contenção da demanda; racionamento de procedimentos e serviços especializados de alto custo. Sanitarista Intervenção sobre problemas e necessidades de saúde de caráter coletivo; apoiado por diversas disciplinas (microbiologia, parasitologia, epidemiologia, estatística, administração, saneamento, etc.); foco nos modos de transmissão e em fatores de risco; identificação de tecnologias específicas para cada problemas; traços autoritários; organização vertical. Campanhas Combinação de tecnologias para o controle de danos e riscos; sanitárias não contempla a integralidade da atenção, nem a descentralização das ações; organização de caráter temporário e direção centralizada e unificada. Programas especiais Fundamentados no planejamento e na programação; objetivos e metas; atividades e recursos; avaliação; decisões; normas e informações com fluxos verticais; caráter mais permanente. Vigilância sanitária Fundamenta-se nos saberes biomédico, jurídico e epidemiológico; intervenções voltadas para o controle de riscos e proteção da saúde, com a retaguarda de laboratórios. Vigilância Baseada na epidemiológica, clínica, estatística, imunologia e em epidemiológica outras disciplinas biológicas; conjunto de atividades com o intuito de produzir informações para decisão e ação; ênfase na detecção e prevenção de doenças e agravos; controle de riscos e determinantes. 24 Quadro 1 – Principais características dos modelos de atenção – Cont. Pacs/PSF Intervenção focalizada em pobres e excluídos; tecnologia da programação em saúde; delimitação geográfica por meio da territorialização; adscrição de clientela por equipes; ações sobre o território e nos domicílios; atividades educativas e de prevenção de riscos e agravos específicos; ações básicas de atenção à saúde para grupos prioritários. Propostas Elaboradas no Brasil a partir da década de 1980 com vistas à alternativas integralidade, efetividade, qualidade, humanização e satisfação dos usuários do SUS, orientadas pelas racionalidades da demanda e/ou das necessidades. Oferta organizada Fundamentada na epidemiologia e no planejamento; compatibilização do impacto e não rejeição à demanda; necessidades de saúde epidemiologicamente identificadas; relações funcionais e programáticas com a demanda espontânea na unidade de saúde; toma como objeto problemas identificados na análise de situação de saúde; programação da oferta de serviços e ações; combinação de recursos e tecnologias visando à integralidade e à efetividade; normas técnicas adaptadas no nível local; planejamento de saúde com base populacional; ações sobre o ambiente, o indivíduo e os grupos populacionais; Serviço de Arquivo Médico e Estatística (Same); triagem normatizada; sistema de referência e contrarreferência formalizado; protocolos assistenciais para doenças e agravos prioritários; articulação das ações de promoção, proteção, recuperação e reabilitação sobre indivíduos e sobre o ambiente; controle de agravos; proteção de grupos vulneráveis ou expostos a riscos; organização interna das unidades e dos processos de trabalho; normas, rotinas e protocolos voltados para a atenção individual e coletiva na unidade e no território; mecanismos coletivos de avaliação da unidade e dos trabalhadores de saúde; acompanhamento do perfil epidemiológico da comunidade; atenção setorial e predominantemente intramural. Distritalização Apoiada na geografia, na epidemiologia e no planejamento; organização de serviços e estabelecimentos e rede estruturada nos distritos sanitários; ênfase no impacto; orientação por problemas; intersetorialidade; planejamento e programação local; autoridade sanitária local; corresponsabilidade; hierarquização; intercomplementaridade; integralidade; adscrição de clientela; heterogeneidade; análise da realidade; integralidade. Ações programáticas Tecnologias derivadas da epidemiologia e da programação em de saúde saúde; apoio das ciências sociais; redefinição de programas especiais no nível local; reorganização do processo de trabalho em saúde, a partir da identificação das necessidades sociais de saúde em unidades de atenção básica; concentra ações no interior das unidades de saúde. 25 Quadro 1 – Principais características dos modelos de atenção – Cont. Vigilância da Apoio da epidemiologia, da geografia crítica, do planejamento e saúde das ciências sociais; toma como objetos danos, riscos, necessidades e determinantes de saúde (condições de vida e trabalho); tecnologias de comunicação social, planejamento e programação local situacional e tecnologias médico-sanitárias; agentes (equipe de saúde e cidadãos); respostas sociais; correspondência entre níveis de determinação e níveis de intervenção (controle de causas, de riscos e de danos); práticas sanitárias; ação intersetorial; reorganização das práticas de saúde no nível local (intervenção sobre problemas de saúde); ênfase em problemas que requerem atenção e acompanhamento contínuos; utilização do conceito epidemiológico de risco; articulação entre ações promocionais, preventivas e curativas; atuação intersetorial; ações sobre o território, intervenção sob a forma de operações. Estratégia Saúde da Apoio do planejamento, da clínica, da epidemiologia e das Família ciências sociais; uso de combinações tecnológicas da oferta organizada, distritalização, vigilância da saúde e acolhimento; desenvolvimento de habilidades e de mudanças de atitudes; reorientação da atenção básica (articulação das ações de educação sanitária, vigilância epidemiológica e sanitária, assistência a grupos populacionais prioritários e reorganização da atenção à demanda espontânea). Promoção da Saúde Elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis, criação de ambientes favoráveis à saúde; reforço da ação comunitária; desenvolvimento de habilidades pessoais; reorientação do sistema de saúde; cidades saudáveis; escolas promotoras de saúde; ambientes saudáveis. Acolhimento Fundamenta-se na clínica, nas ciências da gestão, na psicologia e na análise institucional, organização do serviço de saúde usuário- centrado; atendimento a todas as pessoas que procuram os serviços de saúde (não rejeição à demanda); reorganização do processo de trabalho, deslocando o eixo central do médico para uma equipe profissional; relação trabalhador-usuário com base em valores humanitários de solidariedade e cidadania; fortalecimento de vínculos entre profissionais e clientela; atenção mais humanizada; mudanças na “porta de entrada” assim como na recepção do usuário, no agendamento das consultas e na programação da prestação de serviços; releitura das necessidades sociais de saúde. Linha de cuidado Estruturados por projetos terapêuticos; combinação de tecnologias “leves”, “leves-duras” e “duras”; ênfase na continuidade e integralidade da atenção; vínculo com o usuário da rede básica; articulação com os serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, oferta de medicamentos, serviço de especialidades e outros; regulação pública, fluxos assistenciais centrados no usuário, referência e contrarreferência e responsabilidade da unidade básica de saúde pelo projeto terapêutico; absorção das propostas do acolhimento e da oferta organizada. Fonte: Jairnilson Paim (2012, p. 481-483) 26 Paim (2012) adverte que os modelos de atenção são estruturados a partir de problemas e necessidades sociais na área da saúde. O pesquisador também ressalta que o modelo médico hegemônico é centrado no atendimento a doentes e apresenta alguns limites para a integralidade das necessidades em saúde. Da mesma forma, o modelo sanitarista apresenta dificuldades para a promoção e proteção da saúde. O autor pondera que é necessário e urgente “aceitar o desafio de investigar qual é a combinação de tecnologias e abordagens mais adequada para a solução de problemas derivados de diferentes perfis epidemiológicos e para o atendimento integral de necessidades de saúde, nos distintos territórios do país.” (2012, p. 487). Para Paim, portanto, não há como seguir um único modelo de saúde para o SUS, devido à heterogeneidade que distingue as diferentes regiões do país. 2.2 POLÍTICAS DE SAÚDE Para Paim, os modelos de atenção, que vimos anteriormente, têm como foco o “conteúdo” dos sistemas de saúde, enquanto as políticas fazem parte de uma ramificação denominada por ele de “continente”, em que estão incluídas a organização, gestão e financiamento dessas ações de saúde. (2102, p. 459). Dentro desse universo das políticas de proteção à saúde no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado para gerir, concentrar e realizar a proteção dos cidadãos em território nacional. Conforme explicam Noronha, Lima e Machado, a implantação do SUS começa no início da década de 1990. Eles constatam que “desde a derrocada do regime militar, o Brasil vive uma extraordinária experiência de reformas e redefinição do seu sistema público de saúde.” (2012, p. 366). De acordo com os mesmos autores, no final de 1990, foi promulgada a Lei Orgânica da Saúde e, posteriormente, “foram reformulados os papéis dos entes governamentais na prestação de serviços e na gestão do sistema de saúde”. (2102, p. 365). Ainda segundo Noronha, Lima e Machado, “o SUS é orientado por um conjunto de princípios e diretrizes válidos para todo o território nacional, que parte de uma concepção ampla do direito à saúde e do papel do Estado na garantia desse direito”. (2102, p. 365). Ao analisar as políticas de saúde, as autoras Viana e Baptista (2012) fazem uma relação entre governo, governantes e cidadãos. Segundo elas, “a política é uma atividade mediante a qual as pessoas fazem, preservam e corrigem as regras sob as quais vivem”. Já o governo, “diz respeito ao conjunto de pessoas que detém o poder político”. E, ainda, “por governantes se entende o conjunto de pessoas que governam o Estado.” (2012, p. 59). 27 Política relaciona-se, portanto, com cooperação, mas também com conflito e, principalmente, a política associa-se ao poder. Poder é outro termo muito interessante dentro desse tema, pois é pela conquista e/ou manutenção do poder que muitas das políticas são estabelecidas. Os autores Sonia Fleury e Assis Ouverney afirmam que: “a relação de poder entre os indivíduos e o Estado representou uma grande transformação na estrutura social da modernidade.” Eles acreditam que existe, “de um lado, um Estado que atua por procedimentos racionais e legais e que funda seu poder nos indivíduos constituídos como cidadãos. De outro lado, só os cidadãos podem garantir e assegurar a legitimidade do exercício do poder político.” (2012, p. 27). As políticas de saúde deveriam ser entendidas como políticas sociais, levando em conta a participação dos indivíduos na sociedade e garantindo seu papel de cidadãos. A garantia de direitos à cidadania é que estabelece essas normas e assegura medidas essenciais de proteção ao cidadão. Porém, de acordo com Fleury e Ouverney, “o modelo de proteção social, cujo eixo central reside na assistência social, teve lugar em contextos socioeconômicos que enfatizaram o mercado.” (2012, p. 32). Ou seja, nessa relação entre as políticas e os interesses econômicos, “a assistência social surge como modelo de caráter mais propriamente preventivo e punitivo que uma garantia dos direitos da cidadania.” (2012, p. 33). Um processo que acaba gerando discriminação aos que necessitam da ajuda social. Os autores denominam essa relação de “cidadania invertida – já que o grupo passa a ser objeto da política como consequência de seu próprio fracasso social”. (2012, p. 33). Essa é uma ideia que precisa ser combatida e superada, tratando a saúde pública como parte de uma política que vai além do simples assistencialismo, mas respeita as pessoas enquanto cidadãos. Fleury e Ouverney enfatizam que a política de saúde está situada “na interface entre Estado, sociedade e mercado.” (2012, p. 37). Isso porque são as relações estabelecidas por essa tríade que estabelecem as condições para que essas políticas aconteçam na prática. Para eles, isso acontece da seguinte maneira: A sociedade financia com seus impostos e contribuições, tem atitudes e preserva valores em relação ao corpo e ao bem-estar, comporta-se de formas que afetam a saúde, coletiva e/ou individualmente (poluição, sedentarismo, consumo de drogas). O Estado define normas e obrigações (regulação dos seguros, vacinação), recolhe os recursos e os aloca em programas e ações, cria estímulos para produção de bens e serviços, cria serviços de atenção, define leis que sancionam o acesso, desenvolve tecnologias e forma recursos humanos. O mercado produz insumos, oferece serviços de seguro e participa da oferta de serviços e da formação de recursos humanos. (FLEURY; OUVERNEY; 2012, p. 37). 28 Esses mesmos pesquisadores também afirmam que “acima dos objetivos da política e dos projetos da sociedade, estão os referenciais éticos que necessariamente devem orientar as decisões, as relações com os atores sociais, o processo político, a distribuição e alocação dos investimentos, a definição de prioridades”. (2012, p. 54). Trata-se de um processo que requer boa vontade política e participação ativa da sociedade, o que nem sempre acontece e acaba deixando a saúde, aspecto fundamental para uma vida mais humana e feliz, um tema altamente complexo e que, na prática, reflete as inúmeras lacunas sociais existentes no país. 2.3 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À AIDS As políticas de prevenção, controle e tratamento de HIV/Aids adotadas no Brasil, por outro lado, tiveram grande êxito. Isso porque o país foi um dos pioneiros a utilizar um coquetel de medicamentos distribuído gratuitamente à população infectada. De acordo com Mônica Malta e Francisco Inácio Bastos, o Brasil “desenvolve ações abrangentes de prevenção desde o início da epidemia e oferece acesso a qualquer cidadão brasileiro às terapias antiaids mais modernas, o que é garantido por lei federal desde 1996.” (2012, p. 933). Essa ação foi fundamental para que os medicamentos utilizados no tratamento fossem disseminados e garantissem aos pacientes mais qualidade de vida. Esse ativismo político relacionado à Aids, segundo Malta e Bastos, beneficiou-se de um importante contexto em que vivia a sociedade brasileira na época: “foi fortemente influenciado pela adoção de uma nova constituição, pela restauração da democracia, pela anistia política e pelo retorno de diversos líderes políticos exilados”. (2012, p. 947). A lei federal n. 9.313, que estabeleceu o acesso universal e gratuito à medicação, foi resultado desse momento. Ela foi instituída em 13 de novembro de 1996, pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. A seguir, está anexado um descritivo da referida lei. 29 11 Quadro 2 – Lei n. 9.313 (MALTA; BASTOS, 2012, p. 948). Lei n. 9.313, de 13 de novembro de 1996 Dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de Aids. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA faz saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1º - Os portadores do HIV (vírus da imunodeficiência humana) e doentes de Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a medicação necessária ao tratamento. 1º - O Poder Executivo, através do Ministério da Saúde, padronizará os medicamentos a serem utilizados em cada estágio evolutivo da infecção e da doença, com vistas a orientar a aquisição dos mesmos pelos gestores do Sistema Único de Saúde. 2º - A padronização de terapias deverá ser revista e republicada anualmente, ou sempre que se fizer necessário, para se adequar ao conhecimento científico atualizado e à disponibilidade de novos medicamentos no mercado. Art. 2º - As despesas decorrentes da implementação desta Lei serão financiadas com recursos do orçamento da Seguridade Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme regulamento. Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 13 de novembro de 1996; 175º da Independência e 108º da República. Fernando Henrique Cardoso Fonte: Senado Federal. Disponível em: . De acordo com Malta e Bastos, “a Aids é uma síndrome (ou seja, um conjunto de sinais e sintomas) que se manifesta após a infecção do organismo humano pelo Vírus da Imonudeficiência Humana, conhecido pela sigla HIV, do inglês Human Immunodeficiency Virus.” (2102, p. 934). Atualmente, existem cerca de 21 medicamentos antirretrovirais, que são distribuídos de forma gratuita à população em postos de saúde, clínicas e hospitais públicos. O financiamento para a prevenção da doença é feito pelo Ministério da Saúde, que procurou adotar medidas que viabilizassem os custos para o tratamento. Para reduzir os 11 A lei também pode ser consultada através do site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9313.htm. Acesso em: 30 dez. 2014. 30 custos, em maio de 2007, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto que garantiu ao país a possibilidade de importar medicações genéricas e reduzir consideravelmente os custos. Malta e Bastos afirmam que ao assinar esse decreto autorizando a quebra de patente do medicamento Efavirenz, produzido pela Merck, o Brasil garantiu a continuidade do programa. Segundo eles “o país pode importar o medicamento genérico produzido por outras indústrias farmacêuticas. O Efavirenz importado da Índia, por exemplo, custava ao Brasil cerca de US$ 165 anuais ao paciente, muito abaixo dos US$ 580 pagos à Merck”. (2012, p. 951). Em seguida, o Brasil também passou a fabricar esse medicamento. Novos desafios, porém, deverão surgir no futuro. Os próprios pesquisadores advertem que podem existir dificuldades “tanto no manejo clínico destes pacientes quanto com as implicações financeiras de manter um contingente cada vez maior de pacientes recebendo medicamentos mais caros e complexos através do SUS”. (2012, p. 952). A seguir, destacamos as principais diretrizes apontadas por Malta e Bastos da política de controle à Aids no Brasil (2012, p. 953): - Integração entre prevenção e assistência - Respeito aos direitos humanos e diálogo com a sociedade - Trabalho conjunto entre governo e ONGs - Acesso universal ao tratamento - Produção doméstica de medicamentos - Combate à estigmatização e preconceito - Política de redução de danos para usuários de drogas - Ações integradas para a prevenção da transmissão materno-infantil do HIV - Descentralização das ações dos estados, municípios e ONGs - Cooperação internacional técnica e financeira Para exemplificar como essas políticas são colocadas em prática, apresentamos um Plano Estratégico lançado para o Programa Nacional de DST e Aids considerando o período que abrangia os anos de 2004 a 2007. Esse plano sintetiza a política nacional apresentada pelo Ministério da Saúde. Conforme afirmam Fleury e Ouverney, ele permite que se visualizem os três principais alicerces dessa política: “o diagnóstico da realidade (qual é a situação atual), os objetivos pretendidos (que situação futura almejamos) e a estratégia a ser adotada (como iremos atingir o que pretendemos)”. (2012, p. 40). 31 Quadro 3 - Síntese do Plano Estratégico do Programa Nacional de DST e Aids Brasil – 2004-2007 Diagnóstico, objetivos e estratégias da política de DST e Aids Diagnóstico de tendências da epidemia de HIV/Aids Queda da epidemia na região Sudeste Crescimento de casos em razão da transmissão heterossexual Aumento de incidência em mulheres Pauperização (incidência maior na população pobre) Interiorização (maior incidência em município do interior) Diminuição dos casos de transmissão vertical (transmissão de mãe aos filhos) Redução dos casos por transfusão de sangue e hemoderivados Diminuição progressiva dos casos de usuários de drogas injetáveis (UDI) Objetivos da política de DST e Aids Expandir a qualidade e o acesso às ações de atenção e prevenção Reduzir a discriminação e o preconceito e fortalecer os direitos humanos relacionados à epidemia de HIV/Aids e outras DST Aumentar a efetividade das ações por meio do desenvolvimento e incorporação de tecnologias estratégicas Descentralizar o financiamento e a gestão aos estados e municípios Principais estratégias da política Descentralizar a gestão do Programa Nacional de DST e Aids em consonância com seus princípios, diretrizes e atribuições em cada uma das esferas do governo Fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico nos campos das DST/HIV/Aids Produzir e disseminar informações oportunas e de qualidade, subsidiando decisões nos vários níveis da resposta nacional ao HIV/Aids, sífilis congênita e outras DST Fomentar o fortalecimento das parcerias e das articulações intersetoriais, governamentais e não governamentais (movimentos sociais e setor privado), nacionais e internacionais Ampliar o acesso ao diagnóstico laboratorial do HIV e outras DST Promover a redução do estigma e da discriminação e respeito à diversidade sexual, étnica e cultural Fonte: FLEURY; OUVERNEY (2012, p. 41) 32 Podemos concluir que, para uma política eficaz no combate à epidemia, não basta simplesmente oferecer os medicamentos. São fundamentais ações conjuntas, como explicam Malta e Bastos: “é necessário disponibilizar um conjunto de serviços que englobem ações de prevenção, estímulo à testagem para o HIV e aconselhamento”. (2012, p. 946). Também é imprescindível que os pacientes diagnosticados recebam de forma rápida e integral o tratamento físico e psicológico, garantindo qualidade de vida para as pessoas que vivem com a doença. Outra ação adotada nas políticas de prevenção são as campanhas voltadas para a informação da população. O objetivo é apresentar formas de se prevenir e também diminuir a discriminação que sofrem as pessoas que contraem a doença. Segundo os estudiosos em saúde pública, pesquisas realizadas pelo Ministério da Saúde têm apontado que o nível de conhecimento sobre HIV/Aids na população brasileira é bastante elevado. Em 1999, 98% da população adulta era capaz de mencionar pelo menos duas formas de prevenção contra a infecção pelo HIV e 83% dela sabia que uma pessoa com aparência saudável poderia transmitir o vírus. (MALTA ; BASTOS, 2012, p. 948). Essas estratégias, porém, sofrem o impacto das diferenças geográficas, que acabam gerando condições distintas para acesso, quantidade e disponibilidade dos programas antiaids. Para o médico e pesquisador Francisco Inácio Bastos, as camadas mais pobres e desfavorecidas “não encontram meios de se proteger de forma consistente, às voltas que estão com outras necessidades prementes, como ter o que comer, arranjar um local para dormir ou mesmo arranjar meios de adquirir a próxima pedra de crack que irão fumar.” (2006, p. 85). O autor explica que diversos pesquisadores brasileiros vêm encontrando essa dinâmica no país: “as inúmeras e profundas fissuras da sociedade brasileira têm dado lugar a epidemias de cunho local ou mesmo regional, ainda que, no conjunto, a epidemia brasileira esteja, grosso modo, estabilizada.” (BASTOS, 2006, p. 87). Por outro lado, ele frisa que “o HIV não tem qualquer opção preferencial por pobres, assim como jamais teve qualquer simpatia ou antipatia por gays e hemofílicos.” O que ocorre, segundo ele, é que o vírus se prolifera na vulnerabilidade alheia. Nas palavras de Bastos, “o vírus, simplesmente, e num sentido metafórico, se beneficia das linhas de fragilidade das redes sociais onde é introduzido”. (2006, p. 87). 33 3 REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES A partir das reflexões feitas até aqui, já começamos a percorrer um caminho que nos leva ao entendimento dos aspectos sociais e regionais como elementos-chave na área da saúde. Este estudo trará subsídios para determinar algumas escolhas feitas pelas campanhas de prevenção de HIV/Aids veiculadas em âmbito nacional e também em diferentes regiões do país desde o surgimento da doença. Neste capítulo, vamos avaliar o caminho de regionalização da saúde, traçando um paralelo com as diferentes identidades regionais. 3.1 REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL Certamente, um dos desafios para as políticas de saúde no Brasil é a vasta extensão territorial do país. Devido a isso, são necessárias políticas locais que levam em conta aspectos geográficos, climáticos e de hábitos culturais para acionar os modelos de prevenção e atenção à saúde. Para as pesquisadoras Luciana Lima, Cristiani Machado, Mariana Albuquerque e Fabíola Iozzi, “a utilização da regionalização como instrumento do planejamento está relacionada, em geral, à necessidade de organizar e articular no território os esforços políticos, econômicos e sociais em torno de um projeto de desenvolvimento (setorial, regional, nacional)” (2012, p. 824). Mas nesse contexto é preciso sempre lembrar de que cada região apresenta diferentes culturas e modelos, que acabam refletindo também nos seus próprios limites territoriais e de que nem todos usufruem das mesmas condições de produção, circulação e consumo. As autoras advertem que no caso da saúde, por exemplo, “o processo de regionalização é fruto de um acordo entre dois ou mais entes da federação, isto é, depende de uma pactuação política” (2012, p. 824). Nesses casos, o que é comum acontecer é uma troca de acusações entre os governantes das diferentes esferas: municipal, estadual e da federação. Porém, de acordo com as pesquisadoras Lima, Machado, Albuquerque e Iozzi, a partir dos anos 2000, “a crise financeira global, a estagnação do crescimento econômico dos países centrais e o aumento das desigualdades socioespaciais levaram à retomada do debate sobre o desenvolvimento e o papel do Estado” (2012, p. 826). Segundo elas, “nesse novo contexto, no Brasil, houve a revalorização da regionalização como instrumento do planejamento de longo prazo, reconhecendo a necessidade de elaboração de políticas públicas diferenciadas conforme a diversidade das dinâmicas territoriais.” (2012, p. 826). 34 Em 2006, o governo federal lançou o Pacto pela Saúde, que procurou estabelecer políticas de negociação dentro do espaço político-territorial do país. Para Lima, Machado, Albuquerque e Iozzi, “com o pacto, procurou-se resgatar o conteúdo político da regionalização, por meio da diversidade dos elementos que caracterizam e distinguem o território brasileiro.” (2012, p. 840). Contudo, ainda existem poucas ações eficazes que levam em conta essas diversidades regionais. As pesquisadoras salientam as diferentes dinâmicas regionais: As diferentes dinâmicas territoriais têm implicações para a saúde de várias formas, ao afetarem: o padrão de ocorrência de agravos e doenças na população; a configuração do sistema de saúde (distribuição, tipos dos serviços, composição público-privada) e a utilização dos serviços de saúde; as exigências em termos das políticas e dos programas de saúde e a efetividade de seus resultados. (LIMA; MACHADO; ALBUQUERQUE; IOZZI, 2012, p. 847) Processos de urbanização, crescimento populacional e concentração nas regiões metropolitanas devem ser levados em conta para essas dinâmicas territoriais e suas implicações na área da saúde. Já existem, de acordo com as autoras, diferentes práticas regionais, que começam a receber políticas diferenciadas, para o estado da Amazônia, por exemplo, e também nas zonas de fronteiras com o Mercosul. Para as mesmas estudiosas, ações assim são necessárias para a articulação e construção de uma política regional. Porém, segundo elas, o Brasil é um país continental e heterogêneo, e por isso tem desafios que são igualmente muito grandes: “a diversidade de situações geográficas existentes e de configuração do sistema de saúde – influenciados por variáveis histórico-estruturais, econômicas, socioculturais e políticas – impõe imensos desafios aos processos de regionalização em saúde.” (2012, p. 849). A questão da desigualdade social, por exemplo, é um tema que gera dificuldades na eficácia ao controle de epidemias. As regiões de maior vulnerabilidade social são também as que apontam as taxas mais altas de infecção. De acordo com Lima, Machado, Albuquerque e Iozzi, “ainda persistem desigualdades na distribuição espacial dos serviços de saúde, mais acentuadas no caso dos serviços hospitalares e de alta complexidade”. (2012, p. 845). Esse fator pode ser melhor compreendido se olharmos para a dinâmica socioespacial da região. Na visão de Rogério Haesbaert, o termo região, em um sentido mais restrito, resulta em uma “articulação espacial consistente (ainda que mutável e porosa), complexa, seja por coerções de dominância sócio-econômica, política e/ou simbólico-cultural.” (2010, p. 21). Ainda segundo o autor, “a articulação regional efetivamente só alcança determinados grupos 35 ou classes e, consequentemente, espaços, deixando outros à margem do processo de coesão.” (2010, p. 21). A esse processo, Haesbaert dá o nome de “regiões com buracos”, enfatizando os processos de exclusão social. Apesar das limitações, podemos concluir que as políticas voltadas ao controle do vírus HIV e da Aids foram adotadas com critérios que realmente ajudaram a estabilizar o surto da doença no Brasil e, principalmente, fizeram com que a Aids não fosse mais um atestado de morte para os seus portadores. De acordo com Malta e Bastos, “a implementação e a consolidação do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais é um passo bem-sucedido em direção ao objetivo nacional de alcançar maior igualdade no sistema de saúde.” (2012, p. 954). 3.2 A REGIONALIDADE E AS IDENTIDADES REGIONAIS O respeito às necessidades de cada região deveria ser determinante para as ações de saúde no Brasil. Na prática, entretanto, ainda falta muito para que tenhamos a regionalização da saúde como uma estratégia eficaz no controle e prevenção de doenças. Para José Pozenato (2003, p. 150), o conceito de região abrange o espaço natural, com fronteiras naturais, mas é, antes de tudo, “um espaço construído por decisão”. O autor acredita que a região “é uma divisão do mundo estabelecida por um ato de vontade”, em que estão em jogo os interesses políticos. Já o termo regionalidade é definido por Pozenato como “uma dimensão espacial de um determinado fenômeno tomada como objeto de observação.” (2003, 151). As relações de regionalidade devem ser vistas, portanto, sob a perspectiva da região em que estão inseridas. As fronteiras regionais, segundo o pesquisador João Cláudio Arendt, são difíceis de serem precisamente definidas, mas podem estar localizadas “no ponto em que um conjunto de valores começa a se diluir e a dar lugar a outro conjunto de valores culturais.” (2012, p. 86). Arendt (2012, p. 96), ao abordar as relações de regionalidade, salienta que elas traduzem as fronteiras culturais que transitam no tempo e no espaço. Ele explica que: Enquanto especificidades, elas levam os indivíduos a aceitar ou a rejeitar os valores vigentes em uma escala regional. Em outros termos, ao habitar uma região, é possível identificar-se positivamente com algumas regionalidades e, ao mesmo tempo, entrar em conflito com outras. Regionalidades implicam atitudes de resistência ou de participação, de hostilidade ou de aliança, de rejeição ou de aceitação, atuando ora como obstáculos e limites, ora como continuidades e elos de ligação. 36 Já a regionalização é definida por Pozenato como um conceito de outra ordem. Pozenato explica que a regionalização é “um programa de ação voltado para o esclarecimento ou o reforço de relações concretas formais dentro de um espaço que vai sendo delimitado pela própria rede de relações operativas que vai sendo estabelecida.” (2003, p. 155). Ela depende, portanto, dos instrumentos de gestão e de um programa político que, para ser eficiente, aberto e abrangente, deve levar em conta as relações de regionalidade que acontecem em cada espaço. De acordo com Pozenato, a regionalização e a globalização (cultural, política e econômica) preservam uma relação importante. Ele acredita que existe um deslocamento no conceito da região se levarmos em conta as interferências externas. Pozenato defende que essa alternância ocorre “quando a referência da região à nacionalidade começa a ser substituída, pelo menos em parte, pela referência à globalidade das relações políticas, econômicas e culturais.” (2003, p. 152). O antropólogo Ruben Oliven, ao analisar a diversidade cultural no Brasil-nação, acredita que “nação e tradição são recortes da realidade, categorias para classificar pessoas e espaços e, por conseguinte, formas de demarcar fronteiras e estabelecer limites. Elas funcionam como pontos de referência básicos em torno dos quais se aglutinam identidades.”. (2006, p. 34). As identidades, segundo o autor, “são construções sociais formuladas a partir de diferenças reais ou inventadas que operam como sinais diacríticos, isto é, sinais que conferem uma marca de distinção.” (2006, p. 34). Para ele, as identidades acabam se moldando através de nossas vivências. Oliven cita que “assim como a convivência com os pais, nos primeiros anos de vida é determinante na construção da identidade individual, as primeiras vivências e socializações culturais são cruciais para a construção de identidades sociais, sejam elas étnicas, religiosas, regionais ou nacionais”. (2006, p. 34). Para traçar a construção da identidade nacional versus local, Oliven faz uma avaliação histórica e econômica do Brasil desde a proclamação da República, período em que ele acredita ter iniciado um processo de descentralização política e administrativa. (2006. p. 39). De acordo com o autor, é a partir da República Velha que essa questão vem à tona: “provavelmente em decorrência das transformações sociais que estavam ocorrendo, durante a República Velha se acentua a tendência de pensar a organização da sociedade e do Estado no Brasil e de discutir a questão da nacionalidade e da região em nosso país.” (2006, p. 40). Em sua narrativa, Oliven destaca alguns momentos cruciais desse processo, citando, inclusive, movimentos literários que contribuíram fortemente para a disseminação da cultura nacional. Um dos autores citados por Oliven é Machado de Assis, que no século XIX se 37 ocupava da questão da nacionalidade na literatura. (2006, p. 41). Oliven, porém, acredita que o movimento modernista de 1922 é que representou um marco nesse processo. Segundo ele, “por um lado, significa a reatualização do Brasil em relação aos movimentos culturais e artísticos que ocorrem no exterior; por outro lado, implica também buscar nossas raízes nacionais, valorizando o que haveria de mais autêntico no Brasil.” (2006, p. 41). Os principais autores do movimento evidenciam uma preocupação com a fragmentação do país. Gilberto Freyre opta por um caminho inverso e lança seu Manifesto Regionalista. Oliven explica que o Manifesto redigido por Freyre, “desenvolve basicamente dois temas interligados: a defesa da região enquanto unidade de organização nacional e a conservação dos valores regionais e tradicionais”. (2006, p. 44). Com o Manifesto, Freyre e seu grupo têm a ambição de reorganizar o Brasil. De acordo com Oliven, essa preocupação é tema central do Manifesto e “decorreria do fato de o Brasil sofrer, desde que é nação, as conseqüências maléficas de modelos estrangeiros.” (2006, p. 45). O autor cita um importante assunto tratado por Freyre naquele momento e que ainda hoje está na pauta dos temas sociais: “como propiciar que as diferenças regionais convivam no seio da unidade nacional em um país de dimensões continentais como o Brasil”. (2006. p. 45). Sobre esse questionamento Oliven aponta que as conclusões a que chegaram os modernistas é que “a única maneira de ser universal é ser nacional antes”. Oliven vai além e acredita que a noção equivale, de certa maneira, ao pensamento de Freyre: “o que Freyre está afirmando é que o único modo de ser nacional num país de dimensões como o Brasil é ser primeiro regional”. (2006, p. 46). Apesar do caráter conservador, de quem pertencia a uma aristocracia rural, como é o caso de Freyre, Oliven acredita que o Manifesto contém temas que continuam sendo bastante atuais no Brasil. Outro fato importante para a análise entre as identidades nacionais e locais ocorre com a chegada do Estado Novo, decretado por Getúlio Vargas. O então Presidente coordena uma cerimônia de queima das bandeiras estaduais, dando ênfase e importância para a bandeira nacional. Oliven acredita que “a queima das bandeiras, que marca no nível simbólico uma maior unificação do país e um enfraquecimento do poder regional e estadual, pode ser vista como um ritual de unificação da nação sob a égide do Estado”. (2006. p. 53). O término do ciclo militar no país e o processo de redemocratização marcaram um novo momento, em que a cultura começa a ganhar um novo sentido. Oliven (2006, p. 57) faz a seguinte avaliação sobre esse momento: 38 O que se observou no Brasil a partir de sua redemocratização foi um intenso processo de constituição de novos atores políticos e a construção de novas identidades sociais. Elas incluem a identidade etária (representada, por exemplo, pelos jovens enquanto categoria social), a identidade de gênero (representada, por exemplo, pelos movimentos feministas e pelos homossexuais), as identidades religiosas (representadas pelo crescimento das chamadas religiões populares), as identidades regionais (representadas pelo renascimento das culturas regionais no Brasil), as identidade étnicas (representadas pelos movimentos negros e pela crescente organização das sociedades indígenas), etc. Ironicamente, justamente quando se iniciava uma tentativa importante de estabelecer novas relações, dissolvendo velhos tabus, abrindo fronteiras sociais e espaciais, é que surge uma nova epidemia: a Aids. Segundo a escritora Susan Sontag, “esse maior inter- relacionamento espacial, característico do mundo moderno, não apenas pessoal mas também social, estrutural, tornou-se veículo de uma doença às vezes considerada uma ameaça à própria espécie humana”. Para Sontag, “a AIDS é um dos arautos distópicos da aldeia global, aquele futuro que já chegou e ao mesmo tempo está sempre por vir, e que ninguém sabe como recusar”. (2007, p. 149). 3.3 AIDS: UMA IDENTIDADE CONSTRUÍDA Para Stuart Hall, “as identidades culturais são aqueles aspectos de nossa identidade que surgem do nosso „pertencimento‟ a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e acima de tudo, nacionais.” (2005, p. 8). Em sua análise sobre a questão da identidade cultural na modernidade, Hall argumenta que essas concepções de identidade estão mudando. Passamos de sujeitos centrados em nosso núcleo interior para sujeitos que se projetam em identidades culturais do mundo exterior. Agora, estamos diante de um processo de fragmentação, formando um sujeito “pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente.” (HALL, 2005, p. 12). De acordo com o autor, o global e o local se entrelaçam e acabam formando cidadãos multiculturais. Ele denomina esse fenômeno de pós-moderno global. Conforme descreve Hall: Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de “identidades partilhadas” – como “consumidores” para os mesmos bens, “clientes” para os mesmos serviços, “públicos” para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão bastante distantes umas das outras no espaço e no tempo. (HALL, 2005, p. 75). 39 Hall segue fazendo uma nova constatação, em que afirma que isso não quer dizer a substituição do local pelo global, mas sim, uma nova forma de intermediação entre essas duas identidades da cultura. O fenômeno da globalização pode ter trazido, inclusive, um fortalecimento das identidades locais. Uma espécie de reação de grupos que se sentem ameaçados por culturas diferentes das suas. Oliven é outro autor que também traça um paralelo entre a questão das identidades em um mundo globalizado. Para ele, Uma das razões pelas quais a problemática da nação e da tradição permanece sendo extremamente atual num mundo que tende a se tornar uma “aldeia global” se deve ao fato de as pessoas continuarem a nascer num determinado país e região, a falar sua língua, a adquirir seus costumes, a se identificar com seus símbolos e valores, a torcer por sua seleção nacional de esporte, a respeitar sua bandeira, a serem convocados para defender as fronteiras da pátria e morrer pela honra nacional. (2006, p. 35). Mesmo vivendo em uma nova realidade, de um mundo globalizado e sem fronteiras, a questão da identidade regional pode ser considerada um ponto crucial na discussão sobre o tema da Aids, principalmente quando se tratam de enfermidades infectocontagiosas. Sontag, em sua análise sobre a Aids como metáfora, acredita que “a crise da AIDS aponta para o fato de que vivemos num mundo em que nada de importante é regional, local, limitado; em que tudo que pode circular acaba circulando, e todo problema é – ou está fadado a tornar-se – mundial.” (2007, p. 149). Com a afirmação, a autora defende a ideia de que a Aids não era uma doença dos africanos e nem estava restrita ou era exclusiva a uma região. Ela esclarece que: “os peritos denunciam a estereotipagem do aidético e do continente onde, segundo se imagina, ela teve origem, enfatizando que a AIDS afeta populações muito mais amplas do que os grupos de risco iniciais e ameaça o mundo inteiro, não apenas a África.” (2007, p. 148). Nesse aspecto, pode-se afirmar que uma das identidades propagadas pela Aids foi a discriminação. Sontag afirma que “nos Estados Unidos, a AIDS é cada vez mais uma doença da população urbana de baixa renda, particularmente negros e hispânicos”. O discurso patriota e moralista encontrou, na epidemia da Aids, um inimigo a ser combatido. Sontag falava sobre o medo da sexualidade como um novo registro na sociedade. Segundo ela, “a fobia do câncer nos ensinou a temer o meio ambiente poluente; agora temos medo de pessoas poluentes, conseqüência inevitável da ansiedade causada pela AIDS”. (2007, p. 134). Outra característica da identidade construída da Aids, conforme a autora salienta, é a culpa. Um sentimento que acompanha os infectados, fazendo parte da rotina de seus 40 portadores. Sontag acredita que “contrair AIDS equivale precisamente a descobrir que se faz parte de um determinado „grupo de risco‟”. (2007, p. 97). A autora segue sua comparação afirmando que “a doença expõe uma identidade que poderia ter permanecido oculta aos vizinhos, colegas de trabalho, familiares e amigos”. Em sua narrativa, ela acredita que naquele primeiro momento, os portadores expunham uma identidade que nem sempre era revelada, fazendo parte do grupo mais atingido pela doença nos seus primeiros anos: o dos homossexuais masculinos. Contrair o vírus da Aids era um experiência que isolava, discriminava e até mesmo causava perseguições a seus portadores. Sontag faz ainda a inquietante declaração: A transmissão sexual da doença, encarada pela maioria das pessoas como uma calamidade da qual a própria vítima é culpada, é mais censurada do que a de outras – particularmente porque a AIDS é vista como uma doença causada não apenas pelos excessos sexuais, mas também pela perversão sexual. (Refiro-me, é claro, aos Estados Unidos, onde atualmente se afirma que a transmissão heterossexual da doença é extremamente rara e improvável – como se a África não existisse.) (2007, p. 98) A autora também acredita que em uma epidemia como a de Aids a prevenção desempenha um papel muito importante. Porém, Sontag observa que “as campanhas que visam evitar a propagação de doenças encontram muitas dificuldades quando se trata de doenças venéreas”. (2007, p. 135). Ela enfatiza que, para o governo dos Estados Unidos, a abstinência era a melhor forma de se proteger: “julga-se que falar sobre preservativos e agulhas esterilizadas equivale a sancionar e incentivar relações sexuais ilícitas e o uso de drogas proibidas.” (2007, p. 136). Sabemos que a Aids veio acompanhada de um sintoma ainda mais aterrorizante que os próprios males da doença: o preconceito, o medo e a culpa fizeram com que seus portadores sofressem ainda mais. Conforme relatam Malta e Bastos, “a epidemia de HIV no Brasil afetou basicamente, em seu período inicial, homens que faziam sexo com outros homens e pessoas que receberam sangue e hemoderivados, nas principais áreas metropolitanas do Brasil”. (2012, p. 942). Segundo eles, o índice de transmissão entre os homens (homossexuais) se sustentou ao longo dos anos. Porém, os autores seguem constatando que “mais recentemente, o HIV vem se disseminando, fundamentalmente, através da transmissão sexual, resultando inicialmente em um crescente números de novos casos de Aids entre as mulheres”. (2012, p. 942). Além disso, os autores também reiteram que “assim como em outros países, o HIV, no Brasil, vem afetando de forma progressiva as camadas mais pobres de municípios de menor porte e os bolsões de miséria das grandes metrópoles”. (2012, p. 942). 41 Os dados levantados pelos pesquisadores só reforçam a importância da prevenção. E é justamente por isso que as campanhas publicitárias são fundamentais para o controle da epidemia. Um desafio que deveria ser cumprido com total responsabilidade pelos governantes e com total empenho pelos profissionais da área de marketing e publicidade, na busca do entendimento social, priorizando a informação relevante e transformadora, e evitando qualquer forma de discriminação. 42 4 MARKETING SOCIAL E CAMPANHAS DE HIV/AIDS No capítulo anterior, em que discutimos a questão da regionalização da saúde e a formação de identidades, vimos que a prevenção é um fator de extrema importância para o controle de epidemias. Até agora, o Brasil foi um país que se destacou na área do tratamento, através de políticas que garantiram o direito à gratuidade das medicações destinadas para as pessoas portadoras do HIV e da Aids. Mas também sabemos que o preconceito tornou as vítimas ainda mais vulneráveis. O que vamos analisar neste capítulo é justamente como a publicidade poderia atuar, enquanto ferramenta de comunicação e persuasão, provocando uma transformação social. 4.1 MARKETING SOCIAL E PUBLICIDADE De acordo com Philip Kotler e Nancy Lee, o marketing social difere-se do tradicional marketing comercial porque ele tem um objetivo puramente social: “refere-se fundamentalmente a esforços focados em influenciar comportamentos que vão melhorar a saúde, evitar acidentes, proteger o meio ambiente e contribuir para as comunidades em geral”. (2011, p. 26). Os autores reforçam essa ideia dizendo que “o marketing social é um processo que aplica princípios e técnicas de marketing para criar, comunicar e proporcionar valor a fim de influenciar comportamentos”. (2011, p. 26). Vemos que o principal foco do marketing social é gerar benefícios positivos para a sociedade. Assim como o marketing comercial almeja vender produtos e serviços, o marketing social busca a venda de “comportamentos”. Kotler e Lee (2011, p. 28) explicam que essa mudança abrange um destes quatro fundamentos: (1) aceitar um novo comportamento (por exemplo, produzir adubos a partir de restos de alimentos) (2) rejeitar um comportamento potencialmente indesejável (por exemplo, começar a fumar) (3) modificar um comportamento atual (por exemplo, aumentar a atividade física de 3 para 5 dias da semana) (4) abandonar um velho hábito indesejável (por exemplo, falar ao telefone celular enquanto está dirigindo) Dentro desse contexto, os autores argumentam que um grande desafio do marketing social é a criação de “recompensa por bons comportamentos”, e não gerar “punição por maus 43 comportamentos” (2011, p. 28). Os pesquisadores defendem a importância de um planejamento de marketing social, que envolva, entre outras ações, a publicidade. Para Kotler e Lee, “o processo começa com uma pesquisa de marketing, para compreender segmentos de mercado e potenciais necessidades, desejos, crenças, problemas, preocupações de cada segmento” (2011, p. 29). Em seguida, os profissionais envolvidos definem os mercados-alvo e estabelecem objetivos e metas. O produto, então, será posicionado para atender aos desejos do mercado-alvo. A partir disso, “eles usam as quatro principais ferramentas da caixa de ferramentas do profissional de marketing, os „4 Ps’, para influenciar mercados-alvo: produto, preço, praça e promoção, também chamados de mix de marketing.” (2011, p. 29). O marketing atua com um conjunto de processos, entre os quais está a propaganda/publicidade. De acordo com os especialistas William Arens, David Schaeffer e Michel Weigold, esses processos são subdivididos nos 4Ps do marketing mix ou composto de marketing: “desenvolvimento de produtos, determinação estratégica de preços, distribuição dos produtos para disponibilizá-los aos clientes em praças apropriadas e promoção dos produtos por atividades de vendas e propaganda.” (2013, p. 8). Segundo os autores, a função da propaganda “é promover – informar, persuadir, e lembrar os grupos de clientes, ou mercados, do valor dos produtos e serviços de uma empresa quanto à satisfação de necessidades” (2013, p. 8). Sem visar lucro financeiro, a principal meta no marketing social é o ganho da sociedade. Kotler e Lee (2011, p. 32) evidenciam que se trata de uma ação ainda mais difícil do que o marketing comercial, já que os recursos financeiros são mais escassos e os desafios muito grandes, pois é necessário convencer as pessoas a adotarem posturas, muitas vezes, menos prazerosas, como por exemplo: “abandonar um vício, modificar um estilo de vida confortável, fazer um esforço extra, gastar mais dinheiro, estabelecer novos hábitos”. Os autores afirmam, ainda, que “as promoções de causas sociais são fundamentalmente focadas nos esforços para aumentar a consciência e a preocupação em relação a alguma questão social”. Porém, a responsabilidade pela mudança do comportamento vai partir de cada pessoa. O que acontece com as campanhas sociais, na verdade, é que “o conhecimento e crença podem ser um prelúdio necessário para mudar comportamentos, e os profissionais do marketing social podem contribuir para o desenvolvimento de uma consciência e uma mudança de atitude em relação a algo.” (2011, p. 34). A seguir, um quadro elaborado por Kotler e Lee levanta as 50 questões importantes que o marketing social pode influenciar. (KOTLER; LEE, 2011, p. 36-38). 44 Quadro 4 - 50 questões importantes que o marketing social pode influenciar Comportamentos relacionados à saúde Um em cada cinco adultos (20,5%) com mais de 18 anos fuma Uso de tabaco cigarros Alcoolismo/bebedeiras Mais de um quarto (26%) das pessoas com mais de 24 anos bebem episódicas excessivamente (cinco ou mais drinques em uma ocasião). Síndrome de alcoólica 2,7% das mulheres grávidas bebem excessivamente e 3,3 % bebem fetal frequentemente. Mais da metade dos adultos (51,3%) não se exercitam nos níveis Obesidade recomendados. 37% dos alunos da 8ª série do ensino fundamental ao 3° ano do Gravidez na adolescência ensino médio, sexualmente ativos, não usaram preservativo na sua última relação sexual. Cerca de um quarto (24-27%) dos norte-americanos portadores do HIV/AIDS vírus HIV desconhecem sua infecção. Consumo de frutas e Mais de três em cada quatro adultos (76,8%) não consomem as cinco vegetais ou mais porções recomendadas por dia. Colesterol alto 23% dos adultos nunca checaram o seu colesterol. 86% das mães não atendem as recomendações de amamentar os Amamentação bebês até os seis meses de idade, pelo menos. 25% das mulheres com mais de 40 anos não fizeram mamografia nos Câncer de mama últimos dois anos. 48% dos homens com mais de 40 anos não fizeram um teste de PSA Câncer de próstata nos últimos dois anos. 47% dos adultos com mais de 50 anos nunca fizeram uma Câncer de cólon sigmoidoscopia ou colonoscopia. 60% das mulheres em idade fértil não estão tomando nenhuma Malformações congênitas multivitamina contendo ácido fólico. 19% das crianças de 29 a 35 meses não estão recebendo todas as Imunizações vacinas recomendadas. Câncer de pele Apenas 9% dos jovens usam protetor solar na maior parte do tempo. 30% dos adultos não consultaram um dentista ou uma clínica Sáude oral dentária no último ano. Um terço dos 20,8 milhões de norte-americanos com diabetes não Diabetes sabem que têm a doença. Pressão sanguínea 30% dos estimados 60 milhões de norte-americanos com hipertensão não sabem que a têm. Transtornos alimentares 57% dos estudantes universitários citam pressões culturais para serem magros como uma causa para os transtornos alimentares. 45 Quadro 4 - 50 questões importantes que o marketing social pode influenciar – Cont. Comportamentos de prevenção de acidentes 29% dos estudantes do ensino médio relatam terem andado uma ou Beber e dirigir mais vezes no último ano em um carro dirigido por alguém que estivera bebendo. Outros acidentes com 20 a 30% dos acidentes automotivos podem ser associados à veículos motores distração do motorista. Pesquisas de observação nos Estados Unidos indicam que pelo Cintos de segurança menos 18% das pessoas não usam cinto de segurança. Mais de um terço (35%) das crianças que andam de bicicleta usam Lesões na cabeça os capacetes de maneira imprópria. Medidas de segurança 83% das crianças entre 4 e 8 anos de idade viajam protegidas de apropriadas para crianças forma inadequada, usando cintos de segurança de adultos. em veículos 8,4% dos alunos da 8ª série do ensino fundamental ao 3º ano do Suicídio ensino médio tentaram o suicídio uma ou mais vezes durante os últimos 12 meses. O álcool é um sério fator contribuinte em até 50% dos afogamentos Afogamento entre adolescentes do sexo masculino. Em todo o mundo, pelo menos uma mulher em cada três já foi agredida, obrigada a ter relações sexuais, ou abusada de outro modo. Violência doméstica Na maioria das vezes, o agressor é um membro de sua própria família. Estima-se que 3,3 milhões de crianças nos Estados Unidos vivem em Armazenamento de armas lares com armas de fogo que estão sempre (ou às vezes são mantidas) carregadas e destravadas. 5% dos estudantes de escolas do ensino médio relatam carregar uma Violência nas escolas arma para o interior do estabelecimento escolar durante um dado mês. Aproximadamente metade das mortes por incêndios domésticos Incêndios resulta daqueles que acontecem na pequena percentagem (4%) dos lares sem detectores de fumaça. Mais de um terço dos adultos com 65 anos ou mais sofrem quedas a Quedas cada ano. Em 2003, mais de 13.700 pessoas com mais de 65 anos morreram devido a lesões relacionadas a quedas. Mais de 4 milhões de envenenamentos acidentais são relatados a Venenos domésticos cada ano. 65% envolvem crianças, e as formas mais comuns são vitaminas, aspirinas, produtos de limpeza e artigos de beleza. 46 Quadro 4 - 50 questões importantes que o marketing social pode influenciar – Cont. Comportamentos ambientais Apenas 50% de todo o papel, 45% de todas as latas de cerveja e Redução do lixo refrigerantes de alumínio e 34% de todas as garrafas e refrigerantes de plástico são recicladas. Proteção do hábitat da Aproximadamente 70% das principais espécies de peixes marinhos vida selvagem esgotadas pela pesca excessiva são pescadas em seu limite biológico. Cerca de 15 milhões de árvores são derrubadas anualmente para Destruição das florestas produzir os 10 bilhões de sacos de papel usados a cada ano nos Estados Unidos Fertilizantes e pesticidas Estima-se que 76% das casas usem inseticidas nocivos à saúde, e tóxicos 85% tenham pelo menos um pesticida armazenado. Um vaso sanitário com vazamento pode desperdiçar até 750 litros Conservação da água por dia. Poluição do ar por Estima-se que 76% das pessoas nos Estados Unidos se deslocam automóveis sozinhas de carro para o trabalho. Se todos os lares nos Estados Unidos substituíssem seus artefatos de Poluição do ar de outras iluminação por lâmpadas com a marca ENERGY STAR, 500 bilhões fontes de quilos de emissões de gases que provocam o efeito estufa seriam evitados. Compostagem do lixo e 30-50% de todo o lixo depositado em um aterro sanitário nos resíduos do jardim Estados Unidos poderia ser transformado em adubo composto. Estima-se que uma média de 106.400 incêndios florestais irrompem Incêndios não intencionais a cada ano nos Estados Unidos, sendo que cerca de 9 a cada 10 são iniciados por falta de cuidado. Apenas cerca de 6% do consumo de energia total nos Estados Conservação de energia Unidos em 2003 originou-se de recursos renováveis; 86% de toda a energia foi produzida a partir de fontes de energia fóssil. A cada ano, 4,5 trilhões de pontas de cigarro são jogadas na rua no Lixo jogado nas ruas mundo todo. Proteção das bacias Pelo menos 40% dos norte-americanos não recolhem os dejetos de hidrográficas seus cães. Em janeiro de 2007 havia 94.875 pacientes em uma lista de espera Doação de órgãos para transplante de órgãos. 60% da população norte-americana estão aptos a doar sangue, mas Doação de sangue apenas 5% o fazem em um dado ano. Apenas 55,3% da população em idade de votar habilitada votou na Voto eleição presidencial em 2004 dos Estados Unidos. Apenas 16% das crianças ouvem histórias de ninar todas as noites, Alfabetização comparado com 33% da geração dos seus pais. 47 Quadro 4 - 50 questões importantes que o marketing social pode influenciar – Cont. Comportamentos de envolvimento com a comunidade Cerca de 3,6 milhões de lares norte-americanos (3%) foram vítimas Roubo de identidade de pelo menos um tipo de roubo de identidade durante um período de seis meses em 2004. Mais de 10 milhões de animais em abrigos não são adotados e são Adoção de animais sacrificados a cada ano. NOTA: Estatísticas aproximadas. Os dados são para os Estados Unidos, a não ser que algo diferente é informado. Fonte: Kotler e Lee (2011, p. 36-38) Os dados levantados pelos autores, como podemos ver, referem-se à realidade norte- americana e foram investigados através de pesquisas em diversos órgãos governamentais, ONGs e instituições privadas. Com certeza, se a análise fosse feita para a realidade brasileira, alguns dados iriam variar. No Brasil, devido à diversidade regional, provavelmente iriam aparecer discrepâncias entre os Estados e regiões, refletindo também as inúmeras diferenças culturais. Porém, os dados seriam igualmente surpreendentes se levarmos em conta como essas questões ainda carecem de informação e incentivo. Para a conscientização e o estímulo de ações positivas e preventivas no comportamento das pessoas, o marketing social, através da publicidade, certamente tem um papel fundamental, estratégico e emergente. 4.2 ESTRATÉGIAS DA LINGUAGEM PUBLICITÁRIA NAS CAMPANHAS SOCIAIS Para Everardo Rocha, a publicidade “é um caminho para o entendimento de modelos de relações, comportamentos e da expressão ideológica da sociedade” (1985, p. 29). O autor leva-nos a pensar a publicidade como um instrumento de entendimento das ideias e representações de uma sociedade, pois as bandeiras levantadas pela publicidade se encontram justamente no interior da ordem social. Ao retratar a magia da publicidade, Rocha acredita que “no mundo do anúncio, a criança é sempre sorriso, a mulher desejo, o homem plenitude, a velhice beatificação. Sempre a mesa farta, a sagrada família, a sedução. Mundo nem enganoso nem verdadeiro, simplesmente porque seu registro é mágica.” (1985, p.25). 48 Ao descrever a ritualização que acontece entre um anúncio e seus leitores/consumidores, quando os anúncios são experienciados pelas pessoas, Rocha explica que existe ali um lugar de encontro. Para o autor, “sons, músicas, gestos, palavras, imagens, figuras e movimentos circunscrevem, no envolvimento do consumidor no „mundo dentro do anúncio‟, um espaço de recepção que não é outro senão um espaço ritual.”. (1985, p. 146). Para Rocha, esse momento é ritualizado pela combinação de elementos e relações do próprio cotidiano. Nas palavras do autor: “fica claro o tipo de trabalho e o esforço de conhecimento que a publicidade introduz de forma privilegiada na vida social. O que ela faz é classificar produtos conjugando-os com „situações sociais‟, „relacionamentos‟, „lugares‟, „estados de espírito‟.” (1985, p. 147). O pesquisador acredita que é através dessa conjugação que a publicidade exerce seu poder regulador. A ritualização, conforme Rocha, surge da necessidade da publicidade em traçar um discurso próprio do mundo. Segundo o autor: Cada anúncio, à sua maneira, focaliza, coloca em close-up determinadas coisas da vida social. É Roberto da Matta quem exemplifica a diferença fundamental entre um dedo, enquanto parte de um contínuo biológico, individual e corporal, e o mesmo dedo enquanto portador de uma aliança de casamento. O segundo dedo transforma- se em símbolo de toda uma série de relações sociais. O que aconteceu com o dedo não é nada de novo. É apenas a repetição de um mecanismo comum na estrutura do momento ritual. [...] Deslocar um elemento de seu contexto original e investi-lo de novos significados pelo simples fato de aplicá-lo a outro contexto provoca a sensação de ritual. (ROCHA, 1985, p. 147). Marina Negri, em sua obra que analisa a redação publicitária, reconhece a publicidade como uma modalidade complexa de expressão, e afirma que ela assume diferentes papéis no mundo globalizado (2011, p. 10). Um desses papéis certamente é a aceleração do consumo. A autora afirma que os consumidores, hoje, vivem num constante estado de desconforto e ansiedade crônica. Isso porque “uma vez satisfeitas suas necessidades, outras novas precisam ser forjadas em substituição às anteriores, e mais produtos surgiriam no horizonte.” (NEGRI, 2011, p. 11). Já a pesquisadora Elisa Piedras argumenta que “se de um lado a publicidade pode ser reduzida a uma mensagem com a função de produzir e divulgar informações para vender bens, de outro, ela pode ser entendida como um processo comunicativo, cujas mensagens persuasivas são produzidas e recebidas em contextos contraditórios.” (2009, p. 20). Para a autora, essa implicação se dá tanto pelo modelo hegemônico da estrutura econômica quanto pelas práticas dos sujeitos. Nas palavras de Piedras: 49 O fato de a publicidade ser constituída pelas formas sociais já institucionalizadas e, ao mesmo tempo, constituir novos valores e ações sociais revela que, mais que um processo comunicativo condicionado por uma estrutura social histórica, ela é um sistema que articula sua produção com a prática cotidiana dos sujeitos. (2009, p. 25). Em sua análise, Piedras lembra também de Gilles Lipovetsky, ao afirmar que o pensador aponta um novo olhar para a publicidade, que vai além do consumo. Segundo ela, a publicidade “é cada vez mais mobilizada para despertar uma tomada de consciência dos cidadãos diante dos grandes problemas do momento e modificar diversos comportamentos e inclinações: alcoolismo, droga, velocidade na estrada, egoísmo, procriação.” (2009, p. 25). Nosso foco nesta pesquisa é justamente analisar a linguagem de um outro papel assumido pela publicidade, através do uso das mesmas técnicas persuasivas, mas, agora, voltadas ao bem comum. Kotler e Lee desenvolveram um descritivo sobre a estratégia criativa das campanhas sociais com o objetivo de convencer as pessoas a adotarem determinado comportamento desejado. Os autores fazem a seguinte citação: “você deverá escolher entre apelos de informação que descrevam comportamentos e seus benefícios, e apelos emocionais que usem medo, culpa, vergonha, amor ou surpresa.” (KOTLER; LEE, 2011, p. 296). Para a implementação de uma estratégia de comunicação, Kotler e Lee descrevem nove dicas, que eles denominam de dicas criativas: Dica criativa nº 1: mantenha sua imagem simples e clara (2011, p. 296): os autores reforçam a importância de tornar as instruções mais claras e mais simples, o que causaria uma atenção mais imediata do leitor. Eles também alertam para a importância de instruções visuais, que, na opinião deles, faz com que as pessoas entendam ainda mais rapidamente uma instrução. Dica criativa nº 2: concentre-se nos benefícios do público (2011, p. 297): para Kotler e Lee, é fundamental destacar os benefícios que o público irá obter em troca da mudança de um comportamento. Para isso, ele precisa ser lembrado e estimulado. Dica criativa nº 3: ao utilizar o medo, ofereça em seguida soluções e use fontes com credibilidade (2011, p. 297): o que os autores salientam aqui é que a escolha por esse caminho do medo pode gerar uma controvérsia, soando como um “apelo à ameaça”. Segundo eles “ameaças simplesmente ilustram consequências desagradáveis e a comoção desencadeada pode na realidade ser medo, com riscos, inclusive, de imobilizar o público.” (2011, p. 298). Eles ainda argumentam que “um forte apelo baseado no medo funciona melhor quando acompanhado de soluções que são ao mesmo tempo eficientes e fáceis de desempenhar.” (2011, p. 298). Outro fator levantado pelos autores é de que o apelo ao medo é uma estratégia 50 que pode ser mais persuasiva “para aqueles que previamente não se preocupavam a respeito de um problema em particular.” (2011, p. 298). Dica criativa nº 4: tente mensagens que sejam vívidas, pessoais e concretas (2011, p. 299): a estratégia será marcante e eficiente para assegurar a atenção do público-alvo, fazendo com que a mensagem fique registrada em sua memória mais facilmente. Os autores afirmam que “informações vívidas aumentam a probabilidade de que a mensagem se destaque em relação a todas as outras informações que competem por nossa atenção.” (2011, p. 299). Dica criativa nº 5: torne as mensagens mais fáceis de ser lembradas (2011, p. 299): para Kotler e Lee, “a mágica da comunicação persuasiva é fazer com que as mensagens ganhem vida nas mentes do público-alvo.” (2011, p. 299). Por isso eles sugerem o uso de algumas técnicas, tais como: utilizar texto com rima; causar surpresa; ligar o tempo com algum evento que seja familiar, isto é, de conhecimento prévio das pessoas ou, ainda, aproveitar a familiaridade de outra marca ou slogan. Dica criativa nº 6: às vezes divirta-se um pouco (2011, p. 301): esta saída pode ser tão controversa quanto apelar ao medo. Os autores advertem a importância de avaliar algumas variáveis: o público-alvo; e se o tema abordado é uma questão que o público possa rir a respeito. Além disso, Kotler e Lee orientam que seja feita uma avaliação de como uma abordagem humorística pode ser comparada com o que já foi produzido para impactar a questão. Dica criativa nº 7: tente uma grande ideia (2011, p. 301): encontrar “uma grande ideia”, segundo os autores, irá tornar a campanha distinta e memorável. (2011, p. 301). Para eles, “no negócio da propaganda, a grande ideia é vista como o Santo Graal, uma solução criativa que em apenas algumas palavras ou uma imagem resume a razão impelindo a comprar.” (2011, p. 302). Dica criativa nº 8: considere uma pergunta em vez de uma censura (2011, p. 303): estruturar a mensagem através de uma pergunta, de acordo com Kotler e Lee, pode causar uma influência muito positiva nas pessoas, aumentando a probabilidade de que elas, efetivamente, venham a tomar a atitude desejada pela mensagem. Dica criativa nº 9: saliente normas sociais relevantes (2011, p. 303): para Kotler e Lee, “o marketing de normas sociais é baseado no conceito central da teoria de normas sociais – ou seja, que grande parte do comportamento das pessoas é influenciado por suas percepções do que é „normal‟ ou „típico‟”. (2011, p. 303). Então, seguir um certo padrão de “normalidade” na estratégia da mensagem pode gerar uma boa visibilidade e aceitação. Kotler e Lee (2011, p. 307) reforçam a importância de considerar a ética das 51 mensagens e estratégias, através de informações precisas e verdadeiras. Os pesquisadores também encorajam os profissionais a produzirem pré-testes antes de definirem as estratégias e colocarem a campanha no ar. 4.3 AS CAMPANHAS DE HIV/AIDS A epidemia de Aids no Brasil tornou-se um caso ímpar, pois o país conseguiu implementar um programa de acesso gratuito e universal à terapia antirretroviral. Porém, se voltarmos aos anos 1980, quando iniciavam os primeiros casos de Aids no Brasil, o governo procurava, através da propaganda e do controle dos meios de comunicação, apresentar uma determinada visão sobre a doença. Marta Rovery de Souza fez a seguinte afirmação sobre esse momento em que vivia o país: “a televisão é hoje a mais poderosa instituição do país, capaz de influenciar, alterar ou mesmo criar novas formas e normas de comportamento, papéis e valores na sociedade.” (1994, p. 338). A autora chamava a atenção sobre o teor e a eficácia das mensagens que eram transmitidas na época. Para ela, a Aids não é “apenas uma luta de alguns indivíduos, mas abrange uma complexidade de dimensões que vão desde o drama individual até a tragédia mundial de uma epidemia de pânico, preconceitos e discriminação”. (1994, p. 338). Já naquele momento Souza destacava a importância da divulgação de informações preventivas levando em conta as diferenças culturais. Segundo ela: “é importante ter presente, quando se propõem medidas preventivas de contenção da doença, que o comportamento sexual das populações não é uniforme e varia conforme a idade, tipo de união, preferência sexual, a situação sociocultural etc.” (1994, p. 338). Diante de um cenário assim, marcado pelas dúvidas sobre uma nova epidemia que já estava estigmatizada, por acreditar-se que atingia apenas grupos de homossexuais, 12 hemofílicos, usuários de drogas injetáveis (compartilhamento de agulhas) e estrangeiros , vamos analisar como o Brasil iniciou suas campanhas preventivas, utilizando-se dos recursos da propaganda e do marketing social. José Ricardo Ayres (2002), que fez um apanhado sobre as lições aprendidas das 12 O médico e pesquisador Francisco Inácio Bastos, em seu livro Aids na Terceira Década, refere-se à “Fábula dos 4 Hs” para explicar quem eram os grupos estigmatizados, os ditos “grupos de risco”, fazendo uma clara alusão ao preconceito que acompanhou a doença. Segundo essa fábula, seriam quatro os grupos portadores da doença, e que sinalizavam um perigo às demais populações: os homossexuais masculinos (H1), os haitianos (H2), os hemofílicos (H3), e os heroinômanos (H4). (2006, p. 30). 52 práticas preventivas e sobre os desafios atuais impostos pela doença, afirma que a primeira lição é de que o terrorismo não funciona. Nos primeiros anos da epidemia, as campanhas apresentavam argumentos que estabeleciam o terror e o medo na população, porém esse tipo de apelo não resultou na mudança de comportamento almejada. O que o discurso acabou gerando foi um novo problema social: uma identidade estigmatizada dos portadores da doença. Segundo o autor, No contexto dos avanços terapêuticos, a importância de recusar a estratégia do terror é ainda mais premente, pois é a cada dia maior o número de pessoas vivendo com Aids, às quais estaremos enganando, agredindo, desestimulando e desmobilizando ao associar tão inexoravelmente a infecção pelo HIV ao sofrimento e à morte. (2002, p.15) A pesquisadora Dilene do Nascimento retrata a face invisível da Aids e apresenta um estudo sobre a linguagem das campanhas desde a década de 1980. De acordo com o apanhado feito por ela, no ano de 1988, o Ministério da Saúde criou um programa nacional para reduzir a mortalidade causada por doenças sexualmente transmissíveis. Naquela ocasião, o slogan da campanha foi “Informação: a vacina mais eficiente contra a Aids”. A autora explica que “além de produzir material informativo constituído por cartazes, folhetos, cartilhas [...], o Ministério da Saúde começou a financiar algumas Ongs que já trabalhavam nesse sentido.” (1997, p. 171). A autora ainda afirma que, no início, “as campanhas governamentais eram agressivas e contribuíam para disseminar uma postura discriminatória em relação ao doente e pouco esclarecedora em relação à doença. Utilizavam frases impactantes como: „A Aids mata!‟, „Aids, você precisa saber evitar‟, ou ainda „Quem vê cara não vê Aids.” (1997, p. 171). Outra campanha impactante e extremamente agressiva foi lançada pelo Ministério da Saúde em 1991, cuja mensagem era “Eu tenho Aids e não tenho cura”. Já nos anos de 1993 e 1994, segundo Nascimento, houve uma “grande preocupação por parte do Programa de DST e Aids com os jovens e adolescentes, que também foram incluídos no público-alvo da campanha contra as drogas injetáveis” (1997, p. 172). A autora descreve que, a partir desse momento, as iniciativas educacionais passaram a ser mais corajosas. De acordo com ela, “as mensagens eram positivas, no sentido de o adolescente passar a “prevenir-se do vírus e não das pessoas. Tanto a campanha de 1993, como a de 1994 tiveram esse sentido: „você precisa aprender a transar com a existência de Aids‟” (1997, p. 172). Outro público que mereceu destaque logo depois foram as mulheres. Nascimento 53 explica que a campanha “pretendia que as mulheres rompessem com os preconceitos e passassem a encarar o preservativo como algo de sua responsabilidade também. [...] A mensagem central da campanha era: „Quem se ama se cuida‟”. (1997, p. 172). A autora lembra que existia essa preocupação com as mulheres, principalmente as mais pobres, vítimas da falta de informação, em relação à negociação da camisinha com o seu parceiro. Campanhas pontuais lançadas pelo Governo, como as do Carnaval e também do dia 1º de dezembro – instituído o Dia Mundial de Luta contra a Aids desde 1988 pela Assembleia Geral das Nações Unidas – são realizadas regularmente. A autora reitera que “a cada ano, slogans diferentes propõem basicamente uma coisa: o uso da camisinha na relação sexual com o eventual parceiro” (1997, p. 173). Porém, Nascimento acredita que “independente do acúmulo de conhecimento acerca da doença, as campanhas oficiais sofrem visíveis avanços e retrocessos em sua capacidade de transmitir informações claras e isentas de preconceitos.” (1997, p. 173). Nesta pesquisa, estenderemos nossa análise a campanhas mais atuais, buscando identificar como a publicidade voltada à prevenção da Aids, que vem sendo produzida no Brasil, ancorou suas mensagens, tentando entender se elas realmente contribuíram e continuam contribuindo para uma significativa e necessária mudança de comportamento. 54 5 LINGUÍSTICA COGNITIVA E MULTIMODALIDADE DA LINGUAGEM: MODELOS COGNITIVOS E CULTURAIS A Linguística Cognitiva, ao relacionar mente e corpo na construção de sentidos, traz à tona elementos fundamentais entre a linguística e a comunicação, analisando nossa concepção de mundo, nossa cultura e nossa interação com as pessoas. Por acreditarmos que a Linguística Cognitiva apresenta conceitos inovadores e muito pertinentes, buscaremos nesta pesquisa as relações existentes entre essa teoria e a linguagem publicitária, que combina os diferentes modos de linguagem, verbal e não verbal, com o objetivo de persuadir seu público-alvo. Neste capítulo, traremos os principais conceitos dentro da Linguística Cognitiva que irão direcionar a análise linguística das peças publicitárias relacionadas à prevenção de HIV/Aids. 5.1 LINGUÍSTICA COGNITIVA A Linguística Cognitiva teve sua origem a partir da década de 1960, quando iniciou uma verdadeira revolução nas pesquisas sobre o cérebro humano. De acordo com Marco Callegaro, faziam parte dos estudos do cérebro, a linguística, a antropologia e a inteligência artificial. Ele afirma que esses avanços “convergiram para a revolução cognitiva, um movimento científico importante que procurou aventurar-se no interior da misteriosa caixa- preta, enfocando o processamento da informação realizado na mente que desemboca na produção do comportamento.” (2011, p. 153). Já no final da década de 1970, de acordo com o autor, o acúmulo de conhecimento trouxe uma associação crescente entre diversas áreas do conhecimento. Callegaro explica que foi justamente a inter-relação entre as teorias que permitiu que os modelos cognitivos pudessem ser testados por meio dos métodos das neurociências dos sistemas, favorecendo uma abordagem consistente sobre mente, cérebro e comportamento – as neurociências cognitivas (CALLEGARO, 2011, p. 155). Em sua análise, mais voltada à psicologia cognitiva, Callegaro conclui que “na atualidade, a mente é observável e acessível ao escrutínio científico”. (2011, p. 156). O autor sugere que as técnicas de imageamento atuais permitem visualizar a mente em funcionamento. A partir da abordagem que relaciona a mente e o comportamento, vamos inserir um importante elemento: a linguagem. George Lakoff (1987) defende que a compreensão de como categorizamos o mundo é primordial para o entendimento de quem somos. Esse 55 processo de categorização acontece automaticamente, e nos permite definir pessoas, animais e objetos. Porém, o autor salienta que há grande parte das categorias que produzimos que não são coisas, tratam-se de entidades abstratas. O autor esclarece: “nós categorizamos uma gama enorme de eventos, ações, emoções, relações espaciais, relações sociais e entidades abstratas, tais como: governos, doenças e entidades em ambas as teorias científicas e populares, como 13 elétrons e resfriados.” (1987, p. 6). Para definir a categorização clássica, Lakoff cita o trabalho de Eleanor Rosch, em que ela propõe duas maneiras de como a categorização é produzida: “Em primeiro lugar, se as categorias são definidas apenas pelas propriedades que todos os membros compartilham, então nenhum membro deve servir como um exemplo melhor desta categoria, do que 14 qualquer outro membro.” (1987, p. 7). O segundo argumento citado pela autora defende que: Se as categorias forem definidas apenas pelas propriedades inerentes aos membros em questão, então, as categorias devem ser independentes das peculiaridades de quaisquer seres que fazem a categorização; ou seja, elas não devem envolver assuntos como neurofisiológico humano, movimento do corpo humano, e capacidades humanas específicas para perceber, formar imagens mentais, aprender, lembrar, organizar informações e comunicar-se de forma eficiente. (ROSCH apud 15 LAKOFF, 1987, p. 7) Lilian Ferrari destaca que “de acordo com o modelo clássico de categorização, para que um elemento pertença à determinada categoria deve possuir todos os atributos definidores da mesma. Por exemplo, os membros da categoria AVE devem „ter bico‟; „ter duas asas‟; „ter dois pés‟; „ter penas‟; „saber voar‟; „colocar ovos‟” (2014, p. 33). Dessa forma, concebemos alguns elementos como representantes mais centrais de uma determinada categoria, que são justamente os que mais se aproximam ao protótipo. Há outros, com menos traços em comum, que ficam em posições mais periféricas em nossa base de distinção. Considerando os estudos desenvolvidos por Rosch e Labov, Ferrari define esse processo de categorização da seguinte maneira: 13 Do original: “We categorize events, actions, emotions, spatial relationships, social relationships, and abstract entities of an enormous range: governments, illnesses, and entities in both scientific and folk theories, like electrons and colds.” 14 Do original: “First, if categories are defined only by properties that all members share, then no members should be better examples of the category than any other members.” 15 Do original: “If categories are defined only by properties inherent in the members, then categories should be independent of the peculiarities of any beings doing the categorizing; that is, they should not involve such matters as human neurophysiology, human body movement, and specific human capacities to perceive, to form mental images, to learn and remember, to organize the things learned, and to communicate efficiently.” 56 (i) As categorias não representam divisões arbitrárias de entidades do mundo, mas surgem baseadas em capacidades cognitivas da mente humana. (ii) Categorias de cores, formas, também organismos e objetos concretos, são ancoradas em protótipos conceptualmente salientes, que desempenham papel crucial na formação dessas categorias. (iii) As fronteiras das categorias cognitivas são imprecisas, de modo que categorias vizinhas não são separadas por limites rígidos, mas há uma zona de intersecção. (FERRARI, 2014, p. 39) George Lakoff (1987) defende que nós organizamos nosso conhecimento através de estruturas mentais, os quais ele denomina de Modelos Cognitivos Idealizados. Segundo o autor, as estruturas de cada categoria e seus efeitos prototípicos são subprodutos da categorização. Para Lakoff (1987, p. 68), cada Modelo Cognitivo Idealizado é um complexo estruturado, uma gestalt, que está constituído pelos seguintes princípios: a) Estrutura proposicional: é formada por Proposição Simples; Cenário ou Script; Feixe de Traços; Taxonomia e Categorias Radiais. - Uma Proposição Simples, para Lakoff, “consiste de uma antologia de elementos (os 16 „argumentos‟) e um predicado básico que contém estes argumentos.” (1987, p. 285). O autor cita que sua estrutura global está centrada no esquema PARTE-TODO, em que os argumentos são as partes, e as proposições são o todo. - O Cenário ou Script, de acordo com Lakoff, consiste de “um estado inicial, uma 17 sequência de eventos e um estado final.” (1987, p. 285). Para o autor, o estado inicial corresponde à origem; o estado final, ao destino; e os eventos, ao percurso. Heloísa Feltes diferencia o Cenário ou Script de Frame. Para a autora, o frame “seria uma estrutura conceitual de formato proposicional, culturalmente definida que atuaria na organização de inúmeros segmentos da realidade.” (2007, p. 135). Já o script, Feltes define como sendo “uma cadeia de inferências pré-organizadas relativa a uma situação de rotina específica” (2007, p. 136). A pesquisadora argumenta que, ao nos depararmos com um fragmento de texto sobre casamento, por exemplo, acionamos uma estrutura em forma de frame, mas também de script, pois já esperamos as ações que decorrem nele. Ambos, portanto, situam-se em termos de modelos sociais e culturais. Ferrari corrobora com esse argumento e conclui que, a partir da Semântica de Frames, desenvolvida por Charles Fillmore, é possível fazer a seguinte definição: “o termo frame designa um sistema estruturado de conhecimento, armazenado na memória de longo prazo e organizado a partir da esquematização da experiência” 16 Do original: “Consists of an ontology of elements (the „arguments‟) and a basic predicate that holds of those arguments.” 17 Do original: “An initial state, a sequence of events, and a final state.” 57 (2014, p. 50). Com base nesse conceito, os significados das palavras seriam subordinados aos frames. Dessa forma, a interpretação de uma palavra exige que se faça uso da própria experiência, relacionando o conhecimento prévio de determinados elementos. - Feixe de Traços: para Lakoff, essa estrutura é definida como “uma coleção de 18 propriedades”. (1987, p. 286). O autor caracteriza o esquema do CONTAINER para formar essa categoria. Feltes constata que: “O conceito JANELA também poderia ser caracterizado em termos de um modelo cognitivo por traços: [+ ABERTURA, + MOLDURA, + VIDROS]” (2007, p. 140). - Taxonomia: definida por Lakoff como “um modelo cognitivo idealizado – uma estrutura hierárquica de categorias clássicas.” (1987, p. 287). A ontologia é orientada por categorias e os esquemas CONTAINER, PARTE-TODO e PARA CIMA-PARA BAIXO formam essa estrutura. Feltes (2007, p. 141) define que: “podem-se citar como exemplos de modelos cognitivos taxonômicos os sistemas de classificação da zoologia, da botânica e outras áreas que operam com catalogação”. - Categorias Radiais: de acordo com Lakoff, esses modelos são representados estruturalmente como um CONTAINER e suas subcategorias também. O autor argumenta que “um excelente exemplo é a classificação das coisas no mundo que 19 ocorre na tradicional Dyirbal, uma língua aborígene da Austrália.” (1987, p. 92). A partir de um estudo realizado por Nixon, Lakoff avalia que esta língua possui um sistema de classificadores que marcam a categoria a que os nomes pertencem. Cada um desses classificadores opera num sistema de radialidade composto de: I: Bayi: (humanos) machos; animais. II: Balan: (humanos) fêmeas; água, fogo, combate. III: Balam: alimentação carnívora. IV: Bala: tudo o que não esteja nas outras classes. 20 (NIXON apud LAKOFF, 1987, p. 143). De acordo com Feltes, “esse modelo cognitivo é um dos grandes trunfos de Lakoff na defesa de sua semântica cognitiva, pois é uma das estruturas cognitivas que não se explicam pelos princípios e métodos de uma semântica objetivista.” (2007, p. 142). 18 Do original: “A collection of properties.” 19 Do original: “An excellent example is the classification of things in the world that ocurs in traditional Dyirbal, na aboriginal language of Australia.” 20 Do original: “Bayi: (human) males; animals. Balan: (human) females; water; fire; fighting. Balam: nonflesh food. Bala: everything not in the other classes.” 58 b) Esquemas imagéticos: Lakoff (1987) acredita que os esquemas de imagem estruturam a nossa experiência espacial. O autor classifica os esquemas em: “CONTAINER, ORIGEM-PERCURSO-META, LIGAÇÃO, PARTE-TODO, PARA 21 CIMA-PARA BAIXO, FRENTE-TRÁS” (1987, p. 282). Esses esquemas representam como vivenciamos nossas experiências com base em nosso próprio corpo. No quadro seguinte, vemos algumas relações desses esquemas de imagem apresentadas pelos autores William Croft e Alan Cruse. Quadro 5 – Esquemas de Imagem Espaço Cima-baixo, frente-trás, esquerda-direita, perto- longe, centro-periferia, contato Escala Trajetória Contêiner Contenção, dentro-fora, superfície cheio-vazio, conteúdo Força Equilíbrio, força contrária, compulsão, restrição, habilidade, bloqueio, atração Unidade / Multiplicidade Fusão, coleção, divisão, interação Parte-todo, ligação, contável-não contável Identidade Combinação, superimposição Existência Remoção, espaço delimitado, ciclo, objeto, processo 22 Fonte: CROFT e CRUSE (2004, p. 45) c) Mapeamento Metafórico: são estruturados a partir de modelos proposicionais ou de esquemas imagéticos. Lakoff (1987) acredita que o mapeamento metafórico compreende um domínio-fonte e um domínio-alvo. O autor afirma que “o domínio- fonte é presumidamente estruturado por um modelo proposicional ou esquema- 23 imagético.” (1987, p. 288). d) Mapeamento Metonímico: de acordo com Lakoff, este mapeamento se dá através de um único domínio conceitual, estruturado por um Modelo Cognitivo Idealizado. A partir dos elementos A e B, A pode ser representado por B, a partir do esquema ORIGEM-PERCURSO-META. O autor explica que “Se B é uma categoria e A é um 21 Do original: “CONTAINER, SOURCE-PATH-GOAL, LINK, PART-WHOLE, UP-DOWN, FRONT-BACK”. 22 Esta tabela é uma versão traduzida a partir do original dos autores citados: Croft e Cruse. 23 Do original: “The source domain is assumed to be structured by propositional or image-schematic model.” 59 membro, ou subcategoria, de B, o resultado é uma estrutura de categoria metonímica, 24 em que A é um protótipo metonímico.” (1987, p. 288). Em sua obra Cognitive Linguistics, William Croft e Alan Cruse (2004, p. 1) citam três hipóteses que ancoram a linguística cognitiva no estudo da linguagem: - A linguagem não é uma faculdade cognitiva autônoma. - A gramática é conceitualização. - O conhecimento da linguagem emerge do seu uso. Os autores apontam que essas hipóteses se opõem a estudos anteriores, como o da gramática gerativa, que afirma que a linguagem é autônoma e inata, estando, portanto, separada de outras habilidades cognitivas. Segundo eles, essas hipóteses também são uma oposição a tendências reducionistas da semântica e da gramática tradicionais. Croft e Cruse (2004) explicam que o conhecimento é basicamente uma estrutura conceitual. Segundo eles, “os linguistas cognitivos argumentam que a representação sintática, 25 morfológica e fonológica é basicamente conceitual”. Isso porque o processo de produção de sons e enunciados envolve a mente, e faz parte dos processos cognitivos da fala e da compreensão. Além disso, os mesmos processos cognitivos que regulam a faculdade da linguagem atuam também em outras habilidades cognitivas. Croft e Cruse defendem que (2004, p. 2): A organização e recuperação de conhecimentos linguísticos não é significativamente diferente da organização e recuperação de outros conhecimentos na mente, e as habilidades cognitivas referentes à fala e compreensão da linguagem, não apresentam diferenças significativas daquelas aplicadas a outras tarefas cognitivas, 26 tais como a percepção visual, o raciocínio ou a atividade motora. Segundo os autores, existe uma grande preocupação dos linguistas cognitivos em demonstrar o papel das habilidades cognitivas gerais no aprendizado da linguagem. A ideia de que a linguagem não é uma faculdade cognitiva autônoma teve consequências importantes para a pesquisa na área da linguística cognitiva. Croft e Cruse afirmam que muitos linguistas da área se dedicam em demonstrar como as estruturas conceituais e as habilidades cognitivas 24 Do original: “If B is a category and A is a member, or subcategory, of B, the result is a metonymic category structure, in which A is a metonymic prototype.” 25 Do original: “Cognitive linguists argue that syntactic, morphological and phonological representation is also basically conceptual”. 26 Do original: “The organization, and retrieval of linguistic knowledge is not significantly different from the organization and retrieval of other knowledge in the mind, and the cognitive abilities that we apply to speaking and understanding language are not significantly different from those applied to other cognitive tasks, such as visual perception, reasoning or motor activity.” 60 são aplicadas na linguagem. Outra implicação do estudo, de acordo com esses autores, é que os linguistas cognitivos recorrem a recursos da psicologia cognitiva, principalmente a modelos que remetem à memória, à percepção, à atenção e à categorização. Isso porque, segundo eles, os modelos em psicologia da memória têm inspiração nos modelos de organização do conhecimento linguístico. Croft e Cruse também observam que: “um aspecto importante da capacidade cognitiva humana é a conceituação da experiência a ser comunicada 27 (e também a conceituação do conhecimento linguístico que possuímos).” (2004, p. 3). Eles confirmam que, dentro do estudo da Linguística Cognitiva, um fator que determina a habilidade cognitiva humana é justamente a conceitualização. Além disso, outra característica da Linguística Cognitiva apontada por Croft e Cruse é que nessa teoria o conhecimento linguístico emerge da própria linguagem em uso (2004, p. 3). Para eles, as “categorias e estruturas em semântica, sintaxe, morfologia e fonologia são construídas a partir de nossa cognição dos enunciados específicos em ocasiões específicas de 28 utilização.” (2004, p. 4-5). Esse fenômeno explica, por exemplo, como se dão, de forma diferenciada em cada indivíduo, suas escolhas de palavras e construções gramaticais, através de um processo indutivo de abstração e categorização. De acordo com o estudo de Gerald Zaltman e Lindsay Zaltman (2008, p. 40), essa categorização que fazemos do mundo contribui para o entendimento, percepção e expressão de nossos sentimentos e ações. Os autores, seguindo a perspectiva do experiencialismo corpóreo em Linguística Cognitiva (LAKOFF, 1980, LAKOFF; JOHNSON, 1987, 1999) 29 chamam esse fenômeno de cognição corporificada. Eles acreditam que os sentidos e sistemas motores que utilizamos são nossos dispositivos fundamentais para desenvolver e expressar nossos pensamentos, e nos permitem acompanhar e compreender o mundo, a nós mesmos e a tudo o que nos cerca, além de nos capacitar a descrever as nossas experiências. Os autores também sugerem que a visão é uma importante fonte dessa cognição corporificada, já que o órgão é responsável por uma boa parte dos estímulos que chegam ao nosso cérebro. Outra fonte significativa da cognição corpórea é a nossa orientação física. Ela indica como queremos estar posicionados diante daquilo que nos cerca. Segundo Zaltman e Zaltman: 27 Do original: “A major aspect of human cognitive ability is the conceptualization of the experience to be communicated (and also the conceptualization of the linguistic knowledge we possess).” 28 Do original: “Categories and structures in semantics, syntax, morphology and phonology are built up from our cognition of specific utterances on specific occasions of use.” 29 Do original: “Embodied cognition” 61 Nós queremos chegar primeiro, e não ficar para trás, nos mantermos ao nível do grupo, e cumprir o que é esperado, estarmos preparados para tudo, ascender na carreira profissional, aumentar ganhos, sem jogar a toalha, evitar o esgotamento, captar os conceitos mais difíceis, não ser pisoteados, evitar reações impulsivas, e 30 assim por diante. (2008, p. 42). Ao abordar esse conceito de cognição corporificada, a pesquisadora Ana Pelosi afirma que o interesse da Linguística Cognitiva “não é a mera descrição da arquitetura da linguagem e do conhecimento, mas sim entender a estreita relação entre cognição e linguagem e prover modelos capazes de captar essa inter-relação.” (2014, p. 23). Para explicar a relação existente entre mente e constituição corpórea, Pelosi afirma que, dentro dessa disciplina, a razão “é moldada pelas peculiaridades de nossos corpos, pelos detalhes inigualáveis da estrutura neuronal de nossos cérebros e pelos detalhes específicos do nosso funcionamento diário no mundo.” (2014, p. 23). Em sua análise, a autora constata que “a razão não é puramente literal mas é, em grande parte, metafórica e imaginativa; assim, o pensamento só pode ser descrito a partir de modelos cognitivos.” (2014, p. 23). Para a autora, essa visão da cognição corporificada é abrangente por conseguir aproximar cognição e linguagem, apresentando um modelo integrador do ser, e posicioná-lo como um indivíduo atuante e presente em seu mundo. Maria Cunha e Márcia Nogueira afirmam que a Linguística Cognitiva “vê o comportamento humano linguístico como reflexo de capacidades cognitivas, que dizem respeito aos princípios de categorização, à organização conceptual, aos aspectos ligados ao processamento linguístico e, sobretudo, à experiência humana no contexto de suas atividades individuais, sociointeracionais e culturais.” (2014, p. 51). Diante dessas premissas, veremos como as construções metafóricas e metonímicas receberam um importante e significativo papel no estudo da linguística cognitiva, a partir da criação da Teoria da Metáfora Conceitual. 5.2 METÁFORAS E METONÍMIAS A obra de Lakoff e Johnson, Metaphors we live by, lançada em 1980, consolida a ruptura paradigmática que colocava em crise o enfoque objetivista da metáfora – rompendo com a tradição retórica de Aristóteles. Antes vista apenas como um fenômeno de linguagem, 30 Do original: “We want to get ahead, not fall behind, keep up with the pack, not fall down on the job, rise to the occasion, move up the corporate ladder, grow our savings, not throw in the towel, avoid becoming washed up, grasp difficult concepts, not get stepped on, avoid knee-jerk reactions, and so on.” 62 ela não tinha nenhum valor cognitivo. Lakoff e Johnson lançam um novo olhar sobre o estudo das metáforas, afirmando que elas não são apenas uma figura de discurso, mas uma especificação mental, mais especificamente um mapeamento neural que influencia como as pessoas pensam, reagem e imaginam sua vida cotidiana. Dentro desse novo paradigma, as metáforas passam a ser reconhecidas por seu valor cognitivo. Nas palavras de Lakoff e Johnson, “a metáfora está infiltrada na vida cotidiana, não somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação. Nosso sistema conceptual ordinário, em termos do qual não só pensamos mas também agimos, é fundamentalmente 31 metafórico por natureza.” (2002, p. 45). Em sua análise, Lakoff e Johnson seguiram a abordagem que Reddy (1979) denominou de Metáfora do Canal, investigando “como nós conceptualizamos metaforicamente o conceito de comunicação.” (2002, p. 15). Ao analisar enunciados, Reddy apontou quatro categorias: 1) A linguagem funciona como um canal, transferindo pensamentos corporeamente de uma pessoa para outra. 2) Na fala e na escrita, as pessoas inserem seus pensamentos e sentimentos nas palavras. 3) Através das palavras, esses pensamentos/sentimentos são transferidos às outras pessoas. 4) Ao ouvir/ler, as pessoas extraem das palavras novamente esses pensamentos e sentimentos. Lakoff e Johnson (2002, p. 17) consideraram a metáfora do canal uma metáfora mais complexa, constituída por uma rede de metáforas conceptuais que se manifestam nos seguintes enunciados: a. MENTE É UM RECIPIENTE - Não consigo tirar essa ideia da minha cabeça. - Sua cabeça está recheada de ideias interessantes. b. IDEIAS (OU SENTIDOS) SÃO OBJETOS - Quem te deu essa ideia? - Você encontrará ideias melhores na biblioteca. c. PALAVRAS OU EXPRESSÕES SÃO RECIPIENTES - Quando você tiver uma boa ideia, tente colocá-la em palavras. d. COMUNICAR É ENVIAR OU TRANSFERIR POSSE 31 A obra Metaphors we live by foi traduzida para o português no ano de 2002, com o título Metáforas da Vida Cotidiana, pelo Grupo de Estudos da Indeterminação e da Metáfora (GEIM), sob coordenação de Mara Sophia Zanotto e pela tradutora Vera Maluf. 63 - Vou tentar passar o que tenho na cabeça. e. COMPREENDER É PEGAR (OU VER) - Não consigo pegar o sentido desse texto. - Você pode ver ideias coerentes neste trabalho? Para exemplificar como a metáfora está presente em nossa vida cotidiana, os autores demonstraram como nós vivenciamos uma discussão em termos de uma guerra. Eles apresentam o conceito discussão pela metáfora conceitual DISCUSSÃO É GUERRA com os seguintes exemplos (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 46): Seus argumentos são indefensáveis. (Your claims are indefensible.) Ele atacou todos os pontos fracos da minha argumentação. (He attacked every weak point in my argument.) Suas críticas foram direto ao alvo. (His criticisms were right on target.) Destruí sua argumentação. (I demolished his argument.) Jamais ganhei uma discussão com ele. (I´ve never won an argument with him.) Você não concorda? Ok, atire! / Ok, ataque! (You disagree? Okay, shoot!) Se você usar essa estratégia, ele vai esmagá-lo. (If you use that strategy, he`ll wipe you out.) Ele derrubou todos os meus argumentos. (He shot down all of my arguments.) Com este exemplo, os autores lançam um novo entendimento da metáfora, transformando-a em um conceito metafórico. Ou seja, eles mostram como estruturamos, vivenciamos e compreendemos a discussão, através dos conceitos que conhecemos de uma guerra. Ao entrarmos em uma discussão, estamos “atacando uma posição”. De acordo com Lakoff e Johnson, “nossa maneira convencional de falar sobre discussões pressupõe uma metáfora da qual raramente temos consciência. A metáfora não está meramente nas palavras que usamos – está no próprio conceito de discussão. A linguagem da discussão não é poética, ornamental ou retórica; é literal.” (2002, p. 48). Os autores denominam esse tipo de metáfora como conceitual, justamente por representar e sistematizar os conceitos que estabelecemos em nossa linguagem e pensamento. Para representar essa estrutura, Lakoff e Johnson (2002) utilizam, em letras maiúsculas, a seguinte sistematização: DOMÍNIO-ALVO (o conceito mais abstrato, originado da experiência) É DOMÍNIO-FONTE (o conceito ligado a experiências mais diretas), fazendo um mapeamento entre os dois conceitos utilizados na metáfora. No exemplo já citado, temos a DISCUSSÃO como expressão do DOMÍNIO-ALVO e a GUERRA como o DOMÍNIO- FONTE. Os autores sinalizam que o domínio-fonte é um domínio mais físico, e o alvo, um domínio mais abstrato. Além disso, Zoltán Kövecses (2005) relaciona outros nove 64 componentes para caracterizar o fenômeno sociocultural, neural e corporal da metáfora, os quais atuam nos mapeamentos entre domínios. São eles: base experiencial; experiências neurais no cérebro correspondentes aos domínios alvo e fonte (uma experiência corpórea resulta em certas conexões neurais – quando uma área relativa à afeição é ativada, aciona também a área relativa ao calor); relações entre a fonte e o alvo; expressões linguísticas metafóricas; mapeamentos; acarretamentos; blends (mesclas); realizações não linguísticas e modelos culturais. Passamos, a partir de agora, a entender que a metáfora não é simplesmente uma questão de palavras. Ela atua na concepção de um sentido para as situações vividas e contextualiza essas experiências. No estudo de Feltes, Pelosi e Lima, temos a seguinte definição para as metáforas conceituais: Uma metáfora conceitual é, portanto, uma construção cognitiva, baseada nas experiências socioculturais vividas; são um modo de construção de conhecimento na forma de um mapeamento entre domínios de conhecimentos, em geral orientado por relações analógicas motivadas por propósitos e interesses, por determinadas situações e suas demandas. Não se está aqui falando de metáfora como figura de linguagem, mas, nos termos de Johnson e Lakoff (1980, 1985, 1987) e Lakoff e Johnson (1999), como um mecanismo imaginativo da razão que se configure como um modo fundamental de compreendermos e fazermos emergir sentidos. (2014, p. 89-90) Esta afirmação faz ainda mais sentido quando analisamos um outro exemplo referido por Lakoff e Johnson: TEMPO É DINHEIRO. Quando afirmamos “você está desperdiçando meu tempo”, significa dizer que o tempo, para nós, é um bem valioso. Os autores citam que “em nossa cultura, TEMPO É DINHEIRO de muitas formas: unidades de chamadas telefônicas, pagamento por hora, taxas diárias de hotel, orçamentos anuais, juros sobre empréstimos e pagamento de dívida para com a sociedade através do „tempo de serviço‟”. (2002, p. 51). Vemos que esses conceitos metafóricos estão intimamente ligados à nossa cultura e à nossa maneira de olhar para o mundo. Lakoff e Johnson denominaram essas metáforas de metáforas estruturais, ou seja, quando um conceito é estruturado metaforicamente a partir de outro. Lakoff (1987) justifica que a raiva é uma emoção que pode ser contextualizada a partir da teoria dos modelos cognitivos metafóricos e metonímicos. O autor esclarece que: “os efeitos fisiológicos da raiva são aumento de calor do corpo, aumento da pressão interna (pressão sanguínea, pressão 32 muscular, agitação e interferência na percepção acurada.” (1987, p. 381). Feltes 32 Do original: “The physiological effects of anger are increased body heat, increased internal pressure (blood pressure, muscular pressure), agitation, and interference with accurate perception”. 65 complementa dizendo que: “segundo a teoria popular, se a raiva cresce os seus efeitos fisiológicos também crescem, até um ponto em que tais efeitos prejudicam o funcionamento do ORGANISMO.” (2007, p. 157). Em sua defesa, a autora explica que essa metáfora forma- se do seguinte conceito: RAIVA É UM CALOR. Feltes traz a seguinte definição: “quando aplicada a coisas fluidas, essa ideia mais geral passa a ser: RAIVA É O CALOR DE UM FLUIDO NUM CONTAINER, motivada por CALOR, PRESSÃO INTERNA E AGITAÇÃO.” (2007, p. 157). Ela segue afirmando que, se for destinada a coisas sólidas, a metáfora muda para “RAIVA É FOGO”. Ambas partem do conceito mais geral, que de acordo com Feltes, pode ser expressado por: “O CORPO É UM CONTAINER PARA AS EMOÇÕES.” (2007, p. 157). Alguns exemplos citados por Feltes são: “Ela não podia conter sua raiva.” “Você faz o meu sangue ferver.” “Ele estava estourando de raiva.” “Não toleramos mais suas explosões.” Feltes (2007) resume essa metáfora da seguinte forma: Correspondências ontológicas: I - O container é um corpo. II - O calor do fluido é a raiva. III - A escala do calor é a escala da raiva. IV - O calor do container é o calor do corpo. V - A pressão do container é a pressão interna no corpo. VI - A agitação do fluido e do container é a agitação física. VII - A explosão é a perda de controle. VIII - A frialdade no fluido é a ausência de raiva. Correspondências epistemológicas: (a) Fonte: O efeito do calor intenso do fluido e o calor do container, pressão interna e agitação. Alvo: O efeito da raiva intensa é o calor do corpo, pressão interna e agitação. (b) Fonte: Se ultrapassado um certo limite de aquecimento do fluido, a pressão aumenta até o ponto que o container explode. Alvo: Se ultrapassado um certo limite de aumento da raiva, a pressão aumenta ao ponto em que a pessoa perde o controle. (c) Fonte: Uma explosão pode ser prevenida pela aplicação de força e energia 66 suficientes para manter o fluido dentro do container. Alvo: Uma perda de controle pode ser prevenida pela aplicação da força e energia suficientes para manter a raiva dentro do corpo. Lakoff e Johnson também pensaram em outros tipos de metáfora, que eles denominaram de metáforas orientacionais, justamente por organizarem um sistema de conceitos em relação a outro. Eles afirmam que “a maioria delas tem a ver com a orientação espacial do tipo: para cima – para baixo, dentro – fora, frente – trás, em cima de – fora de (on- off), fundo – raso, central – periférico.” (2002, p. 59). Desse modo, quando queremos dizer que estamos bem, afirmamos “estar para cima” e se, ao contrário, estamos mal, ficamos “para baixo”. Lakoff e Johnson explicam que embora essas oposições binárias sejam físicas em sua natureza, as metáforas orientacionais baseadas nelas podem variar de uma cultura para outra. A base física retratada por eles, no caso de FELIZ É PARA CIMA, TRISTE É PARA BAIXO, é justamente a nossa postura diante da realidade. Os autores reiteram que a “postura caída corresponde a tristeza e depressão, postura ereta corresponde a um estado emocional positivo.” (2002, p. 60). As metáforas ontológicas são outro tipo de metáfora conceitual apresentado pelos autores. Estas, por sua vez, são baseadas na compreensão das nossas experiências em termos de objetos e substâncias. Lakoff e Johnson (2002, p. 76) argumentam que: Da mesma forma que as experiências básicas das orientações espaciais humanas dão origem a metáforas orientacionais, as nossas experiências com objetos físicos (especialmente com nossos corpos) fornecem a base para uma variedade extremamente ampla de metáforas ontológicas, isto é, formas de se conceber eventos, atividades, emoções, idéias etc. como entidades e substâncias. Um dos exemplos de metáfora ontológica citado por eles é: INFLAÇÃO É UMA ENTIDADE. Isso porque, segundo Lakoff e Johnson, “conceber a inflação como uma entidade permite referirmo-nos a ela, quantificá-la, identificar um aspecto particular dela, vê- la como uma causa, agir em relação a ela, e talvez, até mesmo, acreditar que nós a compreendemos.” (2002, p. 77). Justamente por traduzir uma forma de pensar e agir, a metáfora é um importante recurso para a linguagem publicitária. É o que afirma María Pessi (2010), em sua pesquisa em profundidade sobre a função das figuras retóricas para a construção do discurso publicitário. Em sua investigação, a autora conclui que na publicidade a metáfora não representa apenas uma figura estética. Ela possui um objetivo persuasivo, através de efeitos que não seriam atingidos usando outros recursos. Para a autora, a metáfora atua para trazer concretude a 67 fenômenos abstratos que não poderiam ser representados por meio da linguagem e imagem. Assim como a metáfora, a metonímia também é um recurso que vai muito além de traduzir apenas um estilo poético ou retórico, mas representa uma função importante em nossos processos cognitivos. Lakoff e Johnson afirmam que a metonímia possui a mesma sistematicidade dos conceitos metafóricos. Para eles, “os conceitos metonímicos permitem- nos conceptualizar uma coisa em relação a outra.” (2002, p. 96). Os autores acreditam que “quando pensamos em um Picasso, não estamos pensando apenas em uma obra de arte: mas estamos também pensando na relação dessa obra com o artista, isto é, a sua concepção de arte, sua técnica, seu papel na história da arte.” (2002, p. 96). Assim, os conceitos metonímicos parecem ficar ainda mais evidentes do que as metáforas, pois as metonímias estabelecem associações mais diretas. Lakoff e Johnson (2002, p. 97) argumentam que: A metonímia PARTE PELO TODO, por exemplo, emerge das nossas experiências em relação ao modo pelo qual as partes estão geralmente relacionadas com o todo. A metonímia PRODUTOR PELO PRODUTO está baseada na relação de causalidade (e habitualmente física) entre o produtor e seu produto. A metonímia LUGAR PELO EVENTO, por sua vez, está fundamentada em nossa experiência com a localização física dos acontecimentos. E assim por diante. Lakoff (1987, p. 77) enfatiza que a metonímia é uma das características fundamentais da cognição humana, sendo bastante comum a utilização de alguns aspectos para o entendimento do todo. O autor descreve um princípio geral a ser seguido para a identificação desse processo metonímico: 33 Considerando-se um ICM com condições antecedentes (por exemplo, as instituições estão localizadas em lugares), há uma relação que pode que implicar na contenção entre dois elementos A e B, de tal forma que um elemento da ICM, B, pode representar um outro elemento. Neste caso, B = o lugar e A = instituição. Nós consultaremos os tais ICMs contendo relações de exemplificações como modelos 34 metonímicos. (1987, p. 78) José Teixeira (2011, p. 1), em seu estudo sobre a utilização da metáfora e da metonímia na publicidade, salienta que “as ciências cognitivas (sobretudo a Psicologia, a Neurologia e a Linguística) vêm evidenciando como processos omnipresentes e extraordinariamente produtivos na forma como conceptualizamos e referimos o mundo: os mecanismos metafóricos e metonímicos.” Em sua análise, Teixeira afirma que através dessa 33 ICM, no contexto do autor, significa: Idealized Cognitive Models, ou seja, Modelo Cognitivo Idealizado. 34 Do original: “Given an ICM with some background condition (e.g., institutions are located in places), there is a stands for relation that may hold between two elements A and B, such that one element of the ICM, B, may stand for another element. In this case, B = the place and A = the institution. We will refer to such ICMs containing stands-for relations as metonymic models.” 68 nova perspectiva cognitiva, as metáforas aparecem em todas as formas de expressão: linguagem verbal, imagens, situações, artes, indo além da faceta retórica desses mecanismos. Para Maria Arruda (2013, p. 6), que abordou a Mesclagem Conceptual e as Redes de Espaços Mentais de uma campanha feita para uma marca brasileira de hortifrutigranjeiros, “a publicidade recorre a elementos visuais como criadores de metáforas, um recurso fundamental que atribui características a um produto ou serviço e o destaca na imensa miríade de marcas existentes”. A investigação foi feita com base em uma campanha publicitária intitulada “Hollywood” da marca Hortifruti, na qual os astros dos anúncios eram os próprios legumes e verduras distribuídos pela marca. Arruda avalia que “toda a campanha envolve novas conceptualizações sobre os produtos anunciados, isto é, os hortifrutigranjeiros são publicitados como sendo algo mais que uma simples verdura, legume ou fruta.” (2013, p. 94). Através da análise, a autora define que a imagem desempenha um papel importante na publicidade impressa ao veicular interpretações que não são evidenciadas verbalmente. 35 Arruda faz a seguinte afirmação sobre a análise empreendida: Este trabalho também nos permitiu analisar que as metáforas verbo-pictóricas, assim como as metonímias, podem tanto servir para construir e desconstruir espaços no processo de mesclagem conceptual, como para evocar personagens, significados de comunidade e modelos cognitivos culturais consolidados. (ARRUDA, 2013, p. 96). Gunther Kress (2010) também acredita que as metáforas são guias para o nosso 36 pensamento e ação. O autor reitera que, em semiótica, “todos os signos são metáforas”. (2010, p. 30). Essas metáforas, enquanto signos, são sempre produzidas em ambientes específicos para um público determinado, provocando efeitos distintos. Para o autor, o signo é materializado justamente através dessas interações sociais. Por isso é tão importante, em comunicação, entender o público a quem uma mensagem se destina. Kress faz uma reflexão sobre como se dá o processo de construção da metáfora a partir de um signo. Ele justifica que: O interesse produz atenção. A atenção molda o mundo a ser representado. A analogia traduz o interesse e seleciona o que deve ser representado como o significado em meios aptos a representá-lo, o significante. O resultado é um sinal formado com base 37 na analogia. O resultado desse processo é uma metáfora. (2010, p. 71) 35 Apesar de referirmos esta investigação com a Teoria das Mesclagens, nesta dissertação não aderimos a esta abordagem, a qual pode ser a base para uma investigação futura. 36 Do original: “All signs are metaphors.” 37 Do original: “Interest produces attention. Attention frames the world to be represented. Analogy translates interest and selects what is to be represented as the signified into apt means of representing it, the signifier. The result is a sign, formed on the basis the analogy. The outcome of that process is a metaphor.” 69 A teoria da multimodalidade, como veremos a seguir, faz um apanhado sobre as diferentes possibilidades da linguagem, seus diversos modos, e como eles atuam para ampliar a atratividade de uma mensagem. 5.3 MULTIMODALIDADE De acordo com Charles Forceville (1996), a teoria da interação, desenvolvida por Max Black (1962, 1977) foi o primeiro esboço para as pesquisas sobre a metáfora visual. Nessa teoria, Black afirmava que uma declaração metafórica compreendia dois assuntos: um primário e um secundário, em que são projetadas implicações do assunto primário para o secundário. Porém, foi a partir da teoria da Metáfora Conceitual, iniciada por Lakoff e Johnson (1980), em que a metáfora está presente na forma de pensar, que Forceville dedica-se ao estudo da metáfora multimodal. Segundo o autor, “enquanto Black se concentra em romances, metáforas criativas, Lakoff e Johnson estão interessados principalmente em 38 metáforas que já estão embutidas em uma cultura.” (1996, p. 25). Partindo dos pressupostos de Forceville, conclui-se que uma metáfora não pode ser analisada apenas pela sua forma verbal, pois isso pode constituir uma visão limitada. É por essa razão que passa a ser extremamente importante uma investigação mais ampla, não apenas do que está sendo escrito, mas também do que está sendo mostrado através da imagem e do que não está sendo dito, mas fica implícito no contexto. A ideia de que a diferença entre a metáfora multimodal e a monomodal (que estaria centrada apenas na linguagem verbal) está no “modo” é destacada na teoria do autor. Segundo Forceville, essa definição de modo não é tão simples, mas começaria com o entendimento de que “modo é um sistema de signos interpretáveis através de um processo de percepção 39 específica.” (2009, p. 22). O autor faz uma associação com os cinco sentidos humanos para tentar traduzir esse conceito, apresentando a seguinte lista: o modo pictórico ou visual, o modo sonoro ou auditivo, o modo olfativo, o modo gustativo e o modo tátil. Esta definição, no entanto, é ainda bastante incipiente, segundo o próprio Forceville. Ele relata que nessa divisão ainda temos aspectos difíceis de ser classificáveis e questiona 38 Do original: “While Black focuses on novel, creative metaphors, Lakoff and Johnson are primarily interested in metaphors that are already embedded in a culture.” 39 Do original: “Mode is a sign system interpretable because of a specific perception process.” 70 40 como seria, por exemplo, a classificação de uma tipologia : “o tipo de letra pode ser 41 considerado um elemento da escrita, do visual, ou de ambos? . Pensando nessa problemática, Forceville propõe uma nova divisão para a interpretação da linguagem multimodal: “(1) signo pictórico; (2) signo escrito; (3) signo falado; (4) gestos; (5) sons; (6) música; (7) cheiros; (8) 42 gostos; (9) toque.” (2009, p. 23). Em seus estudos sobre a teoria da multimodalidade, Forceville e Urios-Aparisi destacam que a pesquisa relacionada ao discurso multimodal teve início com a semiótica, entre as décadas de 60 e 70, e que essa teoria ainda oferece muitos insights aos pesquisadores cognitivos. Eles consideram que essa magnitude da multimodalidade compreende os seguintes aspectos: Suportes materiais (papel, celulóide, fita de vídeo, bits e bytes, pedra, tecido...) modos (linguagem escrita, fala, efeitos visuais, som, música, gesto, olfato, tato) e gêneros (arte, publicidade, manual de instruções; ou em um nível mais detalhado, diz-se 'comédia', „filme noir‟, „Western‟, 'ficção científica'), muitas das quais sendo 43 ainda mais categorizáveis. (FORCEVILLE; URIOS-APARISI, 2009, p. 5). Por acreditar que a pesquisa desses vários tipos de manifestações ainda seja difícil, os autores propõem a análise da metáfora conceitual como um caminho possível e viável, que abrirá novas possibilidades para esse tipo de investigação científica. Em sua teorização, Forceville faz uma abordagem bastante esclarecedora sobre a diferença entre as metáforas monomodais e multimodais, afirmando que a diferença primordial está justamente no alvo e na fonte por elas representadas. Para ele, As metáforas multimodais são metáforas cujo alvo e fonte são representados exclusivamente ou predominantemente em modos diferentes. A qualificação „exclusivamente ou predominantemente‟ é necessária porque as metáforas não verbais, muitas vezes têm alvos e/ou fontes que são processados em mais de um 44 modo simultaneamente.” (2009, p. 24). 40 Em publicidade, a tipologia designa o desenho de uma letra. 41 Do original: “Typeface is to be considered an element of writing, of visuals, or of both?” 42 Do original: “(1) pictorial signs; (2) written signs; (3) spoken signs; (4) gestures; (5) sounds; (6) music; (7) smells; (8) tastes; (9) touch.” 43 Do original: “Carriers (paper, celluloid, videotape, bits and bytes, Stone, cloth...) modes (written language, spoken language, visuals, sound, music, gesture, smell, touch), and genres (art, advertising, instruction manual; or at a more detailed level, say, „comedy‟, „film noir‟, „Western‟, „science fiction‟) many of these being further categorizable.” 44 Do original: “Multimodal metaphors are metaphors whose target and source are each represented exclusively or predominantly in different modes. The qualification "exclusively or predominantly" is necessary because non- verbal metaphors often have targets and/or sources that are cued in more than on mode simultaneously.” 71 O que acontece, nessas situações, é que a interpretação de uma determinada mensagem passa pela significação e entendimento de cada um deles. Na pesquisa semiótica, os recursos multimodais são muito explorados. Frank Serafini, pesquisador da área, propõe que “as imagens que encontramos são frequentemente 45 experienciadas como um conjunto multimodal.” (2014, s/p). Segundo ele, esse conjunto designa um tipo de texto que combina a linguagem escrita, o design e as imagens. Algumas fontes para esse tipo de representação são: a escultura, a pintura e a tipografia, todas usadas na pesquisa semiótica para transmitir e representar significados distintos. Como já vimos, a multimodalidade é formada por diferentes modos. Serafini faz a seguinte definição de modo: “é um sistema de entidades visuais e verbais criado dentro ou 46 entre várias culturas para representar e expressar significados.” (2014, s/p). Segundo ele, quando nós adicionamos imagem, design, efeitos sonoros, nós estamos expandindo a expressividade e o poder de comunicação de nossas mensagens. Assim como a escolha de determinadas palavras é crucial para transmitir um significado, existem escolhas que irão traduzir diferentes apelos nas imagens. Serafini afirma que “o tamanho, o enquadramento, a colocação e a composição do conteúdo de uma imagem 47 afeta os significados disponíveis.” (2014, s/p.). O design, portanto, é um processo ativo na linguagem multimodal. Assim como as expressões verbais e a escolha das imagens, o design também aciona um conjunto de fatores que deve ser baseado no contexto sociocultural a que se destina uma mensagem. Serafini justifica que certas convenções caracterizam interesses, valores e representações de uma determinada cultura e auxiliam para a construção e reconstrução dos significados. O autor divide os elementos da composição visual em três categorias que ele denomina como: arte visual, conjunto multimodal e gramática visual. No quadro seguinte, elencamos esses elementos destacados por Frank Serafini (2013, s/p.). 45 Do original: “The visual images we encounter are most often experienced as multimodal ensembles.” 46 Do original: “A mode is a system of visual and verbal entities created within or across various cultures to represent and express meanings.” 47 Do original: “The size, framing, placement, and composition of the contents of an image affect the meanings available.” 72 48 Quadro 6 - Elementos Básicos da Composição Visual Elementos básicos da composição visual Elementos da Arte Visual 1. Ponto, linha e forma 2. Cor 3. Tamanho e escala 4. Posição Elementos de conjuntos multimodais 1. Orientação 2. Tipografia 3. Margens 4. Motivos e símbolos Elementos da Gramática Visual 1. Dimensões representacionais: a) Estruturas Narrativas b) Estruturas Conceituais 2. Dimensões Interpessoais: a) Contato b) Distância Interpessoal c) Ponto de vista 3) Dimensões composicionais: a) Valor de Informação b) Enquadramento c) Modalidade d) Saliência Fonte: Frank Serafini (2014, s/p.). Ao discorrer sobre a importância desses recursos apresentados, Serafini destaca que a composição visual também é um modo que irá auxiliar os conceitos e significações transmitidos pelo conjunto multimodal. Já Ernst Gombrich (2012), autor que analisou especificamente o lugar da imagem visual na comunicação, considera que “a imagem visual é soberana na sua capacidade de ativação, que seu uso para fins expressivos é problemático e que, sem ajuda, ela carece totalmente da possibilidade de que possamos associá-la à função afirmativa da linguagem.” (2012, p. 42). Em sua teoria, o autor acredita que é difícil, através de uma imagem, explicitar um conceito. A frase “The cat sits on the mat” (O gato se senta no capacho), por exemplo, sem dúvida não é abstrata. Porém, Gombrich avalia que “ainda que a cartilha possa mostrar a imagem de um gato sentado em um capacho, uma reflexão rápida revelará que a imagem não 48 Este quadro é uma tradução nossa para o esquema sugerido pelo autor Frank Serafini. 73 equivale à frase.” (2012, p. 42). O autor se refere ao alto grau de abstração que uma frase pode incorporar, além da possibilidade de um universo infinito de frases verdadeiras. Porém, ele acredita no imenso poder das impressões visuais para ativar as nossas emoções. Gombrich reitera que, desde a Antiguidade, este recurso vem sendo usado pelos homens: Pregadores religiosos e professores precederam os publicitários modernos no conhecimento das maneiras por meio das quais a imagem visual pode nos afetar, gostemos ou não. A fruta suculenta, o nu sedutor, a caricatura repulsiva ou a cena de horror podem jogar com nossas emoções e prender nossa atenção. (2012, p. 43). Mesmo em tempos de culto à imagem e de muitas marcas usarem em sua comunicação apenas o recurso visual, a combinação entre essas modalidades (verbal e não verbal) pode trazer mais relevância e significado a uma mensagem publicitária. Marina Negri (2011), ao pensar em alternativas que contribuam para a qualidade da criação publicitária, questiona se o padrão imagético é propriamente o único caminho, ou o mais eficaz, para se fazer publicidade. A autora pondera que existe uma diferença crucial entre: “produzir Criação Publicitária por meio de mensagens visuais inteligentemente elaboradas (que digam alguma coisa) e recorrer gratuitamente a recursos gráficos de última geração para atuarem como estratégia insuperável de Criação Publicitária (ainda que não diga coisa alguma).” (NEGRI, 2011, p. 21). Assim, a proposta da metáfora multimodal, que analisa um texto em diferentes ângulos – e não apenas no plano prototípico da metáfora, que é a forma verbal – permite-nos analisar como imagem e texto atuam de forma complementar, auxiliando na construção do sentido. É justamente por meio desses recursos, de suas diferentes formas de atração e emoção, que o discurso publicitário procura provocar reações de natureza atitudinal e comportamental em seu público-alvo. E, para atingir as pessoas, é preciso traçar verdadeiras experiências com elas, entrando em seus modelos de percepção e cultura. 5.4 MODELOS CULTURAIS Na teoria proposta por Lakoff e Johnson, em que desenvolvemos nossa linguagem a partir de nossas próprias experiências, encontramos um forte elemento cultural. Isso porque nossas experiências, que originam os nossos conceitos de mundo, partem, justamente, de nossas orientações físicas e espaciais, e de nossas vivências culturais. Lakoff e Johnson 74 acreditam que “a estrutura dos nossos conceitos espaciais emerge da nossa constante experiência espacial, isto é, da nossa interação com o ambiente físico.” (2002, p. 128). Mesmo acreditando que os conceitos são fundamentados por vários tipos de experiência – emocional, social e cultural, Lakoff e Johnson afirmam que “habitualmente conceptualizamos experiências não físicas em termos de experiência física” (2002, p. 131). O que conclui-se a partir das ideias apresentadas pelos autores é que as experiências físicas são mais facilmente delineadas e dão a base para as demais sensações. Essas experiências cotidianas, que estão fortemente ligadas aos valores apreendidos de uma determinada cultura, originam nossa estruturação metafórica. Roger Kessing (1987, p. 370), em seus estudos, aborda como as metáforas convencionais despertaram grande interesse no estudo da antropologia cognitiva e sua crescente preocupação com os modelos culturais. Ele apresenta as pesquisas das metáforas convencionais feitos por Lakoff e Johnson através de uma visão da linguagem baseada por termos que são usados na nossa maneira de falar todos os dias, ou seja, na nossa experiência. Os esquemas metafóricos apresentados por Lakoff e Johnson estabelecem o universo do discurso e definem que tipos de paradigmas estão presentes e conceitualizados em cada modelo cultural. São formas de mostrar como as pessoas vivem e como elas interpretam as suas vidas. Segundo Kessing, Um esquema metafórico, estabelecendo um universo do discurso em termos de outro universo de discurso (O AMOR É UMA VIAGEM, TEMPO É DINHEIRO), na realidade define que tipo de paradigma tem sido caracterizado [...] como um modelo cultural ou 49 popular. (1987, p. 386). Kessing, porém, faz um questionamento sobre as metáforas e os esquemas representados por essas construções ou comparações que envolvem as nossas emoções, avaliando se elas realmente refletem a nossa experiência. O autor formula a seguinte pergunta: Até onde as metáforas convencionais e esquemas que elas expressam são constituintes de nossa experiência? Esquemas variados, seja de emoção, tempo, causalidade, as relações sociais, e assim por diante, refletem os modos contrastantes de experiência subjetiva de pensamento e percepção - ou refletem simplesmente as diferentes convenções para falar sobre o mundo, como criaturas com nossos cérebros humanos e equipamentos sensoriais e corpos para experimentá-lo? Não há 50 uma resposta simples. (KESSING, 1987, p. 386). 49 Do original: “A metaphorical schema, establishing a universe of discourse in terms of another universe of discourse (LOVE IS A JOURNEY, TIME IS MONEY), in effect defines the kind of paradigm that has been conceptualized here as a folk or cultural model.” 50 Do original: “To what extent are conventional metaphors, and schemas they express, constitutive of our experience? Do varying schemas, whether of emotion, time, causality, social relationships, and so on, reflect constrasting modes of subjective experience, of thought and perception – or of simply different conventions or talking about the world, as creatures with our human brains and sensory equipment and bodies experience it? 75 Ao lançar essas dúvidas, Kessing introduz a ideia de que o trabalho etnográfico precisa ir além das observações das metáforas convencionais e da classificação popular. O autor avalia que, para termos as intuições necessárias dos falantes nativos de uma língua, é preciso ter um conhecimento mais profundo, que vai além do trabalho de observação dessa língua. Segundo ele, a concepção de uma cultura precisa levar em conta “a produção, controle, 51 distribuição e força ideológica do conhecimento cultural” (1987, p. 388). Para Kessing, os antropólogos precisam ser extremamente cuidadosos na hora de incorporar os sistemas cognitivos que desejam mapear. De acordo com essa teorização, as metáforas só terão sentido se fizerem parte do contexto de um determinado sistema social, no qual as pessoas constroem seus discursos a partir daquilo que sabem para a significação do seu próprio mundo. Na afirmação de Kessing (1987, p. 389), “A exploração de modelos conceituais, metáforas, construção e co-construção de sentido, de como o que vemos é constituído por aquilo que sabemos, podem contribuir de 52 forma importante para um entendimento maior dos seres humanos nas sociedades.” (1987, p. 389). Feltes (2007), ao se aprofundar no estudo da semântica cognitiva, concluiu que a mente e o “mundo” são conceitos interligados. A autora faz a seguinte avaliação: Modelos cognitivos são construtos idealizados porque, em primeiro lugar, não precisam se ajustar necessária e perfeitamente ao mundo. Isso se justifica pelo fato de que, sendo resultado da mesma interação do aparato cognitivo humano e realidade - via experiência -, o que consta num modelo cognitivo é determinado por necessidades, propósitos, valores, crenças, etc. Em segundo lugar, podem-se construir diferentes modelos para o entendimento de uma mesma situação, e esses modelos podem ser, inclusive, contraditórios entre si. Os modelos, portanto, são o resultado da atividade humana, cognitivo-experiencialmente determinada, resultado da capacidade de categorização humana. (2007, p. 89) Feltes também acredita que “os Modelos Cognitivos devem ser entendidos, em alguns contextos, como modelos culturais, à medida que o sistema conceptual humano e as categorias por ele geradas são, ao mesmo tempo, cognitivas e culturais.” (2007, p. 90). Naomi Quinn e Dorothy Holland, ao relacionarem cultura e cognição, tentam especificar como a organização cognitiva pode estar relacionada com a maneira com que as pessoas pensam e agem. Para tanto, elas definem modelos culturais como sendo There is no simple answer.” 51 Do original: “The production, control, distribution, and ideological force of cultural kwowledge.” 52 Do original: “Exploration of conceptual models, of metaphors, of the construction and co-construction of meaning, of how what we see is constituted by what we know, can contribute importantly to an emerging composite understanding of humans-in-societies.” 76 “pressupostos, tomados como certos modelos do mundo, que são amplamente compartilhados pelos membros de uma sociedade e que desempenham um papel enorme em sua compreensão 53 do mundo e no seu comportamento no mesmo”. (1987, p. 4). Claudia Strauss (1992, p. 1), em seu estudo sobre motivos humanos e modelos culturais, defende que a motivação depende de mensagens culturais e realiza-se na interação social. Porém, a motivação não é obtida automaticamente quando as mensagens culturais são transmitidas. É por isso que Strauss propõe a investigação de esquemas ou modelos cognitivos, dentro de contextos culturais que estão ligados entre si. Esses modelos, de acordo com a autora, podem ter força motivacional porque não apenas descrevem o mundo, mas também estabelecem objetivos e incluem desejos. (1992, p. 3). Strauss e Quinn, por sua vez, relacionam a teoria cognitiva ao significado da cultura. De acordo com as autoras, esse significado é baseado em esquemas culturais e pode variar de uma pessoa para outra, levando em conta as suas experiências vividas. Entender esse significado, portanto, implica em compreender as diferentes histórias de vida das pessoas. Elas argumentam que a cultura, nessa formulação, consiste em uma ocorrência regular, na qual as pessoas dividem suas impressões e esquemas de mundo. Nos termos das autoras, “um 54 esquema é cultural na medida em que é o produto de experiências humanamente mediadas.” (1997, p. 7). A cultura, dessa forma, é apreendida através de nossas experiências compartilhadas. Strauss e Quinn (1997, p. 49) explicam também que na ciência cognitiva, esses esquemas – ou modelos culturais – são mediados por estruturas mentais apreendidas ou inatas. Essas estruturas têm a função de organizar e orientar a interpretação do conhecimento. Segundo elas, um grande número desses esquemas é cultural, pois é possível compartilhar esses modelos com outras pessoas que tiveram experiências similares, mas não com todas as pessoas. Na sua análise sobre as metáforas da cultura, Kövecses conclui que existe uma ligação estreita entre as metáforas e os modelos culturais. Segundo ele, “os modelos culturais são importantes em nossas tentativas de descrever e caracterizar o sistema conceptual humano e, 55 portanto, as culturas.” (2005, p. 193). O autor descreve os modelos culturais como os melhores meios de conceber as organizações coerentes da experiência humana, que são 53 Do original: “Presupposed, taken-for-granted models of the world that are widely shared by the members of a society and that play an enormous role in their understanding of that world and their behavior in it.” 54 Do original: “A schema is cultural to the extent that is the product of humanly mediated experiences.” 55 Do original: “Cultural models are important in our attempts to describe and characterize the human conceptual system and, hence, cultures.” 77 compartilhadas entre as pessoas. Compartilhar as mesmas experiências que o público-alvo de uma campanha é fundamental para que ela obtenha o sucesso almejado. Santaella e Nöth defendem que mercadorias são como signos: “o pressuposto básico é que as mercadorias são objetos percebidos pelos consumidores de várias perceptivas ou, na terminologia das ciências 56 cognitivas, com base em várias molduras.” (2010, p. 57). Entre essas molduras apontadas pelos autores, eles destacam como prototípicas a utilitária, a comercial e a sociocultural. Segundo eles, essa moldura ou signo sociocultural é uma importante estratégia para a publicidade. Os autores observam que: “o anunciante que apresenta e o consumidor que percebe uma mercadoria como um signo sociocultural correlaciona o produto com o grupo social ou cultura que, sob seus pontos de vista, estão tipicamente associados com ele”. (2010, p. 62). Isso explicaria o fato de que a moldura em que se insere determinado argumento publicitário pode funcionar para um público e não estabelecer nenhum vínculo com outro. Isso porque se os consumidores não tiverem familiaridade com o tema abordado na peça publicitária, a mensagem não será absorvida por eles. Nesta pesquisa, nossa proposta é analisar a linguagem dos anúncios de prevenção de HIV/Aids em seus diferentes contextos e molduras. Para isso, utilizamos modelos teóricos no campo da Linguística Cognitiva, através dos conceitos de multimodalidade, metáforas, metonímias e modelos culturais. Além disso, analisamos como os aspectos visuais são utilizados na publicidade para buscar a atratividade das peças, dentro de um universo em que o consumidor é bombardeado por inúmeros tipos de mensagens cotidianamente. Investigamos, ainda, como esses recursos podem auxiliar na persuasão das peças. 56 Na obra citada nesta pesquisa, Santaella e Nöth definem a moldura da publicidade como a representação dos principais elementos de nosso conhecimento sobre o gênero textual e nossa expectativa sobre uma publicidade típica. Os autores tomam por base a conceituação de moldura proposta por Van Dijk (1977, p. 159): “um princípio organizador que relaciona um número de conceitos que, por convenção e experiência, de algum modo, forma uma unidade que pode ser atualizada em várias tarefas cognitivas”. 78 6 MÉTODO, PROCEDIMENTOS, ANÁLISE DO CORPUS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Este capítulo é dedicado à caracterização do método, à descrição dos procedimentos e às análises do corpus, constituído de peças de campanhas de prevenção de HIV/Aids, utilizando principalmente o aporte teórico da Linguística Cognitiva e dos estudos da multimodalidade. São analisados elementos verbais e não verbais que apresentam, em cada contexto, modelos culturais, atitudinais e comportamentais. Além disso, a investigação busca identificar relações existentes com aspectos da regionalidade e sua importância para os objetivos publicitários de atração, convencimento e mudanças de atitude ou comportamento. Ao final do capítulo, realiza-se a discussão dos resultados. 6.1 MÉTODO: PESQUISA QUALITATIVA A PARTIR DE CORPUS MULTIMODAL De acordo com Irene Mittelberg (2007, p. 225), a multimodalidade abrange dois modos de expressão e, no mínimo, dois modos de interpretação. Para a autora, quando a linguagem e os gestos são usados concomitantemente, o corpo de quem fala revela atitudes e emoções, que ela define como articuladores linguísticos. Já o destinatário da mensagem precisa colocar em prática a audição e a visão para poder entender o que o interlocutor está tentando dizer. Da mesma forma, uma análise baseada em corpus precisa olhar a fundo para as diversas relações presentes no texto, na imagem e na contextualização desse composto. Nesta investigação, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa a partir de corpus multimodal (e.g., MITTELBERG, 2007). O corpus é composto por diferentes campanhas de prevenção de HIV/Aids lançadas por órgãos de saúde públicos em regiões brasileiras distintas. A análise visa comparar os recursos da linguagem multimodal (verbal e não verbal) utilizados e a realidade da época e de cada cultura, às quais as campanhas nos remetem. A utilização de corpus ou corpora é vista positivamente por John Newman (2011, p. 521), que reforça a importância desse recurso para a pesquisa em Linguística Cognitiva: 57 “corpora é uma fonte natural de dados para a Linguística Cognitiva” . Segundo ele, são os 57 Do original: “Corpora are a natural source of data for cognitive linguists.” 79 corpora que refletem „o uso‟ da língua, noção que é frequentemente apontada como tendo importância fundamental para o campo dessa disciplina. Em outro estudo, Luciane Ferreira (2014, p. 136) também argumenta que “uma pesquisa baseada em corpus nos possibilita detectar mais rapidamente padrões de uso da linguagem do que o uso da intuição ou o estudo de textos isolados”. As análises deste projeto foram feitas sob a perspectiva de um leitor ideal, no caso, o analista com formação teórica e que segue determinados procedimentos analíticos, aquele que consegue apreender a mensagem global, intelectual e emocionalmente. Porém, sabemos que o leitor real tem outro tipo de comportamento, podendo atentar para determinados elementos da mensagem em detrimento de outros. Para examinar com exatidão esse tipo de leitura, situada em leitores empíricos, seria necessário um estudo de campo ou experimental, para cujo planejamento a presente investigação exploratória pode oferecer importantes insights. 6.2 DESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DO CORPUS Para análise do corpus desta pesquisa, é seguido o modelo desenvolvido por Feltes e Gambin (2012) e Gambin (2014). Partindo desse padrão, extraímos de cada peça seus 58 elementos pictóricos e verbais, estabelecendo Frames que separam os aspectos cognitivos, culturais e regionais de cada unidade que compõe o corpus do presente trabalho. Utilizando um dos anúncios a serem analisados nesta dissertação, exemplificamos o procedimento de decomposição nas Figuras 1 e 2. No exemplo da Figura 1, a peça foi decomposta pelos seguintes Frames: Frame 1 – que corresponde ao título/chamada principal da peça; Frame 2 – apresenta o corpo do texto, reforçando o sentido da peça e seus argumentos mais gerais; Frame 3 – destaca a imagem central do anúncio: o casal; Frame 4 – é o fundo que ancora a conceitualização da peça: as bandeiras da festa junina; Frame 5 – corresponde às cores usadas na peça; Frame 6 – apresenta a tipologia: as fontes escolhidas para dar forma à mensagem e Frame 7 – que destaca as marcas/instituições que assinam o anúncio. Há outros casos do corpus em que o número de Frames é ampliado ou reduzido, pois ele corresponde aos elementos que compõem cada peça a ser analisada. 58 O termo „Frames‟ usado nesta análise se refere ao recorte de imagens e textos através de software de edição de imagens, diferentemente dos constructos frames, que são, de acordo com a Linguística Cognitiva, modelos cognitivos proposicionais. 80 Figura 1 – Campanha “Xamêgo bom, só com camisinha” Fonte: http://campinagrandepb.com.br/campanha-de-prevencao-as-dst-e-aids-vai-distribuir-mais-de- 500-mil-preservativos-no-sao-joao/ Figura 2 – Modelo de decomposição Fonte: Modelo criado pela autora desta dissertação. 81 O procedimento de análise desenvolvido nesta dissertação obedece aos seguintes passos: (1º) Seleção do corpus Neste projeto, optamos por analisar peças relevantes nas campanhas preventivas. O cartaz, por exemplo, é uma peça considerada estratégica, pois ele pode ser utilizado nos mais diversos locais de circulação do público-alvo, como postos de saúde, clínicas, hospitais, escolas, centros culturais, entre outros. Além disso, consideramos o cartaz uma peça fundamental para a análise, pois ele apresenta a linha criativa da campanha de uma forma muito concisa e, mesmo assim, proporciona um entendimento abrangente sobre a mensagem que se deseja transmitir. Num descritivo sobre as funções do cartaz, Abraham Moles (1987) apresenta a importância da informação, da própria publicidade, do caráter educador, da ambiência, da estética e da criação, dentro do cenário urbano e cultural, como características que definem o cartaz. O autor afirma que “o cartaz é um elemento da vida cotidiana de países capitalistas, povoa a cidade de imagens e cria nosso ambiente.” (1987, p. 67). Hoje, com o surgimento de novas mídias e novas tecnologias, outro elemento que se insere no cotidiano dos grandes centros urbanos é caracterizado pelo outdoor. Em algumas das campanhas selecionadas para compor o corpus desta pesquisa, a imagem do cartaz não estava disponibilizada pela internet. Então, optamos por acrescentar o outdoor, justamente pela sua proximidade com os objetivos do cartaz. Ambos requerem uma objetividade bastante grande para a produção da mensagem e caracterizam-se como mídias urbanas, amplamente divulgadas nos grandes centros populacionais do país. Na obra de Arens, Schaefer e Weigold, os autores apresentam a mídia exterior (out of home) como a propaganda feita para os consumidores quando eles estão fora de casa, como anúncios em ônibus, táxis e metrôs, entre outros. De acordo com os autores, “a mídia exterior, que se refere a toda e qualquer mídia que tem impacto sobre as pessoas a partir do momento em que elas saem de casa, está entre os segmentos de publicidade que mais têm crescido em importância e percepção nos últimos anos.” (2013, p. 365). Marcélia Lupetti (2009, p. 92), em sua divisão sobre os meios de comunicação existentes, faz a seguinte classificação: Meios visuais, para serem lidos ou vistos: - Imprensa: jornais, revistas, periódicos. - Propaganda ao ar livre: outdoor, cartazes, painéis, luminosos etc. - Folheto em geral: catálogos, folders, house organs, mala direta. - Exibições: display, vitrine, exposições, faixas de gôndola. 82 A caracterização proposta pela autora reforça nossa escolha nessa categoria. Lupetti segue fazendo a separação de meios auditivos, audiovisuais e funcionais, e afirma que a combinação de diferentes meios torna a comunicação mais eficaz. Elisa Piedras (2009) analisa a publicidade como um fluxo de anúncios que possui uma sequência. Ela pressupõe que há um nível genérico que pode ser percebido nos diferentes meios e suportes em que os anúncios são veiculados. De acordo com essa teoria, “em termos de uma campanha específica, a forma e o conceito usados na televisão – ou em qualquer outro meio – são transpostos para os demais suportes, preservando a unidade entre os anúncios.” (2009, p. 96). Dessa forma, optou-se por não inserir no corpus de análise outros meios, como rádio (jingles e spots), televisão (vts), ou mídias sociais, pois a essência da mensagem seria fundamentalmente a mesma. Para esta pesquisa exploratória selecionamos oito cartazes e dois outdoors que fazem parte de campanhas lançadas entre os anos de 2009 a 2015, divididas entre campanhas lançadas pelo Ministério da Saúde, em âmbito nacional, e também por outros órgãos ligados à área, em um nível mais localizado regionalmente. Com isso, acreditamos que seja possível estabelecer as relações propostas nesta pesquisa, investigando cada uma das peças escolhidas em seus aspectos linguísticos, culturais, sociais e regionais. (2º) Tratamento do corpus Para análise do corpus, selecionamos e recortamos cada elemento integrante da peça através de um software de editoração de imagens, o Adobe Photoshop, que permite realizar essa separação. O procedimento para esta investigação é estruturado pela identificação e decomposição de cada Frame pelo seu correspondente na peça. É fundamental ressaltar, entretanto, que, embora a percepção da peça seja realizada, efetivamente, de forma gestáltica, guiada por princípios da percepção, os quais orientam a compreensão da mensagem, o procedimento pretende dar conta de todos os elementos, independentemente dos fatores de percepção que geram, no público-alvo, suas reações. Foi em função disso que estabelecemos esse procedimento, fazendo a distinção e isolando (graficamente) cada elemento a ser analisado, sem com isso nos comprometermos, teórica e epistemologicamente, com uma 59 abordagem decomposicional da própria percepção. 59 Uma abordagem alternativa para as análises seria a Teoria das Mesclagens. Porém, este não foi o modelo teórico eleito para esta investigação. 83 (3º) Análise de modelos cognitivos metafóricos e metonímicos A análise de modelos cognitivos metafóricos e metonímicos conceptuais, de metáforas e metonímias multimodais segue a técnica desenvolvida por Feltes e Gambin (2012, p. 243) e Gambin (2014). Esta segue os seguintes passos: a) Análise da linguagem verbal em seus aspectos dialetais (sociais e regionais). b) Análise da ênfase dada na linguagem das campanhas: sexualidade, utilização de camisinha ou outras abordagens. c) Análise da linguagem não verbal traduzida pelo layout: escolha de imagens, fundo, cores, fontes e demais elementos ilustrativos. (4º) Análise comparativa de padrões regionais na multimodalidade O corpus selecionado foi escolhido pela diversidade que apresenta. Tratam-se de peças de diferentes regiões do Brasil, para diferentes públicos, o que nos permite traçar comparações entre os padrões existentes em cada uma delas. Esta investigação é feita através da perspectiva da multimodalidade, observando os diferentes elementos que compõem o layout, tanto a linguagem verbal, como a não verbal, representada pelas imagens. (5º) Construção de modelos culturais A análise também tem por objetivo a identificação dos diferentes modelos culturais apresentados em cada uma das peças publicitárias que formam o corpus. Strauss e Quinn (1977) defendem que o significado da cultura, como um estado cognitivo-emocional, é formado quando um grupo de pessoas compartilha as mesmas estruturas, os mesmos objetos e os mesmos eventos em seu mundo. A publicidade é um gênero da comunicação que, necessariamente, precisa se utilizar desses mecanismos da cultura que fazem parte do cotidiano das pessoas. Por isso, ela pode ser caracterizada como uma ferramenta da comunicação humana que reflete o pensamento de uma sociedade. (6º) Discussão sobre o papel de fatores regionais/identitários para a eficácia das mensagens. Esta dissertação tem por objetivo final a discussão dos fatores culturais, regionais e de identidade que compõem as campanhas analisadas e sua eficácia na construção de mensagens que causem impacto e provoquem uma reação em seus leitores. Para entender a importância da regionalização no segmento da saúde, seguimos a conceitualização defendida por Pozenato (2003). O autor faz uma diferenciação entre os 84 conceitos de regionalidade, regionalismo e regionalização. Para ele, a regionalidade pode ser entendida como a identificação e descrição de uma dada região. O autor afirma que “o regionalismo pode ser identificado como uma espécie particular de relações de regionalidade: aquelas em que o objetivo é o de criar um espaço – simbólico, bem entendido – com base no critério da exclusão.” (2003, p. 155). Já a regionalização, que é um conceito bastante utilizado para a área da saúde, é definida por Pozenato como “um programa de ação voltado para o estabelecimento ou reforço de relações concretas e formais dentro de um espaço que vai sendo delimitado pela própria rede de relações operativas que vai sendo estabelecida.” (2003, p. 155). Ele reitera que isso inclui, primordialmente, uma estratégia de desenvolvimento de instrumentos específicos de gestão, que devem seguir um programa político. Ao estabelecer políticas de saúde com base nesse conceito de regionalização, é preciso, necessariamente, saber se comunicar com essa cultura, aproximando-se das pessoas que nela habitam, estabelecendo vínculos e, assim, criando uma linguagem capaz de chegar até elas. 6.3 ANÁLISE DO CORPUS Nesta seção apresenta-se detalhadamente a análise do corpus desta pesquisa. Inicialmente, faz-se uma breve contextualização da campanha em que se insere cada uma das peças selecionadas para, então, realizar a análise por Frames, de acordo com o que já foi exposto anteriormente. Para as análises, segue-se a ordem cronológica de produção das campanhas. Além dos autores revisados nos capítulos anteriores, são referidos, conforme necessário, outros autores que tratam de elementos específicos que compõem as imagens visuais. 6.3.1 Viver com Aids é possível. Com o preconceito não – OUT1 A campanha do Ministério da Saúde para o Dia Mundial de Luta contra a Aids de 2009 tinha como tema central o preconceito e a discriminação enfrentados pelas pessoas que 60 viviam com Aids. As peças da campanha usaram imagens de beijos, um forte símbolo de amor e amizade que, no campo da Aids, assume outras conotações: o beijo mostra que não se 60 Informações retiradas do Ministério da Saúde/Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais: www.aids.gov.br/campanhas/2009/38266. Acesso em: 19 abr. 2015. 85 transmite HIV dessa forma e que as pessoas que vivem com HIV/Aids podem e devem se relacionar com as demais. Quem vive com HIV/Aids pode trabalhar, estudar, praticar esportes, namorar e fazer sexo com camisinha, como todo mundo, mas precisa se adaptar às rotinas de consultas e medicamentos. Porém, o mais difícil é ter que conviver com o preconceito. Para a campanha, foram utilizadas mídias como TV, rádio, internet, outdoor, além de cartazes e fôlderes. Para esta análise, concentramo-nos no outdoor. Figura 3 – Um deles tem HIV. O outro sabe. Fonte: http://www.aids.gov.br/campanhas/2009/38266 Quadro 7 – Decomposição do outdoor: “Um deles tem HIV” – OUT1 Fonte: Quadro criado pela autora desta dissertação. 86 a) Análise do modo verbal O título, ou chamada, é definido por Negri como “uma oração inicial, geralmente disposta um pouco abaixo da margem superior de anúncios publicitários idealizados para mídia impressa, apenas, a fim de encabeçar o desenvolvimento escrito dessas peças como que pré-sintetizando o que virá a seguir.” (2011, p. 52). A função do título é justamente chamar a atenção para a peça, provocando o leitor para a leitura. O título, então, é um elemento-chave para a redação das peças publicitárias. No Frame OUT1-1, destacamos o título principal do outdoor, que está dividido em duas orações: “Um deles tem Aids. O outro sabe.” Escrito de forma muito enfática, esse enunciado apresenta, em seu sentido mais profundo, a ideia de que é possível conviver com alguém que possui Aids. Nesse caso, o título só se completa de forma satisfatória se for lido junto à imagem, em que um casal heterossexual aparece se beijando. Ainda segundo Negri, “o texto é o desdobramento da mensagem escrita em uma peça publicitária” (2011, p. 54). No texto, é que se desenvolvem as informações e características do produto que está sendo anunciado, sempre observando que esse texto deve complementar o que já foi dito na chamada. No exemplo decomposto no Frame OUT1-2, o texto faz uma espécie de fechamento da ideia apresentada no título: “Viver com Aids é possível. Com o preconceito não”. Nesse enunciado, ocorre uma projeção metonímica em que a Aids representa a própria pessoa. Ao salientar que viver com Aids é possível, está se dizendo que a síndrome não mata, e que se pode viver com ela levando uma vida de forma normal. Porém, a pior consequência para quem é portador do vírus não é especialmente a Aids, mas o preconceito das pessoas, que acabam se afastando. b) Análise do modo não verbal Segundo Arens, Schaefer e Weigold (2013, p. 233), a maioria das pessoas, ao se deparar com um anúncio, primeiro olha para a imagem. Somente depois é que lê a chamada e o corpo do texto. De acordo com a teoria, os elementos visuais detêm uma relevância muito grande para o impacto e o sucesso das campanhas. Esses autores afirmam também que “o aspecto não verbal de um anúncio contém pelo menos metade do peso da comunicação: ele ajuda a posicionar o produto e a criar uma personalidade para a marca.” (2013, p. 224). Essa atmosfera gerada pelo anúncio vai determinar a forma como ele é percebido pelo público e irá favorecer a compreensão da mensagem verbal. Como vemos no Frame OUT1-3, a imagem do beijo do casal complementa a chamada, caracterizando-se, possivelmente, por uma metonímia, em que BEIJO é tomado 87 metonimicamente como AFETO. Nessa leitura, podemos interpretar que o portador de HIV pode relacionar-se afetivamente, e que o contato com o portador não deveria ser evitado. Numa leitura mais literal, a imagem pode apenas referir que o vírus não é transmitido pelo beijo. Nesse caso, o enfoque da campanha não foi a prevenção, mas o combate ao preconceito. Na foto, o que se destacou foi justamente o beijo, o rosto, os olhos cerrados, a expressão carinhosa, suas bocas trocando fluidos. Certamente, um gesto que para muitos parece não ser apropriado, devido ao preconceito e ao medo de contrair a doença. A campanha tenta desmistificar essa ideia através, justamente, dessa parte do corpo: a boca. Essa foto, portanto, também traduz uma metonímia que destaca uma parte pelo todo. Ou seja, a boca representa a possibilidade de dar e receber afeto de quem tem a doença, sem correr o risco de contrair o vírus. Por ser utilizado num outdoor, um material dinâmico e de leitura rápida, imagem e texto atuam de forma complementar e ajudam a causar o impacto necessário para a mensagem de que não é preciso ter medo de contrair Aids através de um beijo ou de qualquer outra forma de carinho. As peças complementares da campanha instruem sobre prevenção e formas de contágio. No Frame OUT1-4 aparece o selo do Dia Mundial de Luta contra a Aids: um símbolo em forma de laço e na cor vermelha. O projeto do laço foi criado em 1991, pela Visual Aids, grupo de profissionais de arte, de New York, que queriam homenagear amigos e colegas que 61 haviam morrido ou estavam morrendo de Aids. O laço vermelho é o símbolo internacional da consciência sobre o HIV e a Aids, e também um símbolo de esperança e apoio, e é usado por um número cada vez maior de pessoas em todo o mundo para demonstrar sua preocupação com a epidemia, além de expressar visualmente solidariedade com aqueles que vivem com o vírus. Serafini afirma que “as conexões entre símbolo e significado são construídas em seus 62 contextos sociais de uso, e convencionalizadas ao longo do tempo.” (2014). O laço virou uma convenção de união e traduz um elo entre dois elementos distintos. Nessa representação da luta contra a Aids, esse signo é caracterizado por uma projeção metonímica que liga todas as pessoas portadoras do vírus. A cor vermelha também pode ser interpretada como uma metonímia que parte do sangue de cada um e remete à paixão e solidariedade em torno dos portadores. 61 De acordo com informações do site: http://www.aidshiv.com.br/porque-o-laco-vermelho-como-simbolo/. O site é um canal de comunicação independente sobre a doença. Acesso em: 19 abr. 2015. 62 Do original: “The connexions between symbol and meaning are constructed in the social contexts of their use, and conventionalized over time.” 88 No Frame OUT1-5, a peça foi replicada para uma análise de seu padrão cromático. Verifica-se que, de uma maneira geral, as cores escolhidas são fortes e vibrantes, destacando- se os tons de vermelho. A peça também possui algumas palavras-chave nessa cor vermelha, que se diferenciam das demais. Lupetti afirma que “a cor vermelha é atraente, estimuladora e motivadora. Pode ser utilizada em peças publicitárias cujos produtos queiram transmitir calor, energia.” (2009, p. 13). Acreditamos que, nessa imagem, o beijo transmite exatamente esse momento de calor e troca de energia. Então, a cor vermelha também pode reproduzir uma projeção metonímica dessas sensações. Lucia Santaella e Winfried Nöth destacam que um ponto fundamental a ser considerado em uma peça publicitária são as primeiras impressões e sensações transmitidas para as pessoas. Segundo eles, “essa impressão, que brota de uma primeira olhada, pode ir do extremo da atração irresistível até o outro extremo da repulsa, ou repousar na indiferença.” (2010, p. 174). Os autores argumentam que esse efeito é gerado por características qualitativas que a mensagem apresenta aos nossos sentidos. Qualidades como cores, luminosidade, atmosfera, textura, formas são absorvidas em seu conjunto. Porém, Santaella e Nöth também argumentam que os efeitos qualitativos não se restringem a essas primeiras impressões. Segundo eles: Cores vibrantes e quentes excitam os sentidos, enquanto cores frias os acalmam. Linhas horizontais e flexíveis descansam, enquanto linhas fragmentadas ou contorcidas incitam. Formas harmônicas produzem sensações de equilíbrio, enquanto colisões repentinas de formas provocam tensão e energia. (2010, p. 175). O grande atrativo no padrão visual da peça são as faces do casal que, assim, em close, chamam muito a atenção. As fontes usadas no Frame OUT1-6 também inserem essa energia, personalidade e destaque à campanha, já que aparecem em letra maiúscula (caixa alta) e com traços bem definidos. Segundo Arens, Schaefer e Weigold, “os quatro critérios principais para escolher uma fonte são legibilidade, adequabilidade, harmonia ou aparência e ênfase.” (2013, p. 260). A peça analisada apresenta esses fatores com um importante diferencial: estabelece um equilíbrio entre os modos verbal e não verbal. Também é fundamental ressaltar a frase colocada no canto direito do outdoor, posicionada verticalmente, que contém a seguinte explicação: “Este caso é real. Uma dessas pessoas vive com HIV”. Mesmo sem muito destaque na peça, esta informação insere uma característica importante na campanha: a construção de uma realidade. Rocha aborda que, em um anúncio, existe sempre um sistema de transformação, em que o consumidor incorpora a mensagem para o seu próprio mundo. Na definição do autor, “é do jogo de transformações 89 recíprocas entre a vida e as definições de vida presentes no sistema publicitário que se extrai o sentido de „concretude‟, a significação de „verdade‟ da mensagem dos anúncios.” (1985, p. 100). Neste caso do OUT1, a realidade deixa de ser uma simples representação. Ela aparece como uma realidade concreta, convincente e natural. A campanha é assinada (Frame OUT1-7) pelo SUS, Ministério da Saúde e Governo Federal do Brasil. As instituições são as mais representativas na área da saúde pública, o que pode acarretar no fortalecimento da relevância da campanha/mensagem. 6.3.2 Sem camisinha não dá – CAR1 63 De acordo com as informações do Ministério da Saúde , a campanha, lançada para os festejos de carnaval de 2011, foi direcionada a mulheres na faixa etária de 15 a 24 anos, das classes C, D e E. Esse recorte de público é resultado da análise de dados epidemiológicos que apontam para uma feminização da epidemia, com maior atenção à faixa etária de 13 a 19 anos. A campanha, assinada pelo SUS, pela Secretaria de Políticas para as Mulheres e pelo Ministério da Saúde, teve por objetivo incentivar a adoção do uso do preservativo entre as garotas e, para aquelas que desconhecem seu status sorológico para o HIV, informa sobre a praticidade, gratuidade e confidencialidade do exame de Aids, sífilis e hepatite viral no serviço de saúde. O desafio foi estimular a negociação do uso do preservativo diante da falsa percepção de segurança em relação ao parceiro (pela aparência ou pelo pertencimento ao mesmo grupo de amigos) ou da negação do preservativo como prova de amor. Segundo o Ministério da Saúde, nesta campanha buscou-se o foco positivo, exaltando a participação da mulher na negociação do uso do preservativo. A campanha foi composta de filmes para veiculação em televisão, jingle (rádio) e materiais gráficos. Neste estudo analisamos uma das peças gráficas criadas: um cartaz. 63 Dados disponíveis em: www.aids.gov.br/campanha/carnaval-2011. Acesso em: 11 abr. 2015. 90 Figura 4 – Sem camisinha não dá – CAR1 Fonte: http://www.aids.gov.br/campanha/carnaval-2011 Quadro 8 – Decomposição do cartaz - CAR1 Fonte: Quadro criado pela autora desta dissertação. 91 a) Análise do modo verbal No Frame CAR1-1, observando mais atentamente a chamada principal “Sem camisinha não dá”, propositalmente ambígua, temos as seguintes interpretações: - Metáfora que parte do domínio-fonte de entregar algo a alguém. Nesse caso, o domínio-alvo é entregar o próprio corpo. A expressão “dar” é amplamente compartilhada por adolescentes como sinônimo de aceitar e praticar o ato sexual. A chamada principal do cartaz explora esse modelo cultural, enfatizando o “não dá”. Ou seja, o ato sexual é uma doação, que só pode ser feita se for com o uso de camisinha. - Esse enunciado também designa um mapeamento metonímico ao relacionarmos uma parte do corpo pelo todo. Nesse caso, ao associarmos ao ato sexual, as partes envolvidas são, mais especificamente, os genitais. - A partir desse cartaz, podemos inferir a seguinte metáfora conceitual: O CORPO E SUAS PARTES SÃO OBJETOS, que podem ser doados, entregues e partilhados com alguém. - A expressão também parece ressaltar o poder feminino, que tem em suas mãos a opção de apenas seduzir – mas não ceder aos apelos masculinos. O verbo „poder‟, nesse caso, significa „não deve‟. Nesse sentido, a chamada é ambígua, sendo comunicados simultaneamente dois significados: Não faça sexo (não dê seu órgão genital) sem camisinha e Sem camisinha não deve haver sexo. No Frame CAR1-2 observamos o seguinte texto: “Seja qual for a fantasia, use sempre camisinha”. Nesse enunciado, a “fantasia” também apresenta duplo sentido: tanto se refere à fantasia carnavalesca, vestimentas comumente utilizadas para esse tipo de festa, reforçada pela imagem, como se verá a seguir; como à fantasia erótica, relacionada ao ato sexual. b) Análise do modo não verbal Na imagem central da campanha (Frame CAR1-3) o que mais chama a atenção é o fato de ser uma garota muito jovem, que aparece com o peito nu, coberto apenas por camisinhas de variadas cores. Um olhar mais atento nos mostra que a moça está com uma fantasia de carnaval: seus cabelos em trança, o adorno na cabeça, a pintura no rosto e a roupa (simbolizada pelas camisinhas) referem-se a uma vestimenta de uma mulher de tribo indígena. No carnaval, as fantasias são usadas como forma de transgressão. Stuart Hall, ao fazer uma abordagem sobre as metáforas de transformação para pensar a cultura, teoriza sobre essa noção de transgressão, afirmando que “o carnaval é a metáfora da suspensão e inversão temporária e sancionada da ordem, um tempo em que o baixo se torna alto e o alto, baixo, o 92 momento da reviravolta, do „mundo às avessas‟” (HALL, 2013, p. 247). No carnaval, em geral, as pessoas permitem-se experienciar algo diferente do que são. Hall acredita que exista também uma ligação entre o carnaval e novas fontes de energia, vida e vitalidade. Para o autor, “é este sentido de transbordamento de energia libidinal associada ao momento do „carnaval‟ que faz deste uma poderosa transformação social e simbólica.” (2013, p. 248). Na imagem da jovem, portanto, fica evidente uma projeção do carnaval como domínio-fonte, representando o domínio-alvo da transgressão sexual. A expressão da garota também tem duplo sentido: passa ingenuidade e, ao mesmo tempo, sedução. A imagem acaba reforçando o apelo ao corpo, deixando à mostra o colo da jovem. O uso das camisinhas coloridas, destacadas no Frame CAR1-4, como adornos da fantasia da garota, podem ser analisados sob diferentes aspectos. Primeiramente, essa escolha está ligada ao fato de a camisinha ser um elemento-chave para a proteção, que também aparece visualmente como um acessório importante na fantasia da garota. Nessa projeção visual, metonimicamente, a camisinha ganha um novo símbolo de proteção ao corpo feminino. Com cores vibrantes, em amarelo e vermelho, as camisinhas cobrem o corpo da moça, e fazem uma espécie de faixa em sua cabeça. Nos seios, a junção de cores forma uma flor, outro elemento que traz feminilidade à peça. Por outro lado, nessa disposição sobre os seios, remete à tentação, explorando a sedução feminina. No Frame CAR1-5, a textura do fundo acompanha a linguagem juvenil e carnavalesca da peça. Os efeitos reproduzem o formato das camisinhas, através de arabescos em forma de círculos. Esse fundo também parece reforçar a ideia de clima quente, alegórico e carnavalesco. A escolha das cores do cartaz, reproduzido no Frame CAR1-6, reforça a ideia de carnaval, em uma ampla gama de tonalidades bastante acentuadas e impactantes. Essas cores fortes representam um ambiente quente, como seria o ambiente carnavalesco. Os autores Arens, Schaefer e Weigold, ao refletirem sobre o impacto psicológico das cores, avaliam que a nacionalidade e a cultura são fatores que influenciam as preferências pelas cores. Eles ponderam que “as pessoas de países de clima mais quente são mais suscetíveis a cores quentes – vermelho, amarelo e laranja –, as quais tendem a estimular, entusiasmar e criar uma reação de ânimo.” (2013, p. 210). A fonte principal, que aparece no Frame CAR1-7 também introduz novas possibilidades de leitura. Por um lado, é marcante, apresenta uma sombra carregada e contrastante. De outro, é jovial e descontraída, com seu formato bem arredondado e corações para representar os sinais de acentuação. Trata-se de uma característica muito juvenil e 93 feminina. As representações gráficas de camisinhas que se juntam ao enunciado podem significar a fala ou o pensamento da garota sobre o conteúdo da chamada. De acordo com as marcas destacadas no Frame CAR1-8, a peça é assinada pelo SUS, Ministério da Saúde, Governo Federal do Brasil e também pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, órgão criado justamente para pensar nas carências do universo feminino na área da saúde. Pode-se considerar, portanto, um avanço para as políticas públicas do país a existência de um órgão voltado somente para as mulheres. 6.3.3 Camisinha é bom, bom, bom – OUT2 A campanha de prevenção de DST/HIV/Aids para o verão e o carnaval de 2011 foi 64 lançada pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) , através do Programa Estadual de DST/Aids. Teve como público-alvo os jovens em geral (mulheres e homens), entre 15 a 24 anos, com prioridade para as populações das classes C, D e E. As peças incluem outdoors, busdoors, hotsite, spots de rádio e filmes para a televisão, com o cantor Leandro Santana (Leo), que cedeu sua imagem gratuitamente para a campanha, interpretando uma versão da música "Rebolation", na qual incentiva o uso do preservativo nas relações sexuais. A peça analisada a seguir é o outdoor. Figura 5 – Camisinha é bom, bom, bom - OUT2 Fonte: Blog do cantor Leandro Santana: http://leandrosantanalo.blogspot.com.br 64 Dados disponíveis no site do Grupo Gay da Bahia: http://www.ggb.org.br/leo%20santana.html. Acesso em: 20 abr. 2015. 94 Quadro 9 – Decomposição do outdoor - OUT2 Fonte: Quadro criado pela autora desta dissertação. a) Análise do modo verbal A chamada, decomposta no Frame OUT2-1, faz a seguinte declaração: “Camisinha é Bom, Bom, Bom”. O título é, praticamente, uma reprodução do refrão da música “Rebolation” que enfatiza: “rebolation é bom, bom, bom”, gerando, portanto, uma relação imediata com a música e a mensagem transmitida por ela, relacionando a camisinha ao prazer do ato sexual. Além disso, essa repetição do termo „bom‟ pode ser interpretada como uma hipérbole/pleonasmo, marcando de forma contundente a afirmação. No Frame OUT2-2, o corpo do texto reforça a mensagem: Use camisinha e apresenta o site da campanha. Segundo Kotler e Lee, o site assumiu um importante papel junto ao público consumidor: “não apenas impacta a conscientização e as atitudes em relação à sua organização, como também faz diferença para que seu público se sinta inspirado e apoiado em agir.” (2011, p. 328). Pensar numa organização, marca ou instituição sem um site é totalmente inviável nos dias de hoje, visto que, para os autores, o site tornou-se um “terceiro lugar”, vindo após o lar e o ambiente de trabalho. Disponibilizar as informações da campanha através de um site criado especialmente para ela é uma estratégia que aproxima e incentiva o público a engajar-se. 95 b) Análise do modo não verbal O cantor Leandro Santana, líder do grupo baiano de axé chamado Parangolé, intérprete da música “Rebolation”, aparece como personagem central da campanha, de acordo com o Frame OUT2-3. Com essa música o grupo assumiu os primeiros lugares nas paradas de sucesso em 2011, não apenas na Bahia, mas também em outras regiões do Brasil. A música era tocada nas rádios, nos programas televisivos de auditório e até mesmo jogadores de futebol comemoravam seus gols dançando “o rebolation”. O jovem músico aparecia como um modelo a ser seguido, influenciando o comportamento de outros jovens, mais especificamente para o target da campanha, que visava atingir as camadas mais populares. Ao utilizar uma personalidade de projeção regional, a campanha recorre a uma estratégia bastante difundida em publicidade: que é a utilização de celebridades para representar a marca ou instituição. Kotler e Lee mencionam que, para o marketing e as campanhas sociais, esse uso é eficiente. De acordo com os autores, eles são os porta-vozes que “transmitem as mensagens, muitas vezes chamando mais atenção, tendo mais credibilidade e uma maior recordação.” (2011, p. 294). Os autores exemplificam essa influência por parte de personalidades de referência narrando que, em 2006, o então senador pelo estado de Illinois, Barack Obama, viajou para o Quênia e lá se submeteu a um teste de HIV em público, o que teria encorajado milhões de quenianos a fazê-lo. 65 No clipe oficial de “Rebolation” , e também nos shows e apresentações, a música era acompanhada de uma coreografia, que acabou fazendo muito sucesso. Ao olharmos para a imagem do outdoor, essa associação vem à tona, criando uma identificação com a música, a dança e a sensualidade apresentadas no clipe. Além disso, nessa foto o cantor gesticula com uma das mãos, segurando a camisinha, num movimento que parece imitar a própria dança do “Rebolation”, ao mesmo tempo em que “aponta” para quem olha para ele. O gesto convida o expectador a usar camisinha e estabelece uma representação que pode ser entendida como uma projeção metonímica em que cada um é responsável pela sua proteção. No Frame OUT2-4, foi extraído o fundo do outdoor, que segue o padrão visual de outras campanhas realizadas pelo Ministério da Saúde em anos anteriores, em que se destaca um elemento gráfico semelhante a um ponto de exclamação. Essa representação visual, quando associada ao conceito da exclamação, pode ser interpretada como a satisfação provocada pelo ato sexual. Esse elemento gráfico também aparece nas embalagens de camisinha, criando uma padronização e unidade visual para a campanha. 65 O clipe pode ser visto no youtube pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=ONuvTjFCuJ4. Acesso em: 21 abr. 2015. 96 No Frame OUT2-5 podemos visualizar a reprodução do outdoor, que utilizou como cores principais o lilás e amarelo. Juntas, elas formam um conjunto vibrante, que acompanha o ritmo do carnaval baiano. As cores, juntamente com a luminosidade, o movimento e o volume, segundo Santaella e Nöth, têm o poder de falar aos sentidos. Os autores acreditam que “esses aspectos têm o poder de sugerir associações de ideias, de evocar similaridades, de aludir relações metafóricas”. (2010, p. 220). Já no Frame OUT2-6 temos uma extração da tipologia usada no outdoor. É justamente através dessa escolha tipográfica que a linguagem escrita irá se materializar. De acordo com Serafini, “as escolhas feitas sobre que fonte usar e como ela é organizada, podem adicionar a 66 unidade ou a coerência de um conjunto multimodal” (2014, s/p). No caso deste outdoor, a fonte escolhida para o título parece acompanhar o ritmo da música, pois suas formas causam a sensação de movimento, e parecem estar coerentes com a proposta da campanha. O outdoor é assinado pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, em conjunto com o Ministério da Saúde e o Governo Federal, conforme Frame OUT2-7. A assinatura do governo da Bahia é mais um elemento que configura a regionalidade da campanha. Além disso, a união desses dois órgãos públicos, regional e federal, demonstra o esforço coletivo contra a epidemia. 6.3.4 Aids: ela não perde uma balada! – CAR2 O Hospital Estadual Emílio Ribas, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, promoveu um alerta sobre a doença em comemoração ao Dia Mundial da Luta contra a Aids, 01 de dezembro de 2011. A campanha teve como foco jovens frequentadores de casas noturnas da capital paulista. Além da distribuição de camisinhas, foram afixados cartazes e adesivos nos banheiros femininos e masculinos desses locais. A campanha ainda contemplou vídeo e torpedos via celular. Além da ação nas casas noturnas, a divulgação também foi feita em estádios de futebol do Estado de São Paulo. A análise a seguir concentra-se no cartaz. 66 Do original: “The choices made about which font to use and how it is arranged can add to the unity or coherence of a multimodal ensemble.” 97 Figura 6 – Aids: ela não perde uma balada! – CAR2 Fonte: http://podcultura.blogspot.com.br/2011/11/emilio-ribas-faz-campanha-contra-aids.html Quadro 10 – Decomposição do cartaz - CAR2 Fonte: Quadro criado pela autora desta dissertação. 98 a) Análise do modo verbal Ao analisar o Frame CAR2-1, contendo a chamada “AIDS: ela não perde uma balada!” é possível afirmar que o título apresenta a Aids de forma personificada, atribuindo a ela características e possibilidades de um ser animado. A doença, assim como os jovens, não quer perder a balada, e parece estar em busca de companhia: a sua próxima vítima. O uso do ponto de exclamação tenta reforçar a ameaça de contrair a doença, através do apelo que esse tipo de pontuação denota. Essa associação criada pelo enunciado adverte que, assim como as pessoas, a Aids pode ser perspicaz e perigosa, pois ela está sempre pronta para “atacar”. A AIDS aqui representada está em todos os lugares, e pode acometer a qualquer pessoa. Mas ela está, principalmente, nas baladas, ponto de encontro dos jovens para beber, namorar e se divertir. O corpo do texto, ilustrado no Frame CAR2-2, é também uma espécie de assinatura, em que se reforça o objetivo da campanha: Campanha contra o HIV em Jovens 2011 – Instituto Emílio Ribas. b) Análise do modo não verbal O cartaz contém como imagem central uma festa jovem, a balada, apresentada no Frame CAR2-3. Porém, o ângulo escolhido não passa propriamente alegria e diversão. Pelo contrário, o cenário retratado aqui praticamente não mostra as pessoas, o que se destaca é a parte mais alta do local, onde se situa a iluminação. Nesse tipo de festa, voltada ao público jovem, ela é vital. As boates são normalmente mais escuras e o jogo de luzes é intenso. A escolha dessa imagem reforça a ideia passada pelo título do cartaz de que a Aids, que “está em toda parte”, também “vai para as baladas”. É, portanto, metaforicamente, uma presença constante e ameaçadora. Essa onipresença representada pela imagem é como uma advertência, como se a Aids estivesse à solta, à espreita. Para a escolha das cores, retratada no Frame CAR2-4, há uma forte predominância de tons avermelhados e escuros, o que caracteriza um cenário perigoso, nebuloso e ameaçador. Essa sensação é reforçada pelos efeitos visuais aplicados na imagem, que distorcem a nitidez da cena. A tipologia da peça, de acordo com o Frame CAR2-5, apresenta no título “AIDS: ela não perde uma balada” características modernas e juvenis, indo ao encontro da informalidade de uma balada e perfil do público-alvo. Já a fonte que aparece na assinatura, que designa a campanha contra o HIV em jovens, possui características distintas. Ela aparece propositadamente com falhas, imprimindo o elemento do perigo na própria assinatura. 99 A campanha, feita para jovens de São Paulo, poderia se adequar ao perfil de um jovem urbano de qualquer parte do mundo. O ambiente escuro, as luzes, os efeitos visuais, tudo isso caracteriza a forma de divertimento e encontro mais comum entre os jovens: as casas noturnas. Porém, podemos destacar a presença de um traço regional, com a utilização do termo balada, uma gíria usada pelo target da campanha (os jovens) para definir uma festa/casa noturna. Fica claro que ele foi usado para ficar mais próximo das experiências e vivências desse público-alvo. A expressão “balada” começou a ser utilizada por jovens do 67 sudeste do país como sinônimo de festa, agito e diversão. Em nota sobre o termo, Fernanda Eugênio (2006) caracteriza-o como sendo característico do vocabulário da noite paulistana. Em artigo sobre o paulistanês, Flávio Valadares (2014) também salienta que o termo é bastante característico do paulistano. Hoje, entretanto, esse uso já está difundido e é pronunciado em praticamente todas as regiões urbanas. O termo acabou virando “moda”, muito provavelmente em função de ter sido difundido justamente em São Paulo (principal centro urbano e econômico do país), além de ter sido apropriado também pela grande mídia de massa brasileira, que contribuiu muito para a disseminação da expressão. No Frame CAR2-6, destacam-se as assinaturas contidas na peça. No detalhe, vemos que a campanha foi produzida pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas e pelo Governo do Estado de São Paulo. Nesse caso, duas entidades locais somam esforços para evitar novos casos da epidemia na região. 6.3.5 Isso rola muito. Esperar por isso não rola – CAR3 68 De acordo com as informações do Ministério da Saúde , os jovens homossexuais de 15 a 24 anos foram o principal foco da campanha do Ministério da Saúde para o carnaval de 2012, porque, de 1998 a 2010, o percentual de casos na população homossexual de 15 a 24 anos subiu 10,1%, conforme boletim epidemiológico de 2011. Pela primeira vez, uma campanha do Ministério da Saúde apresentou um material específico aos travestis. Outros 67 De acordo com João Batista Alvarenga, “balada” é um vocábulo que sofreu uma grande metamorfose semântica no Brasil. Num primeiro momento, tal vocábulo, designava, carinhosamente, as chamadas canções de ninar que embalavam os imberbes. Em boa parte, eram canções advindas do folclore cantadas pelos nossos avós, junto ao berço, de forma espontânea. Depois disso, até a primeira metade do século passado, o termo em questão era fortemente associado a um tipo de pequena narrativa de caráter dramático ou, também, nomeava uma composição musical lenta de aspecto fortemente melancólico. Informações contidas no site: http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia/494836/palavras-que-migram-de-significados. Acesso em: 21 abr. 2015. 68 Informações retiradas do site: http://www.aids.gov.br/campanhas/2012/carnaval. Acesso em: 26 abr. 2015. 100 dois pôsteres direcionam-se aos jovens homossexuais e à população heterossexual. Neste estudo, analisamos o cartaz direcionado aos travestis. Figura 7 – Isso rola muito – CAR3 Fonte: http://www.aids.gov.br/campanhas/2012/carnaval 101 Quadro 11 – Decomposição do cartaz - CAR3 Fonte: Quadro criado pela autora desta dissertação. a) Análise do modo verbal Assim como no Frame OUT1-1, percebemos que, no Frame CAR3-1, a chamada principal também foi separada em duas orações: “Isso rola muito” e “Esperar por isso não rola.”. Ambos expressos sobre o que poderiam ser serpentinas. Com a análise isolada do primeiro enunciado, é possível identificar o dêitico “isso”, cuja serpentina se sobrepõe à imagem do Frame CAR3-4, que tem como referência o encontro entre um homem e um travesti. Desse modo, “Isso rola muito” refere-se a esse tipo de encontro durante o carnaval. O termo „rola‟ aparece num sentido figurado. Trata-se de uma gíria usada, principalmente, por um público mais jovem. A expressão traduz uma metáfora que parte do domínio-fonte ACONTECIMENTO/MOVIMENTO, para o domínio-alvo ROLA. Nesse caso, o contato físico/sexual. O segundo enunciado, “Esperar por isso não rola” também apresenta o dêitico 102 “isso”. Como está inscrito numa serpentina que mantém proximidade com a imagem do Frame CAR3-6, sua referência é a designação de camisinhas que chegam voando com borboletas, conforme análise no item (b), mais adiante. No Frame CAR3-2, o subtítulo contém a seguinte afirmação: “Na empolgação rola de tudo. Só não rola sem camisinha. Tenha sempre a sua.” Na primeira parte do texto é reafirmada a ideia de que tudo pode “rolar”, ou seja, de que tudo pode acontecer quando se está na “empolgação”. O termo “empolgação” parece estar sendo usado para traduzir uma série de conceitos que fazem parte de um modelo cultural de que festa é curtição (bebedeira, desejo, atração física). Pode-se interpretar, portanto, essa expressão como uma metonímia do tipo CAUSA-EFEITO, em que a CAUSA (EMPOLGAÇÃO) é tomada pelos seus EFEITOS (BEBEDEIRA, DANÇA, ATRAÇÃO FÍSICA, etc.). Em seguida, o texto aconselha a ter sempre camisinha e utiliza novamente o termo “rolar”, voltando ao paradigma proposto na chamada principal. O corpo do texto, destacado no Frame CAR3-3, cita a presença de uma instituição: SUS também é prevenção. Use camisinha. Aqui, a instituição está sendo comparada à prevenção. Esse fato nos dá margem para algumas interpretações: - a promoção do órgão público, valorizando essa ação preventiva do SUS para a sociedade. - o órgão público é personificado, como se ele próprio pudesse atuar na prevenção. Seu papel, como entidade pública da área de saúde, é diferente: ele deve instruir, contribuir e dar possibilidades para que as pessoas se previnam. Essa relação, portanto, pode ser entendida como uma projeção metonímica, em que temos a instituição pelas pessoas. b) Análise do modo não verbal De acordo com Serafini (2014), o design é um processo ativo para a linguagem multimodal. Ele tem a função de integrar e compor os vários modos que nos auxiliam na construção de significados. Nesta peça, vemos que são vários os inputs provocados, pois ela é rica em detalhes. Pode-se afirmar que a imagem central da campanha é a do casal formado por um homem e um travesti, como vemos no Frame CAR3-4. Sabemos que a campanha traz outros dois tipos de casal: a de um casal heterossexual e a de um casal homossexual (formado por dois homens), fechando assim, uma gama de possibilidades de relacionamentos entre os sexos e os gêneros feminino e masculino. Diante disso, temos uma representação que salienta a diversidade e tenta mostrar novos tipos de relações, que não sejam apenas a do modelo prototípico homem x mulher. Essa campanha se apresenta como uma forma de eliminar o 103 preconceito e aceitar as diferentes preferências e possibilidades sexuais. Também percebe-se que a posição do casal deixa claro o envolvimento e de que algo está prestes a “rolar”, indo ao encontro do modo verbal. Esse vocábulo, que aparece nos textos, também está representado no modo visual, pois a chamada foi posicionada em uma fita, possivelmente serpentinas, típicas do carnaval, que parece estar “rolando”. Além disso, temos ao lado do casal as camisinhas sendo trazidas por borboletas. Elas aparecem junto ao enunciado “Esperar por isso não rola”. Então, essa é uma metáfora que brinca com o espectador, dizendo que ele próprio é quem precisa ter sempre a sua camisinha. Ou seja, as camisinhas, não vão chegar voando. Pode-se traduzir essa representação com a seguinte metáfora conceitual: PROTEÇÃO NÃO É ESPERAR QUE A CAMISINHA CHEGUE VOANDO ou PROTEÇÃO É ESTAR MUNIDO DE CAMISINHA. No Frame CAR3-5, têm-se a ilustração de uma camisinha na cor laranja. O texto aparece sobre essa ilustração, fortalecendo, através da imagem, a própria proteção. Essa imagem, portanto, contém uma metonímia que apresenta a camisinha como sinônimo de proteção. O detalhe que aparece destacado pelo Frame CAR3-6, é a imagem de borboletas trazendo camisinhas, numa analogia com a metáfora das camisinhas chegarem voando no momento em que mais se precisa delas. A borboleta é um inseto que se transforma, então, nesta situação também ocorre um duplo sentido, já que um dos personagens do anúncio é justamente um travesti. Ao fundo da imagem do casal, temos em destaque no Frame CAR3-7 uma paisagem urbana como cenário e, se olharmos detalhadamente, chegamos a ver outra pessoa caminhando pela calçada. Entendemos que essa é a representação de uma cidade, mais especificamente numa esquina, com suas ruas, vielas e cenas do dia a dia. Uma pequena cena diante de muitas que acontecem nas grandes cidades. Por isso, conclui-se que o fundo do cartaz também traduz uma projeção metonímica, que parte da representação de uma cena específica para um acontecimento real, que pode ocorrer diariamente em qualquer cidade do país. No Frame CAR3-8, as cores seguem um padrão cromático forte, em tons laranja e azul, destacando a ambientação da cena. As fontes usadas, em destaque no Frame CAR3-9 foram adaptadas ao espaçamento dos elementos em que estão inseridas e, apesar de passarem modernidade, não estão muito claras e legíveis para a leitura. Neste cartaz, também é possível fazer a leitura de uma especificidade regional. Apesar de apresentar uma situação que poderia ocorrer em qualquer cidade do país, vemos ao fundo 104 da cena, os detalhes da calçada e dos prédios com elementos que parecem ser uma cidade antiga ou histórica. De acordo com Rafael José dos Santos, a cultura regional refere-se a “formas de pensar o mundo e, sobretudo, de situar-se nele em relação a outros lugares: o regional coloca-se como um elemento significativo da representação da identidade”. (2009, p. 3). Diante dessa imagem, podemos inferir que está se apresentando uma situação bem regionalizada, mostrando uma cidade turística como Salvador, por exemplo, e as diversas identidades representadas nesses centros durante festas como o carnaval. A imagem com um casal em que um deles é travesti (além de um heterossexual e um homossexual em outras peças), inclui as variadas possibilidades de encontros que podem “rolar” entre esse público jovem, que é o target da campanha. A campanha, de cunho nacional, é assinada pelo SUS, Ministério da Saúde e Governo Federal do Brasil, conforme destaque do Frame CAR3-10. Conforme a análise já detalhada, o SUS recebeu destaque na campanha, relacionando a atuação do órgão para a prevenção da epidemia. 6.3.6 Xamêgo bom, só com camisinha! – CAR4 A campanha de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis, em especial a Aids, foi lançada pela Secretaria Municipal de Saúde de Campina Grande, no dia 07 de junho de 69 2013, durante os festejos juninos. A ideia foi conscientizar a população para o uso do preservativo em todas as relações sexuais, com mensagens inspiradas na literatura de cordel. A Coordenação Municipal de DST, Aids e Hepatites Virais montou uma tenda de serviços no local da festa – Parque do Povo – para realização de atividades interativas com o público. Analisaremos a seguir o cartaz que foi criado para essa campanha. 69 Informações retiradas do site http://campinagrandepb.com.br/campanha-de-prevencao-as-dst-e-aids-vai- distribuir-mais-de-500-mil-preservativos-no-sao-joao/. Acesso em: 26 abr. 2015. 105 Figura 8 – Xamêgo bom, só com camisinha – CAR4 Fonte: http://campinagrandepb.com.br/campanha-de-prevencao-as-dst-e-aids-vai-distribuir-mais-de- 500-mil-preservativos-no-sao-joao/ Quadro 12 – Decomposição do cartaz - CAR4 Fonte: Quadro criado pela autora desta dissertação. 106 a) Análise do modo verbal O título principal, reproduzido no Frame CAR4-1, faz uso de um termo regional nordestino: “xamêgo”. A expressão é usada para definir “namoro, atração, carinho”. Além disso, Nunes e Souza (2014, p. 24), observam que: Algumas palavras que são frequentemente usadas e em cujo som há a presença especial do fonema [ʃ], permeando todo um conjunto de canções com um “chiado” que alude ao arrastar dos pés na dança. Por exemplo, fazem parte deste grupo as palavras chiadas: xote, xodó, chamego, xaxado, chinelo, riacho, remelexo, paixão, apaixonado, chuva, chorar, chororô, lua-cheia, cachaça, avexar. Nesse enunciado do cartaz, o termo aparece de maneira errônea. Como vimos na citação de Nunes e Souza, em sua grafia original, o termo é escrito com “ch” e também não leva acento, já que se trata de uma paroxítona: chamego. Como não sabemos exatamente o que ocorreu, tentamos explicar esse fenômeno de acordo com algumas hipóteses: é possível que o redator da campanha tenha se equivocado e cometido um erro de ortografia; a utilização fora da regra gramatical foi proposital, com o objetivo de caracterizar a fala local e se aproximar ainda mais da cultura popular representada pelo forró. No enunciado principal, observa-se a existência de uma metáfora que parte do domínio-fonte “xamêgo” para o domínio-alvo da proteção. Nessa relação, podemos interpretar que o SEXO SÓ É BOM SE FOR SEGURO, ou que TODO CARINHO É MELHOR QUANDO SE TEM PROTEÇÃO. Dessa forma, trata-se de um processo de metonimização: o “xamêgo”, como contato físico com conotação carinhosa, é o que leva, em geral, ao ato sexual. O corpo do texto, descrito no Frame CAR4-2, contém a seguinte descrição: “No maior São João do Mundo, se o clima esquentar, prevenção não pode faltar”. Nesse texto, temos uma metáfora que parte do domínio-fonte de TEMPERATURA CLIMÁTICA para o domínio- alvo de TEMPERATURA CORPORAL. Essa associação se refere à sensação corporal numa relação romântica/sexual. Essa representação do clima quente é utilizada para definir o desejo sexual, fazendo uma associação com a temperatura corporal que também se eleva nas pessoas que mantém contato físico ou amoroso. Podemos representar essa metáfora como: ATRAÇÃO FÍSICA É CALOR. Essa relação conceitual também possui base num princípio metonímico, pois o calor é um dos efeitos gerados pelo corpo nessa situação de envolvimento sexual. Poderíamos citar outros como: palpitação cardíaca, vermelhidão, êxtase, entre outros. Esse processo foi descrito 107 por Lakoff (1987) quando trata do modelo radial de RAIVA, mas que se aplica a emoções metaforicamente expressas como FLUIDO NUM RECIPIENTE. b) Análise do modo não verbal A imagem do casal, em destaque no Frame CAR4-3, reforça o apelo do clima quente, reproduzido na linguagem verbal. Os olhos fechados, a flor no cabelo da mulher, os corpos colados e ligeiramente curvados num movimento que sugere que eles estão dançando. Pela posição do casal, pode-se deduzir que eles estejam dançando forró, um ritmo típico das festas nordestinas. Nunes e Souza investigaram o forró como um movimento cultural popular, nascido no Nordeste nos anos 1940. Os autores afirmam que “a temática reúne menções, principalmente, sobre o universo rural sertanejo e sobre o momento em que acontece o forró, entendido como festa, com todas as suas implicações a respeito das conquistas amorosas no instante da dança” (2014, p. 22). De lá para cá, o forró foi se tornando cada vez mais popular e reconhecido como elemento cultural nordestino. Na escolha da ilustração, vemos que existem várias marcas de regionalidade. A representação visual da peça utiliza ilustrações feitas com inspiração na literatura de cordel, que foi trazida pelos portugueses e se tornou popular na região nordeste. No caso desse cartaz, porém, essa inspiração se reflete mais diretamente nas tonalidades em preto e branco e nos traços fortes, representativos dos cordéis, que eram livretos simples, impressos em tipografia, com baixo custo de produção. Essa ilustração do cartaz, entretanto, não simboliza a representação do cordel prototípico, que apresentava o cangaço, a seca, o trovadorismo. Temos um casal romântico, em que o homem aparece de costas: é o coadjuvante. A mulher é quem aparece de frente e em destaque. Mas é uma mulher romantizada, bem distante, por exemplo, da personagem Maria Bonita, a mais prototípica do cangaço. Raymundo José da Silva, que investigou as representações do nordeste na literatura de cordel, avalia que “a identidade do cordel se parte em muitas, é dinâmica e construída pelos discursos transversos, com traços de sua cultura, de sua história, de sua sociedade e vivências”. (2008, p. 125). A religiosidade, o coronelismo e tantos outros fenômenos retratados comprovam isso. Para Silva, foi justamente esse retrato sócio, político e cultural que fizeram o cordel transcender a condição de literatura sertaneja. Ele acredita que ela tornou-se “um relevante arquivo da memória e da identidade do homem nordestino.” (2008, p. 126). O autor salienta também que “as épocas mais favoráveis para a comercialização do folheto eram os dias das festas de santos padroeiros e juninas, sobretudo no auge das safras. 108 Isso se devia ao fato de as pessoas terem mais dinheiro, ou por acontecer uma grande afluência de gente provinda de recantos mais distantes.” (2008, p. 41). Assim, percebemos uma forte ligação regional do cartaz analisado com a cultura nordestina, caracterizando-se por uma peça de forte cunho persuasivo na região em que está inserida. Além disso, a peça incorpora elementos da cultura e da arte para a publicidade, enriquecendo seu conteúdo. As bandeirolas que aparecem no Frame CAR4-4 são um elemento adicional da imagem, servindo como plano de fundo para o ambiente festivo, mais particularmente, para a festa junina. Essa é uma representação típica desses festejos. No Frame CAR4-5, as cores usadas são neutras e seguem, como já foi mencionado, o padrão cromático em preto e branco, fazendo uma referência ao padrão da literatura de cordel. As fontes, destacadas no Frame CAR4-6, apresentam formas simples e de fácil leitura. A chamada diferencia-se pela cor vermelho-escura. No destaque do Frame CAR4-7, o cartaz é assinado pela Secretaria Municipal de Saúde de Campina Grande e demais órgãos locais voltados ao controle de epidemias, caracterizando uma importante especificidade regional da campanha. Devido à baixa resolução da imagem, não é possível visualizar com nitidez as marcas que assinam a peça. Mesmo assim, ressalta-se o comprometimento desses órgãos locais no controle de HIV/Aids. 6.3.7 Se tem festa, tem que ter camisinha – CAR5 Em 2014, o Ministério da Saúde foi além dos festejos de carnaval e promoveu uma campanha de prevenção à Aids que foi adaptada a diversas épocas do ano e aos diversos períodos e tipos de festas que ocorrem pelo Brasil. O carro-chefe da campanha foram dois filmes para televisão que, embora explorem o conceito de maneira universal, se complementam na amplitude: um possui uma visão macro das diferentes festas de todos os tamanhos pelo Brasil; o outro explora o lado pessoal, a atitude de estar sempre preparado, com camisinha, seja qual for a festa. Como o clima dos eventos é de festa, a campanha entrou no mesmo “clima” para criar mais identificação com os espectadores. Além dos filmes, a campanha ainda conta com jingles regionalizados para rádio, anúncios para jornais e revistas, peças de mídia exterior, merchandising, entrega de fôlderes e preservativos, além de banners e 70 ativações em redes sociais. . Procederemos com a análise do cartaz. 70 Informações obtidas no site http://www.aids.gov.br/campanhas/2014/55794. Acesso em: 01 maio 2015. 109 Figura 9 – Se tem festa, tem que ter camisinha – CAR5 Fonte: http://www.aids.gov.br/campanhas/2014/55794 Quadro 13 – Decomposição do cartaz - CAR5 Fonte: Quadro criado pela autora desta dissertação. 110 a) Análise do modo verbal O título principal, decomposto no Frame CAR5-1, anuncia: “Se tem festa, tem que ter camisinha”. Essa chamada remete a um modelo cultural de festa em que as pessoas bebem, ficam mais descontraídas e à procura de um par. Porém, salienta que é justamente essa alegria e possibilidade de encontros casuais que podem trazer o risco de contaminação, pois muitas pessoas não usam camisinha. Nessa chamada, portanto, existe uma projeção metonímica de que a festa pode ser um caminho para encontros de natureza sexual. No Frame CAR5-2, o subtítulo “Proteja-se. Use sempre camisinha” faz um apelo explícito para que as pessoas usem sempre camisinha em suas relações sexuais e que, assim, estarão protegidas. O corpo do texto, destacado no Frame CAR5-3, afirma: “Não importa a balada, nem onde, nem com quem. O importante é sempre usar camisinha. Retire gratuitamente a sua camisinha em uma unidade de saúde. Faça o teste de aids, sífilis e hepatites virais.” Esse texto reforça a ideia contida na chamada, de que é importante estar sempre prevenido, independentemente do tipo de festa ou da companhia. Porém, ele agrega informações bem relevantes para os objetivos da campanha, através de uma ação combinada entre a distribuição gratuita de camisinhas e a divulgação dos testes. Apesar de esta informação não estar descrita no cartaz, os testes de Aids, sífilis e hepatites virais também são gratuitos nas unidades de saúde. b) Análise do modo não verbal A imagem central da campanha, de acordo com o Frame CAR5-4, tenta representar elementos visuais que englobam variados tipos de festas e diferentes peculiaridades regionais. Alguns desses elementos que aparecem na imagem são: bola de futebol; balões; violão, viola, guitarra e cavaquinho; chapéus que traduzem diferentes culturas: alemã (tirolês), samba (panamá), caipira, cowboi; sombrinha, máscara e confete. Porém, percebe-se que nem todas as regiões do Brasil foram prestigiadas e, portanto, não estão identificadas na peça. O fundo da peça, no Frame CAR5-5, segue o padrão visual de outras campanhas já realizadas, da mesma forma como aparece no Frame OUT2-4. Como foi citado anteriormente, o objetivo dessa repetição no padrão visual é criar uma unidade para as campanhas de prevenção à Aids. Analisando o cartaz, vemos que a cor verde ganhou destaque e aparece como fundo para os demais elementos, que estão em cores diversas, inclusive no lettering central (chamada), que ganha atratividade e remete à alegria e diversidade das diversas festas 111 contidas na peça. Essa cor funciona como um plano de fundo para receber os elementos coloridos que aparecem sobre ela. Serafini (2014, s.p.), ao abordar a importância das cores na multimodalidade, avalia que o verde pode ser associado aos seguintes significados: “natureza, 71 frieza, calmante”. As fontes usadas no cartaz, conforme está representado no Frame CAR5-7, possuem formas arredondadas que destacam-se e garantem mais atratividade para a leitura. De acordo com Newton Cesar, “uma tipologia de fácil legibilidade não prejudicará o trabalho e deixará quem está lendo mais confortável.” (2011, p. 166). O autor afirma que assim como é a moda, as fontes também seguem tendências. Uma dica do autor é adequar a fonte ao perfil do público-alvo. Para bancos, seguradoras e outras instituições financeiras, o autor indica as fontes clássicas. Por outro lado, as fontes mais modernas devem ser usadas, segundo Cesar, para marcas de automóveis, empresas da área de moda e cosméticos. No Frame CAR5-8, foram salientadas as assinaturas contidas na peça: SUS, Ministério da Saúde e Governo Federal do Brasil, o que a caracteriza como uma ação do Governo Federal, que tentou traduzir em um anúncio as diferentes regionalidades brasileiras. 6.3.8 Proteja o gol – CAR6 A iniciativa Proteja o Gol foi uma campanha do UNAIDS para a conscientização sobre 72 HIV em nível mundial . A partir de uma ideia simples que ilustra o poder da proteção, faz-se uma analogia entre jogadores protegendo o gol e cada pessoa protegendo a si própria. O objetivo da campanha é usar a popularidade e poder de união do esporte para promover a prevenção do HIV, principalmente entre os jovens. A campanha foi lançada durante a Copa do Mundo, realizada no Brasil, em 2014, e contou com a participação de jogadores de prestígio internacional. A peça analisada é o cartaz com o jogador David Luiz. 71 Do original: “Nature, cool, calming”. 72 De acordo com informações do site: http://www.aids.gov.br/campanhas/2014/56116. Acesso em: 01 maio 2015. 112 Figura 10 – Proteja o gol – CAR6 Fonte: http://www.aids.gov.br/campanhas/2014/56116 Quadro 14 – Decomposição do cartaz - CAR6 Fonte: Quadro criado pela autora desta dissertação. 113 a) Análise do modo verbal Na decomposição do Frame CAR6-1, a chamada “Proteja o gol” aparece em destaque, dentro de uma bola de futebol. Nessa modalidade esportiva, a tarefa principal de um zagueiro é a proteção do seu time, evitando que o adversário se aproxime do gol. O título principal da campanha parte desse conceito do futebol, fazendo uma relação direta com a proteção contra a Aids. Nessa associação, temos a seguinte projeção: o gol representa o próprio corpo, que requer cuidado e proteção. O título, portanto, contém uma metáfora conceitual que parte do domínio-fonte GOL/GOLEIRA para o domínio-alvo do CORPO. O domínio-fonte é construído metonimicamente porque a proteção seria da goleira, sendo o gol a passagem da bola na direção da rede. Assim, GOL está por GOLEIRA num mapeamento metonímico. Nesse caso, a construção da chamada utiliza um continuum metonímia-metáfora. O Frame utilizado é o de JOGO DE FUTEBOL. O subtítulo que aparece no Frame CAR6-2 complementa: “David Luiz. Embaixador de Boa Vontade do UNAIDS”. Nesse enunciado, tem-se a descrição do personagem central da campanha, o jogador David Luiz, zagueiro da seleção brasileira de futebol durante a Copa do Mundo de 2014. O atleta é brasileiro, mas joga no exterior há vários anos, onde adquiriu projeção e destaque em sua carreira. Ele está sendo apresentado como embaixador do UNAIDS, um programa conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids, que reúne recursos de organizações das Nações Unidas para a resposta mundial à Aids e seu exemplo pode ajudar a 73 influenciar jovens do mundo inteiro. No corpo do texto, a mensagem começa com a seguinte declaração: “Nessa partida, não deixe a AIDS marcar”. Esse texto complementa a ideia do título principal, mantendo a metáfora do futebol no enunciado. A expressão “nessa partida” representa a própria relação sexual. A oração “não deixe a AIDS marcar” simboliza a defesa do gol, chamando a atenção para a importância de se proteger contra a doença. Portanto, temos como domínio-fonte PARTIDA DE FUTEBOL/TIME ADVERSÁRIO e como domínio-alvo DOENÇA/HIV/Aids. 73 O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) é uma parceria inovadora que encoraja, mobiliza e apoia os países para alcançar o acesso universal à prevenção, tratamento e cuidados no que concerne ao HIV. Reúne os recursos do Secretariado do UNAIDS e de dez Organizações do Sistema ONU (as Agências Co-patrocinadoras) em esforços coordenados e especializados para unir o mundo contra a AIDS. Durante a Copa do Mundo, parceiros disseminaram mensagens de prevenção do HIV em telões dos estádios onde aconteceram os jogos e capitães de time de países como Gana, Argélia, Congo, Etiópia e Nigéria leram uma declaração pedindo o apoio de jogadores, fãs de futebol e jovens à campanha. Além disso, o UNAIDS e a Confederação Africana de Futebol (CAF) assinaram um Memorando de Entendimento que tem como propósito utilizar a popularidade do futebol para conseguir avanços na prevenção do HIV. Dados retirados do site http://www.unaids.org.br/quem_somos/quem_unaids.asp. Acesso em: 01 maio 2015. 114 Nessa relação, tem-se a importância de estar sempre protegido, atuando na defesa do próprio corpo contra a entrada do vírus. Ainda no Frame CAR6-3, o texto de apoio sugere: “Zero nova infecção por HIV / Zero discriminação / Zero morte relacionada à aids”. Aparece, nesses enunciados, uma nova associação com a linguagem do futebol, através de orações que reforçam os objetivos da campanha. Ao utilizar o vocábulo “zero” tem-se uma relação com o placar, a contagem de gols de uma partida. Nesse caso, o número de gols está metaforicamente relacionado ao número de infecções, ao número de mortes relacionadas à doença e à eliminação do preconceito. b) Análise do modo não verbal No Frame CAR6-4, o jogador está segurando a bola e, ao mesmo tempo, destaca-se a chamada principal: “Proteja o Gol”. Essa imagem é uma metáfora da proteção contra a Aids, em que é preciso saber evitar a infecção. Assim, metaforicamente, como o jogador tem habilidades para proteger o gol dos adversários, cada pessoa também precisa se proteger da Aids. Diferentemente da personalidade apresentada no Frame OUT2-3, que apela para a sensualidade do axé, temos aqui uma personalidade relacionada ao esporte. O jogador de futebol David Luiz está com uma camiseta da UNAIDS, mostrando que ele próprio veste essa causa, ou seja, ele também se protege da Aids. Além disso, a função do atleta na seleção brasileira era a de defesa. David, portanto, é um modelo a ser seguido pelas pessoas. A aproximação da Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, dava visibilidade ao jogador, que tinha em seus cabelos cheios e encaracolados a sua marca pessoal, e que chegou a ser copiada por outros jovens na época da Copa. As texturas, em verde e amarelo, que aparecem atrás do jogador, destacadas no Frame CAR6-5 enriquecem o visual da peça e funcionam também para marcar a posição do atleta, como uma espécie de proteção. O cartaz é marcado pelas cores verde e amarelo (extraídas no Frame CAR6-6), representativas do Brasil, que sediou a Copa do Mundo e utilizadas para despertar, ainda mais, o sentimento de nacionalidade. Em destaque no Frame CAR6-7, a tipologia moderna combina com o target da campanha, que é mais voltada ao público jovem. Além disso, a fonte escolhida parece imitar a letra manuscrita, dando a sensação de reforçar o depoimento do jogador, como se ele próprio é quem tivesse redigido o texto. 115 Conforme o Frame CAR6-8, a campanha é assinada por diferentes órgãos de apoio e luta contra a Aids, especialmente o UNAIDS, em conjunto com a Secretaria de Política para as Mulheres, Ministério da Saúde e Governo Federal. Mesmo tendo a participação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, as peças da campanha contemplam apenas os jogadores da seleção masculina de futebol. 6.3.9 AIDS não tem cura, mas tem tratamento – CAR7 O Departamento de DST, AIDS e Hepatites virais apoiou a proposta da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio da Pastoral de AIDS, para realização de uma campanha de incentivo à testagem do HIV direcionada a todas as paróquias e dioceses brasileiras. O objetivo foi incentivar o diagnóstico precoce do HIV e colaborar para o cumprimento da meta 90-90-90 (90% de pessoas testadas, 90% tratadas e 90% com carga viral indetectável até 2020), estabelecida pelo UNAIDS – Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS. A campanha teve o lançamento oficial em 27 de novembro, na sede da CNBB em Brasília e, concomitantemente, nas dioceses e arquidioceses, sendo veiculada em emissoras de TV e rádio, mídias sociais, jornais, fôlderes e outros meios de comunicação 74 da Igreja Católica, no Brasil inteiro, inclusive em celebrações. O protagonista da campanha foi o Padre Fábio de Melo. 74 Dados consultado no site: http://www.aids.gov.br/campanhas/2014/pastoraldaaids2014. Acesso em: 01 maio 2015. 116 Figura 11 – AIDS não tem cura, mas tem tratamento – CAR7 Fonte: http://www.aids.gov.br/campanhas/2014/pastoraldaaids2014 Quadro 15 – Decomposição do cartaz - CAR7 Fonte: Quadro criado pela autora desta dissertação. 117 a) Análise do modo verbal No título “AIDS não tem cura, mas tem tratamento”, decomposto no Frame CAR7-1, observa-se um apelo que provoca, num primeiro momento o temor, afirmando que a doença não tem cura, mas, em seguida, há o uso da conjunção adversativa, com a proposição de que há tratamento. Apesar desse tipo de abordagem ser um retrocesso para as campanhas preventivas, como vimos no capítulo 3, quando as primeiras campanhas incitavam o medo e o terror, esta mensagem analisada apresenta um atenuante, que é a possibilidade de receber o tratamento. As medicações retrovirais usadas no controle do HIV/Aids são disponibilizadas de forma gratuita em todo o território nacional. O Frame CAR7-2 ilustra o corpo do texto: “Faça o teste de HIV/AIDS. É rápido, seguro e sigiloso. Cuide bem de você e de todos os que você ama. Procure uma unidade de saúde e faça o teste”. Esse enunciado segue com informações gerais, enfatizando a importância de fazer o teste de HIV/AIDS, que permite que as pessoas saibam se possuem o vírus. O texto declara também que esse teste é rápido, seguro e sigiloso, pois ainda há na sociedade o medo de descobrir a doença. Talvez, muito em função da discriminação sofrida pelos seus portadores. Essa mensagem, entretanto, enfatiza a importância do cuidado com quem se ama. Fica subentendido que é importante fazer o teste e descobrir a existência da Aids não apenas para cuidar de si mesmo, mas também para proteger as pessoas com quem se relaciona e com quem se mantém relações sexuais. O cartaz reforça em dois momentos a importância de fazer o teste: no início e no fim desse texto de apoio. b) Análise do modo não verbal A imagem central que está no cartaz destaca uma personalidade da igreja católica: o Padre Fábio de Melo. A campanha é uma iniciativa da CNBB, em conjunto com o UNAIDS, na luta contra a doença e foi fixado em igrejas de todo o país. Portanto, diante da instituição “igreja” e da representação social de um “padre”, podemos interpretar que a imagem traduz a relação metonímica da instituição para com seus fiéis, induzindo-os a um modelo prototípico de comportamento social e sexual. Nessa relação, o “padre” assume o papel de conselheiro, diferentemente das demais personalidades apresentadas nos Frames OUT2-3 e CAR6-4, cuja intenção era buscar afinidades com o target. No Frame CAR7-3, vemos o Padre segurando em suas mãos um laço, símbolo da luta contra a doença. Nesse gesto, entendemos que existe uma projeção metonímica em que o portador da doença recebe os cuidados de que precisa e é acolhido pelas pessoas. Na imagem do cartaz, vislumbra-se ao fundo um cenário que parece ser a 118 representação de um parque ou praça, um ambiente repleto de natureza ao redor, extraído no Frame CAR7-4. Nesse local, percebe-se, claramente, um caminho por entre as plantas. Essa pode ser uma representação de que há um outro caminho a seguir: uma esperança de poder “seguir em frente”. Essa representação pode ser lida como uma metáfora conceitual de que há um caminho para quem tem Aids. As cores e fontes, representadas nos Frames CAR7-5 e CAR7-6, respectivamente, não ganharam grande destaque. As cores neutras da paisagem reforçam a ideia de um caminho a seguir, um caminho de serenidade. A única quebra dessa neutralidade aparece na cor do título, em vermelho, que chama mais a atenção. Reforçando a imagem do Frame CAR7-7, citam-se a seguir os órgãos que assinam a campanha: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Representação da Unesco no Brasil; Pastoral da Aids e CNBB (Conferência Nacional dos Bispos no Brasil). Tais entidades demonstram a preocupação de diferentes segmentos da sociedade na tentativa de controlar a incidência de novos casos de Aids no Brasil. 6.3.10 Eu sou um cartaz HIV Positivo – CAR8 A campanha de mídia impressa e urbana criada pela agência Ogilvy Brasil para a ONG Grupo de Incentivo à Vida (GIV), em abril de 2015, utilizou cartazes que contêm uma gota de sangue de portadores do HIV, mas não há risco de contaminação pelo sangue dos cartazes, já que o vírus não sobrevive por mais de uma hora fora do corpo. O objetivo foi alertar quanto à importância de dizer não ao preconceito. A mensagem principal é reforçada pelo conceito: “Se o preconceito é uma doença, a informação é a cura”. Os cartazes foram elaborados com a ajuda de voluntários, que doaram seu sangue. Além dos cartazes, a agência produziu um vídeo que ilustra o processo de confecção do material e a recepção da campanha ao chegar às ruas. Os nove voluntários que forneceram amostras de sangue acompanham a equipe para observar a reação do público. Os cartazes foram colocados em pontos de ônibus, faculdades e bares da cidade de São Paulo. Além disso, uma ação especial foi executada com o jornal Metro, que 75 inclui como sobrecapa o cartaz em sua edição do dia 29 de abril de 2015. 75 As informações foram coletadas de diferentes sites que divulgaram o lançamento da campanha. São eles: ; e . Acesso em: 01 maio 2015. 119 Figura 12 – Eu sou um cartaz HIV Positivo – CAR8 Fonte: Imagem enviada por Teresinha Martins, assessora do GIV e voluntária da campanha. Quadro 16 – Decomposição do cartaz - CAR8 Fonte: Quadro criado pela autora desta dissertação. 120 a) Análise do modo verbal Este cartaz diferencia-se das demais peças do corpus desta pesquisa, em primeiro lugar, porque é apresentado em All-Type, ou seja, Só Texto. Rafael Sampaio faz a seguinte explanação sobre o termo: “no caso dos anúncios, é aquele esquema de uso apenas de texto, sem imagens complementares (ou com imagens mínimas), sendo o texto geralmente decorrente de um título.” (2003, p. 43). Neste caso, a utilização de praticamente apenas um modo da linguagem contribui para o impacto da peça. Outro fator inusitado neste último cartaz é que o único elemento ilustrativo do layout é uma gota de sangue, que foi coletada de pessoas reais, HIV positivas. São nove voluntários que se propuseram a participar da campanha. Conforme foi relatado no capítulo 3, o uso de informações vívidas, pessoais e concretas é uma estratégia importante para as campanhas sociais. No caso do cartaz e da ação gerada através dele, a informação é palpável, real e torna- se, assim, mais fácil de ser lembrada e apreendida. No título apontado pelo Frame CAR8-1 “Eu sou um cartaz HIV Positivo” chama a atenção o fato de que o cartaz é tratado como uma pessoa, tal como ocorre no Frame CAR2-1, que apresenta a personificação de um ser inanimado. Porém, nesse exemplo do CAR8-1, o que está ganhando as características de uma pessoa é justamente o próprio cartaz. O uso dessa metáfora como um recurso da campanha, pode ser explicado com a afirmação de Sandmann de que: “a personificação tem também a função de causar estranhamento, de prender o leitor.” (2012, p. 90). O autor cita o seguinte exemplo: “„A rua que não dorme.‟ dizia folheto de propaganda da Rua 24 Horas, de Curitiba, em que se pode ver também uma metonímia ou uma, transferência por associação espacial: quem não dorme, na verdade, são os vendedores e os compradores.” (2012, p. 90). No caso do Cartaz HIV Positivo há também um processo metonímico, em que o cartaz está representando cada um dos voluntários reais que participam da campanha. O corpo do texto também apresenta um traço diferenciado dos demais: é mais extenso que o usual para este tipo de material. Esse texto foi separado no Frame CAR8-2, mas como a imagem recebida estava em baixa resolução e não apresenta uma leitura adequada, reproduzimos a seguir o texto completo do cartaz: 121 “Eu sou um cartaz HIV positivo. Minhas medidas são 40 x 60 centímetros. Fui impresso em papel Alta Alvura e minha gramatura é 250. Eu sou exatamente como qualquer outro cartaz. Com um detalhe: sou HIV positivo. É isso mesmo que você leu. Sou portador do vírus. Carrego em mim uma gota de sangue HIV positivo. De verdade. Neste momento, você pode estar dando um passo para trás se perguntando se eu ofereço algum perigo. Minha resposta é: nem de longe. O HIV não sobrevive fora do corpo humano por mais de uma hora. Por isso, o sangue neste cartaz não traz nenhum perigo. Assim como conviver com um soropositivo. Você contrai o HIV se tiver relações sexuais sem preservativos com alguém que não está em tratamento efetivo, se partilhar de agulhas e seringas com sangue contaminado. Sim, você pode conviver comigo e com qualquer pessoa soropositiva numa boa. Nós podemos exercer nossa função na sociedade perfeitamente. E arrisco dizer que, se eu não tivesse revelado que tenho HIV, talvez você nem tivesse notado. Porque ser soropositivo não determina quem você é. Seja para um cartaz ou para um ser humano. 76 Se o preconceito é uma doença, a informação é a cura.” O corpo do texto começa com o cartaz falando sobre si mesmo e suas características. Esse recurso da personificação, muito usado em publicidade, é citado por Negri como uma figura de linguagem que se mostra “capaz de intensificar emoções, de assustar e até enternecer, quando, por exemplo, coisas e animais de quaisquer espécies falam, pensam e possuem habilidades não naturais.” (2011, p. 133). Nesse caso, temos um cartaz que se autointitula HIV Positivo, causando impacto na mensagem. No decorrer da narrativa, o texto vai fazendo comparações entre o sangue contido no cartaz e uma pessoa real, que é soropositiva, numa projeção metonímica, em que o sangue do cartaz representa a pessoa. Todo o descritivo faz um diálogo com o leitor, trazendo informações importantes sobre a doença e as formas de contágio. A última frase do enunciado, que também conceitua a campanha, constitui-se de um continuum metonímia-metáfora, cujo frame é INFECÇÃO POR HIV. O último enunciado expressa duas metáforas importantes: PRECONCEITO É DOENÇA e INFORMAÇÃO É CURA. De todos os materiais analisados no corpus desta pesquisa, este cartaz é o que contém informações mais relevantes sobre a transmissão da doença. Um texto mais longo e, ao 76 O texto foi enviado por Teresinha Martins, do Grupo de Inventivo à Vida. Teresinha foi uma das voluntárias que cedeu seu sangue para a campanha. A informação que recebemos de Teresinha é que ela ainda não possuía a imagem em alta resolução, que servirá para impressão e distribuição, dessa forma, o texto completo veio separadamente da imagem. Essa transcrição do texto completo também pode ser encontrada no site: http://propmark.uol.com.br/agencias/53345:ogilvy-espalha-cartaz-hiv-positivo. Acesso em: 04 maio 2015. 122 mesmo tempo, de fácil leitura, pois fala da doença com simplicidade e desmistifica a forma de contágio. De acordo com Santaella e Nöth, a publicidade tem essa função de acionar múltiplos sentidos. Eles avaliam que a relação entre texto e imagem “cria uma aura de suposições, de sentidos implícitos, conjecturas imaginativas, alusões que geram, no território do possível e do sentimento, um campo propício ao entrelaçamento com a sedução no terreno do sensório e com a persuasão no território inteligível.” (2010, p. 94). A gota que aparece no Frame CAR8-3 foi feita com o sangue dos voluntários, portadores de HIV. Essa representação é entendida como uma projeção metonímica em que a gota representa a pessoa portadora do vírus. Também pode ser traduzida como uma metáfora que apresenta o seguinte mapeamento: apesar de uma pessoa ser portadora do vírus, esse sangue, isoladamente, não é capaz de transmitir a doença para outra pessoa. Então, o sangue, que a maioria das pessoas vê com medo, não oferece perigo. O texto explica que só é possível contrair a doença mantendo relações sexuais sem proteção com pessoas portadoras do vírus que não estejam em tratamento efetivo, ou compartilhando seringas com sangue contaminado. Dessa forma, pode-se concluir que a convivência e o contato físico com um portador do vírus não oferece perigo. Essa metáfora, portanto, traduz o conceito de que o PORTADOR DO VÍRUS NÃO É PERIGOSO. O que oferece mais perigo é o preconceito. O Frame CAR8-4 destaca um texto informativo, que caracteriza a identidade da pessoa voluntária que cedeu seu sangue. Portanto, foram feitas noves versões diferentes, uma para cada pessoa voluntária. No modelo contido nesta dissertação, o texto apresenta o seguinte enunciado: “Teresinha Martins, 48 anos. HIV Positivo há 27 anos. Cedeu sangue para este cartaz.”. Com essa informação, o cartaz é associado a uma pessoa real e parece ampliar seu poder de persuasão devido a essa comparação inusitada. Moles há tempos já argumentava sobre os papéis desempenhados pelo cartaz como suporte em nossa sociedade. Função que esta campanha parece resgatar com muita força e propriedade. Segundo ele, o cartaz também é um agente de cultura. Nas palavras do autor: O cartaz é, na sociedade urbana, cujos muros são povoados de imagens, um dos mais poderosos fatores, ao lado das vitrinas das lojas, do que se chamou de autodidaxia: autoformação do indivíduo pela contemplação – a um nível de atividade extremamente fraca, quase passiva, mas indefinidamente renovada – de um certo número de imagens que são elementos de cultura; o inventário da civilização cotidiana, o conhecimento dos objetos, das funções e dos serviços, os elementos da jurisprudência, as regras do comportamento, a imagem dos países longínquos, as escalas de valores políticos, são, em larga medida, fornecidas ao adulto por este permanente ensino do qual participam quase igualmente o cartaz, a vitrina e o jornal. (MOLES, 1987, p. 54) 123 As cores e fontes usadas no cartaz, evidenciadas nos Frames CAR8-5 e CAR8-6 são clássicas e contrastantes, em um layout igualmente clean e elegante, tudo para destacar, a partir de conceitos minimalistas, a importância que carrega esta mensagem. O vermelho, a cor do sangue, é que aparece com mais evidência. No Frame CAR8-7, destacamos a marca do GIV – Grupo de Incentivo à Vida, que assina a campanha. Sem fins lucrativos, a ONG, que não possui ligação de natureza política, partidária ou religiosa, luta pelos direitos das pessoas que vivem com HIV/Aids e das populações mais vulneráveis à infecção. 6.4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Sabe-se que, desde o surgimento da Aids, na década de 1980, as campanhas de prevenção, assim como o conceito da própria doença, foram se transformando. Também é relevante considerar que a diversidade das campanhas parecem ser uma tentativa de acompanhar a necessidade de aproximação e persuasão com os diferentes perfis de público. A primeira peça analisada, o OUT1 – “Um deles tem HIV. O outro sabe”, lançada em âmbito nacional, apresenta uma quebra do modelo preventivo repetidamente explorado em campanhas precedentes, através do incentivo ao uso da camisinha. Essa peça, na verdade, enfatiza o combate à discriminação aos portadores do vírus. A imagem de um casal se beijando marca uma projeção metonímica, em que o BEIJO simboliza AFETO. A campanha também se destaca pela utilização de pessoas reais, em que apenas uma delas é portadora do vírus. Essa abordagem reforça o objetivo da mensagem, mostrando que é possível conviver de forma natural com quem possui o vírus. Esse é um movimento fundamental para ajudar na qualidade de vida das pessoas que vivem com Aids, buscando a eliminação de um dos seus sintomas mais cruéis: o preconceito. Sontag afirma que quem contrai o vírus, descobre que faz parte de um determinado “grupo de risco”. A autora, ao sustentar a ideia de que a doença expõe seus portadores a determinados rótulos, declara que: “é uma experiência que isola e expõe os doentes a discriminações e perseguições.” (2007, p. 97). Justamente por ser utilizado num outdoor, um material dinâmico e de leitura rápida, no OUT1 a imagem e o texto atuam de forma complementar e ajudam a causar o impacto necessário para a mensagem de que não é preciso ter medo de contrair a doença através de um beijo ou de qualquer outra forma de carinho. Newton Cesar, ao abordar a criação de materiais em grandes formatos na publicidade, garante que o outdoor requer agilidade e instantaneidade 124 na criação da mensagem. Ele pondera: “Com o outdoor, você tem, no máximo, 8 segundos para atrair a atenção desse consumidor”. (2011, p. 53). O CAR1 – “Sem camisinha não dá”, por outro lado, apresenta o enfoque preventivo, direcionando a mensagem para um público feminino jovem. A campanha tem como objetivo principal influenciar o comportamento desse público em que a incidência do vírus é elevada. Em seu contexto, a peça utiliza referenciais voltados a esse target: a imagem de uma garota, a utilização de linguagem que se utiliza de expressões ambíguas, o apelo ao corpo e a referência ao carnaval. A principal metáfora conceitual que define a linguagem da campanha é: O CORPO E SUAS PARTES SÃO OBJETOS. Essa representação insere a ideia do sexo como um ato de doação e assegura à jovem o poder de escolha, sugerindo que o ato sexual só deve ser feito se for com a proteção da camisinha. Além disso, a abordagem traduzida no cartaz insere um perfil de público bem diferente daqueles apontados de forma discriminatória como “grupos de risco”. Se, por um lado, tem-se a imagem de uma garota muito jovem, com uma fantasia que carrega um tom apelativo, por outro, tem-se uma inovação ao direcionar, de forma clara, o apelo persuasivo da mensagem. Bastos interpreta que “a crise da Aids, na sua estreita associação com temas tabus para qualquer agenda conservadora, como o homossexualismo ou o consumo de drogas, confrontou os governos conservadores com dilemas complexos.” (2006, p. 46). A linguagem apresentada nesta campanha, portanto, não negligencia a realidade de que a epidemia também por ser contraída por garotas muito jovens, que iniciam sua vida sexual cada vez mais cedo. Através da análise do OUT2 – “Camisinha é bom, bom, bom”, que integra uma campanha lançada pelo governo baiano, pode-se constatar a presença de marcados traços regionais. Ao usar a figura do cantor Leandro Santana, buscou-se, metonimicamente, a identificação dos jovens com essa personalidade. Pode-se interpretar que essa escolha representa um protótipo (idealizado) do jovem baiano: gosta de axé, canta, dança, possui pele morena e corpo atlético. No caso de uma campanha de prevenção da Aids, esse modelo cultural estereotipado serve como um incentivo a outros jovens como ele (ou que se identificam com ele) a usarem camisinha em suas relações sexuais. Com base na análise, é possível afirmar que a utilização de marcas regionais é uma estratégia que pode auxiliar para a eficácia da mensagem. De acordo com Bastos, “neste início de século XXI, a epidemia de Aids segue em expansão, com marcadas assimetrias regionais e populacionais”. (2006, p. 83). O autor utiliza a expressão: “espelho invertido das riquezas do mundo” (2006, p. 83). Ele acentua que existe 125 um grupo de países desenvolvidos, compostos por sociedades homogêneas, onde a doença foi estabilizada ou revertida. Existe um segundo grupo, na classificação do autor, que é formado por sociedades ricas, mas heterogêneas, como é o caso dos Estados Unidos, onde ocorre a exclusão social e/ou étnica em segmentos expressivos da população. Ele reitera que: “os negros, ou afro-americanos, que correspondem, grosso modo, a 13% da população, norte- americana perfazem hoje 50% dos novos casos de Aids notificados naquele país.” (2006, p. 84). O autor também esclarece que existem regiões desfavorecidas, que são acometidos de uma “sinergia de males”. (2006, p. 85). Em sua discussão, Bastos entende que são “locais onde se congregam populações marginalizadas, que habitam guetos sociais, raciais ou linguísticos, à margem de qualquer proteção social.” (2006, p. 85). Através desse raciocínio do autor, pode-se avaliar a importância de campanhas preventivas que levam em consideração os traços específicos de cada região, considerando os modelos que irão ajudar a criar mecanismos de identificação e influência a jovens e adultos de determinado segmento cultural. E, mais importante ainda, é direcionar as campanhas aos setores da população menos favorecidos economicamente, onde há maior risco de contágio, conforme vimos também no capítulo 3. O CAR2 – “AIDS: ela não perde uma balada”, apesar de destacar um atributo característico do universo jovem, que é a festa, fez uso de um traço regional: o termo balada. Como foi dito anteriormente, a campanha foi desenvolvida no estado de São Paulo, para um público jovem frequentador de casas noturnas, justamente onde o termo foi disseminado. Contudo, a “balada” representada na imagem, não caracteriza exatamente a alegria. Pelo contrário, ela sublinha a presença ameaçadora da doença, que pode estar em qualquer parte. Essa onipresença é reforçada pelo texto, através do recurso da personificação, e da própria imagem, que parece estar “abrigando” e “escondendo” o vírus. Mesmo caracterizando-se por elementos que fazem parte da vida desse target da campanha, o apelo da mensagem parece alimentar um certo tom de ameaça, estratégia que foi frequentemente utilizada em campanhas veiculadas nas décadas de 1980 e 1990. A peça apresentada no CAR3 – “Isso rola muito. Esperar por isso não rola”, assim como foi evidenciado no OUT1, também introduz a quebra de um tabu, ao utilizar a imagem de um casal em que um deles é travesti. O preconceito é um tema que coloca os portadores do vírus em uma situação de vulnerabilidade, pois ele ratifica alguns mitos da doença. Ao discorrerem sobre a vulnerabilidade e prevenção do HIV/Aids, Marques Junior, Gomes e Nascimento avaliam que: “comumente – pessoas que não são vistas dentro de certo padrão costumam ser percebidas como aquelas que contribuem para a disseminação da doença.” 126 (2012, p. 515). Segundo os autores, esse tipo de preconceito pode ter sido gerado a partir do quadro epidemiológico do início da Aids. Porém, até hoje, grande parte da sociedade ainda compactua com a ideia. Portanto, essa representação visual do casal é uma forma de causar impacto e mostrar que esse tipo de relação também “rola”. As metáforas visuais e verbais que compõem a peça formam um conjunto de impressões, como foi descrito na análise. Destaca-se, porém, a utilização da gíria com o verbo “rolar”, explicitando uma linguagem voltada ao público jovem. O desvio da norma culta ou padrão, como fator persuasivo na publicidade, é uma estratégia citada por Sandmann. Porém, o autor salienta que esses desvios “não devem ser gratuitos, mas ter um especial interesse comunicativo, de chocar, chamar a atenção do interlocutor. Só esse especial interesse comunicativo os justificará ou lhes dará legitimidade.” (2012, p. 48). Roman Jakobson também pondera que é preciso ter cuidado na designação do termo “desvio”. Ele faz a seguinte elucidação: “As citações metafóricas não representam desvios; são processos regulares de certas variedades estilísticas que são subcódigos de um código total.” (2010, p. 108). Um dos exemplos elaborados pelo autor é “quando Shakespeare transpõe metaforicamente um nome inanimado para o gênero feminino – the morning opens her golden gates [a manhã (neutra em inglês) abre suas (dela) portas de ouro]” (2010, p. 108). No julgamento do autor, a frase é dotada de sentido e, sendo assim, pode ser submetida a uma prova de veracidade. Pode-se considerar como um desvio na linguagem culta, o título do CAR4 – “Xamêgo bom, só com camisinha”. A expressão xamêgo, como vimos anteriormente, contém uma troca nas consoantes logo no início do vocábulo, em que o ch foi substituído por x. Porém, essa troca linguística pode reforçar, ainda mais, o sentido da peça, se levarmos em conta o contexto em que ela se insere. Entre as hipóteses que foram levantadas, acredita-se que o termo possa ter sido usado dessa forma para reforçar a sua marca regional. O cartaz, através de metáforas verbais e visuais, foi concebido para destacar a cultura popular do nordeste, usando peculiaridades que destacam os traços da região. O CAR5 – “Se tem festa, tem que ter camisinha”, também foi concebido com uma intenção clara de regionalização. Porém, ao contrário do CAR4, que foi divulgado apenas na região nordeste, esta peça foi criada para utilização em todo o território nacional. A tentativa foi de elencar, em apenas uma peça, elementos representativos e marcantes da cultura nacional. Sabe-se, entretanto, que o país é composto de um vasto território, e que muitos traços de regionalidades não foram contemplados. A iniciativa, porém, comprova a existência de uma política, por parte dos órgãos públicos, de realizar campanhas preventivas com a 127 estratégia da regionalização. Mesmo tendo sido lançada no Carnaval, a campanha também busca legitimidade em outros tipos de festas populares representativas da cultura do país. Na campanha apresentada pelo CAR6 – “Proteja o gol”, o tema futebol foi explorado como uma metáfora para a proteção contra a doença. Destaca-se que essa campanha foi uma iniciativa importante, pois fugiu do padrão convencional das campanhas, lançadas, normalmente, apenas na época do carnaval e do Dia Mundial da Luta contra a Aids – 01 de dezembro, aproveitando um evento importante para a cultura nacional e de projeção internacional. No estudo de Denys Cuche (2002), ele argumenta que existe, em todas as culturas, uma consciência coletiva, resultante dos ideais, valores e sentimentos comuns dos indivíduos. O autor faz uma interpretação da teoria da consciência coletiva, abordada por Emile Durkheim (1858-1917). Cuche relata que, para Durkheim, essa consciência coletiva é que realiza a unidade e a coesão de uma sociedade. Seguindo esse raciocínio, pode-se concluir que a utilização de um evento como a Copa do Mundo para a campanha de prevenção à Aids, principalmente num ano em o evento futebolístico foi realizado no Brasil, é uma ação importante para atingir diferentes camadas sociais da população e garantir a coesão e o entendimento da mensagem, através de um sentimento coletivo em que prevalece o indivíduo e coloca o Brasil como o país do futebol, tornando-o um traço relevante da cultura nacional. Kress reforça que a cultura acompanha a comunicação. Ele considera que “as práticas representacionais e comunicacionais são constantemente alteradas, modificadas, como é em 77 toda cultura.” (2010, p. 7). Também é uma marca desta campanha a utilização de uma personalidade: o jogador de futebol David Luiz, que desempenha a função de defensor dentro de campo e conduz a metáfora visual sobre a defesa do próprio corpo. A campanha realizada pela CNBB e UNAIDS, apresentada no CAR7 – “AIDS não tem cura, mas tem tratamento”, destaca outra personalidade: o Padre Fábio de Melo. Nesse exemplo, porém, a campanha utiliza um modelo de linguagem que, inicialmente, apela ao medo e ao terror, mas atenua o pânico provocado na oração inicial, com a informação de que a doença tem tratamento. É importante ressaltar que esta peça contém a “assinatura” da igreja católica, e mesmo apresentando uma linha criativa mais contida (verbal e visualmente), trata- se de uma importante ação para a ampliação do público-alvo, comprovando, até certo ponto, que o discurso sobre a doença evoluiu e vem tomando novas proporções na sociedade. Vale salientar, entretanto, que o cartaz tem como foco incentivar a realização do teste de Aids (o que é muito importante para detectar novos casos e iniciar o tratamento), mas não aborda, 77 Do original: “Representational and comunicational practices are constantly altered, modified, as in all cultures”. 128 mais especificamente, a sexualidade, a drogadição e os meios preventivos. Muito longe dos denominados “grupos de risco” de outrora, os frequentadores da igreja carregam um estereótipo do bom comportamento e da renúncia ao prazer carnal. Para Sontag, “o modelo de comportamento altruístico de nossa sociedade, a doação anônima de sangue, foi comprometido, pois todos encaram com desconfiança o sangue alheio.” (2007, p. 135). A autora admite que a doença não apenas conduzia a uma visão moralista da sexualidade, mas também a uma cultura do interesse próprio: o “individualismo”. Ela também afirma que muitas campanhas de saúde, principalmente quando se tratam de doenças venéreas, tem dificuldades e relutam em apresentar informações sobre práticas sexuais mais seguras. A última campanha analisada nesta pesquisa, o CAR8 – “Eu sou um cartaz HIV Positivo”, é mais um indício de que, apesar de campanhas e mensagens terem evoluído muito, após cerca de três décadas do surgimento da doença, ainda é crucial a divulgação de informações sobre HIV/Aids que ajudem a eliminar a discriminação aos seus portadores. Uma representação metonímica com a utilização do próprio sangue de pessoas soropositivas foi o grande diferencial da mensagem. Assim como no OUT1, em que foram utilizadas pessoas reais na campanha, o cartaz também contou com voluntários soropositivos que cederam seu sangue e que sentem, na pele, a crueldade do preconceito. Sontag afirma que doenças como a sífilis e a tuberculose chegaram a ter uma sinistra reputação positiva, pois eram associadas a atividades mentais intensas. Porém, segundo ela, “a AIDS, assim como o câncer, não dá margem a idealizações românticas ou sentimentais, talvez por ser demasiadamente forte a associação entre doença e morte.” (2007, p. 95). Também é importante destacar a função social deste cartaz, que conseguiu ser autêntico na luta contra o preconceito, envolvendo pessoas reais, que transferiram seu próprio sangue para a peça publicitária. O cartaz, neste caso, reacende uma de suas funções mais primárias no cenário urbano, a função educadora. Moles afirma que: A função artística do cartaz é um dos domínios reservados, onde se elabora uma cultura nova pelo jogo das ações e reações, e se supuséssemos, em última instância, que ao dissolverem os cartazes na banalização de suas cópias, recusadas ou negligenciadas pelos cidadãos, lavadas pela chuva sobre os muros da cidade, acabassem por reduzir-se a uma pasta de papéis, sem interesse para ninguém, ainda lhes restaria um interesse e uma função: a da criação artística absoluta, a que os torna objetos de coleções nas iconotecas da cultura cumulativa. (1987, p. 56) Outra característica peculiar desta peça é que ela transgride a máxima de que um cartaz é um meio que deve conter pouca informação. Ao detalhar a execução de um cartaz, 129 uma das primeiras orientações de Cesar é: “não use muito texto [...] não se esqueça que as pessoas não estão sentadas confortavelmente e, por conseguinte, dispostas a ler todos os detalhes.” (2011, p.50). O autor ainda acrescenta: “Coloque as informações básicas, aquelas que não podem deixar de constar e procure sintetizar todo o conteúdo da ideia na imagem e no título.” (2011, p. 50). Porém, essa transgressão pode ter sido usada justamente para chamar a atenção e provar que sim, as pessoas ainda leem. Figueiredo, por sua vez, é quem destaca a importância do texto na publicidade, numa época em que se criou o mito de que ninguém lê anúncios. Ele contrapõe essa ideia da seguinte forma: “o texto é a grande ferramenta de sedução, de convencimento e de transmissão de uma linha de raciocínio. Não é possível contar uma história com apenas uma imagem.” (2005, p. 31). As peças selecionadas para constituir o corpus desta pesquisa apresentaram linguagens distintas entre si, mas, apesar dessas abordagens diversificadas, comprovou-se que todas elas continham elementos que permitiram a identificação de marcas culturais, regionais, além de recursos multimodais da linguagem. A publicidade, de acordo com Santaella e Nöth, é um dos campos da produção cultural que mais depende da atenção dos receptores. Os autores argumentam que: “São exigências de primeira ordem as estratégias a serem empregadas pela publicidade para a constituição de um gênero próprio que fisgue a atenção não só reativa, mas também ativa dos receptores.” (2010, p. 5). Acreditamos que os traços encontrados nas análises do corpus evidenciam especificidades que acionam o processo perceptivo dos receptores e contribuem para a eficiência de campanhas que buscam a mudança de hábitos e comportamentos. Ao retomar o problema levantado nesta investigação, podemos concluir que a linguagem multimodal das campanhas voltadas à prevenção de HIV/Aids é construída através de diferentes recursos que exploram as diferenças culturais/regionais, contribuindo para provocar reações de natureza atitudinal e comportamental no público-alvo. A combinação de diferentes metáforas/metonímias verbais e visuais encontradas comprova que as campanhas contêm elementos que aproximam a mensagem à realidade do público a que se destinam, através de marcas regionais e modelos culturais e identitários que podem auxiliar na eficácia da mensagem publicitária. A regionalização da saúde, como vimos, aparece também nas estratégias das políticas públicas do país. Lima, Machado, Albuquerque e Iozzi afirmam que “regionalização e descentralização são princípios norteadores da configuração político-territorial do Sistema Único de Saúde (SUS).” (2012, p. 823). As campanhas preventivas analisadas, que em sua maioria são coordenadas por órgãos públicos, parecem seguir esses modelos e políticas, 130 enfatizando o combate ao estigma e ao preconceito, e procurando atender a demandas e necessidades mais localizadas, de acordo com cada região. Kotler e Lee defendem que “o marketing social, como disciplina, deu passos enormes e teve um impacto positivo profundo sobre questões sociais na área da saúde pública, da segurança, do meio ambiente e do envolvimento comunitário.” (2011, p. 21). Trata-se, aqui, de usar as técnicas persuasivas da linguagem em seus diferentes modos de produção, utilizando-se de valores culturais e simbólicos, para incentivar condutas para o bem comum. Muito mais do que realizar campanhas preventivas, com informação completa, correta e eficaz, o marketing social e a publicidade precisam atender às expectativas e aspirações dos portadores do vírus, que ainda necessitam, mais do que superar os sintomas provocados pela doença, curar também a dor do estigma e do preconceito. 131 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao chegar no final desta pesquisa, temos convicção de que foi possível realizar uma vasta investigação a respeito do tema proposto, obtendo resultados importantes que podem dar margem a novas temáticas neste tipo de estudo. A saúde, enquanto política social, deveria atender plenamente aos direitos inerentes à condição de cidadania, o que nem sempre ocorre na prática. A partir da análise de modelos de atenção à saúde e das políticas públicas, foi possível situar, ainda que brevemente, aspectos importantes para a sistematização e promoção da saúde no Brasil, em especial ao caso da Aids, que obteve no país, desde o surgimento da epidemia, há cerca de 30 anos atrás, um modelo de ação eficaz para o controle, tratamento e qualidade de vida dos seus portadores. Com este estudo, também foi possível constatar que a regionalização é um dos conceitos e esforços que norteiam o trabalho desenvolvido pelos órgãos públicos na área da saúde, direcionando estratégias para o desenvolvimento de campanhas específicas, que abordam temas regionais e culturais para a aproximação com o público-alvo. Além disso, vimos que, no processo de formação de identidades, a Aids teve sua identidade construída a partir do estigma do aidético, representado, principalmente, pelos homossexuais, causando em seus portadores uma consequência tão dolorosa quanto os sintomas da doença. Através do marketing social, um tipo de marketing que se difere do comercial, pois não possui fins lucrativos, busca-se moldar esta disciplina para a criação de melhores condições de vida para todos. Dentro do mix de marketing, a publicidade atua como uma ferramenta para a promoção de conceitos criativos em diferentes canais de comunicação, com o objetivo de persuadir seu público-alvo. A linguagem persuasiva, estratégica para as campanhas publicitárias, foi analisada a partir da Linguística Cognitiva, através da multimodalidade da linguagem, escolha que pode ser considerada bastante assertiva para a análise deste corpus. Forceville (1996) aponta a publicidade como um meio eficaz para a compreensão das metáforas multimodais. O autor avalia que “um anúncio tem um objetivo inequívoco: vender ou promover um produto ou serviço. Se esta intenção central não for encontrada, o anúncio falhou. A publicidade tem, portanto, um grande interesse comercial em ter suas intenções 78 reconhecidas.” (1996, p. 65). Dessa forma, o autor entende que a publicidade fornece um 78 Do original: “An advertisement has an unambiguous purpose: to sell or promote a product or service. If this central intention does not come across, an advertisement has failed. Advertising thus has a great commercial interest in having its intentions recognized.” 132 corpus que permite a identificação de importantes modelos para a análise, pois o domínio- alvo precisa estar ligado ao produto anunciado. Outro ponto investigado foram justamente as implicações regionais, culturais e identitárias que formam a linguagem das peças. Foi possível comprovar, através das análises, como as metáforas verbais e visuais conectam-se à cultura em que estão inseridas. Traços regionais foram utilizados em campanhas locais, como é o caso do OUT2 – “Camisinha é bom, bom, bom”, do CAR4 – “Xamêgo bom, só com camisinha” e do CAR2 - “AIDS: ela não perde uma balada”. Na campanha apresentada no CAR5 – “Se tem festa, tem que ter camisinha”, as marcas regionais ficaram expressas ainda mais declaradamente, procurando unir representações e identidades que formam parte do território brasileiro e aproximar a linguagem da campanha aos seus receptores. As campanhas de veiculação nacional também fazem uso de especificidades da cultura para chamar a atenção dos receptores das mensagens. Citamos o exemplo do CAR6 – “Proteja o gol”, que recorre ao universo do futebol para mostrar como é importante se proteger da Aids. Ou, ainda, o CAR1 – “Sem camisinha não dá”, que explora um perfil de público bem distante daquele que era discriminado como pertencente ao grupo de risco da doença. A garota do cartaz é uma adolescente de cor branca e muito jovem. E, finalmente, campanhas como o OUT1 – “Um deles tem HIV. O outro sabe e o CAR8 – “Eu sou um cartaz HIV Positivo”, que desmistificam a identidade criada pela Aids, influenciado os leitores a mudarem seu ponto de vista sobre o preconceito em relação aos portadores do vírus. A campanha representativa do CAR3 – “Isso rola muito. Esperar por isso não rola”, usada com a imagem de um travesti, pode ser traduzida como uma inovação, pois quebra um tabu social ao apresentar um travesti em mídia nacional. Até mesmo a CNBB – Confederação Nacional dos Bispos, lançou sua campanha, apresentada no CAR7 – “AIDS não tem cura, mas tem tratamento”, fazendo um alerta sobre a importância de realizar o teste de Aids. As metáforas encontradas em peças publicitárias podem ser indícios dos discursos construídos sobre a doença. Com base neste estudo, concluímos que a linguagem multimodal tem um papel fundamental para a construção desses discursos, auxiliando a estabelecer relações positivas, não apenas com relação à proteção, mas também estimulando novas formas de olhar para a epidemia, desvinculando-se de preconceitos. A publicidade, nestes casos, assume um novo papel persuasivo, contribuindo para a qualidade de vida das pessoas e provocando um outro tipo de consumo: o dos modelos positivos. Consideramos, dessa forma, que o corpus selecionado nesta dissertação conseguiu 133 atender aos objetivos da pesquisa, permitindo responder positivamente ao problema proposto: a linguagem multimodal das campanhas voltadas à prevenção de HIV/Aids constrói-se a partir de recursos que expressam diferenças culturais/regionais para provocar reações de natureza atitudinal e comportamental em seu público-alvo. A partir dessa constatação, entendemos que a pesquisa poderia ser ampliada com esse mesmo tipo de corpus e ir além, através da análise conjunta de outras peças publicitárias como fôlderes, vídeos, spots ou mídias sociais. Diante do exposto, avaliamos que esta dissertação pode auxiliar no desenvolvimento de outros trabalhos de sua área de estudo, dentro das Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas (e.g., Linguística, Psicologia, Comunicação e Direito), em que a linguagem multimodal, através de mensagens persuasivas, pode auxiliar na transformação de hábitos e mudança de comportamentos, foco de atenção das campanhas sociais que influenciam atitudes para o bem. Infelizmente, ainda há muito a ser feito para garantir uma ação eficaz no controle do vírus. Segundo vimos, a Aids prolifera-se, especialmente, em centros urbanos, aproveitando- se da vulnerabilidade causada pela falta de recursos. Os grandes cinturões de pobreza concentram a maior parte dos novos casos do vírus. Entretanto, Bastos alerta: “qualquer ideia de sexo absolutamente seguro esbarra no contra-senso de uma certeza absoluta em um mundo de incertezas e probabilidades.” (2006, p. 50). O pesquisador também declara que “o pânico provocado pelas epidemias costuma despertar o que há de melhor e de pior em cada um de nós”. (BASTOS, 2006, p. 95). Certamente, de acordo com o autor, novas epidemias farão parte da vida, consequência de constantes mudanças climáticas, da devastação sistemática de nossos ecossistemas e de todas as suas implicações, dados que parecem carregar previsões apocalípticas para o futuro. Resta- nos, então, a esperança de que possamos enfrentá-las de um modo mais humano. 134 REFERÊNCIAS ARENS, William; SCHAEFER, David; WEIGOLD, Michel. Propaganda. Porto Alegre: AMGH, 2013. ARENDT, João Claudio. Do outro lado do muro: regionalidades e regiões culturais. RUA [online]. 2012, n. 18. 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