UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA CENTRO DE FILOSOFIA E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO Karina Feltes Alves LITERATURA E ESTRATÉGIAS DE LEITURA NO ENSINO MÉDIO: análise de proposta para a formação de leitores autônomos Caxias do Sul 2016 UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL CENTRO DE FILOSOFIA E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO Karina Feltes Alves LITERATURA E ESTRATÉGIAS DE LEITURA NO ENSINO MÉDIO: análise de proposta para a formação de leitores autônomos Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Flávia Brocchetto Ramos Caxias do Sul 2016 UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL “Literatura e estratégias de leitura no Ensino Médio: análise de proposta para a formação de leitores autônomos” Karina Feltes Alves Dissertação de Mestrado submetida à Banca Examinadora designada pela Coordenação do Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Educação. Linha de Pesquisa: Educação, Linguagem e Tecnologia. Caxias do Sul, 13 de setembro de 2016. Banca Examinadora: Dra. Flávia Brocchetto Ramos (orientadora – UCS) Dra. Luciane Todeschini Ferreira (UCS) Dra. Luciene Juliano Simões (UFRGS – ad hoc) Dra. Neiva Senaide Petry Panozzo (UCS) Dedico esta dissertação à minha mãe, Maria Leny, quem me apresentou o mundo das histórias e me inspirou a escrever a minha. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pelo caminho iluminado que tenho percorrido e pela vida cheia de amor, felicidade e paz. À minha família, presente de forma tão intensa em meu coração, por ter me ensinado, na prática, os valores mais íntegros e que constituem a pessoa que sou. Obrigada por acreditar na Educação como única condição para se estar no mundo... À minha avó, Elsa Maria, que na sua simplicidade soube ver ao longe, mais uma vez, e aconselhou-me o exercício da docência... Mal sabia ela o quão feliz eu seria nessa caminhada... Confesso que nem eu... Ao meu avô, José Orlando, que além de saudades, deixou em mim a leveza e a graça da vida... Gratidão por terem cuidado de nós quando nossa mãe não podia estar, pelas palavras certas nos momentos certos, pelas histórias compartilhadas, pelo exemplo de vida... À minha mãe, Maria Leny, que dedicou sua vida por suas filhas; que soube ser forte o suficiente para enfrentar as dificuldades que lhe foram impostas e frágil na medida para revelar a doçura do amor de mãe, totalmente incondicional... Obrigada por cada leitura antes de dormir; por sempre apoiar, incentivar e aceitar esta filha... A você todo meu coração, respeito e admiração... Ao meu pai, Ademar, com quem me foi permitida apenas uma breve passagem, mas o suficiente para ensinar sobre a dinâmica da vida... À minha irmã, Tatiane, minha primeira amiga, cuja alegria de vida me contagia e cujas conquistas me emocionam. Obrigada por muitas vezes ecoar o seu riso em meu coração quando nos encontramos... À Doralice, madrinha amiga, de quem sempre ouvi os melhores conselhos e com quem sempre compartilhei não somente minhas angústias e tristezas, mas minhas alegrias e conquistas. Obrigada por me ajudar a ler o mundo.... Ao meu esposo, José Simão, meu parceiro de vida, por embarcar nos meus sonhos como se fossem os seus, me fazendo acreditar que meus limites podem sempre ter maiores dimensões... Muito obrigada pelos sentimentos mais verdadeiros que fazem meus olhos brilharem todos os dias; pela paciência, pelo carinho e pelo zelo comigo, imensuráveis, incomparáveis e inalcançáveis... A você todo o meu amor... À minha professora orientadora, Flávia Brocchetto Ramos, quem me estendeu a mão e confiou no meu desejo de pesquisar e refletir sobre leitura literária na Educação. Obrigada por me apoiar em todos os momentos desse processo tão intenso e tão feliz, mas ao mesmo tempo tão fugaz.... Muito grata por apresentar autores que me foram essenciais para o aprofundamento das discussões suscitadas neste estudo... Às professoras Neiva Senaide Petry Panozzo e Luciane Todeschini Ferreira, pela leitura atenta e carinhosa do projeto de pesquisa no processo de sua qualificação, e à professora Luciene Juliano Simões, quem fez parte da minha trajetória acadêmica ainda na graduação em Letras. Obrigada por aceitaram o convite para compor a banca examinadora desta dissertação e pela possibilidade de uma interlocução privilegiada. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade de Caxias do Sul, pelas contribuições tão valiosas em cada um dos encontros em sala de aula (e além dela), fazendo-nos perceber que temos um compromisso com a transformação de uma sociedade tão desigual. Aos meus amigos e colegas de trabalho, pessoas queridas e genuinamente questionadoras, com quem tenho o prazer do convívio, e que me inspiram nas conversas menos pretensiosas... Agradecimento especial à Cinara Fontana Triches, quem generosamente me apresentou a Professora Flávia Brocchetto Ramos. Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, campus Farroupilha, que me proporcionou conciliar trabalho gratificante e formação continuada, apoiando esta pesquisa e, com ela, assumindo o valor que a literatura possui para o exercício da cidadania. Por fim, mas não menos importante, agradeço a todos os meus alunos, os que passaram, os que estão e os que ainda chegarão em minha vida, vocês me inspiram todos os dias... Agradecimento especial aos alunos da turma do 1º ano do Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio, de 2015, do IFRS - campus Farroupilha, sem os quais esta pesquisa não aconteceria. Muito obrigada! Não leio para fugir, porque não é possível fugir. Vou fazer uma frase de escritor: eu leio para aprender a minha liberdade. Matoub, estudante de Letras da periferia francesa, 24 anos RESUMO O objetivo desta pesquisa é investigar a aplicação de sequência de leitura, de maneira a identificar possíveis avanços no processo de formação leitora do aluno de Ensino Médio, considerando o uso autônomo e eficaz de estratégias de leitura. O planejamento das atividades da sequência, que constituem a empiria da investigação, tem como base os pressupostos metodológicos de Cosson (2014), no que concerne à elaboração de sequência expandida, e a metodologia norte-americana de ensino de estratégias de leitura, proposta por Harvey e Goudvis (2007). Além disso, permeiam o estudo as concepções de literatura, enquanto um ―direito de todo cidadão‖, promulgada por Candido (1972, 1995), de experiência, como elemento presente na atividade de leitura, conferida por Larrosa (2002), e as concepções de mediação e interação, como fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e para a aprendizagem, sustentadas por Vigotski (1996, 2009). Trata-se de pesquisa-ação, realizada em 2015, com alunos de uma turma de 1º ano de curso técnico integrado ao Ensino Médio, de instituição pública, em Farroupilha-RS. Os resultados da pesquisa, construídos a partir de questionários e tarefas escritas realizadas durante a aplicação da proposta de ensino criada pela pesquisadora, apontam para avanços no desenvolvimento das habilidades de leitura dos alunos investigados, indicando correlações entre as características de leitores autônomos e as estratégias por eles utilizadas. A análise dos resultados evidencia a maneira como os pesquisados, a partir da mediação do professor e da interação com o outro, vivenciaram o texto e se apropriaram das estratégias de leitura. Percebe-se que os sujeitos conceberam o texto literário como um instrumento que oportuniza possibilidades de conhecimento humano e alternativas para a libertação pessoal, contribuindo para o desenvolvimento de sua competência leitora. Palavras-chave: Leitura de romance. PNBE. Mediação. Competência leitora. Humanização. ABSTRACT The aim of this research is to investigate the application of reading sequence in order to identify possible improvements in the reading formation process of High School students, considering the independent and effective use of reading strategies. The activities of the sequence, which constitute the empirical research, were planned under the methodological assumptions of Cosson (2014), regarding the elaboration of expanded sequence, and the American methodology of teaching reading strategies, proposed by Harvey e Goudvis (2007). In addition, the theoretical foundation of this study is constituted by the concepts of literature, as "human beings‘ right", promulgated by Candido (1972, 1995), experience, as an element presented in reading activity, conferred by Larrosa (2002), and the concepts of mediation and interaction as fundamental to cognitive development and to the learning process, supported by Vigotski (1996, 2009). This study is an action research, conducted in 2015, with students of a first year class of a technical course integrated to High School, of a public institution, in Farroupilha-RS. The study results, constructed from questionnaires and written tasks performed during the implementation of the teaching proposal created by the researcher, indicate to advances in the development of reading skills of the investigated students, indicating correlations between the characteristics of independent readers and the strategies they use. The analysis evidences how the students, from the teacher‘s mediation and the interaction with others, experienced the text and appropriated the reading strategies. It is noticed that the individuals investigated conceived the literary text as a tool that provides an opportunity of human knowledge and alternatives for personal liberation, contributing to the development of their reading competence. Keywords: Novel reading. PNBE. Mediation. Reading competence. Humanization. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Linha do tempo: da elaboração da proposta de intervenção à análise dos dados 27 Figura 2 – Concepções de leitura: teorias ascendentes, descendentes e conciliatórias 37 Figura 3 – Etapas de leitura 39 Figura 4 – Democratização da leitura 49 Figura 5 – Experiência de leitura: macroplanejamento da sequência 64 Figura 6 – Os intervalos de leitura e o ensino de uso de estratégias de leitura 80 Figura 7 – Os intervalos de leitura e a intertextualidade que permeia a obra O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde 84 LISTA DE IMAGENS Imagem 1 – Resultado da atividade de motivação 65 Imagem 2 – Resultado da atividade de motivação 65 Imagem 3 – Retrato do personagem Dorian Gray 66 Imagem 4 – Retrato de Oscar Wilde 66 Imagem 5 - Retrato de Oscar Wilde 66 Imagem 6 – Cronologia da aplicação: o 1º intervalo de leitura 84 Imagem 7 - Cronologia da aplicação: o 2º intervalo de leitura 88 Imagem 8 - Cronologia da aplicação: o 3º intervalo de leitura 90 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Subníveis para a compreensão leitora 32 Quadro 2 – Pressupostos da visão transacional de Goodman 33 Quadro 3 – Questões sobre o escritor Oscar Wilde 67 Quadro 4 – Atividade da etapa de contextualização da sequência expandida 69 Quadro 5 – Características definidoras de leitor autônomo, a partir do uso de estratégias de leitura 77 Quadro 6 – Trechos da obra O retrato de Dorian Gray 85 Quadro 7 – Questionamentos sobre o texto Eco e Narciso, de Thomas Bulfinch 85 Quadro 8 – Etapa de Moldagem: apresentação das estratégias de leitura 86 Quadro 9 – Identificação de tópicos centrais e detalhes, por sujeito investigado 104 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Antes e Depois das atividades do 2º intervalo: compreensão do texto 93 Gráfico 2 – Antes e Depois das atividades do 2º intervalo: vocabulário do texto 94 Gráfico 3 – Antes e Depois das atividades do 2º intervalo: identificação das partes constitutivas da narrativa 95 Gráfico 4 – Antes e Depois das atividades do 2º intervalo: relação com a vida real 96 Gráfico 5 – Estratégia de Conexão 98 Gráfico 6 – Estratégia de Inferência 99 Gráfico 7 – Estratégia de Visualização 100 Gráfico 8 – Estratégia de Questões ao Texto 102 Gráfico 9 – Estratégia de Sumarização 103 Gráfico 10 – Estratégia de Síntese 105 Gráfico 11 – Comparativo do uso de estratégia de leitura entre o 2º e o 3º intervalos 108 Gráfico 12 – Estratégia de leitura: comparativo entre o uso efetivo e a visão do aluno sobre sua utilização no 2º intervalo 110 Gráfico 13 - Estratégia de leitura: comparativo entre o uso efetivo e a visão do aluno sobre sua utilização no 2º intervalo 113 Gráfico 14 – Apropriação de estratégias de leitura x desenvolvimento da competência leitora 122 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 16 1.1 PANORAMA DA LEITURA NO BRASIL: MOTIVAÇÃO PARA UMA PROPOSTA DIDÁTICA DE ENSINO DE LEITURA LITERÁRIA .................................................. 16 1.2 ESTRATÉGIA PARA ESTA LEITURA ........................................................................ 20 1.2.1 A escolha do cenário ...................................................................................................... 21 1.2.2 A escolha dos protagonistas .......................................................................................... 23 1.2.3 A escolha do enredo ....................................................................................................... 24 1.2.4 A escolha do fio condutor .............................................................................................. 25 2 EDUCAÇÃO, LEITURA E LITERATURA: A EXPERIÊNCIA QUE AS UNE ... 28 2.1 CONCEPÇÕES TEÓRICAS SOBRE O PROCESSO DE LEITURA ............................ 31 2.2 A LEITURA LITERÁRIA E A FORMAÇÃO HUMANA ............................................. 40 3 ENSINO DE LEITURA LITERÁRIA EM DIÁLOGO COM O ALUNO DE ENSINO MÉDIO ......................................................................................................... 45 3.1 JOVEM SUJEITO EM FORMAÇÃO: CARACTERÍSTICAS E CONCEPÇÕES DE LEITURA ........................................................................................................................ 45 3.2 ENSINO DA LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA ..................................................... 52 3.2.1 PCNs e suas orientações para o ensino de literatura .................................................. 60 3.3 A LEITURA LITERÁRIA PELO MÉTODO DA SEQUÊNCIA EXPANDIDA .............. 62 3.4 A METODOLOGIA NORTE-AMERICANA DE ENSINO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA ........................................................................................................................ 71 4 APLICAÇÃO DE SEQUÊNCIA DE LEITURA: POSSIBILIDADE PARA FORMAÇÃO LEITORA? ........................................................................................... 81 4.1 DETALHAMENTO DOS INSTRUMENTOS ............................................................... 83 4.1.1 O primeiro intervalo de leitura..................................................................................... 84 4.1.2 O segundo intervalo de leitura ...................................................................................... 88 4.1.3 O terceiro intervalo de leitura e o questionário final ................................................. 90 4.2 OS DADOS EMERGENTES DAS APLICAÇÕES: DESDOBRAMENTOS À LUZ DA TEORIA .......................................................................................................................... 91 4.2.1 Análise do antes e depois da leitura do texto com vistas ao uso das estratégias de leitura – 2º intervalo ...................................................................................................... 92 4.2.2 Uso das estratégias de leitura: comparativo entre o 2º e o 3º intervalos de leitura . 97 4.2.3 Comparativo entre o uso de cada estratégia e a visão do aluno sobre o uso – 2º intervalo ....................................................................................................................... 109 4.2.4 Comparativo entre o uso de cada estratégia e a visão do aluno sobre o uso – 3º intervalo ....................................................................................................................... 112 5 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 119 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 125 APÊNDICES ................................................................................................................ 130 ANEXOS ...................................................................................................................... 165 16 1 INTRODUÇÃO É consenso que a leitura é prática indispensável e fundamental para a formação humana, uma vez que ela possibilita o acesso ao conhecimento, amplia a visão sobre si e sobre o mundo, além de ser fonte inesgotável de prazer. No entanto, apesar de consideráveis investimentos por meio de programas de 1 incentivo à leitura , implementados nas escolas públicas, não são poucos os relatos, tampouco os resultados de pesquisas a respeito do baixo nível de letramento do leitor brasileiro. Desse modo, as duas seções que constituem este capítulo introdutório objetivam discutir dados para compreender esse panorama e apresentar os elementos que compõem a proposta de ensino de leitura literária elaborada e contemplada neste estudo, bem como as etapas definidoras de seu percurso e sua análise. 1.1 PANORAMA DA LEITURA NO BRASIL: MOTIVAÇÃO PARA UMA PROPOSTA DIDÁTICA DE ENSINO DE LEITURA LITERÁRIA De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (edição de 2012), encomendada pela Fundação Pró-Livro e pelo Ibope Inteligência, houve uma redução no número de leitores no País: de 95,6 milhões, registrada em 2007, para 88,2 milhões, com dados de 2011. Esse índice representa queda de 9,1% no universo de leitores ao mesmo tempo em que a população cresceu 2,9% neste mesmo período. Os dados também mostram que os brasileiros estão cada vez mais substituindo o hábito de ler jornais, revistas, livros e textos na internet por atividades como ver televisão, assistir a filmes em DVD, reunir-se com a família e com os amigos e navegar na rede de computadores por diversão. No que diz respeito ao gosto de navegar na rede, este dado vai ao encontro de pesquisa realizada no ano de 2014, no Instituto Federal do Rio Grande do Sul, campus Farroupilha, pela discente Júlia Duarte Schenkel, do 4º ano do Técnico Integrado ao Ensino Médio, sobre a visão que os alunos têm a respeito da prática de leitura. Nessa pesquisa, ao serem perguntados sobre as atividades que eles preferem realizar em seu tempo livre, 36% dos alunos responderam que gostam de ler e 29% responderam que gostam muito de ler. No 1 Importante destacar o incentivo à leitura que o governo tem feito desde 1997, através de programas, como o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), o qual consiste em enviar um acervo de obras literárias para as escolas públicas do país. A obra escolhida para a realização da investigação empírica que aqui se propõe constitui parte do acervo do referido Programa. 17 entanto, ler LIVROS é a preferência de apenas 22% dos alunos, ler TEXTOS LITERÁRIOS de poucos 3%, sendo a leitura em REDES SOCIAIS a que mais se destaca, com 47% da preferência. Nessa mesma pesquisa, foi apontado que 65% dos alunos ingressantes de escolas públicas consideram essencial a leitura, mas apenas 24% dizem gostar dessa prática. Este cenário faz suscitar indagações a respeito do desinteresse e da desmotivação para a leitura, em especial, a leitura literária, prática tão importante, por seu caráter humanizador e libertador para a formação de todo cidadão. Na busca por respostas, os olhares direcionam-se para a escola, espaço responsável pelo ensino formal, e para o educador, profissional responsável pelo desenvolvimento de habilidades e competências leitoras de seus alunos. No entanto, não há como ocultar a realidade que ilustra o contexto educacional brasileiro, derivada de uma série de questões definidoras, muitas vezes, do insucesso do desenvolvimento da formação leitora: pouca qualificação e baixos salários, escolas sem infraestrutura adequada para desenvolver práticas de ensino, carência de livros didáticos (apesar da valorização que vem sendo dada, através de programas nacionais, no sentido de enriquecer o acervo das bibliotecas), e, também, aspectos de ordem social e cultural. Desse modo, o trabalho didático-pedagógico fica bastante prejudicado, muitas vezes, sendo reduzido a um ensino fragmentado da literatura, a partir de exercícios mecânicos e destituídos de sentido. A atividade cognitiva e de fruição que caracteriza a leitura literária acaba sendo transformada pela escola no momento em que ignora a liberdade de expressão, imaginação, criação e autoconhecimento, sendo negado ao jovem a fruição da literatura que, segundo Antonio Candido (1995) é um ―direito‖ do ser humano, assim como tantos outros que ele tem e usufrui em suas vidas. A partir disso, algumas questões no que concerne à leitura de estudantes brasileiros, em especial, à leitura de obras literárias, provocam reflexão sobre as práticas pedagógicas que vêm sendo utilizadas nas atividades de leitura nas escolas. Dentre os questionamentos, destacam-se, por exemplo: quais são as leituras feitas por alunos ingressantes do Ensino Médio? Qual é a relação que esses alunos têm com a Literatura? Como se dá o processo de leitura de obras literárias no Ensino Fundamental? Por que os dados sobre letramento no Brasil são tão insatisfatórios? Qual é a responsabilidade do 2 professor de literatura no processo de formação leitora? Que estratégias de leitura são relevantes para auxiliar o aluno no desenvolvimento da competência leitora e que podem contribuir com o seu desenvolvimento cognitivo e para a compreensão da literatura como arte 2 O termo estratégia é entendido neste estudo como determinado recurso utilizado pelo leitor durante o processo de leitura para auxiliar a compreensão do texto. 18 e como atividade de fruição? O ensino do uso de estratégias de leitura pode auxiliar o aluno a tornar-se um leitor autônomo? Que obras o estudante tem o direito de conhecer? Assim, pensando em traçar um panorama a respeito de estudos já concluídos, motivados por tais questionamentos, foi delineado o Estado da Arte, tomando como base pesquisas desenvolvidas em nível de Mestrado e Doutorado em diferentes universidades do Brasil, no período de 2008 a 2014. Analisando teses e dissertações, percebeu-se que há preocupação e reflexão a respeito do ensino de literatura com vistas ao letramento literário no contexto escolar. No entanto, três constatações foram importantes para direcionar a proposta de pesquisa que culminou nesta investigação: o maior foco de discussão dos estudos analisados é centrado no Ensino Fundamental, não no Ensino Médio; também, não são contempladas análises de ensino de literatura, pensando na implementação de estratégias de leitura no Ensino Médio, relevante para o desenvolvimento da formação leitora do estudante; além disso, em apenas um estudo (tese de doutorado de Ernani Mügge (2011), intitulada ―Ensino Médio e formação literária: propostas para a formação do leitor‖) o gênero romance foi tomado como base para análise de proposta de letramento literário. Diante disso, e pensando em ampliar as discussões acerca de temática que demanda maior exploração, decidiu-se por realizar este estudo, elaborando, aplicando e analisando proposta de ensino de leitura de romance literário a alunos de Ensino Médio, com vistas ao letramento literário e ao ensino de estratégias de leitura. É desse contexto que surge a questão norteadora desta pesquisa: a aplicação de sequência de leitura com vistas ao ensino de estratégias de leitura de texto literário pode contribuir para a formação de um leitor autônomo? Assim, a relevância científica desta pesquisa reside na reflexão acerca da presença intencional da literatura na formação do estudante, por meio da apresentação de uma proposta didática que busca aproximar jovens leitores e literatura clássica, vislumbrando o desenvolvimento da competência leitora. Sob esta perspectiva, pensa-se que a iniciativa de elaborar, aplicar e analisar uma proposta metodológica sob dois olhares atentos – para o acesso do texto literário e para o ensino de estratégias de leitura – ambos objetivando o desenvolvimento da competência leitora de estudantes de Ensino Médio, vem a corroborar com o propósito da linha de pesquisa Educação, Linguagem e Tecnologia, do programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (PPGEdu/UCS). Ainda, mesmo que de forma muito inicial, este estudo pode contribuir para pensar práticas de leitura, em especial, de romances literários, associadas ao Ensino Médio, representando possibilidade para qualificar a Educação Básica. 19 No decorrer das leituras para compor o aporte teórico deste estudo, duas em especial foram caras para o desencadeamento da empiria da investigação: Cosson (2014), que, ao propor a sequência expandida, oferece uma alternativa para o letramento literário na escola que vai ao encontro do entendimento da relação entre literatura e educação assumida pela investigação; e Harvey e Goudvis (2007), estudiosas que propõem a metodologia norte- americana de ensino de estratégias de leitura, a qual busca desenvolver as habilidades para essa prática, oferecendo subsídios que contribuam para a autonomia leitora de estudantes. Além disso, como pano de fundo desta pesquisa, estão as concepções de literatura, enquanto um ―direito‖ de todo cidadão, promulgada por Candido (1972, 1995), de experiência, como elemento presente na atividade de leitura, conferida por Larrosa (2002), e as concepções de mediação e interação, como fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e para a aprendizagem, sustentadas por Vigotski (2009). Com base neste arcabouço teórico e com o olhar refinado para o objetivo geral de investigar a aplicação de sequência de leitura com vistas ao ensino de estratégias de leitura a partir de uma obra literária que constitui o acervo do PNBE/2013 - Ensino Médio, no que tange à formação de um leitor autônomo, a estrutura da dissertação alicerça-se em cinco capítulos. Neste primeiro, que se constitui como capítulo introdutório, são apresentadas as informações a respeito da pesquisa de maneira a elucidar ao leitor as etapas percorridas na investigação, revelando as escolhas feitas no desenrolar do processo e que compõem o cenário empírico e de caráter qualitativo deste estudo. O segundo capítulo, intitulado ―Educação, leitura e literatura: a experiência que as une‖, apresenta o aporte teórico que sustenta a pesquisa, a saber, as concepções de educação (ROUSSEAU, 1999; DEWEY, 1997, 2002; VIGOTSKI, 2009), leitura (SMITH, 1991; BAKHTIN, 2003; SOLÉ, 1998), literatura (CANDIDO, 1972, 1995), aprendizagem (VIGOTSKI, 1996, 2009) e, em especial, o entendimento sobre letramento literário, trazido por Cosson (2014) e sobre ensino de estratégias de leitura apresentado por Harvey e Goudvis (2007), que, juntos, compõem a perspectiva teórico-metodológica adotada neste estudo. O terceiro capítulo, por sua vez, denominado ―Ensino de leitura literária em diálogo com o aluno de Ensino Médio‖, dedica-se a olhar atentamente para o sujeito da investigação, apresentando dados a respeito da cultura juvenil, e cruzando-os com as práticas de leitura e a valorização da cultura escrita. Ao cotejar esses dois aspectos, é apresentado o delineamento da proposta de aplicação da sequência de leitura, com vistas ao ensino de estratégias de leitura. Além disso, é apresentado um panorama sobre o ensino de literatura no Brasil, as orientações 20 dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) a respeito do ensino de literatura no Ensino Médio e os reflexos de programas como o PNBE no atual cenário educacional. No quarto capítulo, ―Aplicação de sequência de leitura: possibilidade para formação leitora‖, é realizada a descrição reflexiva de cada instrumento elaborado e aplicado aos sujeitos investigados, não perdendo de vista o entendimento de leitura enquanto experiência de interação com o outro, ao mesmo tempo em que se privilegia o desenvolvimento das habilidades de leitura, a formação humana e a autonomia de leitura do sujeito. Após o delineamento dos instrumentos aplicados, é realizada a análise dos dados apresentados, observando atentamente as possíveis relações entre o uso de diferentes estratégias de leitura e o desenvolvimento da autonomia leitora dos participantes do estudo. As palavras oferecidas pelos alunos investigados, por meio de suas respostas aos instrumentos aplicados, exigem da pesquisadora responsabilidade ímpar, uma vez que ao representar o corpus de análise deste estudo, delas emergem os dados que irão compor os resultados da pesquisa, os quais poderão corroborar (ou não!) com a premissa de que o ensino de estratégias de leitura, a partir da aplicação de sequência de leitura, contribuem para o desenvolvimento da autonomia de leitura dos alunos. Por fim, no quinto capítulo, dedicado às reflexões finais suscitadas pela investigação, é realizado um exercício metacognitivo de maneira a estabelecer relações de síntese entre as diferentes etapas do estudo, evidenciando possíveis contribuições para o ensino de leitura literária em contexto escolar, com vistas a garantir ao aluno, mais que o acesso à escola, seu direito à aprendizagem. O percurso trilhado neste estudo possibilita verificar como o estudante, convidado a experienciar uma leitura orientada por uma prática pedagógica que busca suscitar a percepção, a imaginação e a criticidade do sujeito leitor, é capaz de ampliar suas possibilidades para o desenvolvimento das habilidades cognitivas, aprimorando, assim, sua competência enquanto sujeito leitor. Fomentar a prática da leitura literária sob esses preceitos significa dar valor à formação humana, oferecendo oportunidades de reflexão sobre o mundo e sobre o outro, constituindo experiências humanas do sujeito. 1.2 ESTRATÉGIA PARA ESTA LEITURA Durante o processo de elaboração do projeto desta pesquisa, momento permeado por intensas leituras e estudo a respeito da temática abordada – a presença intencional da literatura no contexto escolar e a formação de leitores autônomos – algumas escolhas no âmbito da 21 pesquisa científica precisaram ser tomadas. A estas escolhas devem-se os desdobramentos gerados no transcorrer da investigação, revelando sua natureza empírica e de caráter qualitativo. Por isso, considera-se importante detalhar neste momento, quais são as escolhas feitas, apresentando ao leitor um delineamento dos elementos que compõem a investigação e que acabam caracterizando o lugar de onde fala esta pesquisadora. Destaca-se que a pesquisa somente foi possível por sua aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) - Anexo A – seguindo, assim, rigorosamente os trâmites acerca da ética em pesquisa com seres humanos, além de contar com o acolhimento do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), campus Farroupilha. 1.2.1 A escolha do cenário O espaço escolhido para o desenvolvimento deste estudo é o Instituto Federal de 3 Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) , campus Farroupilha, escola que há cinco anos constitui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Com reitoria em Bento Gonçalves, o Instituto foi criado a partir da Lei n°11.892, de 29 de dezembro de 2008, que instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. No total, são 38 institutos federais presentes em todos os estados do País, que atuam formando e qualificando cidadãos tendo em vista a atuação profissional para os variados setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local e regional onde estão inseridos. A opção pelo IFRS, campus Farroupilha, como espaço de realização da pesquisa, deve-se, pois, além de ser o local de atuação profissional da pesquisadora, é também escola que contempla como público estudantes de Ensino Médio. Além disso, há no campus o Projeto Feira Literária, que objetiva proporcionar aos alunos o contato com a literatura de uma forma distinta, através da dramatização teatral e criação de cenários, concebendo a leitura literária como fonte de informação, fruição, conhecimento e de ressignificação do mundo e do ser do sujeito. Essa concepção de ensino de textos literários condiz com os princípios e entendimentos a respeito da prática de leitura, fomentados na pesquisa em questão. 3 Informações disponíveis em: http://www.farroupilha.ifrs.edu.br/site/index.php. Acesso em 02-11-2014. 22 Assim, o estudo que se apresenta insere-se no Projeto Feira Literária, propondo a 4 aplicação de uma sequência de leitura com vistas ao ensino de estratégias de leitura, na qual 5 serão tomados como foco de análise os momentos denominados intervalos de leitura , conforme destacado no organograma a seguir: Organograma - Macroplanejamento do Projeto Feira Literária FEIRA LITERÁRIA ELABORAÇÃO DE TRANSPOSIÇÃO DA LEITURA E CENÁRIOS E OBRA LITERÁRIA ANÁLISE DA OBRA FIGURINOS - PARA ROTEIRO LITERÁRIA APRESENTAÇÃO TEATRAL TEATRAL SEQUÊNCIA DE LEITURA MOTIVAÇÃO INTRODUÇÃO LEITURA 1ª INTERPRETAÇÃO 2ª INTERPRETAÇÃO INTERVALOS DE LEITURA (3 intervalos com foco no ensino de estratégias de leitura) Fonte: elaborado pela pesquisadora 4 A sequência de leitura toma como base a sequência expandida (Cosson, 2014) e a metodologia norte-americana de ensino de estratégias de leitura (Harvey e Goudvis, 2007), a qual busca favorecer a organização mental de recursos que vão do mais simples ao mais complexo, auxiliando a autonomia leitora do indivíduo. 5 Cosson (2014) sugere momentos de verificações denominados intervalos de leitura, os quais propiciam aos alunos estabelecerem relações com outros textos, desenvolvendo suas habilidades leitoras, representando, assim, oportunidades de enriquecimento e de efetividade da leitura do texto principal, que é realizada extraclasse. 23 As atividades planejadas para os três momentos denominados intervalos de leitura, constitutivos da sequência de leitura e que representam os subsídios para a análise de dados da pesquisa, objetivam desenvolver a compreensão leitora e as habilidades cognitivas dos alunos, com o foco no ensino de estratégias de leitura. Consideram-se estas etapas fundamentais para a apropriação do texto literário pelos alunos, contribuindo para as atividades subsequentes do Projeto Feira Literária, as quais não são abordadas neste estudo, de maneira a preservar a dimensão definida como campo de pesquisa. 1.2.2 A escolha dos protagonistas Os sujeitos da investigação são alunos constituintes do 1º ano do Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio, do ano de 2015, cujos pais ou responsáveis permitiram a participação através de Termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice A), juntamente com a professora pesquisadora deste estudo. A escolha pelos alunos de 1º ano deve-se pelo fato de eles serem novos na instituição, vindos de diferentes escolas de Ensino Fundamental, e, de acordo com dados provenientes do Questionário para sondagem inicial (Apêndice B), com diferentes visões e experiências a respeito da leitura literária, o que os constituem sujeitos que favorecem a obtenção de dados que a pesquisa em questão demanda. Os dados revelam que muitos dos sujeitos gostam da prática de leitura, mas que não têm por hábito ler livros literários, destacando que no Ensino Fundamental a ênfase dada era na leitura de gêneros de textos de caráter informativo, presentes em jornais e revistas. A turma é formada por 32 alunos, sendo um deles com necessidades especiais (cego e cadeirante). Dos 32 estudantes, quatro frequentaram apenas escola particular no Ensino Fundamental, quatro cursaram esse nível de ensino parte em escola pública, parte em instituição particular, e os outros 24, estudaram apenas em escola pública. Vale ressaltar que todos os discentes entregaram o Termo de consentimento livre e esclarecido, estando, portanto, autorizados a participarem da pesquisa por seus pais ou responsáveis. No entanto, apenas 26 alunos são considerados sujeitos informantes para o estudo, uma vez que os demais não estiveram presentes em todas as aplicações, comprometendo a observância do desenvolvimento das habilidades de leitura destes sujeitos. 24 1.2.3 A escolha do enredo A obra literária escolhida para leitura e análise à luz da proposta apresentada por Cosson (2014) com vistas ao ensino de estratégias de leitura é o clássico O retrato de Dorian 6 Gray, de Oscar Wilde , pertence ao acervo do Programa Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE/2013). A edição selecionada da obra é a traduzida por Paulo Schiller (WILDE, 2012) e sua escolha ocorreu pelo fato de os alunos não conhecerem a obra do escritor inglês, de grande importância no cenário internacional, permeada por questões polêmicas e geradoras de profundas reflexões a respeito de valores humanos. A condução da leitura e a discussão do texto são realizadas por meio da mediação da professora-pesquisadora, considerando a necessidade de motivar os alunos à leitura da obra literária a partir de atividades que não se reduzam ao cumprimento de uma tarefa escolar. Nesse sentido, a intervenção docente dedica- se a questões que ajudem o aluno a refletir, adquirir conhecimentos, recriar realidades, vivenciar o texto, aprimorar emoções, perceber a complexidade do mundo e dos seres, passando por novas experiências através da leitura e, desse modo, desenvolvendo-se como ser humano. A escolha do romance como gênero utilizado na intervenção proposta justifica-se devido ao espaço reduzido que, geralmente, possui no contexto escolar, uma vez que se trata de um gênero mais extenso e que demanda mais tempo para a leitura. É comum ouvir relatos sobre o trabalho que tem sido feito nas escolas a partir de romances literários, em que o aluno é orientado a retirar a obra na biblioteca e lê-la, para, depois, apresentar o ‗resumo‘ da história, desconsiderando a influência do leitor, do texto e de fatores contextuais para a construção de significados. Além disso, o romance é também o gênero proposto no Projeto Feira Literária, no qual se insere a presente investigação. Assim, com esta escolha de leitura literária, quer-se oportunizar uma experiência, por meio de sequência de leitura, com foco nos momentos denominados intervalos de leitura, que possibilite o desenvolvimento, não somente cognitivo do aluno, mas de sua formação humana, de modo que ele perceba que, conforme coloca Vargas LIosa (2004, p. 14), ―a irrealidade e as mentiras da literatura são também um precioso veículo para o conhecimento de verdades profundas da realidade humana‖. E como muito bem aborda a obra O retrato de Dorian Gray, escolhida para compor este estudo, 6 A edição da obra O retrato de Dorian Gray, selecionada pelo PNBE/2013, é a traduzida por Clarice Lispector, da Editora Nova Fronteira. No entanto, não foi possível utilizá-la para o propósito investigativo, pois a Instituição em que ocorreu a pesquisa não recebeu tal exemplar. Além disso, esta edição está esgotada, sendo inviável sua aquisição. Por isso, optou-se pela edição traduzida por Paulo Schiller, da Penguin Companhia. 25 ―essas verdades não são sempre encantadoras; às vezes, o semblante que se delineia no espelho que os romances e poemas nos oferecem de nós mesmos é o de um monstro‖. (VARGAS LIOSA, 2004, p. 14). Destaca-se que, em cada intervalo de leitura, os alunos serão convidados a lerem e refletirem sobre três textos que estabelecem intertextualidade com a obra de Wilde, a saber: Eco e Narciso, de Thomas Bulfinch (1º intervalo); O espelho, de Machado de Assis (2º intervalo); e Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles (3º intervalo). As escolhas tanto da obra principal, O retrato de Dorian Gray, como dos contos lidos nos intervalos de leitura seguiram critérios relacionados à temática dos textos, no entanto, é importante notar que a linguagem literária poderia ter sido eleita como critério de escolha textual para o desenvolvimento da sequência de leitura. Observa-se que a sistematização da aplicação da sequência, em especial dos três intervalos, será aprofundada posteriormente, no quarto capítulo desta dissertação. 1.2.4 A escolha do fio condutor Uma vez que o problema de pesquisa, a aplicação de sequência de leitura com vistas ao ensino de estratégias de leitura de texto literário pode contribuir para a formação de um leitor autônomo?, está pautado em uma questão de âmbito educacional, entende-se que a investigação que se propõe possui um caráter qualitativo, representando uma pesquisa-ação, a qual possui maior alcance na resolução de problemas educacionais. Thiollent (2000), ao conceituar a pesquisa-ação, aponta para os elementos que a constituem e que indicam a pertinência de sua escolha para esta investigação: A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (THIOLLENT, 2000, p.14). Assim, o estudo em questão é considerado uma pesquisa social com base empírica, pois parte de uma problemática prática para, através de uma proposta de intervenção, contribuir com informações que orientem para a sua melhoria; é estreitamente associada a ação ou a resolução de um problema entre o pesquisador e os sujeitos, pois apresenta ação concreta, no caso, a sequência de leitura com vistas para o ensino de estratégias de leitura, 26 objetivando a formação leitora dos sujeitos envolvidos (os alunos de 1º ano do Ensino Médio). Dessa forma, a pesquisadora possui papel ativo na busca por soluções (apresentação de sequência didática flexível e dinâmica) dos problemas encontrados (pouco interesse pela leitura literária, resultados insatisfatórios quanto ao letramento), bem como no acompanhamento e na avaliação das ações desenvolvidas em decorrência de problemas com os quais ele se depara. A característica reflexiva sobre a prática social e educacional com vistas à melhora e à mudança pessoal e social atribui cientificidade à pesquisa aqui delineada, uma vez que, conforme destaca Elliott (1993), ao definir a pesquisa-ação, a validade dos resultados obtidos na investigação está fortalecida por sua utilidade para auxiliar os envolvidos nas práticas sociais ou educacionais a atuar de maneira mais adequada e bem-sucedida: O estudo de uma situação social para tratar de melhorar a qualidade da ação que nela ocorre. Seu objetivo consiste em proporcionar elementos que sirvam para facilitar o julgamento prático em situações concretas, e a validade das teorias e hipóteses que gera não dependem tanto de provas 'científicas' de verdade, mas de sua utilidade para ajudar as pessoas a atuar de modo mais inteligente e acertado. Na pesquisa- ação, as 'teorias' não são validadas de forma independente para serem aplicadas depois da prática, mas por meio da prática (ELLIOTT, 1993, p. 88). Com base nesta concepção metodológica de pesquisa, o estudo constitui-se de diferentes etapas (conforme Figura 1), mas que dialogam entre si, sustentando o processo de investigação. São elas: (a) Seleção e análise da obra literária O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, que constitui o acervo do Programa Nacional Biblioteca na Escola - Ensino Médio/2013; (b) Apresentação da obra escolhida aos alunos participantes do projeto (1º ano do Ensino Médio), que a utilizam como objeto de leitura; (c) Aplicação de sequência de leitura, com foco nas etapas denominadas intervalos de leitura, as quais evidenciam o ensino de estratégias de leitura, visando a uma análise aprofundada da obra literária. São três intervalos que ocorrem em momentos definidos e acordados entre o professor mediador e os alunos leitores, durante o processo de leitura da obra literária; (d) Verificação de possíveis avanços identificados em relação à prática leitora, em especial, ao uso autônomo das estratégias de leitura. 27 Figura 1 - Linha do tempo: da elaboração da proposta de intervenção até a análise dos dados SELEÇÃO DA APRESENTA- INÍCIO DA 1º 2º 3º APLICAÇÃO OBRA E ÇÃO DA APLICAÇÃO INTERVALO INTERVALO INTERVALO DE ELABORAÇÃO OBRA AOS DA DE LEITURA DE LEITURA DE LEITURA QUESTIO- DA ALUNOS SEQUÊNCIA NÁRIO SEQUÊNCIA DE LEITURA 09/07/15 13/08/15 03/09/15 FINAL DE LEITURA a 19/06/15 a a 29/06/15 16/07/15 20/08/15 18/09/15 05/2015 10/09/15 Fonte: elaborada pela pesquisadora Os instrumentos utilizados para produção e análise de dados na pesquisa são: 7 questionário para sondagem inicial , a fim de verificar as experiências dos alunos investigados com os textos, além de seus gostos pessoais, hábitos de leitura e preferências em geral, decisivos para estabelecer uma sistemática de leitura; produções escritas e orais realizadas pelos alunos, decorrentes da aplicação de atividades que constituem os três momentos de intervalos, previstos na sequência de leitura; e questionário final, a fim de verificar os possíveis avanços identificados em relação à prática leitora, em especial, ao uso autônomo das estratégias de leitura. Para o registro das falas e dos movimentos dos alunos e da professora-pesquisadora durante as intervenções, os momentos em que ocorrem as atividades durante as aulas de Língua Portuguesa e Literatura, a partir do segundo semestre letivo de 2015, são gravados, ao mesmo tempo em que são feitas anotações em diário pela pesquisadora, de maneira a não perder de vista importantes dados das aplicações. Tendo clareza da proposta deste estudo, de suas etapas, das escolhas metodológicas e dos demais elementos que o constituem -necessária para sustentar sua rigorosidade científica- apresentam-se, no próximo capítulo, as concepções teóricas que explicitam o entendimento de educação, leitura e literatura, tomadas como base de sustentação nesta pesquisa. 7 O questionário para sondagem inicial é apresentado no Apêndice B desta dissertação, no entanto, ele não foi tomado como fonte de análise de dados no transcorrer da investigação, de maneira a respeitar as dimensões e os objetivos que este estudo se propõe a realizar. Ressalta-se, contudo, que sua aplicação foi importante para a pesquisadora pensar e elaborar a proposta de sequência de leitura, uma vez que ela possibilitou-lhe sondagem e diagnóstico dos sujeitos participantes da investigação. Alguns dos dados foram apresentados na seção 1.2.2 deste mesmo capítulo, intitulada ―A escolha dos protagonistas‖. 28 2 EDUCAÇÃO, LEITURA E LITERATURA: A EXPERIÊNCIA QUE AS UNE Educação, leitura e literatura estabelecem uma relação de transdisciplinaridade única, estando interligadas uma a outra de maneira indissolúvel, uma vez que a partir delas e através delas o indivíduo constrói conhecimentos, troca vivências e experiências, buscando, por meio de uma postura aberta, curiosa e indagadora, a sua formação humana. Assim, neste capítulo, tratar-se-ão desses conceitos que irão fundamentar o estudo que aqui se delineia. Rousseau (1999), através da personagem Emílio, de sua obra Emílio ou Da educação, apresenta sua concepção no que diz respeito à educação do homem, sendo esta também a concepção de educação adotada na presente investigação. De acordo com o filósofo, a educação do indivíduo é uma arte, que se inicia no nascimento e se prolonga por toda a vida e tem como finalidade o desenvolvimento de um ser humano livre e autônomo. A liberdade regrada que a criança recebe na infância é fundamental para o início de sua formação, uma vez que ela não tem ainda maturidade para perceber o que pode ou não fazer por si própria. Para Rousseau, o ser humano possui fases de desenvolvimento de acordo com sua faixa etária, sendo que elas devem ser respeitadas e conhecidas pelo educador para que este possa realizar uma ação pedagógica compatível com suas necessidades, interesses e objetivos. Totalmente contrário a simples exposição oral de conteúdos por parte do professor, o filósofo suíço defende uma educação em que o foco é o pensar, cujo hábito é melhor adquirido se desenvolvido quando criança. Esse pensar, mencionado por Rousseau, é também uma vivência, pois significa estabelecer relações de sentido com as pessoas, as coisas, os sentimentos e os acontecimentos ao seu redor, ou seja, estabelecer relações de sentido com o seu mundo. Assim, a experiência em seu modelo educativo, baseado no ensinar o sujeito a viver e a aprender a exercer a liberdade, é fundamental, pois essa experiência antecipa as lições escolares formais. Em todos os momentos, todas as ações empreendidas por Emílio o fazem refletir sobre suas consequências em sua vida. Dessa forma, a proposta educativa de Rousseau, que tem como princípios a liberdade, o pensamento e a vida, voltados para a formação da pessoa humana está diretamente relacionada à Literatura, a qual prioriza também o desenvolvimento da formação da pessoa enquanto ser humano. Concepção que vai ao encontro dos preceitos de Rousseau sobre a importância da experiência na educação, apesar do espaçamento temporal que os distancia, é a de John Dewey (1997). Para o estudioso norte-americano, o ser humano é entendido 29 fundamentalmente como interação, sendo que as relações sociais são determinantes para a constituição de sua essência. O desenvolvimento da individualidade do ser humano está diretamente relacionado ao alargamento progressivo da experiência, que em âmbito pessoal transpassa seus limites e atinge a experiência social. A ampliação da experiência é também objetivo essencial da educação, sem a qual esta não acontece de fato, e sua realização apenas se torna possível em ambientes e instituições que o permitam, ou seja, ambientes cooperativos e democráticos (DEWEY, 1997). Desse modo, as atividades desenvolvidas na escola são pensadas tendo a preocupação de alargar as experiências dos educandos, consistindo a prática pedagógica do educador em: selecionar aquelas coisas dentro do âmbito da experiência existente que têm a promessa e a potencialidade de apresentar novos problemas, que estimulando novas formas de observação e juízo expandem a área da experiência posterior. (DEWEY, 1997, p. 75) Importante destacar aqui o papel bastante exigente do professor, na perspectiva de Dewey (1997, 2002): o professor deve conduzir as atividades desenvolvidas pelos alunos e monitorar os seus progressos. Por isso, o professor, ao executar essa árdua tarefa, diferencia- se do acadêmico/cientista, uma vez que ele ―não deve ocupar com a matéria de estudo em si mesma, mas com as interações desta com as capacidades e necessidades presentes dos alunos‖. (DEWEY, 2002, p. 183). Tem-se aí o ponto crucial da tarefa do professor: proporcionar ―uma vivência vital e pessoal‖ (p. 171). Assim, o foco central da atuação do professor perpassa a matéria de estudo em si e por si mesma. Constitui-se em encontrar as ligações entre a matéria de estudo e a experiência atual do aluno que leve a alargamento efetivo dessa experiência. Todo ato educativo é, portanto, fruto de uma experiência, sendo esta atividade permanente de uns com os outros, em constante interação. Assim, para Dewey (2002), vida, experiência e aprendizagem são inseparáveis. Qualquer tentativa de ensinar algo a alguém em um lugar fora de contexto, fora do lugar real é ação frustrada, pois não tem sentido, nem valor. Alinhada a esta concepção de educação está a teoria do bielo-russo Lev Semenovich Vigotski (1996, 2009), estudioso que concebe o homem como produto do meio e que se desenvolve cognitivamente por sua interação com o outro, por meio de diferentes produtos culturais. 30 Assim, a teoria de Vigotski (1996, 2009) volta-se para a educação e aborda o desenvolvimento cognitivo. O estudioso afirma que a formação do ser humano se baseia na sua interação com o ser social. A educação para ele é, portanto, um evento social e o indivíduo é um ser em desenvolvimento, uma vez que seus conhecimentos são adquiridos e ampliados no momento em que ocorre interação com o outro. A linguagem verbal, segundo o estudioso, representa o papel central no desenvolvimento cognitivo do sujeito, já que ele, tendo a língua como instrumento, pode desenvolver o que se chama de ―pensamento verbal‖, uma atividade mental que precisa de origem de apoio sempre que se torna consciente no planejamento de ações voltadas à solução de uma tarefa cognitiva. É possível perceber essa visão sobre o funcionamento do cérebro humano pelas palavras do próprio estudioso: O pensamento verbal não é uma forma de comportamento natural e inato, mas é determinado por um processo histórico-cultural e tem propriedades e leis específicas que não podem ser encontradas nas formas naturais de pensamento e fala. (VIGOTSKI, 1996, p. 44) Conforme Vigotski aponta, o pensamento humano é moldado e construído ao longo da história social do homem, baseando-se na ideia de que o cérebro humano é um sistema aberto, mutável, com estrutura e modo de funcionamento que são transformados pela história e pelo desenvolvimento individual da espécie. Além disso, as funções mentais, que constituem o que se pode chamar de um sistema funcional complexo, são organizadas a partir de capacidades independentes (observação, memória, julgamento) que atuam articuladamente. O aprendizado, por sua vez, não é a aquisição da capacidade de pensar, mas a aquisição dessas diversas capacidades para pensar a respeito de diversas coisas. Assim, a relevância do estudo do bielo-russo para a educação e para a leitura está justamente em seu olhar para o processo do pensar, pois, ao aprofundar o ato de pensar, atribui-se à educação e à leitura o caráter de atividade cognitiva. Nesse processo de aprendizagem, que ocorre através da experiência e da interação com o outro, a prática da leitura possui papel de destaque. A leitura, em especial, a leitura literária é fonte inesgotável de conhecimento sobre si e sobre o mundo, portanto, é ingrediente fundamental para a constituição da formação humana. A experiência, nesse sentido, é o elo que une leitura, literatura e educação. Ler, discutir e ressignificar um texto literário é vivenciá-lo e isso exige a ampliação do processo de conhecimento de si e do mundo que cerca o leitor. 31 Para compreender tal processo, faz-se necessário apresentar diferentes concepções teóricas sobre a leitura que permearam e (ainda) permeiam o seu ensino nos últimos tempos, estabelecendo relações entre a prática da leitura e o desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Ademais, estabelecer relações entre a leitura literária e seu ensino com a formação humana do indivíduo, apontando aspectos da realidade brasileira no que tange o ensino de literatura nas escolas regulares, bem como o processo de formação do aluno leitor são elementos fundamentais para constituir o embasamento teórico inicial dessa pesquisa. É esse o delineamento que será apresentado nas seções que seguem. 2.1 CONCEPÇÕES TEÓRICAS SOBRE O PROCESSO DE LEITURA Apresentar as diferentes concepções teóricas sobre o processo de leitura é possibilidade para compreender as práticas que norteiam os educadores quanto ao ensino de leitura nas escolas. Afinal, são essas concepções, as quais se modificam com o passar dos tempos, que pautam a prática pedagógica e acabam refletindo no desenvolvimento da habilidade leitora dos alunos. Vale destacar, como observado por Cosson (2014, p. 38), que não há como conhecer todas as ramificações que o campo da leitura possui. Afinal, a leitura não está restrita às letras impressas em uma página de papel. O autor destaca essa constatação, a partir da reflexão de Manguel (1996): Os astrólogos lêem as estrelas para prever o futuro dos homens. O músico lê as partituras para executar a sonata. A mãe lê no rosto do bebê a dor ou o prazer. O médico lê a doença na descrição dos sintomas do paciente. O agricultor lê o céu para prevenir-se da chuva. O amante lê nos olhos da amada a traição. Essa ampliação de significados que a leitura possui está relacionada ao interesse que ela tem suscitado em diferentes áreas, como a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia. A ênfase dada neste estudo, no entanto, diz respeito à leitura da palavra literária, por isso, traz-se nesse momento breve retomada histórica acerca do entendimento sobre a leitura de texto verbal. De acordo com Cairney (1999), é possível identificar três diferentes concepções teóricas sobre o processo de leitura, nos últimos 50 anos. A primeira teoria, de grande predominância nos anos 60, compreende a leitura como um conjunto de habilidades ou uma 32 simples transferência de informações. A segunda teoria, que surge no final dos anos 70, concebe a leitura como um produto da interação entre o pensamento e a linguagem. E a terceira concepção entende a leitura como um processo de transição entre o leitor e o texto. A primeira teoria pressupõe três níveis para a realização da leitura: o primeiro nível considera o conhecimento das palavras; o segundo, a compreensão; e o terceiro nível, a avaliação. A compreensão por sua vez possui subníveis: Quadro 1 - Subníveis para a compreensão leitora (a) a compreensão ou habilidade para compreender explicitamente o que é dito no texto, (b) a inferência ou habilidade para compreender o que está implícito no texto e (c) a leitura crítica ou habilidade para avaliar a qualidade do texto, as ideias e o propósito do autor. Fonte: elaborado pela pesquisadora Nesta concepção, o leitor compreende o significado de um texto quando ele é capaz de extrair o significado que o texto oferece. Isto implica reconhecer que o sentido do texto está nas palavras e nas orações que o compõe e que o papel do leitor consiste em descobri-lo. Assim, adeptos dessa teoria concebem a leitura como um processo ascendente segundo o qual a compreensão está associada à correta oralização do texto, ou seja, se um estudante lê bem e se consegue decodificá-lo, conseguirá automaticamente compreendê-lo, pois sabe falar e entender a língua oral. Cairney (1999) explica que, com os avanços da psicolinguística e da psicologia cognitiva no final dos anos 70, emergiu uma nova teoria que desafiou a concepção da leitura como um conjunto de habilidades. Surge então a teoria interativa, na qual se destacam o modelo psicolinguístico e a Teoria de Esquema. Esta teoria leva em conta os conhecimentos prévios dos leitores no sentido de serem fundamentais para haver a interação com o texto e construir, assim, o significado. A leitura, nesse contexto, é percebida como um processo mediante o qual o leitor trata de encontrar a configuração dos esquemas apropriados para explicar o texto em questão. Nesse processo, o leitor aciona em sua memória, constituída por estruturas cognoscitivas que se criam a partir da experiência prévia, os seus conhecimentos já adquiridos em uma estrutura de dados que representa os conceitos genéricos que estão arquivados na memória. Há vários tipos de esquemas: uns representam o conhecimento, outros eventos, sequência de eventos, ações, dentre outros. Um esquema é, portanto, uma rede ou categorias em que se armazena no cérebro o que se aprende. 33 Assim, conforme propõe a teoria interativa, o leitor só compreende um texto quando é capaz de encontrar em seu arquivo mental (em sua memória) a configuração de esquemas que permitem explicar o texto de forma adequada. Consequentemente, quando não se tem experiência alguma sobre um determinado tema, não havendo esquemas para ativar determinado conhecimento, a compreensão torna-se muito difícil, quando não, impossível. De acordo com Leffa (1996), a Teoria de Esquemas parte da premissa de que a aprendizagem e, em especial, a compreensão são resultados da interação entre o conhecimento prévio do leitor e dados que compõem a realidade. A Teoria de Esquemas explica como a informação do texto se integra aos conhecimentos prévios do leitor e influenciam seu processo de compreensão. Uma vez especificada a Teoria de Esquemas, faz-se importante elucidar a visão transacional de leitura, introduzida por Rosenblatt (1978), uma vez que é esse o viés adotado neste estudo. Esta terceira teoria, que vem do campo da Literatura, concebe a leitura como um processo de transição entre o texto e o leitor e busca enfatizar o processo recíproco entre leitor e texto, entre cognoscente e conhecido. Para Rosenblatt (1978), a leitura é um momento especial no tempo que reúne um leitor particular com um texto particular e em situações também particulares que levam à criação do que se denomina um ‗poema‘. Goodman (1982), estudioso da psicolinguística dedicado a analisar os processos de compreensão leitora, parte de suposições para compor sua concepção de leitura, as quais estão elencadas no quadro abaixo e que vão ao encontro da teoria proposta por Rosenblatt (1978): Quadro 2 - Pressupostos da visão transacional de Goodman (a) a leitura é um processo de linguagem; (b) os leitores são usuários da linguagem; (c) os conceitos e os métodos linguísticos podem explicar a leitura; e (d) as relações estabelecidas pelos leitores durante o processo de leitura não são acidentais. Fonte: elaborado pela pesquisadora A partir desses pressupostos, Gooodman (1991, p. 11) aponta sua visão transacional sobre a leitura sob três pontos diferentes de observação: 1) O processo de construção do texto pelo escritor; 2) As características que o texto possui; 34 3) O processo de significação do texto construído pelo leitor. 8 Com base nesses três aspectos, nos quais os eventos de letramento podem ser 9 abordados, o estudioso constrói a unidade na leitura , partindo de uma visão transacional da leitura. Assim, a significação do texto pelo leitor é resultado de sua interação com o mesmo. Para Goodman (1982), o processo cognitivo de leitura modifica de acordo com algumas condições, quais sejam: o objetivo da leitura, o estilo cognitivo do leitor, o conhecimento prévio que ele possui, o tipo de texto e o contexto em que o texto é produzido. Dessa forma, a compreensão leitora será bem-sucedida caso o leitor opte pelo processo de leitura mais eficiente, levando-se em conta as condições que se apresentam. As ideias de Goodman vão ao encontro com as considerações de Smith (1991) a respeito do processo de leitura. Para o estudioso, é no processo de interação que o leitor constrói o sentido do texto, constituindo-se de um processo interativo no qual os estudantes integram seu conhecimento prévio com a informação do texto e constroem novos conhecimentos. Dubois (1991) ressalta o fato de a teoria transacional enfatizar que o sentido do texto não está nas palavras e nas orações que constituem a mensagem escrita, mas no momento em que o leitor reconstrói o texto de forma significativa para ele. Neste entendimento de processo de leitura, está presente o pressuposto da Teoria de Esquemas, a qual possui traços ao longo da tradição ocidental. Ela remete desde Platão, que concebe a aprendizagem como a recordação do que já sabemos, até Chomsky, que compreende a linguagem como uma capacidade inata do ser humano. Cairney (1999), ao analisar as duas teorias, a interativa e a transacional, destaca que o significado que se cria quando as ideias do autor e o leitor se encontram nos textos (o que remete à teoria transacional) é maior que o texto escrito ou que os conhecimentos prévios do leitor. Além disso, o significado que se cria é relativo, pois depende das transições que se produzem entre os leitores e os textos em contexto específico. Conhecer as diferentes concepções sobre a prática da leitura e pensar sobre elas é fundamental para atingir as funções da leitura na educação escolar: ―a leitura como objeto de 8 De acordo com Magda Soares (1998), letramento refere-se à apropriação da escrita e das práticas sociais que a ela estão relacionadas, havendo, assim, vários níveis e diferentes tipos de letramento. Neste estudo, será tratado do letramento literário, o qual possui uma configuração diferenciada de uso social da escrita, e que será abordado com maior profundidade no próximo capítulo desta dissertação. 9 A expressão unidade na leitura é utilizada por Goodman (1991) para referir-se à teoria transacional, a qual integra o conhecimento emergente relacionado com o processo de leitura, partindo do princípio de que, não obstante os diferentes pontos de observação, os fenômenos da leitura são os mesmos para todos os que os estudam. Por isso, a meta é encontrar a unidade que existe na atual diversidade. 35 conhecimento sobre si mesmo e como instrumento necessário para a realização de novas aprendizagens‖ (SOLÉ, 1998, p. 21). No entanto, sabe-se que o ensino dessa prática tão importante constitui-se de processo bastante complexo e as dificuldades e problemas identificados estão relacionados desde a maneira como os próprios educadores conduzem a leitura, sua relevância atribuída no Projeto Político Pedagógico da escola, até o próprio entendimento do que seja a leitura. A maneira como o educador compreende o conceito de leitura está diretamente relacionado ao modo como ele desenvolverá sua prática pedagógica, pois esta concepção irá orientar suas ações de ensino no contexto escolar. Assim, o professor tem um poder indescritível, podendo, ao conceber a leitura um simples processo de decodificação de palavras, causar um dano irreparável ao seu aluno, comprometendo o desenvolvimento de sua formação leitora. Ao mesmo tempo, ao entender a leitura como fenômeno simultaneamente cognitivo e social, o professor possibilita a seu aluno o desenvolvimento de competência, dando acesso à cultura letrada, participando do processo de interação envolvido no processo de leitura, buscando, assim, a formação do leitor pela palavra escrita. Para Silva (2005), professor dedicado aos estudos sobre alfabetização, leitura e escrita, ler não é repetir fonemas, traduzir palavras, nem memorizar textos ou copiar suas ideias. A leitura constitui-se em valer-se de conhecimentos prévios e estabelecer relações entre as ideias produzidas através da leitura e a vida experienciada em sociedade. Bakhtin (2003), por sua vez, entende a leitura como um processo que compreende três operações distintas: (a) a recepção do texto; (b) a compreensão passiva do texto; e (c) a atitude responsiva ativa. Nesse processo, a compreensão é a etapa inicial e preparatória para uma resposta, que pode ser ou não verbalizada. No entanto, o enunciador sempre espera uma resposta ativa por parte do leitor, seja esta uma ―uma concordância, uma adesão, uma objeção, uma execução, etc." (BAKHTIN, 2003, p. 291). Assim, o estudioso concebe a leitura da mesma forma que a leitura interativa a compreende, ou seja, como um processo de interação entre o leitor, o texto e o autor, suscitando a relação de cooperação entre esses três elementos, uma vez que o processo de construção de sentidos ocorre por meio das informações por eles elaboradas. Nesse processo, levam-se em consideração as relações internas produtoras de significação (relação de dependência entre as frases) e as relações do texto com sua exterioridade, sua relação intertextual. Ainda, compreendendo a leitura como um fenômeno cognitivo e social, é possível reunir as diferentes teorias sobre a leitura em três grupos, destacados na figura apresentada na 36 sequência, os quais são, de acordo com Leffa (1996), os seguintes: o grupo centrado no texto, o grupo centrado no leitor e o grupo conciliatório que considera o leitor tão importante quanto o texto. O primeiro grupo (representado na Figura 2 com a cor azul), centrado no texto, considera que o ato de leitura significa extrair o sentido que está no texto. A extração passa por dois níveis: o da decodificação de letras e palavras e o do significado, que é o conteúdo do texto. A leitura nesse caso é entendida como um processo de decodificação (bottom up), sendo o domínio do código a condição básica para que a leitura se concretize, já que feita a decodificação o leitor terá compreendido o conteúdo do texto. Os críticos dessas teorias, conhecidas como ascendentes, pontuam o equívoco na ênfase dada ao processo linear atribuído à leitura, argumentando que ler é ―bem mais que seguir um alinha de letras e palavras. Também, não se restringe a uma decodificação, nem depende apenas do texto‖ (COSSON, 2014, p. 39). O segundo grupo (destacado com a cor roxa na Figura 2), que toma o leitor como centro da leitura, é constituído por teorias chamadas de descendentes, uma vez que partem do leitor para o texto (top down). Como é o leitor quem elabora e testa hipóteses sobre o texto, quem cria estratégias para compreender o texto com base naquilo que já conhece sobre o assunto e sobre o mundo, a leitura depende muito mais do que o leitor está interessado em encontrar no texto do que nas palavras nele encontradas. Os métodos de ensino baseados nesse modelo são conhecidos pelo nome de métodos globais. De acordo com os teóricos desse grupo, é muito mais importante dominar as convenções da escrita do que conhecer seu código, pois são elas que permitem ao leitor manipular os textos. Apesar de o deslocamento do foco para o leitor ser positivo, pois atenta para o ato de ler, ele é prejudicado por não considerar seus resultados. Afinal, se as antecipações que o leitor realiza no decorrer do processo de leitura são importantes, elas podem levar o leitor a ler apenas o que deseja ler, podendo ignorar o significado do texto. Por fim, o terceiro grupo (representado pela cor laranja na figura a seguir), constituído pelas teorias conhecidas como conciliatórias, consideram o leitor tão importante quanto o texto, sendo a leitura o resultado de uma interação. Tem-se, então, a ideia de um diálogo entre o autor e o leitor, mediado pelo texto, que é construído por ambos nesse processo de interação. Assim, o ato de ler torna-se uma atividade social, mesmo que realizada individualmente, atribuindo à sociedade o papel de controle do significado e, por isso, é resultado das convenções que uma determinada comunidade estabelece para que a comunicação se efetive. 37 Figura 2 - Concepções de leitura – teorias ascendentes, descendentes e conciliatórias TEORIAS ASCENDENTES bottom up Decodificação de letras e palavras; Significação do conteúdo do texto. TEXTO LEITOR LEITURA é... Elaboração e teste de hipóteses; Criação de estratégias de compreensão. TEORIAS DESCENDENTES top down TEORIAS CONCILIATÓRIAS Abordagem interativa da leitura Resultado da interação do diálogo entre autor e leitor, mediado pelo texto Fonte: elaborada pela pesquisadora Evidencia-se que as concepções de leitura apresentadas por Bakhtin (2003) e Silva (2005) mencionadas anteriormente vão ao encontro dos pressupostos teóricos abordados nesse terceiro grupo, uma vez que suas ideias caracterizam-se por uma abordagem interativa da leitura. Outra estudiosa que corrobora com essa concepção é Solé (1998, p. 22). Para ela, ―[...] a leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto; neste processo tenta-se satisfazer [obter uma informação pertinente para] os objetivos que guiam sua leitura‖, sendo que as 38 finalidades da leitura para quem lê podem ser muitas, como ―devanear, preencher um momento de lazer e desfrutar; procurar informações concretas [...]‖. Significa dizer que sempre há um leitor ativo envolvido no processo de leitura, que não só decodifica o texto, mas que também o analisa. Ainda, Solé afirma que o significado do texto não é uma mera réplica do que seu autor escreveu, mas resultado da construção de sentido feita pelo leitor, o qual considera seus conhecimentos prévios e seu objetivo de leitura. Assim, o resultado da interpretação da leitura de um texto será sempre diferente para duas ou mais pessoas, mesmo que estas leiam o mesmo material, o que certifica que é o leitor quem atribui significado ao texto. A estudiosa explica o seu entendimento de leitura da seguinte forma: Quando o leitor se situa perante o texto, os elementos que o compõe geram nele expectativas em diferentes níveis (o das letras, das palavras...), de maneira que a informação que se processa em cada um deles funciona como input para o nível seguinte; assim através de um processo ascendente, a informação se propaga para níveis mais elevados. Mas, simultaneamente, visto que o texto também gera expectativas em nível semântico, tais expectativas guiam a leitura e buscam sua verificação em indicadores de nível inferior léxico, sintático, grafo-tônico, através de um processo descendente. Assim, o leitor utiliza simultaneamente seus conhecimentos do texto para construir uma interpretação sobre aquele. Do ponto de vista do ensino, as propostas baseadas nessa perspectiva ressaltam a necessidade de que os alunos aprendam a processar o texto e seus diferentes elementos, assim como as estratégias que tornarão possível sua compreensão. (SOLÉ, 1998, p. 24) Sob essa perspectiva, é possível notar que, para completar o ciclo da leitura, é preciso que o leitor não apenas domine as regras para a decodificação das palavras, como também aprenda estratégias de compreensão leitora. Além disso, é preciso contar com um leitor ativo nesse processo, que constantemente formule hipóteses e construa novos conhecimentos. Diante do exposto, pode-se afirmar que as teorias que constituem o terceiro grupo destacado por Leffa (1999), caracterizado pelo método interativo, representam uma síntese e um agrupamento das concepções dos dois primeiros grupos, que representam os modelos hierárquicos ascendentes (botton up) e descendentes (top down). De acordo com Cosson (2014), esses três modos de compreender a leitura há pouco mencionados devem ser pensados como um processo linear, constituído por etapas. A primeira delas, chamada por ele de antecipação, é o ponto inicial da leitura. É o momento em que o leitor realiza várias operações antes de adentrar-se no texto propriamente dito. Para tanto, levam-se em conta tanto os objetivos de leitura que o sujeito leitor possui, quanto os elementos de materialidade do texto (capa, título, número de páginas, entre outros). O 39 segundo momento é a decifração. É a etapa em que ocorre a decodificação das letras e palavras que constituem o texto, sendo seu grau de dificuldade condicionado à competência de leitura desenvolvida pelo leitor. Assim, para um leitor experiente, que decifra o texto com natural fluidez, nem percebe a realização dessa etapa. Por fim, a terceira etapa da interpretação refere-se às relações de sentido inferidas pelo leitor quando processa o texto, levando em conta seu conhecimento de mundo. Há, portanto, um diálogo que envolve autor, leitor e comunidade, do qual a interpretação depende para acontecer, conforme assegura Cosson (2014): A interpretação depende, assim, do que escreveu o autor, do que leu o leitor e das convenções que regulam a leitura em uma determinada sociedade. Interpretar é dialogar com o texto tendo como limite o contexto. Esse contexto é de mão dupla: tanto é aquele dado pelo texto quanto o dado pelo leitor; um e outro precisam convergir para que a leitura adquira sentido. (2014, p. 41) Tal convergência mencionada por Cosson refere-se às referências culturais que constituem o autor e o leitor, bem como pela força do estreitamento imposto pela comunidade do leitor ao processo da leitura. O contexto é, ao mesmo tempo, o que é inerente ao texto e que vem com ele e as concepções que uma determinada comunidade julga como próprio do ato de ler. Assim, conforme se pode visualizar na figura a seguir, com a fase da interpretação concluída, encerra-se o primeiro e imediato ciclo da leitura, sendo que a falha em uma das etapas implica um processo frustrado da ação de ler. Figura 3 - Etapas de leitura 2ª etapa: •Relações de sentido •Operações DECIFRAÇÃO inferidas pelo leitor no realizadas antes decorrer do processo, de o leitor considerando seu PROCESSO adentrar-se no •Decodificação conhecimento de DE LEITURA texto (objetivo das letras e das mundo. Ocorre um de leitura, palavras que diálogo entre o autor, aspectos de constituem o leitor e comunidade . materialidade texto. do texto, etc.) 3ª etapa: 1ª etapa: INTERPRETAÇÃO ANTECIPAÇÃO Fonte: elaborada pela pesquisadora 40 Importante mencionar que são essas três etapas do processo de leitura que embasam a proposta de letramento literário que este estudo se propõe a realizar, a qual será posteriormente detalhada. Buscando destacar os benefícios que a leitura oferece ao sujeito, nas próximas seções deste capítulo, abordar-se-ão as contribuições que a prática de leitura oferece para o desenvolvimento da formação humana do sujeito. 2.2 A LEITURA LITERÁRIA E A FORMAÇÃO HUMANA Para pensar a leitura literária é preciso pensar o lugar que a literatura possui na vida das pessoas. Para muitos, a literatura significa apenas um passatempo requintado, simples fruição, uma atividade prescindível a ser praticada em momentos de ócio. E como se vive em tempos em que as horas do dia já não são mais suficientes para cumprir com as tarefas obrigatórias da vida profissional, familiar e social, os momentos para praticar leitura literária tornam-se raros e cada vez mais substituíveis. No contexto escolar, espaço em que a literatura deveria ter uma posição de destaque, constituindo-se de uma disciplina de formação básica, o processo ocorre justamente na contramão. Cada vez mais relegada pelos alunos (para não dizer pelos próprios professores), a literatura tende a se restringir, beirando ao desaparecimento no currículo e na prática escolar como um ensinamento prescindível, impossibilitando, dessa forma, as mais diversas aprendizagens que essa linguagem pode oferecer no momento em que é experienciada, conforme mencionado no início desse capítulo. Devido a esse panorama pouco atraente que se apresenta em relação à literatura, é preciso que se destaque a sua importante função de alimentar e enriquecer o espírito, constituindo-se uma atividade insubstituível para a formação do cidadão em uma sociedade democrática, de indivíduos livres e que, por isso, deveria estar presente no cotidiano das famílias desde a mais tenra idade e fazer parte de todos os programas de educação como componente curricular básico. Nesse contexto, faz-se relevante destacar as palavras de Candido (1995, p. 256) sobre a importância que a literatura possui na vida de todo ser humano, referindo-se a ela como um direito que todo o indivíduo possui: 41 A literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo, ela nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade. A função humanizadora que Candido destaca a respeito da literatura vai ao encontro da concepção de educação adotada nesse estudo e corroborada pelos estudiosos Rousseau e Dewey, mencionados anteriormente. Candido (1972) esclarece a função humanizadora da literatura, especificando suas funções, que são: a função pscicológica, a função formadora e a função de conhecimento do mundo e do ser. A função psicológica decorre da ―necessidade universal de ficção e de fantasia‖ (CANDIDO, 1972, p. 804) e é expressa através de gêneros bastante simples presentes no cotidiano das pessoas, como a anedota, o trocadilho, a adivinha, ou até mesmo alguns mais complexos, como as narrativas populares e os contos folclóricos. Com o advento da imprensa, a literatura passa a apresentar a sua forma impressa e, mais tarde, com o avanço tecnológico, através da comunicação visual ou oral, é viabilizado maior acesso da arte que Candido (1972) denomina como uma das fontes mais ricas de fantasia. No entanto, para o estudioso, a fantasia está diretamente conectada com a realidade, relacionando-se com o mundo real o qual é incorporado e modificado pela criação literária e que pode, por meio de suas produções ficcionais, exercer poderoso papel na formação das crianças e adolescentes. Também, a literatura, como instrumento de educação, opera na formação do indivíduo, exercendo a sua segunda função, chamada por Candido como função formadora, que oferece uma ―poderosa força indiscriminada de iniciação na vida, com uma variedade nem sempre desejada pelos educadores‖ (CANDIDO, 1972, p. 806). O estudioso compara a atuação da literatura com a da própria vida, capaz de ensinar os paradoxos e as riquezas que a constitui, possibilitando vivências que a pedagogia tradicional faz questão de ignorar, violando os mais profundos aprisionamentos e libertando o indivíduo de seu mundo restrito. Candido afirma que ―ela (a literatura) não corrompe nem edifica, portanto; mas trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver‖ (p. 806). Ainda, no momento em que a literatura representa uma realidade social e humana, ela facilita um maior entendimento em relação ao mundo da vida. Eis o que se constitui a terceira função dessa poderosa força, nomeada por Candido como a função de conhecimento do mundo e do ser. O leitor interage com a obra literária, procurando reconhecer o seu mundo na 42 criação literária, adquirindo conhecimento de si e do mundo através da vivência experienciada na ficção, que é, por sua vez, a representação da realidade. Assim, as três funções destacadas por Candido explicam e justificam a presença incontestável da literatura na escola, uma vez que ―a literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante‖ (CANDIDO, 1995, p. 249). Além disso, para o autor, a literatura faz parte do rol das necessidades básicas do ser humano, pois as experiências que ela oportuniza ampliam a percepção humana sobre si mesmo e sobre o outro, sobre o igual e o diferente, enriquecendo, assim, a visão sobre o mundo. A literatura, pelas suas diferentes manifestações artísticas, é capaz de representar os valores de uma sociedade, a complexidade da natureza humana, as contradições, oferecendo oportunidades de vivências que, sem ela, não seriam experienciadas. O contato com a leitura literária pode humanizar e libertar o leitor, uma vez que estas são funções intrínsecas da obra literária, que fazem dela uma arte comprometida com o desenvolvimento da humanidade em cada um. Candido (1995) compreende humanização como um processo no qual a literatura confirma aspectos essenciais do ser humano, como a reflexão, a aquisição do saber, o aprimoramento das emoções, ―a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso de beleza, a percepção da complexidade do mundo dos seres, o cultivo do humor‖ (CANDIDO, 1995, p. 249). Ainda, conforme citado anteriormente, o autor concebe a literatura como uma necessidade universal, presente em todas as culturas e em várias modalidades, e como um ―direito‖ do ser humano, assim como todos os outros que ele tem e usufrui, capaz de tornar as pessoas melhores, ao ficarem mais abertas e sensíveis à natureza, à sociedade e ao outro. Corroborando com este entendimento, Vargas Llosa (2004) afirma que a literatura cumpre com a função cultural integradora, a qual a ciência e a técnica buscam alcançar, mas não conseguem atingir visto a sua riqueza de conhecimentos e a rapidez de sua evolução. A literatura, para o estudioso, é um dos denominadores comuns da experiência humana, que possibilita aos indivíduos o seu conhecer, o seu reconhecer e a sua dialogicidade, independente do quão distintos sejam seus contextos, suas ocupações. Ela, a literatura, é a arte que oferece o conhecimento totalizador, pois ensina a perceber o valor do patrimônio humano, através das diferenças étnicas e culturais e a concebê-las como elementos de manifestação de sua intensa criatividade, como resultado do encontro de verdades contraditórias das quais se constituem a condição humana. 43 Ademais, para Lajolo (2008, p. 106), à literatura estão colocados ―os diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores, comportamentos através dos quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias.‖ Esse pensamento enfatiza a ideia de que a leitura literária pode humanizar e libertar todo aquele que com ela tem contato. Afinal, no momento em que retrata a humanidade e seus comportamentos e valores, esta arte feita com palavras não permite que o sujeito permaneça o mesmo após a leitura. Ao executar essa prática, o leitor preenche espaços da obra, transpondo- a e dando novos significados, pontos de vista, verdades e conhecimentos, cumprindo com seu real papel de leitor, pois, conforme considera Eco (1999, p. 9), ―todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça uma parte do trabalho.‖ Assim, o estudo da Literatura na escola possui um papel fundamental na formação humana. Afinal, ela é uma arte que se dedica a contar histórias sobre a humanidade, predominantemente, por meio das palavras. Por isso, contribui para a reflexão sobre as práticas de leitura em sala de aula, em especial, no que concerne ao aproveitamento do patrimônio histórico que as obras clássicas representam. Dessa maneira, desenvolver e incrementar a formação de leitores torna-se tarefa essencial, considerando que é por meio dela (da formação literária) que é possível colocar em prática os princípios de liberdade criadora, uma vez que o leitor, ao recriar o que lê, coloca sentidos, os quais, talvez, não tenham sido pensados na escrita original. Nesse sentido, a literatura liberta, constituindo-se processo criador na origem, pensado pelo autor, e no destino, pensado pelo leitor. É justamente esta visão humanística que o professor, como um mediador (um leitor- guia, mais experiente do que seu aluno), deve ter em mente quando se propõe a pensar a leitura na escola como processo de formação. Segundo Larrosa (2002a, p. 142) ―[...]o saber da experiência da leitura ensina a viver humanamente e a conseguir a excelência em todos os âmbitos da vida humana: no intelectual, no moral, no político, no estético, etc.‖ A literatura oportuniza, assim, possibilidades de conhecimento humano, alternativas para a libertação pessoal, o que atribui a toda obra literária um valor imensurável no que diz respeito a sua importância e força como expressão humana, a qual é refletida na afirmação de Jerome Bruner: Talvez seja por isto que os tiranos sintam tanto ódio e medo dos poetas e dos romancistas e, também, dos historiadores. Ódio e medo que são maiores ainda que os que eles sentem dos cientistas, que, embora criem mundos possíveis, não deixam espaço neles para possíveis perspectivas pessoais alternativas naqueles mundos. (1997, p. 57) 44 Diante do exposto, pode-se afirmar que a presença da literatura na escola é um direito intransferível a ser assegurado, viabilizando o leitor de seus textos o contato com diferentes mundos e culturas e, através deles, o conhecimento desses novos mundos e novas culturas, tornando-se um indivíduo melhor, estimulando os sentidos para sua vivência e experimentando diferentes sentimentos. Outrossim, possibilita um melhor entendimento sobre si próprio e, com isso, torna-se capaz de transformar-se e transformar o seu mundo em um ambiente melhor, mais humano, solidário e justo. 45 3 ENSINO DE LEITURA LITERÁRIA EM DIÁLOGO COM O ALUNO DE ENSINO MÉDIO Os conceitos e discussões apresentados no capítulo anterior sobre concepções de educação, leitura e literatura são fundamentais para uma pesquisa que se propõe a investigar o processo de formação leitora. No entanto, é imprescindível que seja dedicado um olhar bastante atento a quem é o sujeito de análise dessa pesquisa – o jovem estudante, ingressante no Ensino Médio. Mais do que olhar para esse jovem, é preciso que se percebam as múltiplas dimensões envolvidas em suas experiências de leitura, as quais podem representar papel fundamental para a construção e reconstrução do sujeito, em diferentes e, geralmente, complexos contextos sociais. É sobre isso que abordam as próximas seções deste capítulo. 3.1 JOVEM SUJEITO EM FORMAÇÃO: CARACTERÍSTICAS E CONCEPÇÕES DE LEITURA Para tratar do jovem, sujeito de análise da pesquisa que se propõe, é preciso, antes de tudo, conceber quem ele é, onde ele se constitui e qual é o seu entendimento a respeito da leitura. Assim, é pertinente mencionar Dostoiévski (2000), quando escreve em Memórias do subsolo, que a adolescência é a época em que se diz: ―Eu sou um e eles são todos‖. Ou seja, é o período em que se tem a impressão que o mundo está lotado, que tudo já foi criado, os livros todos já foram escritos, os lugares ocupados e que, para que se encontre um lugar para si é preciso deslocar, retirar tudo isso dos espaços dos quais jamais aceitarão ser retirados. É de fato, uma fase muito difícil e complexa para todo adolescente, em todas as épocas (variando, é claro, a violência e os desafios de geração para geração), para rapazes e para as moças. Além disso, é o momento em que os psicanalistas chamam de ―crescimento pulsional‖: os anos em que ocorrem as transformações do corpo, que representam sabidamente grandes e profundos dilemas: os desejos, as emoções, os sentimentos todos estão em sua volta e temem não poder contê-los. Temem tudo, inclusive do medo que inspiram nos adultos, adultos esses pelos quais se sentem terrivelmente incompreendidos. E o medo da solidão? Mesmo estando inseridos em um espaço, pertencendo a um determinado grupo, eles têm o medo incessante de estarem sozinhos, o que os fazem vestir uma máscara que muitas vezes não lhes cabem, tornando-se peritos em dissimular, sob o risco de não serem aceitos em determinado grupo. É, de fato, 46 uma idade cruel, em que se sente medo de definições e a sua compreensão e o entendimento do seu próprio ser acaba tornando-se algo muito complexo e distante para um jovem. É nesse momento que a leitura entra em jogo, contribuindo para a verdadeira recomposição da identidade desses adolescentes. Claro, não se trata aqui de uma identidade fixa, estática, mas sim, de um processo aberto, inacabado, em constante mutação. A leitura como contribuição para tornar o jovem leitor um pouco mais agente de sua vida, permitindo- lhe participar do jogo que a sociedade oferece, proporcionando-lhe distância crítica e compreensão sobre si, sobre o outro e sobre o mundo, permitindo abrir novas possibilidades e encontrar lugar para si nesse mundo tão lotado! É nesse contexto que Petit (2008), antropóloga francesa que se voltou a analisar o hábito e a influência dos livros e da leitura na vida de jovens da periferia francesa, atenta para a importante função que a cultura escrita possui no que tange ao desenvolvimento da autonomia e da inserção do indivíduo na sociedade: talvez não exista exclusão pior que a de ser privado de palavras para dar sentido ao que vivemos. E nada pior que a humilhação, no mundo atual, de ficar excluído da escrita. (2008, p. 42) A relevância da cultura escrita para a formação do sujeito, apontada por Petit (2008), 10 também é vislumbrada pelo sociólogo Stéphane Beaud , ao afirmar que ―a relação com a cultura escrita é um elemento essencial para o êxito escolar, é mesmo a chave de tudo‖. Essa afirmação aponta para a importante contribuição da leitura no que diz respeito à construção da própria identidade; muito mais do que uma maneira para sustentar a caminhada escolar, a leitura representa, por meio de sutis mediações, auxílio indispensável para a elaboração do mundo interior e, consequentemente, para estabelecer relações com o mundo exterior, possibilitando postura muito mais autônoma na qual o jovem leitor possa ser cada vez mais autor de sua própria história. Essa é a expectativa de muitos mediadores, entendidos aqui como leitores-guia: fazer com que o livro, que foi e continua sendo instrumento de poder e de discriminação, dê espaço para a sociabilidade, em que a oralidade e a escrita encontrem cada uma o seu lugar e a sua responsabilidade, contribuindo para que os jovens e, conseguinte, os adultos, declinem-se ao exercício do pensar, permitindo a criação de um leque de possibilidades muito maior do que aquele implicitamente determinado pela sociedade. 10 Stéphane Beaud, 80% au niveau bac... at après? Les enfants de la democratization scolaire, Paris, La Dècouverte-Poche, 2003. 47 Mas por que os olhares tão atentos ao público jovem? Pois é a juventude o período da vida em que a atividade de leitura é mais intensa. Não significa que se o indivíduo deixar de desenvolver o hábito de leitura até sua juventude ele não o fará depois. No entanto, não há como negar que o adolescente que desenvolve o hábito e pratica a leitura nesse período de vida tende a seguir com sua prática em outras fases de sua vida. Há também um aspecto de transgressão na leitura que a vincula com a cultura juvenil. Característica essa apontada por Petit (2008, p. 146) quando observa que mesmo em famílias em que pais nunca proibiram a leitura (lembrando que em certos momentos da história e em algumas culturas, a leitura é/foi considerada subversiva, portanto, proibida), há crianças que a praticam debaixo dos lençóis, com uma lanterna na mão, como se estivessem contra o mundo todo. Sob essa atitude, a estudiosa reflete: Se tantos leitores lêem à noite, se ler é com freqüência um gesto que surge na sombra, não é apenas uma questão de culpa: assim se cria um espaço de intimidade, um jardim protegido dos olhares. Lê-se nas beiradas, nas margens da vida, nos limites do mundo. Talvez não se deva iluminar totalmente esse jardim. Deixemos à leitura, como ao amor, uma parte de sombra‖ (PETIT, 2008, p. 146) A reflexão aponta para o aspecto essencial (e que deve ser considerado por quem busca assumir o papel de mediador de leitura) no que refere à formação do jovem: a necessidade de um espaço e de um tempo próprios para a revelação de seu íntimo, a descoberta do seu ser, o entendimento do mundo (do qual, provavelmente, nem se sinta parte). Na sua intimidade revelam-se os mais profundos saberes, as descobertas mais empolgantes, o conhecimento mais prático. Todos estes extremamente necessários para que o jovem se constitua no mundo, munido de uma pequena ―rebeldia‖ capaz de tomar a frente de suas ações e decidir o seu destino, exercendo ativamente a cidadania. Além disso, de acordo com Petit (2008), existem uma série de vantagens específicas na leitura que a distingue de outras formas de lazer aos jovens: ela (a leitura) auxilia o jovem a estar mais preparado para resistir aos processos de marginalização; ajuda a se construir, a imaginar outras possibilidades de vida, a sonhar; o auxilia também a encontrar maior ―mobilidade no tabuleiro social‖; a encontrar a distância que dá sentido ao humor; fomenta o pensar (em uma época em que o pensamento é raro); e, ainda, ajuda os jovens a serem mais autônomos, oferecendo subsídios para estabelecerem critérios para suas escolhas, criando um ―atalho que leva de uma intimidade um tanto rebelde à cidadania‖ (PETIT, p. 19). 48 Também, conforme evidenciado no trecho a seguir, a estudiosa enfatiza a importância dos livros para a construção de si não somente na adolescência, mas em todas as fases da vida em que a reconstrução seja necessária, evidenciando o papel ―assistencial‖ que o livro possui e destacando o seu acesso como sendo um ―direito elementar‖ que todo o cidadão possui, conforme considera Candido (1995), já referido nessa pesquisa. [...] não é um luxo poder pensar a própria vida com a ajuda de obras de ficção ou de testemunhos que tocam no mais profundo da experiência humana [...]. Parece-me inclusive que seja um direito elementar, uma questão de dignidade. [...] e é claro que se poderá recorrer outra vez aos livros em outros momentos da vida: se o papel da leitura na construção de si mesmo é particularmente sensível na adolescência e na juventude, pode ser igualmente importante em todos os momentos da vida em que devemos nos reconstruir: quando somos atingidos por uma perda, uma angústia, seja por um luto, uma doença, um desgosto de amor, desemprego, uma crise, todas as provas de que são constituídos nossos destinos, todas as coisas que afetam negativamente a representação que temos de nós mesmos, o sentido de nossa existência. (PETIT, 2008, p. 78) A partir da reflexão sobre o importante papel dos livros para a vida dos jovens e analisando como ocorre esse processo de inserção da leitura no cotidiano dos adolescentes, a pesquisadora apresenta duas vertentes da leitura: uma que aponta para o poder absoluto atribuída à palavra escrita, dando-lhe um poder político bastante forte, servindo de base para submeter as pessoas a uma ―identidade coletiva‖; a outra, é a irredutível liberdade do leitor, que representa o diálogo entre o leitor e o texto. Nesse processo, o leitor não é passivo, muito pelo contrário, ele reescreve o texto, logo ele é ativo; ele altera o sentido, reemprega, distorce, emprega diferentes variantes; é cativantemente intrometido. Em consequência, ele acaba sendo transformado pela leitura que realiza, encontrando algo que não imaginava encontrar, tornando-se muitas vezes, incapaz de prever aonde poderá chegar. É o que Petit (2008) menciona ao afirmar que: é sempre na intersubjetividade que os seres humanos se constituem; [...] o leitor não é uma página em branco onde se imprime um texto: desliza sua fantasia entre as linhas, a entremeia com a do autor. As palavras do autor fazem surgir suas próprias palavras, seu próprio texto. (PETIT, 2008, p. 32) Nesse contexto, o processo da leitura constitui-se de um trabalho mútuo em que há deslocamento de ambas as partes: tanto da obra do escritor quanto do leitor, que por vezes descobre-se outro, muito diferente do que acreditava ser. É a leitura que ―trabalha‖ o leitor de 49 tal maneira, pelo diálogo que se constitui entre as partes, que faz com que suas trajetórias sejam passíveis de mudança depois de seu encontro. Mais do que a possibilidade desse encontro, é a efetivação desse momento de dialogicidade que determina, em grande medida, a vida dos seres humanos, uma vez que é essa experiência que mensura o peso das palavras ou o peso da ausência delas. Por isso, o trabalho com a leitura, com os livros é se não a garantia, no mínimo, o caminho para se abrir a outros deslocamentos, no momento em que se reorganiza o universo simbólico, linguístico e se reencontra paulatinamente no jogo do uso da língua. Dito de outra forma, ler é a oportunidade de encontrar um momento para si, tempo de imaginar outras possibilidades e fortalecer o espírito crítico. ―É um atalho que leva à elaboração de uma identidade singular, aberta, em movimento, evitando que se precipitem nos modelos preestabelecidos de identidade que asseguram seu pertencimento integral a um grupo, uma seita, uma etnia‖. (PETIT, 2008, p. 57) A antropóloga, refletindo sobre o porquê da leitura e em como a sua prática interfere na afirmação pessoal de um indivíduo e no desenvolvimento de um bairro, região ou país, apresenta uma pluralidade de registros, identificados na figura a seguir, que se mostram relevantes para alcançar a verdadeira democratização da leitura. Figura 4 - Democratização da leitura Ter acesso ao saber Abrir ciclos Apropriar-se de pertenci- da língua mentos Democratização da leitura Conjugar as Constituir- relações de se a si inclusão prórprio Conhecer outros lugares e tempos Fonte: elaborada pela pesquisadora 50 Assim, um dos registros apontados por Petit (2008) é o ter acesso ao saber. De acordo com a estudiosa, ―não se adquire um saber apenas para fins de uso imediato, prático‖. Aprende-se também para não ficar à margem de seu tempo. Muitas vezes, o saber é visto como chave para se alcançar a dignidade e a liberdade. Mas é também para a busca de sentido. Apropriar-se dos conhecimentos por meio dos estudos da história, das ciências, da astronomia é um modo de participar do mundo, de compreendê-lo melhor, de encontrar nele um espaço. Outro aspecto é a apropriação da língua, cujo desenvolvimento, pela leitura, torna-se um importante meio para a superação do que pode representar uma terrível barreira social. Afinal, a língua também é um passaporte essencial para se encontrar um lugar na sociedade e conhecê-la bem, dominá-la assegura certo prestígio perante os outros. Ademais, a leitura é um caminho privilegiado para a constituição de seu próprio ser, possibilitando o pensar sobre si, sobre sua vida, suas experiências, oportunizando o expressar de suas idéias e opiniões, sentimentos e desejos. Assim, em todas as idades, constituir-se a si próprio é, de acordo com Petit (2008), outro aspecto relevante a ser considerado quando se trata da democratização da leitura. Para ela, ―[...] na adolescência ou na juventude – e durante toda a vida – os livros também são companheiros que consolam e às vezes neles encontramos palavras que nos permitem expressar o que temos de mais secreto, de mais íntimo‖ (p. 74) Também, os livros possibilitam conhecer um outro lugar, um outro tempo, uma vez que eles, em especial, os de ficção, convidam o seu leitor para conhecer outra realidade, pertencer a um outro mundo, mesmo que por instantes. E isso é, sem sombra de dúvidas, um dos gestos mais generosos que um indivíduo pode receber, capaz de saciar, através da ficção, a curiosidade que se tem pelo mundo real, pela atualidade e também pelas questões sociais. A leitura é capaz, ainda, de conjugar as relações de inclusão, fazendo com que os jovens consigam ―conjugar os universos culturais a que pertencem, ao invés de deixarem que estes universos os hostilizem entre si‖ (PETIT, 2008, p. 76). Afinal, há uma tendência muito grande para que as diferenças culturais, tão grandes na maioria das sociedades, acabem por gerar hostilidades, criando um grande abismo entre elas. A leitura, pelo contrário, esforça-se para diminuir esse abismo, compartilhando novos conhecimentos e enriquecendo essa vivência pluricultural. E, por fim, a leitura, ao possibilitar abertura para círculos de pertencimentos mais amplos, que vão muito além do parentesco, da etnicidade e da localidade, apresenta o seu sexto aspecto, apontado por Petit (2008). Ela favorece essa ampliação, pois convida o leitor a outras formas de vínculo social, de compartilhar, de socializar-se, muito diferentes daquelas 51 tradicionais formas de encontro entre os homens, como uma roda de amigos, encontro de reunião com o chefe, entre outras. Nesse encontro do leitor com a obra escrita, ocorre o compartilhamento de experiências de diferentes pessoas, de vários lugares, da mesma época do leitor ou de outras. Esse compartilhamento, através da palavra escrita, é capaz de ensinar muito sobre a essência do homem, sobre regiões dessa essência que jamais se tinha pensado que existiam. É uma experiência no leitor, ao longo das páginas, em um só tempo, sobre ―a verdade mais subjetiva, mais íntima, e sobre a humanidade compartilhada‖ (PETIT, 2008, p. 94). Essa abertura para o outro que a leitura oferece e conduz incita a um cuidado que se deve ter com novas formas de sociabilidade, de partilha e de conversas em torno dos livros. Seja na biblioteca ou fora dela é preciso que se pense em alternativas para possibilitar aos jovens leitores um espaço para seus diálogos, para expressarem seus sentimentos e ideias em relação aos livros sobre os quais se debruçam. Essa seria uma grande contribuição dos mediadores do livro para a formação da inteligência histórica, política dos jovens, tornando- lhes mais fácil o acesso a fontes de informação diversificadas. Assim, estariam contribuindo para que os jovens realizassem algumas transformações, reais ou simbólicas, como aponta Petit: Transformações no percurso escolar e profissional que lhes permitem ir mais longe do que a programação social poderia levá-los; transformações na representação que têm de si mesmos, na maneira de pensar, de dizer, no tipo de relações estabelecidas com sua família, seu grupo e sua cultura de origem; transformações nos papéis que lhes foram atribuídos pelo fato de terem nascido menino ou menina; transformações nas formas de sociabilidade e solidariedade; transformações na maneira de morar e de perceber o bairro, a cidade, o país em que vivem... (PETIT, 2008, p. 99) Pode-se afirmar, dessa forma, que a leitura tem o poder de tornar a pessoa um pouco mais rebelde, uma vez que desenvolve nela maior autonomia para sair do caminho que a sociedade lhe determinou e escolher aquele que deseja trilhar, tomando suas próprias decisões e participando ativamente de seu presente e abrindo mão de um futuro submisso. A leitura, portanto, é capaz de munir o seu leitor de oportunidade para o exercício ativo da cidadania, aproximando-se da democratização profunda de uma sociedade. Mas é importante ressaltar que existem tipos de leitura: aquelas que auxiliam a simbolizar, a se mover e a se abrir ao mundo (possibilitando o entrelaçar dos quatro aspectos anteriormente mencionados); e aquelas que conduzem o seu leitor ao simples prazer da regressão. Estas 52 apenas distraem o leitor, aquelas o transformam. Essa é a diferença da leitura literária e da leitura qualquer. A escolha final é do leitor. Somente dele. Mas essa diferença precisa ser ensinada, mostrada. E esse é o papel do mediador do livro, do leitor-guia, seja ele o professor, o bibliotecário ou qualquer outro cidadão envolvido e preocupado com esse processo. Colocar em prática essa tarefa é o que se pretende por meio da proposta de intervenção apresentada nesta pesquisa. 3.2 ENSINO DA LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA Levando-se em conta as considerações a respeito das importantes funções e benefícios que a literatura proporciona, é inquestionável a sua presença nos currículos escolares. Não apenas a sua presença, mas o seu efetivo ensino no contexto escolar. Ocorre, no entanto, que quando se trata de leitura literária, é possível identificar uma gama de pressupostos que norteiam o seu ensino nas escolas brasileiras, os quais acabam constituindo o processo de escolarização da literatura, ignorando a sua essencial função de construir e reconstruir a palavra que humaniza o ser humano. De acordo com Cosson (2014), um desses pressupostos é conceber que os livros falam por si mesmos ao leitor. Assim, não é necessário nenhum tipo de intervenção da escola e do professor para concretizar a prática da leitura. No entanto, não é levado em consideração o fato de que lemos fora da escola da mesma maneira que nos foi ensinado nela. As obras literárias não falam por si próprias; são os mecanismos de interpretação utilizados e aprendidos (ou não) na escola que auxiliam na exploração do conhecimento que a literatura proporciona. Com a aquisição desses mecanismos, os quais a escola tem o dever de ensinar, o domínio do discurso literário acaba sendo muito mais fácil e eficaz. Outro pressuposto é que ler é um ato solitário e como tal não tem sentido de ser realizado na escola. Seria apenas uma perda de tempo. De fato, a leitura silenciosa é um ato solitário, mas sua interpretação jamais! Como afirma Cosson (2014, p. 27) ―a interpretação é um ato solidário‖, no sentido de que no ato de ler está envolvido muito mais que apenas uma ação mecânica de movimentar os olhos; a leitura envolve o compartilhamento de modos de ver o mundo entre os homens no tempo e no espaço, bem como a troca de sentidos entre o escritor, o leitor e a sociedade em que se inserem. Um leitor somente se transforma em um verdadeiro leitor no momento em que compreende a leitura como um ato solidário, permeado por uma pluralidade de vozes, capaz de compreender o mundo do outro e de tornar 53 significativo o seu mundo. Pelas palavras abaixo de Cosson (2014, p. 27), pode-se perceber a interação constitutiva no ato da leitura, bem como a sua importância para a compreensão do mundo e para a formação humana: Ler implica troca de sentidos não só entre o escritor e o leitor, mas também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os sentidos são resultado de compartilhamentos de visões do mundo entre os homens no tempo e no espaço. Ao ler, estou abrindo uma porta entre o meu mundo e o mundo do outro. O sentido do texto só se completa quando esse trânsito se efetiva, quando se faz a passagem de sentidos entre um e outro. Se acredito que o mundo está absolutamente completo e nada mais pode ser dito, a leitura não faz sentido para mim. É preciso estar aberto à multiplicidade do mundo e à capacidade da palavra de dizê-lo para que a atividade da leitura seja significativa. Além disso, há a concepção de que é impossível expressar o que se sente na leitura de textos literários. Afinal, os sentimentos despertados seriam tão indescritíveis que não haveria palavras para narrá-los. A leitura literária seria uma espécie de fenômeno místico e, portanto, intraduzível. No entanto, até mesmo as experiências místicas são passíveis de serem colocadas no papel e não há nada mais plausível do que expressar em palavras o que foi lido e descoberto também em palavras. Assim, é visível que os equívocos em relação à leitura literária e suas relações entre o leitor–texto acabam por interferir, na maioria das vezes, nas concepções e práticas pedagógicas das escolas as quais entendem a leitura como um ato isolado, solitário e ignoram o compartilhamento dos sentidos do texto. Por mais que a experiência com o contato de uma obra literária possa parecer única para o leitor em determinadas situações, sua unicidade está mais no que se agrega ao texto do que no que ele lhe oferece. É por isso que a leitura de um mesmo livro em momentos diferentes da vida não é a mesma. A bagagem de vida do leitor, bem como sua habilidade linguística se modifica e se intensifica e o que é lido e relido passa a ter automaticamente um novo sentido a ele. Isso se torna bastante evidente quando o leitor percebe que, ao ler um livro, o que se externaliza ao final de uma leitura não são seus sentimentos, mas sim os diferentes sentidos do texto. E é justamente esse ―compartilhamento‖ de sentidos de um texto ―que faz a leitura literária ser tão significativa em uma comunidade de leitores‖ (COSSON, 2014, p. 28). Outra questão importante de ser destacada diz respeito à análise literária que a escola se propõe a realizar. Há quem argumente que ela acaba destruindo a magia e a beleza da obra no momento em que revela os seus mecanismos de construção. Por trás desse argumento está o pressuposto de que a obra literária deve ser apenas contemplada, admirada, sem emissão de 54 julgamento ou crítica. Essa postura de divinizar a literatura, atrelada as concepções da teoria de produção e representação da estética tradicional, a torna inacessível ao leitor, afastando-a de seu mundo. Por outro lado, a análise literária faz com que o leitor dialogue com o texto, buscando por respostas e convidando o leitor a desbravar a obra e a explorá-la das mais diversas maneiras. E é nesse momento que se tem a verdadeira leitura literária: quando o leitor interage intensamente com a obra. Ocorre, no entanto, que assim como qualquer outra prática, ninguém nasce sabendo praticar a leitura. Para saber ler verdadeiramente literatura, é preciso que alguém ensine e que a prática ocorra. Dependendo de como ocorre esse processo, a aprendizagem pode ser bem ou malsucedida, e sempre deixará consequências na formação do leitor. Eis aí a grande responsabilidade de quem se propõe a executar essa tarefa. Cosson (2014, p. 29), ao mencionar as ponderações de Lígia Chiappini Leite (1983), aponta para a importante tarefa do professor: O professor de Literatura não pode subscrever o preconceito do texto literário como monumento, posto na sala de aula apenas para reverência e admiração do gênio humano. Bem diferente disso, é seu dever explorar ao máximo, com seus alunos, as potencialidades desse tipo de texto. Ao professor cabe criar condições para que o encontro do aluno com a literatura seja uma busca plena de sentido para o texto literário, para o próprio aluno e para a sociedade em que todos estão inseridos. Diante disso, a escola que entende que análise literária significa preencher fichas de leitura, fazendo o leitor encontrar respostas prontas e acabadas dentro do texto não estará contribuindo para a formação leitora do indivíduo, uma vez que este terá provavelmente grandes dificuldades em apreciar a beleza de uma obra literária mais complexa. No entanto, a análise literária, quando bem realizada, possibilita ao leitor intensa apreciação da magia da obra e significativo envolvimento no texto literário, contribuindo, dessa forma, como o que Cosson (2014, p. 29) afirma ser o maior segredo da literatura: ―o envolvimento único que ela nos proporciona em um mundo feito de palavras‖. Assim, se o que se quer é formar leitores competentes, capazes de experienciar a força humanizadora imbuída na literatura, é preciso muito mais que apenas ler, decodificando letras e palavras. Contudo, a maneira como se lê está diretamente relacionada com o modo de ler que foi ensinado. A leitura simples esconde todas as implicações existentes no ato de ler e de ser letrado. Nesse sentido, o letramento literário é primordial no ato educativo, pois ele vai muito além da simples leitura de um texto. Na escola, a leitura literária tem a função de ajudar 55 o aluno leitor a ler melhor, não somente porque possibilita o desenvolvimento do hábito de leitura ou porque seja fonte de fruição, mas principalmente porque é capaz de fornecer ―os instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo feito linguagem‖ (COSSON, 2014, p. 30). Tzvetan Todorov, crítico e teórico da literatura, traz grande contribuição para a preocupação que aqui se aponta, no que concerne aos pressupostos teóricos que embasam o ensino da Literatura nas escolas. Apesar de ter sido um dos principais divulgadores e um dos emblemáticos praticantes da abordagem estruturalista da literatura, Todorov, em sua obra A literatura em perigo, coloca em questionamento justamente a imanência estruturalista, que, quando radical e exclusiva, impossibilita toda relação possível que a obra literária possa ter com o mundo, destituindo-lhe o poder de enriquecer a vida e os pensamentos do homem. Assim, o estudioso problematiza a concepção estruturalista e formal que muitas escolas tomam como base no que se refere ao ensino de literatura ao afirmar que: A análise das obras feita na escola não deveria mais ter por objetivo ilustrar os conceitos recém-introduzidos por este ou aquele linguista, este ou aquele teórico da literatura, quando, então, os textos são apresentados como uma aplicação da língua e do discurso; sua tarefa deveria ser a de nos fazer ter acesso ao sentido dessas obras – pois postulamos que esse sentido, por sua vez, nos conduz a um conhecimento do humano, o qual importa a todos. (TODOROV, 2012, p. 89) Ao destacar a importância do ensino da literatura a partir de concepção que permita melhor compreensão da condição humana, com poder transformador, ele também intima o professor, enquanto educador, a colocar em prática os princípios de ensino literário aqui delineados, afirmando que ―essa ideia (referindo-se à concepção de ensino literário voltada para a compreensão da condição humana) não é estranha a uma boa parte do mundo do ensino; mas é necessário passar das ideias à ação‖ (TODOROV, 2012, p. 89). Ademais, o autor enfatiza a importância de se levar à sala de aula textos tidos como ―não-literários‖, pois estes possuem muito a ensinar para a humanidade, dependendo, é claro, de como esses textos são apresentados aos alunos e com eles estudados. Para o autor, ―[...] não assassinamos a literatura quando também estudamos na escola textos ‗não-literários‘, mas quando fazemos das obras simples ilustrações de uma visão formalista, ou niilista, ou solipsista da literatura‖ (TODOROV, 2012, p. 92). Considerando a importância que a concepção do ensino da leitura literária possui no processo de formação humana, faz-se necessário abordar o conceito relativamente novo aos 56 estudos de leitura e de escrita e que possui relações com o desenvolvimento social do indivíduo: o letramento. De acordo com Kleiman (2005, p. 19), o letramento constitui-se de ―um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos para objetivos específicos‖. É a escola que possui a maior responsabilidade em desenvolver e ensinar as práticas de letramento, no entanto, muitas vezes, essa instituição acaba se atendo a apenas uma das etapas do letramento, a alfabetização (a aquisição e decodificação do código escrito), esquecendo-se, por vezes, da função social que os diferentes textos possuem e de incorporar esse entendimento no processo de aprendizagem dos alunos. Aprimorando o conceito de letramento, Street (2003) categoriza o processo em dois modelos: o modelo autônomo e o ideológico. Enquanto este aborda as práticas de leitura e escrita determinadas social e culturalmente, aquele aborda as práticas escolares. Estes modelos condizem com o perfil do público escolar e com o que mostram as pesquisas no âmbito da prática de leitura, uma vez que os estudantes realizam suas interações no ambiente escolar, familiar e com seu grupo de amigos. O domínio do letramento pelo aluno é de extrema importância para a vida do mesmo, uma vez que é este domínio que o faz acessar e utilizar as informações de maneira racional, compreendendo o mundo em que vive e transformando sua realidade a partir da criação e recriação de sucessivos significados. Do termo letramento apresentado por Kleiman, começaram a surgir outros expandindo o campo semântico do termo para outros contextos educacionais, como o letramento informacional, o letramento visual e o letramento digital, todos indicando que ―[...] o mundo da escrita envolve necessariamente muitos objetos e práticas em nossa sociedade letrada‖ (COSSON, 2011, p.179). O termo letramento literário, por sua vez, também surge com esse mesmo propósito: a literatura representa a prática social e os textos literários são os objetos por meio dos quais o letramento acontece. No entanto, apesar da simples definição do termo letramento literário, seu uso provoca certos problemas no ambiente escolar, uma vez que não deixa claro que a literatura ocupa um lugar único em relação à linguagem, lembrando que, para Cosson (2006, p. 17), a maior função da literatura é ―[...] tornar o mundo compreensível transformando a sua materialidade em palavras de cores, odores, saberes e formas intensamente humanas.‖ Também, a escola acaba por não evidenciar o modo privilegiado que a inserção ao mundo da escrita possui quando o letramento é feito com textos literários, além de deixar transparecer 57 que não existe necessidade de um processo educativo específico quando se trata de letramento literário, bastando garantir o simples acesso aos livros pelos alunos. De acordo com Cosson (2014), ser leitor de literatura ―é muito mais do que usufruir um livro de ficção ou se deliciar com as palavras exatas da poesia. É também posicionar-se diante da obra literária‖. Com essa afirmação, o autor deixa claro que o letramento literário somente é possível quando o leitor apresenta uma postura crítica da leitura literária e quando o leitor sente grande necessidade da leitura literária. Assim, uma pessoa letrada em literatura fará a prática da leitura mesmo estando já fora da escola, sem obrigação, lerá por puro prazer. Já uma pessoa que não desenvolveu o letramento literário, possivelmente abandonará a o ―hábito‖ da leitura de obras de literatura, assim que conclua a obrigatoriedade dessa atividade. O leitor letrado será um ávido leitor, pois desenvolveu sua autonomia leitora e lerá por fruição e olhar crítico, pelo fato de ter estimulado sua competência leitora ao longo de sua formação como leitor. Mas, provavelmente, isso se deve pelo fato de esse leitor ter tido mediações leitoras e professores que o instigassem e o incentivassem à prática leitora. Afinal, o leitor que recebeu essa base em sala de aula, através de seu professor, ou em ambientes de leitura mediada, transforma-se me um leitor ativo que sabe o que lê e por que lê, que assume sua responsabilidade perante a leitura, que sabe criticar e refletir o que lê, ou seja, torna-se um leitor competente. Portanto, para que se atinja o objetivo de formar leitores literários com essas características, é evidente que o papel do professor e da escola é fundamental, complexo e, acima de tudo, indispensável de ser mencionado nesse momento. O processo de desenvolvimento da prática leitora ocorre por ações específicas e metodológicas. O professor executa sua função de mediador do processo de formação do (aluno) leitor literário, no momento em que planeja situações de leitura em que o aluno entra em contato, não apenas com o texto literário, mas com suas peculiaridades estéticas, linguísticas, artísticas, aprendendo a dialogar com o texto e a valorizar os intertextos, produzindo sentidos e os ressignificando. Todo leitor apóia-se em textos que já conhece, faz relações com eles, relaciona suas características com o novo texto que lhe é apresentado. É por isso que para Bakhtin (2003), a intertextualidade na obra é, em primeiro lugar, a intertextualidade ‗interna‘ das vozes que falam e polemizam no texto, fazendo suscitar diálogos com outros textos. Nesse processo de formação de leitores literários, o professor mediador deve apropriar-se de elementos que contribuam e que sejam indispensáveis para a interação o aluno-leitor com a cultura escrita. Para Bakhtin (2003), esses elementos referem-se às 58 características específicas do próprio gênero discursivo (nesse caso, o gênero literário), no que se refere ao estilo, construção composicional e ao conteúdo temático. Por isso, o estudioso afirma: Quanto mais dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso. (...) Os gêneros do discurso, comparados às formas da língua, são bem mais mutáveis, flexíveis e plásticos; entretanto, para o indivíduo falante eles têm significado normativo, não são criados por ele, mas dados a ele. Por isso um enunciado singular, a despeito de toda a sua individualidade e do caráter criativo, de forma alguma pode ser considerado uma combinação absolutamente livre de formas da língua (...) (BAKHTIN, 2003, p. 285). Dessa maneira, no momento em que o professor domina as peculiaridades dos gêneros, em específico, o gênero literário, ele está apto a selecionar as obras literárias, os autores e as estratégias de leitura necessárias e adequadas para que os alunos-leitores sejam capazes de apropriarem-se do gênero literário. É importante enfatizar que cabe à escola e ao professor cuidar para que seus alunos tenham contato com os diferentes gêneros discursivos, durante todos os anos de escolaridade e ampliem sua capacidade de fazer uso da diversa heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos), percebendo suas variações estilísticas e suas possibilidades de intervir e de dialogar com eles. Assim, os sujeitos leitores poderão se apropriar dos diferentes gêneros presentes na sociedade e, gradativamente, poderão se constituir como leitores e como leitores literários. Diante disso, é preciso ponderar sobre como a obra literária tem sido inserida no cotidiano escolar, pois como afirma Pinheiro (2011, p. 204) ―quando a literatura se presta apenas para o Letramento Escolar, perde-se a oportunidade de demonstrar aos estudantes que ela faz parte de seu dia a dia‖. O fato é que a experiência tem indicado que a simples presença da literatura na escola não significa que ela esteja sendo ensinada. Até porque seu ensino não ocorre por meio de momentos de leitura não direcionada, sem uma posterior discussão, tampouco por haver uma disciplina específica para a área, mas que se preocupa mais com o estudo das escolas e principais autores literários. Assim, compreender o ensino da literatura como aspecto social que se insere na escola significa buscar uma valorização das manifestações pelo aluno, que ocorrem em seu entorno, sensibilizando-se pela função representativa e imaginativa da arte literária. 59 Pensando nesta perspectiva de ensino de literatura e nos dados insatisfatórios de letramento dos estudantes brasileiros, mencionados no texto introdutório desta dissertação e refletidos nas avaliações do Programa Internacional de Avaliação dos Alunos (PISA) e Sistema Nacional de Educação Básica (SAEB) (BRASIL, 2008, p. 7), o Governo Federal instituiu programas de grande relevância para o incentivo à prática leitora, no sentido de buscar a sua democratização. Como citado anteriormente, o Programa Nacional Biblioteca na 11 Escola (PNBE) é exemplo de tais programas, contribuindo para a difusão de obras literárias a escolas públicas de todo o país, por meio da distribuição de acervos – dos quais pertence a obra O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, tomada como base para proposta didática desenvolvida e implementada neste estudo. No entanto, o objetivo do Programa não é apenas distribuir obras literárias às escolas, mas atuar de forma mais concreta para o desenvolvimento de práticas leitoras e para a formação de professores, conforme se percebe no trecho abaixo, que aponta para seu principal objetivo: [...] contribuir para a reflexão de gestores e professores no que diz respeito às práticas de leitura que se desenvolvem na escola, à formação do professor e à situação do espaço físico necessário para a implantação da biblioteca escolar. (BRASIL, 2008, p. 7). A proposta do Programa de contribuir com a formação leitora dos estudantes brasileiros não tem ainda suas metas atingidas. Mesmo passados quase 20 anos de sua existência, ele tem dedicado suas atenções à distribuição de livros às bibliotecas, deixando em segundo plano aspectos relativos à prática de mediação docente das obras literárias, fundamentais para o fazer pensar, questão central para a aprendizagem. Diante do exposto, entende-se que o principal fator para o fracasso da competência de leitura entre os jovens brasileiros seja o desconhecimento teórico e metodológico em relação ao ensino da literatura, e até mesmo a descrença na leitura como fonte de fruição, conhecimento e experiência de mundo e construção de novos saberes. Há, portanto, uma árdua tarefa a ser desenvolvida e que envolve, antes de tudo, a reformulação de concepções e a mudança de postura por parte do professor, potencializando não apenas os seus conhecimentos sobre os elementos envolvidos na compreensão textual, como também sobre 11 O Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) foi instituído em 1997 pelo Governo Federal e possui principais eixos de funcionamento baseados na qualificação de recursos humanos e ampliação do acesso a materiais de leitura e de espaço para a prática dessa ação. 60 estratégias de leitura, configurando-se, assim, em um mediador efetivo no processo de formação leitora de seus alunos. Para compor a discussão, faz-se necessário apresentar as orientações presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), documento que rege o sistema educacional em nosso País, analisando os seus pressupostos com o atual panorama brasileiro, no que tange ao ensino de Literatura, e, a partir deste cotejo, apresentar as teorias fundantes para a elaboração da proposta de intervenção aplicada neste estudo. 3.2.1 PCNs e suas orientações para o ensino de literatura Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), documento criado a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº 9.304/96, objetiva regulamentar os princípios norteadores para a formação escolar, levando em conta as expectativas de formação do estudante na contemporaneidade. O documento tem como princípios fundamentais o respeito à diversidade e à transdisciplinaridade da linguagem, compreendendo-a como produto cultural e de comunicação indispensável para o compartilhamento e a ressignificação do conhecimento pelos sujeitos. O objetivo principal do documento traduz-se por alcançar o exercício competente e consciente da cidadania, o que remete à democratização da leitura, em especial da leitura literária, uma vez que ela, a leitura literária – como arte - provoca no sujeito posicionamento crítico sobre o mundo que ele representa e está inserido. No entanto, é indispensável mencionar que o mesmo documento desconsidera a literatura como uma disciplina autônoma, sendo apenas inseridos os textos literários como conteúdos a serem ministrados nas aulas de Língua Portuguesa, com a mesma importância atribuía aos gêneros textuais. Tal equivalência abre precedente, inclusive, para o professor não utilizá-los em sua prática docente, caso julgue desnecessário o trabalho com a arte literária. Esta possível desconsideração é perceptível pela colocação dos estudos literários no mesmo espaço que se encontram os estudos de Língua Portuguesa no documento: Os conteúdos tradicionais de ensino de língua, ou seja, nomenclatura gramatical e história da literatura, são deslocados para um segundo plano. O estudo da gramática passa a ser uma estratégia para compreensão/interpretação/produção de textos e a literatura integra-se à área de leitura. (BRASIL, 1999, p. 18). 61 A ênfase dada no documento aos estudos de domínio linguístico por meio de gêneros textuais é perceptível a partir da concepção de linguagem que o permeia: ―[...] como um elemento produtor de competência social, a serviço do usuário para as mais diversas funções‖ (BRASIL, 1999, p.5). Tal concepção está presente em todos os componentes curriculares da área das Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, evidenciando o estudo dos gêneros discursivos como uma maneira viável para o desenvolvimento das habilidades comunicativas do sujeito, facilitando a compreensão de seus diferentes usos sociais, sem exigir do leitor um aprofundamento reflexivo e crítico, como requer o texto literário, conforme evidencia-se no trecho abaixo: Ao ler este texto, muitos educadores poderão perguntar onde está a literatura, a gramática, a produção do texto escrito, as normas. Os conteúdos tradicionais foram incorporados por uma perspectiva maior, que é a linguagem, entendida como espaço dialógico, em que os locutores se comunicam. (BRASIL, 1999, p. 23). Assim, frente à omissão da literatura como disciplina, abrindo precedente para o seu não ensino, ficam comprometidos dois importantes aspectos: o fazer pensar do aluno e a sua formação humana, contrariando o preceito de ―direito‖ da literatura de todo o cidadão. Estas preocupações estão presentes nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006): Nesse mundo dominado pela mercadoria, colocam-se as artes [...] como meio de educação da sensibilidade; como meio de atingir um conhecimento tão importante quanto o científico – embora se faça por outros caminhos; como meio de pôr em questão (fazendo-se crítica, pois) o que parece ser ocorrência/decorrência natural; como meio de transcender o simplesmente dado, mediante o gozo da liberdade que só a fruição estética permite; como meio de acesso a um conhecimento que objetivamente não se pode mensurar; como meio, sobretudo, de humanização do homem coisificado: esses são alguns dos papéis reservados às artes, de cuja apropriação todos têm direito. Diríamos mesmo que têm mais direito aqueles que têm sido, por um mecanismo ideologicamente perverso, sistematicamente mais expropriados de tantos direitos, entre eles até o de pensar por si mesmos. (BRASIL, 2006, p. 52-53) Além da exclusão da literatura como componente curricular, há outra evidência que salta aos olhos de quem lê o documento: o cunho historicista da literatura, em detrimento do ensino da própria arte literária evidencia o desconhecimento do texto literário como fonte para o desenvolvimento do processo civilizatório dos sujeitos – objetivo principal deste documento. 62 Assim, o que se percebe pela leitura do documento é um descompasso com os objetivos apresentados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9.394/96), artigo 35, ao pensar o Ensino Médio: I) consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos; II) preparação básica para o trabalho e para a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III) aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. (BRASIL, 1996) Nota-se que o ensino de literatura vai ao encontro, principalmente, do terceiro inciso que a Lei determina, fazendo-se pertinente mencionar as palavras de Candido (1995) as quais relacionam a arte literária com o processo de humanização: Entendo aqui por humanização [...] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante (CANDIDO, 1995, p. 249). Apesar disso, os PCNs acabam por reforçar as práticas pedagógicas que ignoram o texto literário como oportunidade de experienciar outras vivências, refletir sobre si e sobre o mundo em que vive e compreender a linguagem da arte como possibilidade de expressão. Assim, com o olhar atento a estas questões, apresenta-se na próxima seção, a estratégia metodológica que objetiva o efetivo letramento literário, proposto por Cosson (2014), denominado sequência expandida. 3.3 A LEITURA LITERÁRIA PELO MÉTODO DA SEQUÊNCIA EXPANDIDA Antes de detalhar a possibilidade de ensino de literatura apresentada por Cosson (2014), é importante mencionar os critérios que autor sugere para a escolha de obra a ser lida com o propósito do letramento literário na escola. Para ele, não se pode desprezar o cânone, uma vez que ―guarda parte de nossa identidade cultural e não há maneira de se atingir a 63 maturidade de leitor sem dialogar com essa herança, seja para recusá-la, seja para reformá-la, seja para ampliá-la‖ (p. 34); é imprescindível que a obra seja atual (não necessariamente contemporânea), ou seja, que possui significado para o leitor em seu tempo, independentemente da época em que foi escrita. ―É essa atualidade que gera a facilidade e o interesse de leitura aos alunos.‖ (p. 34); e deve levar em conta a diversidade de obras, no sentido de buscar a discrepância entre o texto mais simples e o mais complexo, a obra mais conhecida e aquela desconhecida. Para Cosson (2014, p. 36), ―é assim que tem lugar na escola o novo e o velho, o trivial e o estético, o simples e o complexo e toda a miríade de textos que faz da leitura literária uma atividade de prazer e conhecimento singulares.‖ A sequência expandida, proposta por Cosson (2014), é uma alternativa para o ensino da literatura no contexto escolar, com vistas ao letramento literário, prática social que consiste em experienciar o mundo por meio da palavra, concretizando a aprendizagem da literatura. Trata-se de ir além da aprendizagem sobre a literatura, enfatizando aspectos históricos e teóricos, ou a aprendizagem por meio da literatura, como refere Halliday (1975), fazendo-se uso de textos literários para estudos sobre a língua ou sobre um saber em específico – práticas estas comuns de serem verificadas nas aulas desse componente curricular. Assim, com o objetivo de reorganizar estas possíveis aprendizagens que permeiam a matéria da literatura, Cosson (2014) apresenta sua estratégia metodológica, sistematizada por duas sequências: a sequência básica e a sequência expandida. Destaca-se que a sequência básica está inserida na sequência expandida, que, por sua vez, é tomada como base para a elaboração da sequência de leitura, aplicada neste estudo e delineada na sequência. Por isso, o detalhamento a seguir refere-se à sequência expandida, articulando experiência, saber e educação literários, sob a perspectiva do letramento literário na escola. A sequência expandida constitui-se pelas seguintes etapas: motivação, introdução, leitura, primeira interpretação (estas compõem também a sequência básica), contextualização, segunda interpretação e expansão. Estas etapas estão representadas na Figura 5, destacando o marco temporal de quando as ações ocorreram na intervenção, e são explicadas na sequência, contrapondo as concepções apresentadas por Cosson (2014) e a prática que foi realizada. 64 Figura 5 - Experiência de leitura: macroplanejamento da sequência 2ª CONTEXTUALIZAÇÃO INTERPRETAÇÃO 01/10/2015 02/10/2015 29/05/2015 PRIMEIRA INTERPRETAÇÃO EXPAN SÃO 17/09/2015 09/10/2 015 29/05/2015 INTRODUÇÃO 03/07/2015 LEITURA De 09/07/2015 a MOTIVAÇÃO 10/09/2015 29/05/2015 3º INTERVALO de 09/09/2015 a 10/09/2015 1º INTERVALO de 09/07/2015 a 16/07/2015 2º INTERVALO de 13/08/2015 a 20/08/2015 Fonte: e laborada pela pesquisadora A motivação É a primeira etapa da sequência básica do letramento literário e tem como objetivo preparar o aluno para iniciar a leitura do texto. É o momento em que o estudante precisa ser instigado à leitura, aproximando-o da obra. Tal aproximação pode ser feita pelo viés temático do texto, no entanto, pode ocorrer por outra perspectiva. A presença do lúdico é sugerida no sentido de aprofundar a leitura da obra literária. O entrelaçamento da leitura com texto escrito e oral compondo a atividade de motivação pode ocorrer ou não, mas sua integração revela a possibilidade, de acordo com Cosson (2014), de integrar o ensino da literatura com o ensino de língua portuguesa, uma vez que ―um está contido no outro.‖ (p. 57) Na prática desenvolvida com os alunos, sujeitos desta pesquisa, a partir da obra literária O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, a atividade de motivação realizada foi a 65 seguinte: entregou-se para cada aluno um retrato de uma pessoa (estilos diferentes de pessoas), para que imaginassem como seria sua vida se fosse essa pessoa: sua vida social, familiar. Foi-lhes informado que poderiam fazer um pedido ao retrato e que este desejo seria atendido. Por escrito, cada aluno apresentou a sua história e o seu desejo, justificando suas escolhas. Após foram apresentadas as informações através de depoimento à turma e confeccionado um varal, exposto no corredor da instituição de ensino (conforme imagens 1 e 2), com os retratos e, abaixo deles, um envelope com as informações a respeito do desejo de 12 cada personagem criado pelos alunos. Destaca-se que foi utilizado o portfólio como material para registro das atividades realizadas durante a sequência de leitura, bem como para o registro das reflexões e impressões dos alunos a respeito da obra e suas análises. Imagem 1 - Resultado da atividade de motivação Imagem 2 - Resultado da atividade de motivação Fonte: acervo da pesquisa Fonte: acervo da pesquisa A introdução Esta segunda etapa da sequência é o momento da apresentação da obra e de seu autor. É quando a obra é apresentada aos alunos, levando-a para sala de aula e destacando elementos paratextuais que introduzem a obra, fazendo a leitura da capa, da orelha e, até mesmo, do prefácio, cuja sinalização, ou exploração mais detalhada por parte do professor é fundamental na etapa da introdução. Constitui-se, portanto, de um momento em que o aluno sinta o prazer 12 Portfólio é um conjunto de atividades produzidas pelo aluno ao longo de determinado período (no caso, durante a aplicação da sequência de leitura) e é organizado por datas, identificando a realização das atividades. Além de seus trabalhos, são inseridos no portfólio as reflexões e apontamentos que o aluno considera importante para ampliar seu entendimento a respeito da obra lida, demonstrando a trajetória de sua aprendizagem. 66 da descoberta, recebendo a obra de uma maneira positiva. Nesta etapa, foi apresentada aos alunos uma imagem representativa do retrato de Dorian Gray (Imagem 3) e informado que este é o personagem central da obra a ser lida, a qual recebe o nome O retrato de Dorian Gray. Foi questionado sobre o que acham que Dorian teria pedido, considerando que a ele também foi concedido o poder de realizar o seu maior desejo, solicitando que dissessem qual o motivo de suas hipóteses. As hipóteses foram registradas na lousa da sala. Em seguida, foram projetadas imagens de Oscar Wilde (conforme Imagens 4 e 5), autor do romance O Retrato de Dorian Gray, perguntando aos alunos se já ouviram falar da obra e do autor; se sim, o que sabem de ambos. Imagem 3 - Retrato do personagem Dorian Imagem 4 – Retrato de Oscar Wilde Fonte: Fonte: http://4.bp.blogspot.com/3ux http://simaell.deviantart.com/art/The- DQ95A4DE/TEjdjhxnYQI/AAAAAAAAA9 Picture-of-Dorian-Gray-336169054 4/4Nl25jY9Jp0/s640/oscar-wilde1.jpg Imagem 5 – Retrato de Oscar Wilde Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_sFbuFPrN_BU/TJlXjAhq- XI/AAAAAAAABR4/YGHYGk0OvXA/s1600/waxwilde.jpg 67 A partir das imagens do autor da obra, foi promovida uma breve interação, com base nas perguntas abaixo, levando os alunos a inferirem informações sobre o escritor. Somente após discutir uma questão, a professora introduzia a seguinte. Quadro 3 - Questões sobre o escritor Oscar Wilde a) Cons iderando os trajes, em que época teria vivido Oscar Wilde? b) Observando a aparência, o traje e o nome (Oscar Wilde), onde você supõe que ele nasceu? c) Como você poderia caracterizar Oscar Wilde, em especial, quanto a sua personalidade, com base nas fotos apresentadas? Por quê? d) Voc ê o considera uma pessoa que contraria os padrões da época do autor? e) Atrib ui-se a Oscar Wilde as seguintes frases: ―Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe.‖ "A vida é muito importante para ser levada a sério." É possível relacionar essas frases às questões acima? Fonte: elaborado pela pesquisadora Após a discussão, foram tecidas algumas considerações sobre a vida de Oscar Wilde, suficientes para elucidar as questões discutidas. A leitura Esta etapa refere-se mais do que a simples leitura da obra, mas de seu acompanhamento. É a oportunidade para que o professor auxilie o aluno em suas dificuldades durante o processo de leitura. No caso de textos mais extensos, como os romances literários, é recomendável que a leitura seja feita extraclasse. Enquanto que a leitura está sendo realizada pelo aluno, cabe ao professor organizar momentos, durante sua aula, para o aluno apresentar os resultados de sua leitura. Tais momentos são denominados por Cosson (2014) de intervalos de leitura. De acordo com o autor, estes intervalos podem ser apenas momentos em que os alunos, juntamente com a figura do professor-mediador, conversam sobre a leitura feita, ou 68 atividades mais específicas, como a leitura de outros textos menores que se relacionam com o texto maior, escolha esta feita para a intervenção realizada neste estudo. Por meio dos intervalos é possível o professor identificar as maiores dificuldades de leitura do aluno, oferecendo-lhe uma ―intervenção eficiente na formação de leitor daquele aluno‖ (2014, p. 64). O detalhamento dos intervalos de leitura, realizados durante o processo de leitura da obra analisada, serão apresentados no próximo capítulo, uma vez que constituem o foco de análise desta pesquisa. A primeira interpretação Concluída a etapa de leitura da obra, é o momento da primeira interpretação, a qual vem da necessidade de verificar o que o leitor apreendeu sobre a obra, traduzindo suas impressões sobre ela. Trata-se de um momento de externalização da leitura realizada, por meio de um registro escrito ou oral, objetivando ―levar o aluno a traduzir a impressão geral do título, o impacto que ele teve sobre sua responsabilidade de leitor.‖ (COSSON, 2014, p. 83). O papel do professor nessa etapa é auxiliar o aluno a não realizar uma avaliação da obra lida, com informações sobre se gostaram ou não de sua leitura, mas de fazê-lo perceber que o valor de sua interpretação está na compreensão que demonstra ter acerca do texto lido. Na prática aplicada, a atividade realizada na primeira interpretação foi a elaboração de uma entrevista formal: o aluno prepara perguntas sobre a obra (o que mais o atraiu na leitura, entre outras questões) e as encaminha por escrito para o colega. Este deve respondê-las, tendo a opção de tornar as perguntas como um roteiro para elaborar o seu depoimento ou de encaminhar as respostas a outro aluno, o qual fará a sua produção escrita (depoimento) contrastando suas posições com as do colega. A contextualização A contextualização é o aprofundamento da leitura por meio dos contextos que ela própria traz consigo, uma vez que é impossível dissociar a leitura de seu contexto. Assim, quando se lê um livro, automaticamente se lê seu contexto. O que ocorre é que, dependendo da obra literária, alguns contextos são mais facilmente identificados, possibilitando uma reflexão maior a respeito. Cosson (2014, p. 86-91) apresenta sete contextualizações possíveis de serem realizadas: teórica, histórica, estilística, poética, crítica, presentificadora e temática. 69 Pensando na obra O retrato de Dorian Gray, a proposta aos alunos foi a de realizarem, em grupos (conforme exemplos apresentados no Quadro 4) uma pesquisa sistematizada, orientada e planejada pelo professor: Quadro 4 - Atividade da etapa de contextualização da sequência expandida GRUPO 1: Dados biográficos de Oscar Wilde. (Apenas os referentes à sua vida pessoal: lugar onde nasceu, família, casamento, interesse pela arte, atitudes extravagantes, viagens culturais, relações amorosas, prisão, doenças, morte.) GRUPO 2: A virtude x a beleza; A vaidade x o poder: O que é ser virtuoso? O que é ser belo? Concepções de beleza; A vaidade na Mitologia grega: escolha de Páris por Helena (a mais bela); O mito de Narciso: orgulho de si; A Igreja Medieval: o espelho é um mal; possui um demônio dentro de si. Relações entre a vaidade e o poder na sociedade. A beleza e a vaidade em Dorian Gray: virtude ou vício? GRUPO 3: Esteticismo e duplicidade Abordar o engajamento de Wilde no Movimento estético. O maior tema em O Retrato de Dorian Gray (1891) é o esteticismo e sua relação conceitual para viver uma vida dupla. Ao longo da história, a narrativa apresenta o esteticismo como uma abstração absurda, que decepciona mais do que dignifica o conceito de beleza. Apesar de Dorian ser um hedonista quando Basil o acusa de fazer um "por menor" do nome da irmã de Lorde Henry, Dorian secretamente responde: "Tome cuidado, Basil. Irá longe demais..."; assim na sociedade vitoriana, a imagem pública e posição social são importantes para Dorian. No entanto, Wilde destaca o hedonismo do protagonista: Dorian aproveitou "profundamente o terrível prazer de uma vida dupla", por atender a uma festa da alta sociedade apenas vinte e quatro horas depois de cometer um assassinato GRUPO 4: A Era Vitoriana: alguns dados sobre a sociedade inglesa no século XIX; A hipocrisia da sociedade inglesa. Apresentar dados suficientes para a compreensão do contexto em que se passa o romance ―O retrato de Dorian Gray‖. Explicar, em linhas gerais, como foi o período em que reinou a Rainha Vitória e no qual viveu Oscar Wilde. Enfatizar o enriquecimento da burguesia, a rigidez dos princípios moralistas e a solidez política. Apresentar trechos da obra que façam menção ao que está sendo exposto. Fonte: elaborado pela pesquisadora 70 As pesquisas orientadas são registradas no portfólio de cada aluno, com suas reflexões. Após a pesquisa e organização dos dados, os resultados são apresentados para a turma em formato de seminário. A segunda interpretação A segunda interpretação é a leitura mais aprofundada de um dos aspectos da obra, por isso está diretamente relacionada com a atividade da etapa de contextualização. Pode ser realizada em grupo ou individualmente, mas deve estar entrada em um aspecto da obra, como uma personagem, um tema, um traço estilístico, uma correspondência com questões da atualidade, questões históricas, enfim, com algum aspecto relacionado a contextualização anteriormente realizada. De acordo com Cosson (2014, p. 94), a segunda interpretação ―é o ponto alto do letramento literário na escola. O aprofundamento que se busca realizar na segunda interpretação deve resultar em um saber coletivo que une a turma em um mesmo horizonte de leitura.‖ O exercício que desta etapa resulta é a prova de que uma obra literária nunca se esgota, mas se amplia, se renova, de acordo com as diferentes abordagens que dela emergem para cada leitor literário. Na proposta didática aplicada na intervenção, a atividade para a segunda interpretação manteve relação com a que fora proposta na contextualização, anteriormente apresentada: solicitou-se que os alunos formalizassem a sua pesquisa, em formato de um pequeno projeto: apresentando um título, objetivo, justificativas, procedimentos, cronograma e bibliografia. Ao final, houve a apresentação oral dos resultados alcançados de cada grupo para a turma. A expansão A expansão configura em um momento para estabelecer relações textuais da obra lida com uma segunda obra. Para tanto é necessário estabelecer um fio condutor, de maneira que o leitor consiga construir um diálogo entre elas. Nesse sentido, a expansão objetiva comparar uma obra com a outra, sendo que a segunda obra lida não precisa necessariamente ser uma 71 obra escrita; pode ser, por exemplo, uma obra cinematográfica. No entanto, por se tratar de letramento literário, tem-se preferência por obras que transitem no campo da literatura. Importante destacar que os resultados das percepções e observações feitas pelos alunos devam ser registrados de alguma maneira e que sejam compartilhados, fortalecendo a constituição de uma comunidade de leitores. Cosson (2014, p. 96) ressalta que este momento, ao mesmo tempo em que pode ser o fechamento, pode ser também a abertura para uma nova sequência expandida, desempenhando a função de motivação. Como sugestão de atividade para esta etapa, pensada a partir da obra de Oscar Wilde, selecionou-se o livro O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson, cujo enredo e cenário possuem semelhanças com O retrato de Dorian Gray. O médico e o monstro mostra as múltiplas vidas que os homens levam e a diferença social na Inglaterra do século XIX. Assim, é importante ratificar que a experiência da sequência expandida tem o propósito de promover o letramento literário, mostrando ao aluno possibilidades e caminhos para a leitura, os quais podem e devem ser transpostos para outras leituras que o estudante irá realizar, na escola e fora dela, conforme afirma Cosson (2014, p. 103): Mais importante que a simples oposição entre quantidade e qualidade é a competência de leitura que o aluno desenvolve dentro do campo literário, levando-o a aprimorar a capacidade de interpretar e a sensibilidade de ler em um texto a tecedura da cultura. É essa a competência que se objetiva no letramento literário. Levando em conta este propósito, o de desenvolver as habilidades de leitura que promovam o letramento literário, a proposta da sequência de leitura aplicada aos sujeitos investigados é incorporada à metodologia norte-americana de ensino de estratégias de leitura, 13 apresentada na próxima seção , a qual relaciona o desenvolvimento das habilidades leitoras com o uso de tais estratégias. 3.4 A METODOLOGIA NORTE-AMERICANA DE ENSINO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA A metodologia norte-americana de ensino de estratégias de leitura, tomada como uma 13 Ao apresentar a sequência expandida (COSSON, 2014) é detalhada a aplicação das etapas que a constitui, descrevendo as atividades que ocorreram. No entanto, na seção 3.4, que trata da metodologia norte-americana de ensino de estratégias de leitura, não é apresentado esse detalhamento, uma vez que tal método de ensino de estratégias é tomado como base nos denominados intervalos de leitura, etapas que são o foco de análise desta pesquisa e que são posteriormente perscrutadas. Justifica-se, assim, a mudança estrutural da organização do texto nesta seção. 72 das pedras basilares para este estudo, é detalhada nesta seção partir dos estudos de Harvey e Goudvis (2007), educadoras e pesquisadoras que por mais de 20 anos dedicaram-se a desenvolver e a propor maneiras de implementar práticas de letramento nas salas de aulas da Educação Infantil. Suas concepções a respeito do processo de compreensão leitora advêm de outros estudos realizados nos Estados Unidos e que apresentam o ensino de estratégia de leitura como uma possibilidade para o letramento. É o caso do estudioso David Pearson (2006), o qual reservou grande parte de sua vida a compreender como as crianças aprendem, pensam e entendem. Apesar de os estudos norte-americanos terem como sujeitos investigados alunos com faixa etária da Educação Infantil, a metodologia foi adaptada para o contexto brasileiro, a alunos de Ensino Médio – sujeitos investigados nesta pesquisa – uma vez que as autoras deixam claro que as estratégias utilizadas por crianças são também usada por adultos, não sendo determinante a faixa etária do leitor, mas sim as características que o define como mais ou menos proficiente. Tal metodologia é tomada como base, juntamente com os preceitos de Cosson (2014), apresentado na seção anterior, para a elaboração da proposta didática aplicada na intervenção deste estudo, pois ela pressupõe o mesmo entendimento sobre leitura e ensino e aprendizagem da leitura literária e do processo de formação do leitor que fundamenta teoricamente esta pesquisa. Ou seja, entende a leitura como construção de sentido por meio da interação; ensino e aprendizagem da leitura literária como processo de apropriação do texto literário; e processo de formação de leitor como um movimento interativo e dialógico, resultante da consciência do pensamento e das experiências com o outro, conforme se pode perceber no trecho abaixo: Lemos por vários motivos. [...] Lemos para conectar o texto com nossas vidas, para deixar a imaginação nos levar, para escutar o som da linguagem da narrativa, para explorar temas antigos, para obter informações e adquirir conhecimento. Ler e aprender é muito mais do que sentar passivamente com um livro nas mãos. Leitores engajados interagem com o texto, com outras ideias, e outras pessoas. A leitura conduz ao pensamento e até mesmo estimula a ação. [...] leitores precisam pensar 14 quando lêem. (HARVEY; GOUDVIS, 2007, p. 7, tradução nossa ) 14 Todas as traduções da Língua Inglesa para a Língua Portuguesa, nesta pesquisa, foram realizadas pela pesquisadora deste estudo. O texto original desta nota é: ―We read for many reasons. [...] We read to connect the text to our lives, to let our imagination carry us away, to hear the sound of narrative language, to explore age-old themes, to glean information, and to acquire knowledge. Reading and learning is far more than sitting passively with a book in hand. Engaged readers interact with text, other ideas, and other people. Reading prompts thinking and even spurs action. [...] readers need to think when they read.‖ (HARVEY; GOUDVIS, 2007, p. 7) 73 De acordo com Harvey e Goudvis (2007), o ensino da compreensão possui dois principais objetivos: fazer os leitores pensarem quando lêem, desenvolvendo a consciência do pensamento (metacognição); e usar o conhecimento que adquirem durante a leitura de forma ativa. Assim, percebe-se que a compreensão, para as autoras, está alicerçada pelos princípios de que ler é pensar e de que ler é estratégico: ―quando lemos, nossos pensamentos preenchem nossa mente. [...] Leitores baseiam-se nas palavras escritas do texto e constroem sentido a 15 partir de seus próprios pensamentos, conhecimentos e experiências.‖ (2007, p. 12-13) Assim, a postura ativa do leitor, necessária para a compreensão acontecer, vai de encontro com o entendimento que uma vez se tinha sobre compreensão, como resultado da decodificação e da oralização da linguagem. Trata-se de ―um processo muito mais complexo 16 que envolve conhecimento, experiência, pensamento e ensino‖ , como afirma Fielding e Pearson (1994, p. 64). Destaca-se que estes elementos que compõem o processo de compreensão vão ao encontro dos pressupostos vigotskinianos a respeito da aprendizagem, uma vez que, para o estudioso, o desenvolvimento cognitivo ocorre pela interação com o outro, através das relações inter e intrapessoais, mediadas por alguém ou por algum elemento, possibilitando ao sujeito a passagem de um estágio de não conhecimento para um estágio de conhecimento. É o que Vigotski (2009) denomina de zona de desenvolvimento proximal, conceito caro ao estudioso e que representa uma de suas maiores contribuições para a educação: o sujeito tem desenvolvido uma habilidade até dado momento, mas que pela interação com o outro, ele consegue ir mais além, alcançando outro nível de conhecimento. No caso do processo de formação leitora, passa-se a outro nível de compreensão, que seria, de acordo com Harvey e Goudvis (2007), o uso ativo do conhecimento que os sujeitos leitores adquirem, fazendo uso consciente das estratégias de leitura, ratificando o que as autoras referem a respeito da compreensão: ―A verdadeira compreensão vai além do entendimento literal e envolve a interação do leitor com o texto.‖ (2007, p. 14, tradução nossa) Assim, nesse processo, é exigida do leitor uma postura colaborativa e ativa, interagindo com os textos que lêem, por meio da ação do mediador. Esta ação ativa do leitor está condicionada à consciência de seus pensamentos enquanto lê, favorecendo a utilização não apenas de seus conhecimentos prévios, como também, as informações percebidas durante o ato da leitura, modificando o pensamento do sujeito leitor e desenvolvendo bases cada vez 15 Texto original: ―When we read, thoughts fill our minds. [...] readers take the written word and construct meaning based on their own thoughts, knowledge, and experiences.‖ (HARVEY; GOUDVIS, 2007, p. 12-13) 16 Texto original: ―[...] comprehension is now viewed as a much complex process involving knowledge, experience, thinking, and teaching.‖ (FIELDING; PEARSON, 1994, p. 64) 74 mais complexas para a prática da leitura. O exercício de tomar consciência do pensar e do estabelecer relações de seu mundo com o texto faz o leitor compreender os diferentes significados do texto, impulsionando o movimento da formação de sua autonomia enquanto leitor. Como as autoras destacam no trecho abaixo, a compreensão é resultado também de um exercício de metacognição, que se refere mais do que pensar sobre o que estão lendo, mas sobre o que estão aprendendo: Compreensão significa que leitores pensem não apenas no que estão lendo, mas sobre o que estão aprendendo. Quando leitores constroem significado, eles estão construindo seu estoque de conhecimento. Mas juntamente com o conhecimento 17 deve vir a compreensão. (HARVEY; GOUDVIS, 2007, p. 15) A metodologia prevê que os alunos perpassem por algumas etapas para alcançar a compreensão, construindo o sentido de um texto: que eles consigam monitorar o seu entendimento, aumentem a compreensão, adquiram e usem ativamente o conhecimento e desenvolvam sua introspecção. Atingindo esta última etapa, o sujeito leitor pensa de maneira mais profunda e crítica, questionando, interpretando e avaliando o que se lê. Desta forma, as autoras afirmam que ―ler pode mudar o pensamento‖. (2007, p. 15) Entretanto, as estudiosas atentam para o fato de que não basta apenas ensinar o conteúdo (o que se aprende) aos alunos, e sim é preciso ensinar também o processo de ensino (como os alunos aprendem), ou seja, é necessário o ensino do pensar, a fim de possibilitá-los acessar informações, aprendê-las, entendê-las e lembrar sobre o que foi lido. Isto significa que é necessário ativar o letramento. E como se pode fazer isso? De acordo com a metodologia norte-americana, ler, escrever, desenhar, conversar, escutar e investigar são elementos basilares para ativar o letramento, estimulando professores e alunos a falarem e expressarem suas ideias, pensamentos e reflexões. As autoras, a partir de seus estudos, percebem que em aulas em que o pensamento é nutrido, crianças estão ativamente questionando, comentando, inferindo, discutindo, debatendo, ou seja, seu espírito reflexivo e crítico é constantemente desenvolvido. É nesse aspecto que ler, de acordo com as autoras, também é estratégico, emergindo desta característica da leitura, a categorização de diferentes estratégias e que constituem a metodologia de ensino voltada para a ampliação da compreensão textual. Estas estratégias apontam para as características de leitores ativos e competentes e as 17 Texto original: ―Comprehension means that readers think not only about what they are reading but about what they are learning. When readers construct meaning, they are building their store of knowledge. But along with knowledge must come understanding.― (HARVEY; GOUDVIS, 2007, p. 15) 75 ações (o processo congitivo) que utilizam para significar um texto. Assim, Harvey e Goudvis (2007), com base em outros pesquisadores norte-americanos que têm se dedicado a compreender o processo do pensamento utilizado por leitores proficientes, como David Pearson, por exemplo, identificam suas características e, com base nelas, apresentam as estratégias de leitura, que consideram essenciais para o desenvolvimento da autonomia leitora e acabam por constituir sua metodologia. Quanto às características de leitores proficientes, pesquisadores norte-americanos identificam: a busca por conexões entre o que conhecem e as novas informações encontradas nos textos que lêem; a realização de perguntas durante a leitura a respeito da temática e dos autores do texto lido, bem como a realização de inferências durante a após a leitura; a visualização do que está acontecendo no texto lido, utilizando para isto os diferentes sentidos, auxiliando, assim, no melhor entendimento sobre a obra; identificação das ideias centrais e dos detalhes presente no texto; a realização da síntese das informações e monitoramento durante a leitura dos ―encontros‖ e ―desencontros‖ de sua compreensão. Assim, a partir da constatação de que tais características representam leitores proficientes, a metodologia norte-americana, preocupada com o ensino do pensar e do aprender rotinas que instaurem estratégias de compreensão no contexto escolar, e, atenta à figura do mediador para promover a colaboração e a atitude responsiva de seus alunos, apresenta as seguintes estratégias a serem tomadas como base para o ensino de leitura. Ativar conhecimentos prévios De acordo com Harvey e Goudvis (2007), não há como compreender o que se lê sem pensar sobre o que já se conhece. Assim, os conhecimentos prévios são a base do pensamento do sujeito leitor. Todas as experiências e conhecimentos adquiridos ao longo da vida são trazidos no momento da prática de leitura pelo sujeito, conectando a estes conhecimentos já internalizados pelo leitor às novas informações, fazendo emergir desse processo novos conhecimentos, novas aprendizagens. Ativar conhecimentos prévios é considerado a estratégia-mãe, pelas autoras, uma vez que está presente em todas as demais estratégias possíveis de serem utilizadas pelos leitores. Formular questões ao texto Questionamentos estão no centro do processo de ensino e aprendizagem, sendo 76 necessários para o entendimento do mundo que está envolta do sujeito, representando uma abertura para a compreensão. A estratégia de formular perguntas ao texto impulsiona o leitor a seguir em frente e não abandonar sua leitura. As autoras afirmam que leitores proficientes fazem perguntas antes, durante e depois da leitura, questionando o conteúdo, o autor, os eventos e as ideias que estão presentes no texto. Por isso esta é uma das estratégias que precisam ser ensinadas aos leitores aprendizes, de maneira a desenvolverem sua autonomia leitora. Fazer inferências Durante a leitura de um texto, muitas hipóteses podem ser formuladas, com base nos conhecimentos prévios do leitor e nas informações apresentadas nas entrelinhas do texto. Tais hipóteses podem ser confirmadas, ou não no decorrer da leitura. Inferir permite ao leitor fazer suas próprias descobertas, alcançando a essência mais profunda do texto que está lendo. Para Harvey e Goudvis (2007, p. 18), é comum acontecer de os questionamentos formulados serem apenas respondidos por meio de uma inferência, e quanto mais informações os leitores adquirem do texto, mais facilmente irão fazer inferências coerentes em relação ao texto lido. Visualizar Visualizar significa construir significados criando imagens mentais, por isso esta estratégia relaciona-se à estratégia de inferência. As pesquisas realizadas pelos estudiosos norte-americanos, em especial, as autoras tomadas como referência, apontam que quando o leitor cria cenários e imagens em sua mente enquanto realiza uma leitura, seu nível de engajamento aumenta e sua atenção não se desvia do texto. Assim, ensinar a estratégia da visualização, ou seja, ensinar a construção de imagens mentais durante o processo de leitura, auxilia o leitor aprendiz a parar e pensar sobre o que está lendo, corroborando para a compreensão da informação presente no texto, fomentando a autonomia leitora do sujeito. Sumarizar Sumarizar significa parafrasear as informações de um texto. Para isto, é preciso identificar e reconhecer o que é informação principal e o que é detalhe em um texto, percebendo que as ideias principais são aquelas que realmente se quer lembrar. Quando o 77 leitor faz uso da sumarização, ele precisa filtrar e selecionar as informações que representam a ideia central do texto, ou seja, a essência da leitura, para, em seguida, fazer uso da estratégia de síntese, alcançando, assim, uma compreensão mais profunda. Sintetizar A síntese ocorre quando o leitor une a informação com seu pensamento e ressignifica seu próprio conhecimento, formando uma opinião pessoal ou uma nova perspectiva que conduz a uma nova visão sobre a temática abordada. De acordo com as autoras, no momento em que se passa da sumarização para a síntese das informações, o leitor integra o novo conhecimento aos que ele já tinha (conhecimentos prévios). Afinal, por vezes, os leitores acrescentam novas informações aos seus conhecimentos prévios, desenvolvendo muito mais as habilidades do pensar e do aprender, e, em outros momentos, eles modificam sua maneira de pensar com base na leitura feita, modificando totalmente sua perspectiva. Independente do processo, quando os leitores sintetizam, eles alcançam, de acordo com Harvey e Goudvis (2007, p. 19) um nível de compreensão muito mais completo. Nesse sentido, sumarizar e sintetizar são estratégias que permitem ao leitor significar as informações mais importantes do texto, identificar sua essência e evoluir seus pensamentos e sua interpretação. Importante destacar que, como as estratégias de leitura apresentadas pela metodologia norte-americana, a partir de Harvey e Goudvis (2007), estão diretamente relacionadas aos elementos definidores do processo de autonomia, os critérios adotados nessa pesquisa para 18 definir leitor autônomo tomam como base as habilidades necessárias para a utilização das estratégias de leitura, conforme quadro a seguir. Quadro 5 - Características definidoras de leitor autônomo, a partir do uso de estratégias de leitura ESTRATÉGIAS DE LEITURA, LEITORES AUTÔNOMOS – características definidoras, adotadas de acordo com a metodologia na pesquisa norte-americana  Conhecimento prévio;  Estabelece relações com seu conhecimento anterior;  Conexões;  Permite ativar o conhecimento prévio, estabelecendo relações com novos conhecimentos; 18 Considera-se leitor autônomo termo sinônimo de leitor competente, ou seja, aquele que, ao ler um texto (literário), ativa suas potencialidades, resgatando seus conhecimentos prévios, e produz novos significados e conhecimentos. 78  Questões ao texto;  Formula perguntas pertinentes ao texto em questão;  Inferência;  Faz inferências ajudando a ler nas entrelinhas;  Visualização;  Cria imagens em sua mente, tornando a leitura prazerosa;  Sumarização;  Sumariza a leitura de acordo com as finalidades e objetivos da leitura; Destaca as ideias mais importantes e distingue as relações que há entre as informações do texto;  Síntese.  Recapitula e expõe sucintamente o que foi lido. Utiliza palavras e constrói frases que englobe a informação do texto e faz abstrações a partir de expressões e conceitos mais detalhados e concretos da leitura. Fonte: elaborado pela pesquisadora Isto posto, ratifica-se que, no entendimento desse estudo, há uma correlação entre as características de leitores competentes e as estratégias de leitura por eles utilizadas, uma vez que seu uso favorece a organização mental de recursos que vão do mais simples ao mais complexo. Por conseguinte, tendo conhecimento das estratégias de leitura consideradas pelas autoras como fundamentais para a ampliação da compreensão leitora, a questão que se coloca é: como a metodologia sugere o ensino de tais estratégias de modo a torná-las realmente flexíveis e de uso independente para o leitor? De acordo com Harvey e Goudvis (2007), é responsabilidade do professor, quando desenvolve a habilidade de leitura de seus alunos, tornar explícito tudo o que é implícito. Deixar explícito a instrução, neste contexto, significa ―mostrar aos alunos como pensamos quando lemos‖ (2007, p. 20). Assim, é preciso explicitar o ensino das estratégias de leitura de maneira que os leitores aprendizes possam utilizá-las para construir significado, modelando as estratégias para a turma; guiando os alunos em práticas de leitura em grupos ou pares; e favorecendo aos alunos situações de prática de leitura, usando e aplicando as diferentes estratégias de leitura, de maneira independente. É o que Pearson e Gallagher (1983) 19 denominam de Liberação Gradual de Responsabilidade , referindo a um processo gradual de desenvolvimento de autonomia do leitor. Usando uma metáfora, pode-se comparar a aprendizagem da leitura com o aprender a 19 Liberação Gradual de Responsabilidade é tradução feita pela pesquisadora. A expressão original utilizadpelos autores, Pearson e Gallagher (1983), é Gradual Release of Responsability. 79 andar de bicicleta: é preciso mostrar ao aprendiz como se faz e apoiá-lo para experienciar tal prática. Assim, primeiramente, a criança assiste ao adulto andar de bicicleta (etapa semelhante à modelagem pelo professor); depois, ela começa a andar com bicicleta de rodas (uma metáfora para a prática guiada); e, finalmente, a criança torna-se independente do acessório das rodinhas e passa a andar de bicicleta pela rua, ilustrando como a criança conseguiu executar a tarefa de maneira autônoma e aplicá-la nas mais diferentes situações (etapa da prática de leitura independente). No entanto, ao tratar do processo de leitura, Harvey e Goudvis (2007, p. 32) apontam para o cuidado que se deve ter em não agilizar o caminho em demasia, tampouco alongá-lo por demais, tornando-o tedioso. Pensando nisto, as autoras adaptaram a estrutura da Liberação Gradual de Responsabilidade, incluindo cinco etapas para o ensino das estratégias de compreensão, apresentadas a seguir. Modelagem: momento em que o professor explica a estratégia, mostrando como efetivamente usar a estratégia para compreender o texto. Ele pensa alto enquanto faz a leitura juntamente com os alunos, evidenciando o processo de seu pensar e de uso da estratégia; Prática guiada: o professor propositalmente guia a leitura e a discussão de um tópico da leitura para o grupo de alunos, praticando o uso da estratégia juntos, professor e alunos, possibilitando a reconstrução de significados a partir da discussão coletiva sobre a leitura e por meio de feedback específico aos alunos a respeito da compreensão do texto. É o momento mais duradouro de todo o processo, já que, de acordo com as autoras, é quando se pode melhor auxiliar o aprendiz a desenvolver sua independência leitora; Prática colaborativa: os alunos compartilham seus pensamentos com os colegas, em pequenos grupos, e o professor passa nos grupos assessorando e contribuindo para a ampliação do processo de compreensão dos alunos e de uso das estratégias de leitura; Prática independente: depois de trabalhar coletivamente com professor e colegas, os alunos são motivados a praticarem o uso das estratégias por si próprios, recebendo, no entanto, retornos regulares do educador e dos colegas; e Aplicação da estratégia em uma situação autêntica de leitura: os alunos utilizam as estratégias de leitura em textos autênticos, bem como em diferentes gêneros textuais e contextos discursivos. 80 Com base nos componentes apresentados pelas autoras, a sequência de leitura elaborada e aplicada aos alunos investigados neste estudo reconfigura a proposta metodológica norte-americana de ensino de estratégias de leitura, de maneira a adaptá-la aos pressupostos metodológicos de Cosson (2014), no que tange à aplicação de sequência expandia, com vistas ao letramento literário. Figura 6 – Os intervalos de leitura e o ensino de uso de estratégias de leitura Responsabilidade pelo uso das estratégias de leitura Somente o professor Somente o aluno Professor e aluno PRÁTICA DE LEITURA MODELAGEM PRÁTICA GUIADA INDEPENDENTE 1º INTERVALO 2º INTERVALO 3º INTERVALO (Antes do Baile Verde, (Eco e Narciso, Thomas (O espelho, Machado de Lygia F. Telles) Bulfinch.) Assis) Desenvolvimento gradual da autonomia Fonte: elaborada pela pesquisadora Desse modo, conforme apresentado na Figura 6, o ensino das estratégias de leitura tomou forma por meio de três etapas (modelagem, prática guiada e prática de leitura independente), concomitantes, respectivamente, aos três intervalos de leitura, propostos a partir da sequência expandida (COSSON, 2014), conforme apresentado no próximo capítulo. 81 4 APLICAÇÃO DE SEQUÊNCIA DE LEITURA: POSSIBILIDADE PARA FORMAÇÃO LEITORA? Considerando os dados insatisfatórios no que tange à formação leitora dos jovens brasileiros, oriundos de diferentes razões como a elevada taxa de analfabetismo, a influência cada vez mais intensa dos meios audiovisuais e o não incentivo a uma política cultural contínua e eficiente, fatores estes destacados anteriormente neste estudo, repensar o papel da leitura e sua prática em sala de aula torna-se elemento de sobrevivência para o propósito da formação humana. O alcance do objetivo principal dos PCNs, que é o exercício competente e consciente da cidadania, está diretamente relacionado à democratização da leitura, a qual depende, por sua vez, de uma política cultural voltada para a prática da leitura, propiciando mais que o acesso, o contato com a leitura e a escrita para todos, além de oferecer uma metodologia de ensino da literatura que supere a prática escolarizada tão presente nas escolas, fazendo emergir do aluno o prazer pela leitura literária, instigando posicionamento crítico sobre o lido e sobre o mundo que ele representa. É com as lentes focadas nesse desejo que a proposta de aplicação de sequência de leitura, com base nos preceitos de Cosson (2014) sobre o letramento literário, e da metodologia norte-americana de ensino de estratégias de leitura, proposta por Harvey e Goudvis (2007), dentre outros estudiosos, constitui o instrumento para a análise da pesquisa que aqui se propõe, buscando verificar em que medida tal sequência propicia o desenvolvimento da formação leitora de alunos do Ensino Médio. Importante ressaltar que, como pano de fundo para a elaboração do processo de construção da sequência de leitura, delineada a seguir, estão as concepções teóricas não somente do grupo de estudiosos norte-americanos, com suas contribuições acerca do ensino de estratégias de leitura, e a inaudita proposta de letramento literário com vistas à Educação Básica, de Cosson (2014), mas também o entendimento da literatura como um ―direito de todo o cidadão‖, promulgado por Candido (1972, 1995), incorporado ao preceito de experiência, trazido por Larrosa (2002) e de aprendizagem como processo de interação com o outro, trazido por Vigotski (1996, 2009), de maneira a tornar o letramento literário uma atividade realmente significativa para o leitor. Assim, para compreender o processo que se foi construindo ao longo da pesquisa, com base nos pressupostos metodológicos nela adotados e no arcabouço teórico utilizado, o estudo segue com as etapas referidas: primeiramente, são apresentados os instrumentos elaborados e 82 que formam parte da sequência de leitura aplicada aos alunos participantes da investigação. Em seguida, são apresentados os dados emergentes da aplicação dos instrumentos, 20 considerando os momentos denominados intervalos de leitura e o questionário final aplicado aos sujeitos. Nesta etapa, tais dados são apreciados, com base nos aspectos a seguir elencados, os quais oferecem o norte para a análise dos dados construídos ao longo da pesquisa:  Comparativo entre o “antes” e o “depois” da leitura com vistas ao uso das estratégias de leitura – 2º intervalo;  Comparativo entre o 2º e o 3º intervalos - uso das estratégias de leitura pelos alunos envolvidos na pesquisa;  Comparativo entre o uso de cada estratégia e a visão do aluno sobre o uso - 2º intervalo;  Comparativo entre o uso de cada estratégia e a visão do aluno sobre o uso - 3º intervalo. A análise busca verificar se a hipótese que subjaz este estudo, de que o ensino e o uso de estratégias de leitura contribuem para a formação de um leitor autônomo, é possível de ser 21 confirmada. Vale ressaltar que, para o presente estudo, leitor autônomo é aquele que, ao ler um texto, ativa suas potencialidades, aciona o repertório que constitui seus conhecimentos prévios e produz novos significados e conhecimentos, características estas que permeiam as estratégias de leitura enfatizadas nas atividades que representam os instrumentos utilizados na pesquisa. Dessa maneira, tem-se o entendimento de que para conceber um sujeito leitor autônomo é preciso que ele demonstre o domínio e o uso das estratégias de leitura. Nesse contexto, para verificar se há evolução quanto à autonomia leitora dos sujeitos envolvidos neste estudo, evidenciando, assim, se a sequência de leitura contribui para a formação leitora 20 A sequência de leitura é constituída por três intervalos de leitura, no entanto, não é realizada análise de dados do 1º intervalo, uma vez que este, ao contemplar a proposta metodológica de ensino de estratégias de leitura, refere-se à etapa de moldagem, quando o professor dedica-se a apresentar as estratégias de leitura aos alunos e a exemplificá-las a partir de uma leitura. No caso da sequência desenvolvida neste estudo, o texto escolhido foi Eco e Narciso, de Thomas Bulfinch. O detalhamento deste momento será apresentado a seguir e está disponível no Apêndice C deste estudo. 21 Ver Quadro 5, apresentado anteriormente (p. 77-78), que aprofunda o entendimento de leitor autônomo adotado neste estudo e relacionada suas características com as estratégias de leitura abordadas nos instrumentos aplicados aos alunos investigados. 83 dos alunos, é preciso atentar para elementos que indiquem, não somente o uso de tais estratégias, mas o possível aumento do uso destas estratégias. Nesse sentido, a comparação entre as respostas dadas pelos investigados no 2º e no 3º intervalos é fundamental para buscar dados que confirmem ou refutem a hipótese deste estudo. 4.1 DETALHAMENTO DOS INSTRUMENTOS Como mencionado anteriormente, os instrumentos que constituem a sequência de leitura aplicada durante pesquisa tomam como base os pressupostos metodológicos de Cosson (2014) e a teoria norte-americana de ensino de estratégias de leitura (HARVEY; GOUDVIS, 2007). Relevante enfatizar que Cosson, quando apresenta em sua obra a sequência expandida, explicita seu objetivo de promover o letramento literário, desenvolvendo a competência de leitura do aluno no campo literário, ―levando-o a aprimorar a capacidade de interpretar e a sensibilidade de ler em um texto a tecedura da cultura.‖ (COSSON, 2014, p. 104). Ao encontro desse propósito está a teoria norte-americana de ensino de estratégias de leitura, a qual propõe uma sistematização do ensino de diferentes estratégias de maneira a tornar o aluno um leitor atuante, crítico, independente e competente, na medida em que aciona conhecimentos de mundo para facilitar e aperfeiçoar a compreensão de determinado texto. O entendimento de que desenvolver a habilidade de leitura por meio do uso de diferentes estratégias contribui diretamente para a promoção do letramento literário faz com que ambas as concepções sejam levadas em conta para a elaboração da sequência de leitura. No entanto, para buscar dados que possam responder a indagação principal deste estudo, é feito um recorte da sequência, sendo apresentadas e analisadas apenas as atividades, denominadas de intervalos de leitura. Ressalta-se que os intervalos de leitura são um sistema de verificação do texto principal (a obra literária O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde) constituído por momentos de enriquecimento da compreensão do mesmo a partir da leitura de outros textos e da relação que se estabelece destes com o texto principal, conforme sugere Cosson (2014, p. 81). Importante destacar que nas atividades propostas nestes momentos de intervalos de leitura evidencia-se o propósito do ensino e do uso de estratégias de leitura, perpassando as três etapas denominadas de Moldagem, Prática guiada e Prática de leitura independente, mencionadas no capítulo anterior, necessárias para o aluno fazer uso das estratégias de leitura de maneira autônoma. Assim, foram realizados três intervalos durante o processo de leitura do romance O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, conforme apresentado na Figura 7. 84 Figura 7 - Os intervalos de leitura e a intertextualidade que permeia a obra O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde Fontes das imagens: https://sites.google.com/site/mitologiagrupo6/3-indice-1/3-2-entrevistas>; http://essaseoutras.xpg.uol.com.br/resumo-venha-ver-o-por-do-sol-e-outros-contos-lygia-fagundes-telles/ http://www.motivofaz.com.br/index.php?i=0&cat=11&subc=85; http://naogostodeplagio.blogspot.com.br/2013/06/o-retrato-de-dorian-gray.html 4.1.1 O primeiro intervalo de leitura Após a aplicação Imagem 6 – Cronologia da aplicação: o 1º intervalo de leitura das primeiras etapas da sequência, bem como o 1º INTERVALO DE LEITURA 09/07/2015 início da leitura do Intertextualidade: Eco e Narciso, de Thomas a Bulfinch romance literário pelos 16/07/2015 MOLDAGEM alunos, ocorreu o primeiro Apresentação das estratégias de leitura aos alunos intervalo de leitura (o qual Fonte: elaborada pela pesquisadora se situa cronologicamente 85 conforme a Imagem 6), cuja sistematização encontra-se no Apêndice C deste estudo. Neste momento, a professora-pesquisadora apresentou aos alunos o texto Eco e Narciso, de Thomas Bulfinch (Anexo B), estabelecendo relações de semelhança entre as características dos personagens principais de ambos os textos, Narciso e Dorian Gray. Na ocasião, foram apresentadas estratégias de leitura aos alunos, mostrando de que maneira seu uso pode facilitar a compreensão do texto, configurando, assim, a primeira etapa de Moldagem sugerida pela metodologia norte-americana, conforme apresentado no material disponível no link https://prezi.com/lvpaoupenhtg/1o-intervalo-de-leitura/. A discussão com os alunos iniciou a partir das hipóteses por eles formuladas sobre qual seria o desejo que Dorian teria feito para seu retrato. A partir disso, a professora-pesquisadora apontou trechos do romance, conforme apresentado no Quadro 6, os quais mencionam o desejo feito pelo personagem: o de permanecer jovem para sempre e o retrato envelhecer em seu lugar. Quadro 6 - Trechos da obra O retrato de Dorian Gray ―Como é triste! Eu vou ficar velho e horrendo e medonho. Ele jamais envelhecerá além desse dia de junho.... se pudesse ser diferente! Se eu permanecesse sempre jovem e o retrato envelhecesse! Por isso, – por isso – eu daria tudo! Sim, não há nada em todo o mundo que eu não daria! Daria a minha alma por isso!‖ (WILDE, p. 35) ―Tenho ciúmes de qualquer coisa cuja beleza não morre. Tenho ciúmes do retrato que você pintou de mim. Por que ele deve preservar o que eu terei de perder? Todo instante que passa tira algo de mim e dá a ele. Oh, se fosse o contrário! Se o quadro pudesse mudar, se eu pudesse ser sempre o que sou agora!‖ (WILDE, p. 36) Fonte: Wilde (2012) Após esse momento, é feita a leitura do texto Eco e Narciso, de Thomas Bulfinch, buscando estabelecer relações de semelhanças entre os personagens Narciso e Dorian. A professora-pesquisadora provoca alguns questionamentos aos alunos, como os mencionados no Quadro 7, com o intuito de apresentar-lhes as estratégias de leitura. Quadro 7 - Questionamentos sobre o texto Eco e Narciso, de Thomas Bulfinch  Qual é a relação que se pode fazer entre Narciso, ao ver seu rosto refletido na fonte, e Dorian Gray, quando vê o seu retrato?  Você se recorda de algum fato/episódio que presenciou ou ouviu falar que remeta à temática dos 86 textos lidos, ou seja, a busca pela eterna beleza e sua supervalorização?  Quem são os protagonistas da história? Quais são seus conflitos?  Em que tempo e espaço se passam os acontecimentos?  É possível afirmar que todas as pessoas possuem um ―Narciso‖ em si que as leva a cuidar de seu próprio corpo, arrumar-se, enfeitar-se para agradar a si e/ou aos outros? Quais seriam os efeitos disso aos seres humanos? O que isso simboliza para a nossa sociedade? E para Dorian Gray, a adoração por sua beleza, por sua aparência influenciará em seu destino? Seria isso possível? De que maneira? Fonte: elaborado pela pesquisadora Os alunos prontamente contribuem com suas opiniões e reflexões a respeito dos questionamentos e, ao final, a professora-pesquisadora conclui juntamente com os alunos que, ao estabelecer relações como estas, faz-se o uso de estratégias de leitura, que auxiliam para uma compreensão mais profunda do texto. Neste momento, a professora-pesquisadora retoma os questionamentos e apontamentos feitos e os relaciona com as estratégias de leitura empregadas, nomeando cada uma delas. No Quadro 8, são mencionados alguns exemplos de questionamentos e apontamentos feitos no momento da apresentação das estratégias de leitura aos alunos. Quadro 8 - Etapa de Moldagem: apresentação das estratégias de leitura ESTRATÉGIA DE LEITURA QUESTIONAMENTO/APONTAMENTO A PARTIR EMPREGADA DOS TEXTOS Qual é a relação entre o texto Eco e Narciso e os capítulos CONHECIMENTO PRÉVIO 1 e 2 da obra O retrato de Dorian Gray? Você se recorda de algum fato/episódio que presenciou ou CONEXÃO ouviu falar que remeta à temática dos textos lidos, ou seja, a busca pela eterna beleza e sua supervalorização? Quem são os protagonistas da história? Quais são seus QUESTÕES AO TEXTO conflitos? Em que tempo e espaço se passam os acontecimentos? Ao identificar as características de cada protagonista, é possível perceber de que maneira essas características interferem no destino de cada uma delas. Como isso INFERÊNCIA acontece? O mito de Narciso tornou-se tão conhecido que até hoje usa-se o adjetivo narcisista. Lembrando-se da história, o que esse adjetivo sugere? 87 [...] Debruçou-se para desalterar-se, viu a própria imagem refletida na fonte e pensou que fosse algum belo espírito das águas que ali vivesse. Ficou olhando com admiração para os olhos brilhantes, para os cabelos anelados como os VISUALIZAÇÃO de Baco ou de Apolo, o rosto oval, o pescoço de marfim, os lábios entreabertos e o aspecto saudável e animado do conjunto. Apaixonou-se por si mesmo. [...] (BULFINCH, T. 2001, p. 124) 1. Eco apaixona-se pelo belo Narciso; 2. Narciso a ignora e Eco passa a viver nas cavernas e entre rochedos das montanhas, onde definha de tanto pesar; 3. Narciso vê sua imagem nas águas límpidas de uma fonte e se apaixona por ela, pensando que fosse um belo espírito SUMARIZAÇÃO das águas que ali vivesse; 4. Ao tentar se aproximar da imagem, ela ―o despreza‖, não tendo seu amor correspondido; 5. Narciso sofre com o desprezo, perde seu vigor e beleza até morrer. A aparência como característica mais importante de valorização do ser humano: julgamos as pessoas pelo que vemos, pelo jeito de se vestirem, pelo que elas possuem, SÍNTESE ignorando, muitas, vezes, a verdadeira essência da vida humana; é possível identificar elementos/fatos em nossa sociedade que comprovem essa afirmação? Quais? O que seria a ―essência da vida‖? Fonte: acervo pessoal (2016) Importante destacar que, após a apresentação das estratégias de leitura para os alunos, estes relataram que algumas delas já eram conhecidas por eles, no entanto, não conheciam o nome. É o caso da estratégia de Conhecimento prévio, sobre a qual relataram fazer uso automaticamente durante a leitura de um texto, mas que nunca tinham atentado para sua importância a respeito da compreensão textual, tampouco do nome que essa ação possui. Sempre fiz uso disso [referindo-se à estratégia de conhecimento prévio], mas nunca tinha ouvido falar desse nome... humm... se for pensar, acho que não tem como ler algum texto, alguma coisa sem pensar em algo que já te aconteceu.... só se o texto 22 for muito difícil... (ALUNO 12) 22 No decorrer da escrita da dissertação, em especial, da análise de dados, a marcação em itálico, a fonte 10 e o recuo de 4 cm da margem esquerda da página são utilizados para destacar a voz dos sujeitos participantes da pesquisa. Ainda, optou-se por nomear os sujeitos numericamente, conforme apresentado nesta citação (ALUNO 12). 88 Após esta primeira etapa de Moldagem (apresentação das estratégias de leitura) que condiz com o 1º intervalo de leitura do romance O retrato de Dorian Gray, foi conduzida a sequência da leitura da obra, sendo solicitado aos alunos que a lessem, em um período de três semanas, até o capítulo IX, p. 138, quando é desvelado o que ocorre com o retrato de Dorian, revelando a essência da personagem. Após a leitura extraclasse desse trecho do romance, ocorreu o 2º intervalo de leitura, descrito a seguir. 4.1.2 O segundo intervalo de leitura Neste momento, Imagem 7 – Cronologia da aplicação: o 2º intervalo de leitura que ocorreu conforme Imagem 7, os alunos, 2º INTERVALO DE LEITURA sabendo das repercussões 13/08/2015 Intertextualidade: O espelho, de Machado de Assis a das atitudes de Dorian em 20/08/2015 PRÁTICA GUIADA seu retrato e percebendo Uso das estratégias com o auxílio do mediador que seu desejo foi Fonte: elaborada pela pesquisadora efetivamente atendido, foram convidados a realizarem a leitura do conto O espelho, de Machado de Assis (Anexo C). A escolha por este texto não foi apenas por ele tratar do duplo e do fantástico, ou seja, por apresentar elementos que ficam entre o mundo real e o sobrenatural, mas por oferecer uma visão crítica da realidade que envolve o ser humano, da mesma forma que a leitura do romance O retrato de Dorian Gray oferece ao seu leitor. Assim, considerando tais relações de sentido presentes entre o conto de Machado e o momento de leitura do texto principal, foram elaboradas atividades (Apêndice D) que favorecem a compreensão leitora com base no uso das estratégias de leitura, apresentadas no 1º intervalo. Neste momento, buscou-se contemplar a segunda etapa da metodologia norte- americana, denominada de Prática guiada, quando os alunos, com o auxílio do professor- mediador, são desafiados a usar as estratégias de leitura de modo a compreenderem mais profundamente a leitura realizada. Após lido e discutido brevemente o conto O espelho, buscando tecer relações de sentido entre ele e o romance de Oscar Wilde, mais precisamente sobre a presença do duplo na personalidades das personagens que conduzem os textos, foi entregue aos alunos um breve instrumento (Apêndice E) para que cada um respondesse a respeito dos seguintes aspectos 89 com relação ao conto: a) Compreensão; b) Vocabulário; c) Identificação das partes constitutivas da narrativa; d) Relação que estabeleceu do texto com a vida real. Este mesmo instrumento foi aplicado aos alunos após a realização das atividades planejadas para o segundo intervalo, objetivando buscar dados que apontem para possíveis avanços quanto ao uso das estratégias de leitura. Em seguida a aplicação, foi entregue a cada aluno uma cópia do material com as atividades, conforme o Apêndice F. As questões foram elaboradas buscando contemplar o uso das diferentes estratégias de leitura e sua identificação, de maneira que o aluno, com o auxílio da professora-pesquisadora, que assumia ali o papel de mediadora no processo de leitura, tomasse consciência do uso de tais estratégias, percebendo a sua importância para alcançar uma compreensão mais aprofundada dos textos que lhes foram apresentados. Os alunos demonstraram estar envolvidos nos questionamentos propostos, emergindo deles narrativas a respeito das personagens envolvidas nos textos, refletindo acerca de suas posturas e relacionando-as com aspectos representativos de suas vivências, como no caso da fala descrita abaixo: Já vi muitas histórias parecidas. Pessoas se perdendo, sentindo falta de algo que elas não sabem o que é, e querendo entender o que aconteceu. Podemos relacionar isso com a perda da alma exterior, segundo o conto. Perder sua motivação, seu ponto de partida, sua „alma‟, desnorteia as pessoas, assim como Jacobina no conto. (ALUNO 3) Na minha opinião, o romance trata de uma das coisas que é mais levada em consideração hoje em dia, a beleza. Muitas pessoas só ligam para a aparência, muitas deixam de ser legais com as pessoas porque essas pessoas não tem a beleza que ela julgaria ser essencial. Outra coisa tratada é a influência, muitas pessoas são deixadas se influenciar por outras, deixando de pensar por si mesmas e até deixando de ser si mesmas e se transformando em uma pessoa diferente. (ALUNO 9) Tais falas demonstram o quanto a leitura feita pelos alunos borrou as limitações físicas das páginas dos textos e as barreiras da sala de aula, conectando-se aos elementos da vida do leitor, atribuindo novos sentidos às experiências por ele já vividas. Concluídas as atividades, o material foi entregue à professora-pesquisadora para posterior análise e os alunos foram convidados a realizarem a leitura extraclasse da obra O retrato de Dorian Gray até o seu final, para que, na data marcada, fosse realizado o terceiro e último intervalo de leitura. 90 4.1.3 O terceiro intervalo de leitura e o questionário final Para a realização do terceiro intervalo de leitura, Imagem 8 – Cronologia da aplicação: o 3º intervalo de leituraSomente o aluno foi selecionado o conto PRÁTICA DE LEITU3ºR INAT IENRDVAELPOE DNED LEENITTUER A Antes do Baile Verde, de 3º INTERVALOI n(Atenrtteexs tduoa lbidaaildee :v eArndtee,s L dyog biaa Fil.e Tveelrldees), de Lygia 03/09/2015 F. Telles Lygia Fagundes Telles a 10/09/2015 PRÁTICA DE LEITURA INDEPENDENTE (Anexo D), uma vez que Uso autônomo das estratégias de leitura pelos alunos este texto possibilita estabelecer relações de Fonte: elaborada pela pesquisadora intertextualidade com o romance de Oscar Wilde na medida em que oferece uma reflexão acerca dos valores humanos. As atividades elaboradas para este momento, apresentadas no detalhamento do 3º intervalo de leitura (Apêndice G) atentam para a terceira etapa (situada cronologicamente de acordo com a Imagem 8), adaptada da metodologia norte-americana de ensino de estratégias de leitura, denominada Prática de leitura independente, e vislumbram verificar se os alunos participantes deste estudo utilizam as estratégias de leitura para aprofundar a sua compreensão leitora de forma autônoma. Desse modo, as questões foram pensadas pressupondo o uso das estratégias estudadas, dependendo deste uso o alcance ou não de uma compreensão textual mais aprofundada. As questões propostas desafiam o aluno a ler o texto sob o viés das estratégias, no entanto o olhar com base nelas depende do resultado de sua apropriação, o que apontará para o nível de compreensão em que ele se encontra, considerando o percurso de leitura que desenvolveu. Saber desse percurso e dar voz ao aluno-pesquisado são objetivos que se quer alcançar nesse estudo, por isso, considerou-se importante um Questionário final (Apêndice H), aplicado na aula seguinte ao terceiro intervalo, oferecendo a oportunidade de o aluno colocar seu posicionamento a respeito das leituras (opinando sobre o gosto e grau de dificuldade das leituras) e das atividades a ele apresentadas e oferecidas, percebendo as diferentes experiências por eles vivenciadas. Dar voz e vez para que os alunos, eles próprios, possam tomar consciência de seu processo e possível evolução no que diz respeito à compreensão leitora e, também, para que o pesquisador consiga ter acesso à visão do aluno pesquisado a respeito de seu processo de leitura, percebendo elementos que indiquem 91 possíveis caminhos para prováveis alternativas nesse complexo processo de formação leitora com vistas ao uso de estratégias de leitura. Apresentados e detalhados os instrumentos aplicados aos alunos participantes da pesquisa nos três intervalos de leitura, passar-se-á para a próxima etapa deste estudo: a apresentação dos dados emergentes das aplicações e a análise dos mesmos. 4.2 OS DADOS EMERGENTES DAS APLICAÇÕES: DESDOBRAMENTOS À LUZ DA TEORIA Considerando os materiais aplicados aos alunos pesquisados (as atividades dos intervalos de leitura e o questionário final), bem como as múltiplas possibilidades de olhares sobre os dados obtidos, foram organizados três quadros orientadores para análise destes dados de maneira a não perder de vista o objetivo principal deste estudo: verificar se a sequência de leitura com vistas ao ensino de estratégias de leitura favorece a formação de leitores competentes. Assim, os quadros apresentados nos Apêndices I, J e K orientaram a organização e a análise das informações oferecidas pelos participantes da pesquisa (considerando respectivamente, o 2º intervalo, o 3º intervalo e o Questionário final), buscando evidenciar as possíveis relações entre a capacidade de leitura dos alunos envolvidos e o uso de diferentes estratégias. Por isso, eles foram sistematizados de maneira a perceber se os participantes identificam as estratégias de leitura por eles utilizadas; se conseguem fazer uso satisfatório das mesmas, respondendo às questões apresentadas e demonstrando terem-nas compreendido; se há uma evolução quanto ao uso das estratégias na medida em que transcorrem os intervalos, indicando se houve a internalização das mesmas e quais delas mais fazem uso, considerando o decorrer de todo o processo de aplicação da sequência de leitura. Para alcançar dados que possam responder a tais questionamentos, foram analisados todos os instrumentos aplicados aos 26 participantes da pesquisa, de maneira individual, tendo como base os três quadros orientadores para a análise (Apêndices I, J e K). Os dados obtidos a partir desta análise resultaram em gráficos, apresentados a seguir, vislumbrando os seguintes aspectos: 92  Comparativo entre o antes e o depois da leitura com vistas ao uso das estratégias de leitura – 2º intervalo;  Comparativo entre o 2º e o 3º intervalos - uso das estratégias de leitura pelos alunos envolvidos na pesquisa;  Comparativo entre o uso de cada estratégia e a visão do aluno sobre o uso - 2º intervalo;  Comparativo entre o uso de cada estratégia e a visão do aluno sobre o uso - 3º intervalo. 4.2.1 Análise do antes e depois da leitura do texto com vistas ao uso das estratégias de leitura – 2º intervalo No segundo intervalo de leitura, oportunidade em que os alunos realizaram a leitura do conto O espelho, de Machado de Assis, foi solicitado que eles respondessem breve questionamento, conforme apresentado no Apêndice E, a respeito do nível de compreensão do texto, vocabulário, estrutura narrativa e relações que cada um estabeleceu com a vida real. Estes mesmos questionamentos foram respondidos pelos estudantes imediatamente depois de realizarem as atividades com vista ao uso das estratégias de leitura, de modo a verificar se tal aplicação provocou alguma alteração em suas respostas. Assim, contrastando as informações obtidas e considerando o antes e o depois da aplicação das atividades do 2º intervalo de leitura, tem-se os seguintes resultados: a) Quanto à compreensão do texto 93 Gráfico 1 - Antes e Depois das atividades do 2º intervalo: compreensão do texto Compreensão do texto Fácil Médio Difícil 15 15 10 6 5 1 Antes Depois Fonte: elaborado pela pesquisadora Percebe-se um significativo aumento do número de participantes (de 5 para 15) que passaram a considerar fácil a compreensão do texto depois da aplicação das atividades do segundo intervalo, havendo apenas um aluno que diz considerar difícil a compreensão, apensar das atividades que foram aplicadas. Pode-se pensar que as atividades orientadoras para o uso de diferentes estratégias de leitura tenham contribuído para melhor compreensão do texto. A estratégia de inferência, por exemplo, pode ter favorecido este processo, uma vez que as atividades com vistas a esta estratégia provocaram o aluno a inferir significados de termos desconhecidos a ele, favorecendo também a uma melhor compreensão do vocabulário do texto, conforme se evidencia no gráfico a seguir. b) Quanto ao vocabulário do texto 94 Gráfico 2 - Antes e Depois das atividades do 2º intervalo: vocabulário do texto Vocabulário do texto Fácil Médio Difícil 20 15 11 5 1 0 Antes Depois Fonte: elaborado pela pesquisadora O aumento significativo ocorreu também no quesito vocabulário do texto, em que antes da aplicação das atividades do 2º intervalo havia 5 alunos que consideraram fácil o vocabulário do conto e, depois, esse dado aumentou para 15. Embora houvesse apenas um aluno que considerou difícil o entendimento do vocabulário do texto, 20 julgaram-no de média dificuldade, antes da aplicação, o que foi alterado para 11, depois de terem respondido as questões que vislumbravam o uso das estratégias de leitura, zerando a quantidade de alunos que consideraram difícil a compreensão. Esta alteração significativa de dados indica para possível apropriação das estratégias de leitura pelos alunos, uma vez que se evidencia maior conhecimento sobre o vocabulário do texto, resultante do pensamento inferencial do sujeito, que faz uso de seu conhecimento prévio, leva em consideração evidências textuais e pensa sobre o que sabe a respeito da leitura que faz. A atividade 2 (do 2º intervalo de leitura), ao fazer o estudante levar em conta estes elementos, provoca o aluno a pensar sobre o significado de palavras por ele desconhecidas, fazendo-o considerar o contexto para descobrir o sentido dos termos ou conceitos que não conseguiu formar por si próprio, sem a mediação do 95 professor. Esse processo de pensar faz do leitor um sujeito que dialoga com o texto, interagindo com ele e criando novas significações. c) Quanto à identificação das partes constitutivas da narrativa Gráfico 3 - Antes e Depois das atividades do 2º intervalo: identificação das partes constitutivas da narrativa Identificação das partes constitutivas da narrativa Sim Não Em parte 22 13 12 4 1 0 Antes Depois Fonte: elaborado pela pesquisadora Sabe-se que uma das habilidades do leitor que está diretamente relacionada à atribuição de sentidos na leitura é saber identificar adequadamente as partes constitutivas da narrativa. De acordo com os dados levantados na pesquisa, houve uma melhoria também neste aspecto uma vez que de 13 sujeitos participantes do estudo que disseram identificar as partes constitutivas da narrativa antes da aplicação, este número aumentou para 22 após as atividades serem apresentadas e respondidas por eles, tendo sido zerado o número de alunos que consideraram não identificar e reduzindo para apenas 4 o número que participantes que apontaram identificar em parte. Assim, pode-se considerar que este quesito também aponta para melhoria da compreensão leitora dos estudantes. 96 d) Quanto à relação que estabeleceu do texto com a vida real Gráfico 4 - Antes e Depois das atividades do 2º intervalo: relação com a vida real Relação com a vida real Sim Não Em parte 22 9 9 8 2 2 Antes Depois Fonte: elaborado pela pesquisadora Como efeito da melhor compreensão do texto, identificada pelos participantes da pesquisa após a aplicação das atividades, houve também um aumento significativo (de 8 para 22) no número de aluno que conseguiram estabelecer relação do texto lido com a vida real, o que vai ao encontro do que afirma Cosson (2014, p. 27) a respeito do ato de ler, ou seja, que ―ler implica troca de sentidos não só entre o escritor e o leitor, mas também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os sentidos são resultados de compartilhamentos de visões do mundo entre os homens no tempo e no espaço.‖ Essa apropriação do texto literário está sinalizada nos trechos dos Alunos 2 e 3: Creio que a Teoria de Jacobina explica muito bem a razão pela qual uma pessoa é várias ao mesmo tempo e acho que as pessoas não deveriam ser assim, ser de certa forma por puro interesse. Nós deveríamos ser quem realmente somos, por mais que não saibamos ao certo, não devemos fingir ser alguém só para conseguir alguma coisa coisa. Se todos fossem verdadeiros sobre como são, o que gostam e não gostam, o que são a favor e contra, se fossem verdadeiros sobre seus interesses, suas vontades, sobre aquilo que pensam e acreditam, o mundo seria um lugar tão melhor. Não haveria mentira, falsidade, traição, as pessoas não esperariam por algo que não vai acontecer. (ALUNO 2, 2º intervalo) 97 Conheci uma pessoa que mudou completamente depois de ganhar um concurso na minha antiga escola. Antes ela era amiga de poucas pessoas, era um pouco tímida, ficava quieta no seu canto; poucas pessoas falavam e se interessavam por ela. Mas depois passou a ser elogiada por todos, virou amiga de todo mundo e esqueceu os poucos amigos que uma vez era tudo o que ela tinha. (ALUNO 2, 2º intervalo) [...] o fato da beleza e seus padrões serem mais levados a sério do que a inteligência ou o talento é uma coisa que vemos muito hoje em dia. O que somos por fora não define nosso caráter, e sim nossas opiniões e conhecimentos sobre o mundo. Ver que hoje em dia, em pleno século XXI, ainda temos esse pensamento padronizado, mostra que demoramos a evoluir. (ALUNO 3, 2º intervalo) Observa-se que houve, por parte desses estudantes, interação dialógica com o objeto de leitura, no caso o conto O espelho, de Machado de Assis, que estabelece relação de intertextualidade com a obra principal, O retrato de Dorian Gray. Trata-se da inserção do estudante (leitor iniciante) na obra, por meio do diálogo com ela, realizando a própria leitura, com base em suas vivências, ressignificando a si mesmo e o texto lido. Essa reflexão oportunizada pela leitura literária faz justificar sua presença na vida do sujeito, uma vez que essa arte revela a função humanizadora, mencionada por Candido (1972), tão cara para a formação de todo cidadão. Assim, pode-se afirmar que, de um modo geral, após a aplicação das questões guiadas vislumbrando o uso de estratégias de leitura, os alunos participantes da pesquisa consideraram os quesitos observados mais fáceis de serem respondidos, sendo talvez, um indicador de que a as atividades constitutivas do 2º intervalo de leitura possam ter favorecido para o desenvolvimento da competência leitora. Para compreender melhor o efeito de tais atividades, far-se-á a análise comparativa entre o uso das diferentes estratégias de leitura (conexão, inferência, visualização, questões ao texto, sumarização e síntese) no 2º e no 3º intervalos. 4.2.2 Uso das estratégias de leitura: comparativo entre o 2º e o 3º intervalos de leitura As atividades aplicadas nos 2º e 3º intervalos de leitura levam em conta o uso das estratégias de leitura investigadas e foram elaboradas de maneira a favorecer a identificação de seu emprego, a partir das respostas dos sujeitos, uma vez que cada questão apresentada instiga a utilização de determinada estratégia de leitura. Desse modo, realiza-se um estudo de análise individualizado, por estratégia, verificando em que medida os estudantes pesquisados 98 fizeram uso efetivo das diferentes estratégias de leitura, e em que medida isso acabou refletindo no aprimoramento da habilidade de compreensão leitora, considerando todas as etapas que constituem o processo investigativo. a) Estratégia de leitura: Conexão Gráfico 5 – Estratégia de Conexão Conexão Usa Não usa Usa em parte 20 19 6 4 3 0 2º intervalo 3º intervalo Fonte: elaborado pela pesquisadora Analisando o Gráfico 5, é possível perceber que, embora não houvesse aumento significativo quanto a utilização da estratégia de conexão do 2º para o 3º intervalo de leitura, percebe-se que nenhum aluno deixou de empregar tal estratégia no 3º intervalo, o que não havia ocorrido no 2º, quando 3 alunos não tinham apresentado em suas respostas dados a partir dos quais pudesse ser identificada a apropriação da conexão. Importante destacar que tal estratégia demonstrou ser usada por um número significativo de alunos já nas atividades do 2º intervalo de leitura. Exemplo da evolução quanto ao uso desta estratégia são as respostas dadas nas atividades do 2º e do 3º intervalos, respectivamente, do Aluno 9. No 2º intervalo, o aluno em questão relata não conseguir estabelecer nenhuma relação do conto O espelho com sua vida ou com o romance O retrato de Dorian Gray: ―Não tenho nenhuma lembrança sobre algo relacionado ao texto.‖ Já no 3º intervalo, ele apropria-se desta estratégia quando afirma, em relação ao texto de Lygia Fagundes Telles, que “Tatisa acaba por fazer a decisão errada, 99 assim como Dorian Gray no livro O retrato de Dorian Gray. As decisões foram tomadas por desejos egoístas que buscam o prazer próprio sem se importar com os outros.” Neste relato, percebe-se que o Aluno 9, ao relacionar os fatos ocorridos nas narrativas com o seu entendimento sobre as decisões tomadas pelas personagens, faz uso da estratégia de conexão, no âmbito texto-texto, relacionando o conto Antes do Baile Verde com o romance O retrato de Dorian Gray, e no âmbito texto-mundo, relacionado às leituras feitas com acontecimentos presentes no seu mundo, no seu entorno. b) Estratégia de leitura: Inferência Gráfico 6 - Estratégia de Inferência Inferência Usa Não usa Usa em parte 21 18 5 3 2 3 2º intervalo 3º intervalo Fonte: elaborado pela pesquisadora Quanto à estratégia de inferência, não foi perceptível alteração significativa do 2º para o 3º intervalo, sendo também bastante utilizada pelos sujeitos participantes da pesquisa. No entanto, é notável o aumento, mesmo que pequeno (de 3 alunos) de participantes que demonstraram ter feito uso da estratégia no 3º intervalo. Exemplo do uso da estratégia de inferência está no trecho, transcrito da resposta do Aluno 9 para a atividade que perguntava sobre o que imaginou que aconteceria após ter lido no texto (Antes do Baile Verde) a fala da personagem Luzinha ―-Ele está morrendo‖: 100 Pode até ser meio estranho, mas quando a Lu falou isso [“-Ele está morrendo.”], meu primeiro pensamento foi que elas estavam mantendo alguém em cativeiro, trancado, que estaria morrendo. Logo após vi que as personagens pareciam se importar com quem estava morrendo e, também, percebi que elas não fariam mal a ninguém, portanto não pensei mais nada e fiquei esperando o texto se desenrolar. (ALUNO 9, 3º intervalo) Por este trecho é possível notar que o aluno fez uma inferência (de que estavam mantendo alguém em cativeiro), mas que esta foi refutada de acordo com as pistas que foram sendo reveladas pelo texto e que o aluno, atento a elas, rapidamente percebeu que estava equivocado. Este processo de refutar a inferência realizada ocorreu conscientemente, sendo possível ser notado pela descrição que oferece em sua resposta. Em outras ocasiões, as inferências foram confirmadas, como ocorre no relato do Aluno 6, no qual deixa evidente a ideia de que ―o espelho seria como um personagem no enredo‖ e que ―revelaria um novo ponto de vista sobre a alma humana.‖ Importante observar que, independente de as inferências feitas serem ou não confirmadas, o exercício de formulá-las enriquece a leitura do texto, pois fomenta a hábito do pensar, desenvolvendo não apenas a competência leitora, mas também a formação crítica do homem, ao exigir a ampliação do processo de conhecimento de si e do mundo que o cerca. c) Estratégia de leitura: Visualização Gráfico 7 - Estratégia de Visualização Visualização Usa Não usa Usa em parte 25 19 7 0 1 0 2º intervalo 3º intervalo Fonte: elaborado pela pesquisadora 101 A visualização, de todas as estratégias, é a que mais apresentou ocorrências de uso, de acordo com os dados apontados no Gráfico 7. Apenas um aluno investigado não demonstrou utilizar a estratégia. Relevante destacar que foi percebida, no decorrer do processo, uma ampliação do conceito de visualização por parte dos pesquisados, uma vez que, no 1º intervalo, os alunos a referenciavam como sendo a capacidade de ―ver‖, ―enxergar‖ uma cena, uma personagem do enredo, desconsiderando os outros sentidos envolvidos no uso da estratégia de visualização, como sentir cheiro, ouvir um som, ter uma reação física ou emocional. Nos trechos transcritos a seguir, é possível perceber a apropriação da visualização pelos alunos, auxiliando no processo de compreensão dos textos: Eu vejo o debate dos cavalheiros, o espelho, a propriedade da tia Marcolina, juntamente com seus animais, o velho relógio, a imagem mal formada do reflexo do alferes. (ALUNO 15, 2º intervalo) Eu cheiro o odor gerado pelas velas, o cheiro de raízes tostadas. (ALUNO 15, 2º intervalo) Eu posso saborear as frutas, conservas, raízes tostadas. (ALUNO 15, 2º intervalo) Eu escuto ele [Jacobina] recitando poemas. (ALUNO 17, 2º intervalo) Durante toda a leitura, visualizei claramente os ambientes e as ações das personagens. Até o som do relógio „tic-tac‟ foi reproduzido na minha mente.” (ALUNO 2, 2º intervalo) Pude ouvir as buzinas do carro do namorado de Tatisa e os gemidos de seu pai. (ALUNO 18, 3º intervalo) Eu senti o clima pesado que devia ter naquele apartamento. (ALUNO 19, 3º intervalo) Estes e muitos outros relatos de sensações, imagens, cheiros são possíveis de serem identificado nas escritas dos jovens, indicando o uso constante desta estratégia que, de acordo com o entendimento de leitor competente adotado neste estudo, representa importante característica para a constituição de leitores proficientes. Afinal, quando o leitor visualiza, consegue mais facilmente se transportar para o texto, percebendo-se parte do enredo, dos acontecimentos, transformando a leitura em uma atividade prazerosa, melhorando a capacidade de compreensão do que está lendo, tornando vivo em sua mente por muito (mais) tempo o que visualizou durante a leitura. Harvey e Goudvis (2007, p. 135) apontam para o 102 processo da visualização e para os seus benefícios quando afirmam que a visualização significa ―[...] apropriar-se das palavras do texto e misturá-las com o conhecimento prévio do 23 leitor para criar imagens em sua mente [...].‖ A combinação das palavras do autor com o conhecimento prévio do leitor permite-lhe criar imagens mentais que trazem vida para a leitura, desenvolvendo, assim, sentimento de pertença com relação ao texto lido (seu enredo e seus personagens), como se fizesse parte, verdadeiramente, da história narrada. Assim como a inferência, a visualização auxilia o leitor a parar, pensar e compreender a informação presente no texto, tonando-a muito mais significativa. d) Estratégia de leitura: Questões ao texto Gráfico 8 - Estratégia de Questões ao texto Questões ao texto Usa Não usa Usa em parte 24 16 9 1 20 2º intervalo 3º intervalo Fonte: elaborado pela pesquisadora A estratégia de questões ao texto demonstrou ser bastante utilizada pelos sujeitos, tendo seu uso mais acentuado e bem-sucedido no 3º intervalo, quando foi possível identificar 24 alunos os quais se apoiaram nesta estratégia para responder às questões apresentadas. Nenhum aluno deixou de empregá-la no 3º intervalo, sendo que apenas 2 alunos demonstraram usar em parte a estratégia. 23 Traduzido pela pesquisadora do original: ― [...] taking the words of the text and mixing them with the reader‘s background knowledge to create pictures in the mind. [...]‖ 103 As questões ao texto, além de auxiliarem para um entendimento mais aprofundado do texto, contribuem para o leitor pensar sobre suas reações e sensações e no que vai sendo revelado na leitura. Percebe-se isso pelos relatos a seguir, referentes ao conto Antes do Baile Verde, apresentado no 3º intervalo de leitura: Eu primeiro achei que tinha me perdido no texto, tentei voltar ao texto e reler para achar do que se tratava [referindo-se ao sujeito da sentença “Ele está morrendo.”], depois achei que ela se referia ao calor, que o calor estaria passando, mas não pensei que elas estariam falando de alguém, só entendi isso quando aparece de quem elas estavam se referindo. (ALUNO 10, 3º intervalo) Importante notar o raciocínio desencadeado pelo aluno para responder seu próprio questionamento no decorrer da leitura, deixando em evidência as relações de sentido estabelecidas para, com base nas informações apresentadas no texto, chegar à conclusão de quem é o referente do enunciado ―Ele está morrendo‖. O sujeito poderia ter seguido a leitura, sem compreender o que esta acontecendo, menosprezando essa lacuna deixada pelo texto. No entanto, percebe-se que a escolha em parar e pensar sobre o que leu, atribui-lhe um caráter de leitor atento e desejoso por compreender a leitura que se faz. Tal aspecto vai ao encontro das características que compõem o conceito de leitor autônomo, adotado neste estudo. e) Estratégia de leitura: Sumarização Gráfico 9 - Estratégia de Sumarização Sumarização Usa Não usa Usa em parte 21 13 8 5 4 1 2º intervalo 3º intervalo Fonte: elaborado pela pesquisadora 104 De acordo com os dados apresentados no gráfico 9, a estratégia de sumarização é a que apresentou maior aumento de uso do 2º para o 3º intervalo. O aumento significativo é de 13 para 21 alunos que passaram a utilizar a estratégia, considerando as atividades de leitura do 2º e do 3º intervalos; de 5 para 4 participantes que usaram em parte a estratégia e de 8 para apenas 1 aluno que não a utilizou. Tais dados conduzem a pensar que grande parte dos alunos participantes da pesquisa internalizou a estratégia da sumarização, percebendo sua importância para aprofundarem a compreensão textual. Harvey e Goudvis (2007) apontam para isso quando afirmam que: Quando sumarizamos a informação durante a leitura, abstraímos as informações mais importantes e as colocamos com nossas palavras de maneira a recordarmos delas. Cada informação que encontramos adiciona um pouco para a construção de sentido. Nosso pensamento evolui na medida em que adicionamos informações do 24 texto. (HARVEY; GOUDVIS, 2007, p. 179, tradução nossa) Na transcrição a seguir, é possível perceber como o Aluno 26 faz uso da sumarização, no momento em que identifica os tópicos centrais e os detalhes do conto O espelho, lido no 2º intervalo: Quadro 9 - Identificação de tópicos centrais e detalhes, por sujeito investigado Tópicos centrais Detalhes Nova teoria da alma humana. Existe uma alma interior e outra exterior. Transformação da alma exterior de Jacobina. Diante de tantos paparicos, Jacobina deixou sua alma exterior ser transformada. Jacobina recebe o cargo de alferes. Jacobina consegue um cargo na Guarda Nacional e sua família fica orgulhosa. Tia Marcolina o chama para passar um tempo em Entre as muitas luxúrias que Jacobina recebeu, uma delas sua casa. Jacobina aceita e recebe um grande foi a melhor mobília da casa, um grande espelho. espelho em seu quarto. Jacobina encontra a solidão. Sua tia teve de deixar a casa. Nesse momento, Jacobina se vê só, sem ninguém para sustentar sua alma exterior. Controle da solidão. Jacobina descobre que usando sua farda ele pode alimentar a sua alma exterior, ao ficar se admirando com sua vestimenta, frente ao espelho. Fonte: elaborado pela pesquisadora A identificação dos tópicos centrais do conto, contrastando com os detalhes do enredo evidencia a capacidade do aluno em buscar por aquilo que é essencial no texto. Destaca-se que a definição do que é essencial ou não depende necessariamente dos objetivos de leitura do 24 Texto original: ―When we summarize information during reading, we pull out the most important information and put it in our own words to remember it. Each bit of information we encounter adds a piece to the construction of meaning. Our thinking evolves as we add information from the text. (HARVEY ; GOUDVIS, 2007, p. 179) 105 sujeito, sem ignorar suas experiências de vida, tão importantes para o enriquecimento dessa prática. Além disso, para ampliar o entendimento sobre a leitura, o jovem deve articular os pontos centrais com as informações e conhecimentos prévios que já o constituem para, assim, desenvolver suas habilidades leitoras e, consequentemente, sua autonomia. f) Estratégia de leitura: Síntese Gráfico 10 - Estratégia de Síntese Síntese Usa Não usa Usa em parte 15 13 9 8 5 2 2º intervalo 3º intervalo Fonte: elaborado pela pesquisadora A estratégia de síntese foi a que teve menor apropriação, de acordo com as atividades realizadas pelos participantes da pesquisa. Embora tenha havido um aumento em seu uso no 3º intervalo com relação ao 2º, conforme se pode verificar no Gráfico 10, ele não foi significativo, uma vez que apenas dois alunos a mais demonstraram fazer uso da síntese ao final do processo investigativo. É notável o número de estudantes que demonstraram apropriar-se em parte da estratégia em ambos os intervalos, o que pode indicar que, talvez, eles não tenham percebido a relevância de tal estratégia, ou até mesmo, indicar que alguns dos sujeitos participantes não tenham ainda esta habilidade desenvolvida. É importante destacar que a sumarização facilita o processo de síntese, estratégia que favorece o reforçar de algo já conhecido pelo leitor ou instiga a fazê-lo modificar suas ideias e maneiras de pensar. De acordo com as autoras Harvey e Goudvis (2007), quando se sintetiza as informações, são adicionadas ao ‗estoque de conhecimento‘ novas informações ao que já se sabe, ou unem-se novas informações ao conhecimento já existente para compreender novas perspectivas, novas linhas de pensamentos, ou até mesmo criar uma ideia original. Nesse 106 sentido, os conhecimentos prévios, que constituem a subjetividade do leitor, impactam diretamente no processo de síntese, conforme se percebe no relato apresentado pelo mesmo aluno cuja sumarização foi mencionada há pouco: O conto “O espelho” é um ótimo conto e inclusive traz uma proposta de discussão sobre a existência de duas almas. Podemos observar isso algumas vezes no nosso cotidiano, podemos ser pessoas com personalidades e ideais definidas, mas mesmo assim, possuímos a alma refletora daquilo que os outros sugerem ou buscamos ser sem querer realmente. Mas para quem não possui uma alma interna definida por completa, como funciona o reflexo de algo sem se ter os verdadeiros ideais? Pois podemos fingir algo, mas aderi-lo a nossa verdadeira personalidade, como em Dorian Gray; ele está descobrindo o mundo adulto agora e todos os desafios que o acompanham, uma leve influência já bastaria para transformá-lo em algo... imagine então uma grande influência, como sua beleza. Todos falam dela e isso o faz acreditar que com ela conseguirá tudo, e até o momento consegue. Mas o que acontece a Dorian a partir do momento em que ele deve enfrentar a solidão, como o Jacobina? (ALUNO 26, 2º intervalo) Neste trecho, evidencia-se a reflexão que o aluno faz sobre a essência da vida humana, sobre valores humanos, estabelecendo uma clara relação com a obra O retrato de Dorian Gray, fio condutor da sequência de leitura. Esta reflexão e tomada de consciência sobre a temática abordada acontece no momento em que ele relaciona os fatos presentes nos textos com suas concepções e entendimentos de mundo, demonstrando estar apropriado da estratégia da síntese. Destaca-se que o movimento criado pelo Aluno 26 pela interação com o texto representa o entendimento de leitura adotado neste estudo, pois o significado dado por ele – o sujeito - vai além daquele resultante da integração das informações dos textos escritos e de seu conhecimento prévio; o significado é resultado das transições produzidas entre o leitor e os textos, em um contexto específico. Provavelmente, este mesmo aluno, fazendo as mesmas leituras em outro momento de sua vida, fará leitura distinta desta que externalizou por meio de suas palavras, já que suas vivências e conhecimentos sobre si e sobre o mundo também serão outros. Ainda, no trecho do Aluno 9, referente à atividade do 3º intervalo, é possível notar a profundidade da leitura feita pelo estudante, o qual, ao preencher lacunas do texto, atribui significado a ele e consegue alcançar o que talvez seja a segunda história narrada no conto, o relacionamento entre pai e filha: A reação de Tatisa não é esperada. Tendo seu pai doente, teoricamente, haveria de se importar com ele, porém ela demonstra total frieza e indiferença em relação à 107 doença e ao estado terminal de seu pai. Isto faz pensar sobre como era o vínculo afetivo entre pai e filha. Por que será que Tatisa foi tão indiferente? Talvez, haja muito mais para ser visto nesta história do que apenas uma filha ingrata ou egoísta... (ALUNO 9, 3º intervalo) A profundidade de entendimento sobre o texto, percebida pelas reflexões dos aprendizes, parece refletir possível desenvolvimento da competência leitora durante o processo, podendo ser resultado da experiência de mediação com o texto, a qual é responsável pela aprendizagem e pelo desenvolvimento cognitivo, como aponta Solé (1998), ao tratar sobre o ensino de leitura: [...] é preciso que os alunos compreendam e que usem compreendendo as estratégias [...] isto só é possível em tarefas de ―leitura compartilhada‖, nas quais o leitor vai assumindo progressivamente a responsabilidade e o controle de seu processo. (1998, p. 121) Assim, se por um lado, os registros dos alunos demonstram o desenvolvimento de sua competência leitora, em seu aspecto cognitivo de aprendizagem, demonstrando apropriação de diferentes estratégias (inferência, questões ao texto, conexão, sumarização, visualização e síntese), por outro, não há como deixar de evidenciar a função humanizadora da literatura, apontada por Candido (1995), tão cara para o propósito deste estudo e, por isso, retomada a seguir: Entendo aqui por humanização (...) o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CANDIDO, 1995, p.249). Esta concepção trazida pelo autor é notável no momento em que o Aluno 9 questiona o relacionamento entre Tatisa e seu pai, uma vez que, fazendo isso, o estudante aponta para aspectos da experiência humana que transcendem o tempo, o espaço, questões étnicas e culturais e que, ao serem vivenciadas por meio da literatura, podem reconfigurar sua subjetividade, contribuindo para a formação integral do ser humano. 108 Importante destacar que tal função da literatura está contemplada em importantes documentos que fundamentam a prática educativa em nosso país, como a LDBN e os PCNs, já mencionados anteriormente neste estudo, e o Projeto Pedagógico do Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio do IFRS – campus Farroupilha, o qual prevê como objetivo geral: O Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio tem como objetivo a formação geral do educando para o exercício da cidadania e para a atuação no mundo do trabalho, através da apropriação dos conhecimentos e práticas relacionados à ciência, à cultura e à tecnologia, assim como a capacitação para a atividade profissional específica para a área de informática. (PPC, 2015, grifo nosso) Desse modo, não há como pensar em prática educativa, sem considerar o processo de constituição do homem, enquanto cidadão, da mesma forma que não há como negar que a arte literária oferece os subsídios necessários para cumpri tal propósito, desde que entendida como atividade voluntária, prazerosa e emancipadora. Ainda, no que se refere à utilização das diferentes estratégias no decorrer dos 2º e 3º intervalos de leitura, nota-se que, de modo geral, houve uma ampliação da apropriação de todas elas, conforme evidenciado no Gráfico 11. Gráfico 11 - Comparativo do uso de estratégias de leitura entre o 2º e o 3º intervalos 25 25 20 21 24 19 21 20 18 19 15 16 15 10 13 13 5 0 Conexão Inferência Visualização Questões ao texto Sumarização Síntese 2º intervalo 3º intervalo Fonte: elaborado pela pesquisadora 109 O aumento da apropriação de várias estratégias foi considerável, como as de Sumarização (passou de 13 para 21 o número de participantes que demonstraram usar a estratégia) e Questões ao texto (passou de 16 para 24 o número de participantes que demonstraram usar a estratégia). Também, percebe-se que houve a diminuição do índice de participantes que demonstraram não usar as estratégias, com exceção da visualização – apesar de ter um aumento de 19 para 25 alunos que demonstraram usar esta estratégia e zerar o número de participantes que demonstraram usá-la em parte do 2º para o 3º intervalo de leitura, houve 1 aluno que não utilizou esta estratégia no 3º intervalo. A partir desses dados, pode-se inferir que sistematização das atividades, planejadas com base na proposta metodológica de Cosson (2014) e nos pressupostos teóricos de Harvey e Goudvis (2007), amparadas pelos preceitos de interação, trazido por Vigotski (1996, 2009) e experiência, contemplado por Larrosa (2002), sem desconsiderar o entendimento de humanização, pontuado por Candido (1972, 1995), favorecem a internalização das estratégias de leitura por muitos dos sujeitos, tornando seu uso consciente, o que indica possível evolução da autonomia de leitura dos participantes, uma vez que, pelo entendimento deste estudo, a competência leitora está diretamente relacionada ao uso das estratégias de leitura. Ainda, é possível suscitar que a aplicação da sequência de leitura pode contribuir para a formação de leitores proficientes e, também, para a constituição do ser humano. 4.2.3 Comparativo entre o uso de cada estratégia e a visão do aluno sobre o uso – 2º intervalo Valorizar a percepção sobre o uso das diferentes estratégias de leitura pelos próprios participantes da pesquisa é dar voz a quem está no centro do processo no qual este estudo se fundamenta. É possibilitar um momento para que, por meio da observação de sua performance enquanto leitor, o aluno sinta-se convidado a refletir sobre sua própria ação de leitura, instigando-o a tomar consciência acerca da importância desta interação, por meio desse exercício metacognitivo, de maneira a internalizar a sistemática da prática de leitura, inspirada nos preceitos da compreensão pelo uso de estratégias de leitura. Nesse sentido, a análise feita nesta seção dedica-se a não apenas considerar os elementos emergentes das atividades de leituras com vistas ao uso de diferentes estratégias de leitura, perceptíveis aos olhos da pesquisadora, como também a valorizar a reflexão dos 110 alunos envolvidos com base em suas percepções e observações a respeito de seu processo de leitura. Para tanto, os aspectos tomados para a análise neste momento levam em conta dois movimentos: o olhar atento aos dados emergentes das aplicações no que concerne ao uso de estratégias de leitura pelos pesquisados; e as observações dos alunos investigados a respeito do uso de tais estratégias no decorrer das atividades propostas no segundo e no terceiro intervalos de leitura. O cotejo a estes dois movimentos será realizado retomando, primeiramente, o 2º intervalo de leitura, e posteriormente, o 3º intervalo, evidenciando possíveis encontros ou desencontros quanto ao uso efetivo de cada estratégia e a visão do aluno sobre o seu emprego, 25 conforme o gráfico 12. Gráfico 12 – Estratégias de leitura: comparativo entre o uso efetivo e a visão do aluno sobre sua utilização no 2º intervalo Fonte: elaborado pela pesquisadora 25 Destaca-se que a análise realizada a partir das atividades apresentadas pelos alunos, tendo como foco o uso efetivo das estratégias de leitura, permitiu categorizar suas respostas de três maneiras: USA, USA EM PARTE e NÃO USA. No entanto, no momento em que o aluno investigado responde ao questionário, apresentando o seu posicionamento a respeito do uso das estratégias, ele é indagado sobre quais as estratégias utilizou no decorrer das atividades, fazendo emergir de suas respostas apenas as categorias USA ou NÃO USA. Dessa forma, os gráficos apresentam as três categorias como possibilidades de respostas, sendo necessário, no entanto, considerar para a análise e interpretação dos dados o fato de a categoria USA EM PARTE não compor possibilidade de resposta na visão do aluno. 111 Comparando os dados apresentados pelas atividades referentes ao 2º intervalo de leitura e a visão do aluno a respeito do uso das diferentes estratégias, percebe-se que, com exceção da estratégia de sumarização, os participantes apontaram que pouco usavam as estratégias como efetivamente se percebe por suas respostas às atividades. Neste aspecto, destaca-se a estratégia de inferência, cujo uso foi perceptível em respostas de 18 participantes nas atividades de leitura do 2º intervalo, enquanto que no questionário final, apenas 12 revelaram que tenham usado tal estratégia. Ainda, de acordo com a visão dos participantes, a inferência é a estratégia menos usada por eles no 2º intervalo. É o caso do Aluno 12 que considerou não utilizar a estratégia de inferência, no entanto, nas atividades aplicadas no 2º intervalo, ele infere que o espelho de que se trata o conto lido neste intervalo revela o verdadeiro caráter da pessoa que fica em frente ao espelho. A colocação do aluno evidencia o uso da estratégia que, posteriormente, em resposta ao questionário final, não foi mencionada como sendo estratégia por ele utilizada. Talvez essa discrepância entre o uso efetivo da estratégia e a visão do aluno sobre seu uso ocorra pelo fato de a inferência ser uma estratégia de leitura já internalizada e naturalizada por muitos leitores, fazendo com que eles nem percebam a sua utilização no decorrer do processo de leitura, a ponto de não mencioná-la. Processo contrário ocorre com a estratégia de sumarização: 8 alunos demonstraram não usar esta estratégia, enquanto apenas 6 consideraram que não a utilizam. Ou seja, mais alunos julgam que usaram a sumarização como estratégia de leitura do que efetivamente a utilizaram, de acordo com os dados apresentados. Exemplo desta situação é o Aluno 20, que considerou ter empregado a estratégia de sumarização, no entanto, em suas respostas às atividades, apresentou dificuldade em identificar os tópicos centrais do conto e seus detalhamentos, inclusive nomeando essa ação de síntese, e não de sumarização. Como tópicos centrais do conto O espelho, de Machado de Assis o aluno aponta: ―A importância do olhar que os outros têm sobre nós‖ e ―A solidão não faz parte dos „ideais‟ do ser humano‖. Tais tópicos não representam as ideias centrais do conto, demonstrando fragilidade em relação ao entendimento do texto por este aluno. É possível que a maior complexidade de tal estratégia seja fator de dificuldade para a sua compreensão de uso e de sua consequente internalização por parte do aluno, se comparada com as demais estratégias. De acordo com o registro do Aluno 7, a sumarização é uma estratégia complexa e quando se refere à identificação dos tópicos centrais do conto, relata que foi necessário ―reler várias vezes o texto para entender”. A mesma dificuldade é 112 apontada pelo Aluno 10, o qual afirma: ―só consegui perceber a idéia (sic) principal mais para o final do texto e depois de ler mais vezes.” Interessante notar que, mesmo contemplando o número de alunos que demonstraram usar EM PARTE (8 alunos) a estratégia de sumarização, ainda assim, fica abaixo (21 alunos) do número de estudantes que consideram terem-na utilizado (20 alunos). Situação semelhante ocorre com a estratégia de síntese, em que 20 participantes julgam ter empregado esta estratégia, mas, de acordo com os dados apresentados, apenas 13 alunos efetivamente utilizaram-na. No entanto, se é tomado como base o número de alunos que demonstraram usar EM PARTE a estratégia (8 alunos), as informações se aproximam, apontando para uma sintonia entre as respostas apresentadas nas atividades pelos pesquisados e a visão destes com relação ao uso da estratégia. Seguindo essa linha de pensamento, de conceber o uso EM PARTE das estratégias como USO da estratégia, percebe-se uma semelhança maior entre os dados obtidos e a visão dos alunos, com exceção das estratégias de questões ao texto e inferência, cujo uso efetivo se tornaria relativamente maior do que o percebido pelos alunos participantes da pesquisa. Dando sequência aos movimentos realizados neste estudo, analisar-se-ão a seguir os dados obtidos no 3º intervalo de leitura, sem deixar de relacioná-los com os apresentados nesta seção, dedicada ao 2º intervalo. 4.2.4 Comparativo entre o uso de cada estratégia e a visão do aluno sobre o uso – 3º intervalo Com relação aos dados apresentados no 3º intervalo de leitura e as respostas dos alunos participantes da pesquisa ao questionário revelando sua visão quanto ao uso das estratégias, percebe-se, de modo geral, uma maior similaridade entre o emprego efetivo das estratégias e a percepção do aluno com relação ao seu uso. 113 Gráfico 13 – Estratégias de leitura: comparativo entre o uso efetivo e a visão do aluno sobre sua utilização no 2º intervalo Fonte: elaborado pela pesquisadora O Gráfico 13 ilustra este aspecto e aponta para importantes reflexões a respeito do processo de leitura dos alunos, uma vez que estes dados emergem da etapa final do processo investigativo, do 3º e último intervalo de leitura que constitui a sequência de leitura e que vislumbra, de acordo com a metodologia norte-americana de ensino de estratégias de leitura, desenvolver a autonomia do aluno. Assim, ao olhar para estes dados, não há como se desprender dos anteriores, até porque fazer isto seria ignorar a essência da metodologia que baseia este estudo qualitativo, o qual primordialmente leva em conta o desenrolar do processo desde seu início até seu (possível) final, buscando a constante e necessária (re)configuração de suas ações. Nesse sentido, o leitor é convidado a adentrar, junto com a pesquisadora, neste processo de análise, compondo o panorama da investigação, e conferindo se as hipóteses e os posicionamentos evidenciados neste momento não passam de meras elucubrações de uma 114 pesquisadora inspirada pelo teor de seu estudo, ou se constituem, de fato, reflexões que merecem a credibilidade de seu leitor, respaldando a cientificidade deste trabalho. Além da aproximação entre os dados observados nas respostas dos participantes para as atividades de leitura e a sua visão quanto ao uso das estratégias de leitura, já mencionada no início desta seção, o Gráfico 13 revela um significativo emprego efetivo das estratégias de leitura, ao mesmo tempo em que desvela a percepção desse uso pelos alunos participantes da pesquisa. Com exceção da estratégia de síntese, todas as demais tiveram notadamente sua utilização por 20 ou mais estudantes, sendo que a mesma constatação é possível de ser feita com relação à visão dos alunos sobre o seu emprego. A estratégia de conexão, por exemplo, foi utilizada por 20 participantes, enquanto que a estratégia de visualização, por 25 participantes, destacando-se por ser a estratégia mais utilizada. Nos trechos abaixo, retirados das respostas dadas às atividades do 3º intervalo de leitura, é possível perceber o uso das estratégias de conexão e de visualização: Nos noticiários do país são recorrentes notícias de filhos que matam os pais ou até mesmo o contrário. [...] quando percebo como a personagem [referindo-se a Tatisa] trata seu pai, fico indignada, mas é como se eu já soubesse. (ALUNO 6, 3º intervalo) A parte em que as lantejoulas caem nas escadas... ouço o barulho delas, a fala das pessoas que estão comemorando o carnaval nas ruas... (ALUNO 24, 3º intervalo) Os relatos dos alunos instigam a pensar que, em especial, a visualização é estratégia que potencializa a experiência vivenciada pelo leitor frente ao texto, fazendo com que ele realmente se sinta pertencente à história que se revela, ao conflito que se instaura. Esse sentimento de pertença, provocado por diferentes sentidos humanos, é apontado por Petit (2008) como uma das razões que justificam a democratização da leitura, especialmente, para jovens leitores em formação. De acordo com a autora, ―os livros, e em particular os de ficção, nos abrem portas para um outro espaço, para uma outra maneira de pertencer ao mundo‖ (2008, p. 74). Ao perceber isso, o leitor aprendiz amplia as possibilidades de significação do texto e, com isso, reconstitui sua subjetividade, atribuindo novos sentidos à própria experiência e à própria vida. Quanto à estratégia de síntese, esta é a que mais apresenta distinção entre o uso efetivo (15 alunos) e a utilização de acordo com a visão dos alunos (22). No entanto, se considerarmos os participantes que demonstraram usar em parte esta estratégia, percebe-se 115 um consenso nos dados apresentados, ampliando para 24 o número de alunos que utilizaram a síntese como estratégia de leitura. É o caso do Aluno 15 que demonstrou apropriar-se desta estratégia quando relatou que o conto Antes do Baile Verde, ―tende a nos proporcionar reflexões, profundamente relacionadas com nossos atos, nos leva a observar os fatos com mais atenção, pesando os nossos atos e no que os mesmo resultarão, assumindo os riscos do que futuramente irá acontecer.‖ Pela declaração do aluno, percebe-se que ele articulou o que leu com suas impressões pessoais e conhecimento de mundo, reconstruindo o sentido da leitura, além de conferir ao texto função social de promover a cidadania e constituir a subjetividade humana. Se, por um lado, o uso efetivo das estratégias transborda aos olhos, por outro lado, o não uso das estratégias é fator de destaque também, fazendo suscitar a ideia de que, talvez, houve a internalização do uso das estratégias de leitura no decorrer do processo investigado. Não fosse isso, o que justificaria o aumento visível do uso de tais estratégias do 2º para o 3º intervalo? Quando comparados os dados apresentados nos dois intervalos, são encontrados elementos que corroboram esta hipótese:  enquanto que no 2º intervalo de leitura 18 alunos demonstraram usar a estratégia de inferência, no 3º intervalo este número subiu para 21. Ainda, no 2º intervalo, apenas 12 participantes consideraram usar esta estratégia, enquanto que no 3º intervalo, 20 alunos apontaram que consideram tê-la utilizado;  tanto o número de alunos que consideram usar as estratégias, como o número que demonstrou uso efetivo durante as atividades aplicadas aumentou consideravelmente do 2º para o 3º intervalo de leitura. Destacam-se os índices que se referem ao uso efetivo das estratégias de visualização (de 19 para 25), questões ao texto (de 16 para 24) e sumarização (de 13 para 21).  os relatos apresentados pelos alunos em resposta às atividades do 3º intervalo demonstram aprofundamento da leitura maior se comparadas às do 2º intervalo. Exemplo disso são as inferências feitas pelo Aluno 1 durante a leitura do conto, no intervalo 2 em comparação com texto, no intervalo 3: O espelho iria ser algo muito importante na história (ALUNO 1 – 2º intervalo) 116 Nesse conto era quase impossível não fazer inferências, pois em várias partes tínhamos que relacionar várias coisas como, por exemplo, tentei comparar o título com a história para entender o porquê daquele título. [...] “Relacionei o fato do verde significar liberdade e esperança, ou seja, Tatisa queria sua liberdade para ir ao Baile. (ALUNO 1 – 3º intervalo) Assim, se tais elementos apontam para uma maior apropriação das estratégias de leitura e consequente aprofundamento do texto literário, parece que o pressuposto inicial desta pesquisa, de que o ensino de estratégias de leitura contribui para o desenvolvimento da formação leitora dos alunos, se confirma. Afinal, os movimentos necessários para haver a internalização de uma informação, transformando-a em conhecimento, ultrapassam os limites de um enquadramento físico; no caso da leitura, perpassam a folha de papel impressa ou o meio digital: o conhecimento exige interação, troca, num constante ir e vir; o conhecimento clama por experiências, e estas se constituem pela mediação, conceito fundamental para Vigotski e reforçadas por Moraes (2010, p. 140) quando afirma que ―os movimentos do conhecimento se dão a partir do questionar e do pôr em dúvida o já conhecido para, então, ir à procura de respostas‖. Assim, o aprender ocorre na produção e reconstrução do conhecimento, no processo de interação, que se dá, de acordo com Larrosa (2002, p. 21), pela experiência. Para este estudioso, a experiência ―é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca‖ (p. 25). E isto não é possível de ser concretizado de maneira estática, isolada. Os relatos apresentados no decorrer da análise evidenciam e exemplificam o conceito de experiência mencionado por Larrosa, concretizada pelo processo de interação com o outro, por meio de relações inter e intrapessoais. A sequência de leitura vivenciada pelos alunos, por meio de seus intervalos, buscou oportunizar essas experiências, esses movimentos: do aluno para com o outro - com o texto, com o colega, com o professor, com ele próprio e com o mundo – oferecendo oportunidades de ―compartilhamentos de visões do mundo entre os homens no tempo e no espaço‖ (COSSON, 2014, p. 27). Ao mesmo tempo, o ensino das estratégias de leitura, de acordo com a metodologia norte-americana, leva em conta o pressuposto vigotskiniano de que, para aprender, é preciso sujeitos envolvidos em um processo colaborativo, evidenciando a interação entre eles. Nesse sentido, a compreensão da leitura não ocorre de forma solitária, mas sim durante a interação com o outro. O professor, mediador nesse processo, contribui para a interação, necessária à aprendizagem, ao apresentar atividades que façam o leitor aprendiz pensar sobro o texto, 117 fazendo-o voltar a ele para compreendê-lo melhor, e possibilitando que nesse movimento de ir e voltar, o leitor vá apropriando-se das estratégias de leitura. De acordo com Harvey e Goudvis (2007, p. 15), ―[...] compreensão significa que leitores pensam não apenas sobre o 26 que estão lendo, mas sobre o que estão aprendendo.‖ Assim, no processo de ensino de uso das estratégias de leitura está envolvido o ensino do pensar e a aprendizagem de rotinas sistematizadas para incorporar estratégias de compreensão. O entendimento da importância de saber pensar a respeito do que se está lendo é identificado nos relatos que seguem, nos quais os alunos apresentam seu posicionamento a respeito do uso das estratégias de leitura: As estratégias de leitura são importantes, pois elas facilitam o entendimento. A visualização, por exemplo, faz com que você veja os acontecimentos, ouça os sons ou o silêncio, faz você se envolver mais na história, tornando mais fácil a compreensão. (ALUNO 2, questionário final) Desenvolvem até mesmo a nossa argumentação crítica, a imaginação, a observação e, claro, o próprio vocabulário em si. Ou seja, são de uma importância crucial e indispensável. (ALUNO 15, questionário final) [...] com as estratégias de leitura é possível atingir uma melhor compreensão do texto, perceber detalhes do enredo que não estão claramente expostas e conectar conhecimentos que eu já possuía com as histórias lidas. (ALUNO 6, questionário final) As estratégias de leitura me ajudaram a saber qual é a principal ideia que um texto nos passa. Porque penso que um texto que é arte, passa uma mensagem nas entrelinhas, e é este o nosso dever, descobrir esta mensagem, com a grande ajuda das estratégias de leitura. (ALUNO 22, questionário final) Pela leitura atenta dos depoimentos de alunos pesquisados, percebe-se que o ensino de estratégias de leitura é visto como benéfico no processo de desenvolvimento da formação leitora dos estudantes, sendo-lhes atribuído importante papel para facilitar o acesso a textos de diferentes gêneros, mas em especial, possibilitando a ampliação do pensamento dos aprendizes sobre diferentes e novas formas de ver, sentir, compreender, perceber e vivenciar o mundo a partir de obras literárias. Desse modo, é possível afirmar que as reflexões e os apontamentos aqui delineados, possíveis de serem feitos na empiria desta pesquisa, tendem a descortinar os movimentos necessários para que leitores incautos deem espaço para leitores experientes (não substituindo aqueles por estes, mas transformando-se nestes); para que a leitura literária seja efetivamente 26 Traduzido do texto original: ―Comprehension means that readers think not only about what they are reading but about what they are learning.‖ (HARVEY; GOUDVIS, 2007, p. 15) 118 democratizada, por uma perspectiva crítica e atuante por parte do leitor, o qual estando frente ao livro, se veja frente ao mundo; para haver a ampliação de horizontes cognitivos e humanísticos, fomentando uma mudança na sociedade, vislumbrando a consciência de cidadania, ou seja, atentando para o sentimento de pertencimento do sujeito a uma sociedade, a um grupo e a um tempo. 119 5 CONCLUSÃO Encerrar a escrita desta dissertação não significa finalizar o processo investigativo, tomando os resultados obtidos como conclusivos para a questão norteadora do estudo. Pelo contrário, este momento sinaliza o recomeçar de um novo processo, reflexivo, crítico e vivo, buscando espaço de interlocução com o leitor. Assim, se o atual contexto de ensino de leitura literária nas escolas brasileiras, bem como os índices de letramento literário apontados por avaliações nacionais, mencionados no texto inicial, foram provocadores para a realização desta pesquisa, convém pensar que esta também inspire desdobramentos, promovendo a reflexão sobre o ensino de leitura literária em contexto escolar. Ao mesmo tempo em que se enaltece o início de um novo ciclo a partir deste estudo, faz-se relevante retomar conceitos fundantes que conduziram a elaboração de cada capítulo da dissertação, e que constituíram teoricamente a elaboração e a análise da sequência de leitura proposta. Organizado em cinco capítulos, o primeiro e o quinto são destinados, respectivamente, à introdução e à conclusão do estudo. O segundo capítulo é dedicado a apresentar as concepções sobre educação, leitura, literatura, aprendizagem e letramento literário adotadas na investigação e que explicam as escolhas metodológicas realizadas no decurso do processo. Destaca-se que experiência de interação com o outro subjaz a todos estes conceitos, privilegiando o desenvolvimento das habilidades de leitura, da formação humana e da autonomia de leitura do sujeito, questões centrais deste estudo. O terceiro capítulo, por sua vez, elege como prioridade dois olhares: um para a cultura juvenil e a cultura escrita, objetivando compreender o sujeito investigado e perceber as relações que se estabelecem entre o jovem sujeito de Ensino Médio e a prática da leitura. Em meio a este estudo, nota-se que o panorama sobre o ensino de leitura literária no Brasil, que se revela, muitas vezes, como um ensino fragmentado e descontextualizado, voltado para o aspecto histórico ao enfatizar apenas períodos literários, faz emergir questionamentos sobre a prática pedagógica que tem sido adotada em muitas escolas brasileiras. O quadro tensiona-se ainda mais ao analisar as orientações dos PCNs a respeito do ensino de literatura no Ensino Médio, já que o documento não confere à literatura dimensão de componente curricular autônomo, desvalorizando, de certo modo, o texto literário ao colocá-lo como apenas mais um tópico junto à lista de gêneros discursivos a serem desenvolvidos em Língua Portuguesa; outro olhar é ao aporte teórico tomado como base para a elaboração da sequência de leitura, 120 ou seja, o método da sequência expandida, apresentado por Cosson (2014) como alternativa para o letramento literário no contexto escolar, e a metodologia norte-americana de ensino de estratégias de leitura, a partir das estudiosas Harvey e Goudvis (2007). A identificação de possível diálogo entre estas duas vertentes teóricas, unindo o ensino de leitura literária e o ensino do saber pensar, com vistas ao letramento literário e ao desenvolvimento cognitivo, culminou na proposição da sequência de leitura, apresentada no quarto capítulo. Este capítulo é o cerne da pesquisa, uma vez que nele estão refletidas as noções teóricas que constituem a professora-pesquisadora, apresentadas nos capítulos anteriores, e que tomam forma por meio dos instrumentos elaborados e aplicados aos sujeitos investigados (intervalos de leitura e questionário final). Tais instrumentos são descritos e explicados de maneira a elucidar ao leitor a constituição das etapas da intervenção, geradoras dos resultados construídos durante o processo investigativo. Importante destacar que estes resultados são perscrutados a partir de material elaborado específico para a realização da análise de dados, buscando o rigor que a pesquisa científica exige. A etapa de análise demandou da pesquisadora olhar atento às palavras oferecidas pelos sujeitos investigados, exigindo-lhe perceber se os dados que afloraram do corpus de análise corroboram com a premissa de que o ensino de estratégias de leitura, a partir da aplicação de sequência de leitura, contribui para o desenvolvimento da autonomia de leitura do sujeito. É a vez de a pesquisadora ―pensar o pensamento dos outros‖ (ZILBERMAN, 2012, p. 44), traduzindo sua leitura em possíveis respostas à questão que norteou seu estudo: a aplicação de sequência de leitura com vistas ao ensino de estratégias de leitura de texto literário contribui para a formação de um leitor autônomo? Assim, com esta questão pulsando a todo o momento, e diante de considerações, posicionamentos e reflexões dos alunos investigados, apresentados a partir dos instrumentos aplicados, o desafio foi organizar tais dados de maneira a possibilitar reflexão acerca das possíveis relações entre a intervenção realizada e o desenvolvimento de formação leitora dos alunos participantes da pesquisa. Para tanto, a análise foi organizada, buscando verificar se os alunos passaram a utilizar mais as diferentes estratégias de leitura no decorrer do processo, e se tal uso, de fato, contribui para melhor compreensão do texto lido. Desse modo, foram sistematizados os seguintes tópicos: comparativo do antes e depois da leitura de texto com vistas ao uso das estratégias de leitura – 2º intervalo; comparativo do uso das estratégias de leitura entre o 2º e 3º intervalos de leitura; comparativo entre o uso de cada estratégia e a visão do aluno sobre seu emprego – 2º intervalo; e comparativo entre o uso de cada estratégia e a visão do aluno sobre seu 121 emprego – 3º intervalo. Em cada um dos tópicos analisados, foram apresentados gráficos ilustrativos dos dados identificados, de maneira a sintetizar e a facilitar a visualidade dos apontamentos feitos. Dito isso, retomam-se aqui as principais repercussões das análises, considerando cada tópico. Comparando o antes e o depois da leitura de texto com vistas ao uso das estratégias de leitura no 2º intervalo, percebe-se que os alunos consideraram os quesitos observados (compreensão, vocabulário, identificação das partes constitutivas da narrativa e relação com a vida real) mais fáceis de serem constatados e respondidos após a realização das questões guiadas, vislumbrando o uso das estratégias de leitura. Isso indica que, talvez, as atividades aplicadas favoreceram o desenvolvimento da competência leitora dos alunos pesquisados. Quanto à comparação entre o uso de cada estratégia e a visão do aluno sobre seu uso – 2º intervalo, percebe-se que os alunos, em geral, demonstraram utilizar as estratégias em maior percentual, se comparado ao número de alunos que consideraram empregá-las, conforme relatado no questionário final. Essa evidência demonstra a utilização não consciente das estratégias, fruto, talvez, da não-prática sobre o refletir a respeito do próprio processo de pensar. Tal comparação equalizou-se no 3º intervalo, demonstrando haver, nesse momento, uma maior similaridade entre o uso efetivo das estratégias e a percepção do aluno com relação ao seu uso. Além disso, é possível perceber um significativo emprego efetivo das estratégias de leitura, se comparados os dados com os do 2º intervalo de leitura. Com exceção da estratégia de síntese, todas as demais tiveram notadamente sua utilização por 20 ou mais estudantes, conforme se pode evidenciar no gráfico a seguir, o qual apresenta, de forma sintética, o comparativo entre os usos das estratégias de leitura do 2º (circunferência interior) para o 3º (circunferência exterior) intervalos, apontando para o desenvolvimento da competência leitora dos sujeitos: 122 Gráfico 14 – Apropriação de estratégias de leitura X desenvolvimento da competência leitora 15 20 13 19 21 13 21 18 16 19 24 25 Desenvolvimento da competência leitora Conexão Inferência Visualização Questões ao texto Sumarização Síntese Fonte: elaborado pela pesquisadora Com base nos dados presentes no gráfico, construídos pela voz dos alunos, houve aumento quanto ao uso de todas as estratégias de leitura, considerando o processo de desenvolvimento do 2º para o 3º intervalo de leitura. Algumas das estratégias destacaram-se por apresentar considerável aumento no uso efetivo. É o caso das estratégias de Sumarização (passou de 13 para 21 o número de participantes que demonstraram usar a estratégia), Questões ao texto (passou de 16 para 24 o número de participantes que demonstraram usar a estratégia) e Visualização (passou de 19 para 25 o número de participantes que demonstraram usar a estratégia). Além disso, destaca-se que, apesar de não estar entre as estratégias mais utilizadas, a síntese foi mais usada no 3º intervalo do que no 2º, o que indica a sua progressiva internalização pelos sujeitos participantes, e aponta para maior apropriação do texto, uma vez que a síntese é a estratégia que proporciona maior compreensão sobre a leitura, pelas palavras de Harvey e Goudvis (2007, p. 19), ―quando os leitores sintetizam, eles alcançam uma compreensão mais completa.‖ Considerando estes dados, indicadores do aumento do emprego das estratégias de leitura, é importante questionar se eles efetivamente representam uma evolução quanto ao desenvolvimento das competências leitoras desses sujeitos. Esta ideia vai ao encontro da premissa da investigação de que a autonomia leitora está diretamente relacionada ao uso das estratégias de leitura, ao considerar leitor autônomo aquele que utiliza as estratégias de leitura 123 nomeadas neste estudo, ou seja, aquele que demonstra ter desenvolvidas as habilidades de inferir, estabelecer conexões, visualizar, fazer questões ao texto, sumarizar e sintetizar. Pois ora, leitor, se, por um lado, o aumento do uso efetivo das estratégias, considerando o processo do início ao final, transborda aos olhos, por outro lado, o não uso das estratégias (que diminuiu notadamente) é fator de destaque também, fazendo suscitar o entendimento de que, talvez, houve a internalização das estratégias de leitura no decorrer do processo investigado. Não fosse isso, o que justificaria o aumento visível do uso de tais estratégias do 2º para o 3º intervalo? Ainda, não seria necessário evidenciar o aprofundamento da compreensão leitora a partir de enunciados dos próprios sujeitos? Certamente! Exemplo disso são os relatos apresentados pelos alunos em resposta às atividades do 3º intervalo, os quais demonstram aprofundamento maior da leitura se comparados aos obtidos em resposta no 2º intervalo, conforme demonstrado na análise dos dados, detalhada no capítulo anterior. Assim, os sujeitos que se apropriaram das diferentes estratégias de leitura, demonstraram também maior aprofundamento da compreensão do texto literário, o que parece autorizar a confirmação do pressuposto deste estudo, de que o ensino de estratégias de leitura contribui para o desenvolvimento da autonomia leitora de alunos. Tal confirmação parece oferecer subsídios para responder à questão norteadora, já que é conferida à sequência de leitura oportunidade para o desenvolvimento da formação leitora do sujeito, ao aprimorar o fazer pensar e o refletir sobre o pensar do sujeito, e o desenvolvimento da formação humana, ao promover o letramento literário, respeitando o direito à literatura de todo cidadão, conferido por Candido (1995). Ademais, ratifica-se a relevância desta pesquisa no sentido de oferecer subsídios teórico-metodológicos para qualificar o ensino de literatura a todos os professores e mediadores de leitura que se preocupam com o papel humanizador da arte literária, e com o desenvolvimento cognitivo visando à autonomia leitora, sob o prisma da aprendizagem como resultado da experiência de interação com o outro e consigo mesmo. Por certo, muito há ainda para pensar e pesquisar a respeito da aplicação da sequência de leitura a jovens sujeitos em formação, em especial, ao que diz respeito às relações entre o uso de diferentes estratégias e o desenvolvimento da competência leitora. Nesse sentido, o estudo insta novas pesquisas que deem continuidade e explorem as questões teórico-metodológicas que o constituem e que vão ao encontro da prática social do letramento literário, contribuindo para a discussão da educação como formação humana, e propiciando a criação de alternativas de ensino de literatura, promotoras, não apenas do 124 desenvolvimento cognitivo, mas também da formação de personalidade, racionalidade e cidadania do sujeito leitor. Que estas palavras, as quais se encerram nesta página, possam inspirar outros pesquisadores a ressignificarem a prática de ensino de literatura com vistas às estratégias de leitura, retomando o percurso desta caminhada. 125 REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. 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O objetivo deste estudo é investigar a aplicação de aula de literatura, com a metodologia denominada sequência expandida, com vistas ao ensino de estratégias de leitura a partir de uma obra literária selecionada pelo PNBE/Ensino Médio (Programa Nacional Biblioteca na Escola), no que tange à formação de um leitor autônomo. Este estudo está inserido em projeto maior do IFRS - Farroupilha, o Projeto Feira Literária, que tem como objetivo promover o incentivo à leitura, valorizando-a como meio para o desenvolvimento cognitivo e a formação humana. As atividades serão planejadas e executadas pela professora da turma de 1º ano do Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio que também cursa Mestrado em Educação e está realizando a pesquisa indicada. Ao participar deste estudo, seu filho(a) ou jovem sob sua responsabilidade: a) Estará em sala de aula da escola, durante o horário escolar de Língua Portuguesa, participando de atividades de compreensão leitora, com foco no uso de estratégias de leitura, conforme planejamento prévio da professora-pesquisadora e de acordo com o previsto na ementa da disciplina. Estas atividades referem-se a produções escritas e/ou orais dos alunos. b) As aulas de Língua Portuguesa em que serão realizadas tais atividades serão comunicadas previamente aos alunos. c) Esses momentos em que se realizarão as atividades mencionadas serão filmados. A filmagem será utilizada apenas para o estudo sobre a formação leitora dos alunos e o uso de estratégias de leitura para sua compreensão leitora. Não serão utilizadas as filmagens (áudio e imagem) do estudante sem autorização de familiares ou responsáveis. Ressalta-se que estas filmagens servirão única e exclusivamente para as pesquisas sobre leitura que possam originar deste trabalho. Os resultados da pesquisa serão apresentados anonimamente, pela professora- pesquisadora, a partir da atuação de seu filho(a) ou jovem sob sua responsabilidade nas duas situações citadas. Destaca-se que seu filho(a) ou jovem sob sua responsabilidade não será 132 prejudicado quanto ao aproveitamento da disciplina durante as aulas em virtude de participar desta pesquisa, uma vez que estas, como dito anteriormente, fazem parte do planejamento das aulas. Pelo contrário, ele estará participando de atividades que buscam auxiliar a prática da leitura. Considerando as características dos instrumentos de coleta de informações, podemos garantir que não haverá qualquer tipo de inconveniente para seu filho(a) ou jovem sob sua responsabilidade ao participar deste estudo. A participação não traz complicações legais de nenhuma ordem e os procedimentos utilizados obedecem aos critérios da ética na Pesquisa com Seres Humanos, conforme a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Cabe ressaltar que a participação como informante nesta pesquisa é voluntária. Assim, fica resguardada e garantida sua liberdade de interromper a participação no estudo em qualquer de suas etapas, sem que isso incorra em qualquer tipo de inconveniente ou prejuízo para seu filho(a) ou jovem sob sua responsabilidade. O Sr. (Sra.) tem a liberdade de se recusar a autorizar seu filho(a) ou jovem sob sua responsabilidade a participar; e seu filho(a) ou jovem sob sua responsabilidade tem a liberdade de desistir de participar em qualquer momento, sem qualquer prejuízo. No entanto, solicitamos sua colaboração para obter melhores resultados da pesquisa. Garantimos que a identidade de seu filho(a) ou jovem sob sua responsabilidade será sigilosamente preservada e que as informações por ele(a) fornecidas serão acessadas unicamente pela pesquisadora e por ela serão utilizadas e divulgadas na redação de estudos e em publicações relacionadas exclusivamente com esta pesquisa, conforme os objetivos mencionados anteriormente. Esperamos que futuramente os resultados sejam usados em benefício de outros estudantes. O Sr. (Sra.) não terá nenhum tipo de despesa por participar deste estudo, bem como não receberá nenhum tipo de pagamento por sua participação. Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para que seu filho(a) ou jovem sob sua responsabilidade participe desta pesquisa. Para tanto, preencha os itens que se seguem: CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Tendo em vista as informações acima apresentadas, eu_________________________ ___________________________________, portador do RG__________________________, de forma livre e esclarecida, autorizo meu filho(a) ou jovem sob minha responsabilidade____ _______________________________________________, nascido(a) em ___/___ /______, a participar da pesquisa Leitura do texto literário pelo aluno de Ensino Médio: análise do processo de formação de leitores autônomos. Autorizo a utilização, para fins de pesquisa, dos dados fornecidos à mestranda pesquisadora responsável Karina Feltes Alves e à orientadora, Profª. Drª. Flávia Brocchetto Ramos, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade de Caxias do Sul. Declaro ainda, estar ciente de que estes dados serão utilizadas para a construção do estudo e que serão publicadas para fins científicos, com a não identificação do sujeito (identidade preservada). Recebi uma cópia deste termo de 133 consentimento livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas. Farroupilha-RS, _____ de _________________de 2015. ___________________________ __________________________ _______________________ Pais ou Responsável Profª. Karina Feltes Alves Profª. Drª. Flávia B. Ramos Mestranda pesquisadora responsável Orientadora da pesquisa Agradecemos a sua autorização e colocamo-nos à disposição para esclarecimentos adicionais sobre o processo de investigação. Caso queiram contatar a pesquisadora responsável pela pesquisa, podem entrar em contato diretamente com a professora Karina Feltes Alves, pelo endereço eletrônico kfalves@ucs.br e pelo fone (54) 9696 9900. A pesquisa está vinculada ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Caxias do Sul – CEP/FUCS, situado na Rua Francisco Getúlio Vargas, nº. 1130, Sala 106, Bloco M, na cidade de Caxias do Sul - RS - CEP: 95020-972 e o telefone para contato é 3218-2100, ramal 2829 (manhã e tarde). 134 APÊNDICE B - Questionário para sondagem inicial Universidade de Caxias do Sul Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado Pesquisa: Leitura do texto literário pelo aluno de Ensino Médio: estratégias para a 27 formação de leitores competentes. Questionário inicial ao estudante Sua idade: ____________ Você cursou seu Ensino Fundamental: ( ) apenas em escola pública; ( ) apenas em escola particular; ( ) parte em escola pública, parte em escola particular. O que mais gosta de fazer em seu tempo livre? ( ) assistir televisão; ( ) escutar música; ( ) ler livros, jornais ou revistas; ( ) acessar redes sociais. I. SOBRE SEUS HÁBITOS DE LEITURA 1. Você gosta de ler? ( ) sim; ( ) não. 2. O que mais costuma ler? ( ) jornais e/ou revistas; ( ) livros/romances (ficção, suspense, aventura, etc.); ( ) redes sociais; ( ) outros: ___________________________ 3. Com que frequência você lê? ( ) todos os dias; ( ) 3 a 4 vezes por semana; ( ) 1 vez por semana; ( ) nos fins de semana; ( ) nas férias; ( ) ______________________ 4. Por que você lê? ___________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 5. Que tipos de leitura chamam a sua atenção? 27 Optou-se por manter neste documento o título ―Leitura do texto literário pelo aluno de Ensino Médio: estratégias para a formação de leitores competentes‖, uma vez que este era o título provisório no momento em que o Questionário inicial foi aplicado aos sujeitos. 135 ( ) autoajuda ( ) suspense ( ) crônicas ( ) romance ( ) biografia ( ) documentário ( ) religiosos ( ) ficção científica ( ) técnico ( ) séries/triologias ( ) poesia ( ) ação e aventura ( ) contos ( ) _____________ ( ) ___________ II. SOBRE SEUS HÁBITOS DE LEITURA NA ESCOLA 1. Você lia na escola em que estudava? ( ) sim; ( ) não; ( ) _______________________________________________________________________ 2. O que você costumava ler na escola? ___________________________________________________________________________ 3. Você se sentia incentivado a ler na escola em que estudava? ( ) sim; ( ) não. Se sim, de que forma? ________________________________________________________ 4. A escola em que estudava costumava realizar projetos que envolvessem a leitura? Quais? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ III. SOBRE O QUE VOCÊ PENSA A RESPEITO DA LEITURA 1. A leitura para você representa: ( ) algo essencial para a sua formação; ( ) uma atividade de lazer, um entretenimento; ( ) uma obrigação, geralmente vinculada a uma atividade escolar; ( ) algo desnecessário; ( ) Outro: ________________________________________________________________. 2. Você se considera um aluno leitor? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 3. Em caso afirmativo, de que maneira você percebe que foi/é incentivado a ler? ( ) através da compra de livros; ( ) através de sugestões de leituras; ( ) por alguém solicitando que você leia; ( ) vendo alguém lendo e lhe dando o exemplo; ( ) não foi incentivado; ( ) outro: _________________________________________________________________. Agradecemos a sua participação. 136 APÊNDICE C – Detalhamento do 1º intervalo de leitura 1º intervalo de leitura da obra O retrato de Dorian Gray: 1º e 2º capítulos da obra. Objetivos:  Verificar se as hipóteses formuladas pelos alunos sobre o desejo de Dorian na etapa de ―Motivação‖ se confirmam;  Propiciar o enriquecimento da leitura do texto principal;  Estabelecer relações de intertextualidade (enfoque temático) entre o texto principal e o texto ―Eco e Narciso‖ (anexo 1);  Apresentar e nomear diferentes estratégias de leitura, de acordo com a metodologia norte-americana, utilizadas para alcançar a compreensão mais profunda da leitura. Duração: 2 períodos de 50 minutos cada. Recursos: cópias do texto ―Eco e Narciso‖, data show, apresentação em Prezi para guiar as atividades. () Etapa 1  Questionar aos alunos sobre as hipóteses formuladas a respeito do desejo que Dorian Gray teria feito ao seu retrato. Estas hipóteses foram formuladas na etapa de motivação da sequência expandida;  Verificar se as hipóteses que formularam conferem com o desejo que a personagem fez a seu retrato;  Apresentar trechos da obra que confirmam o desejo feito por Dorian. Etapa 2  Entregar uma cópia do texto Eco e Narciso aos alunos e realizar leitura em conjunto com eles. O texto será projetado pelo data show, durante a leitura.  Apresentar sistematização da leitura, valendo-se de questionamentos e observações sobre o texto Eco e Narciso e os dois primeiros capítulos da obra O retrato de Dorian Gray, que vão ao encontro das estratégias de leituras apresentadas na etapa seguinte;  Apresentar e nomear as estratégias utilizadas na sistematização realizada;  Enfatizar a importância do uso de tais estratégias para a compreensão mais profunda de toda a leitura que se propõe a realizar. 137 Etapa 3  Entregar cópia da tabela abaixo, na qual constam as estratégias de leitura apresentadas aos alunos, bem como sua caracterização. ESTRATÉGIAS DE LEITURA CARACTERIZAÇÃO Os conhecimentos prévios são informações e conhecimentos que temos acerca do mundo em CONHECIMENTO PRÉVIO relação àquilo que estamos lendo e que chegam (―estratégia-mãe‖ ou ―estratégia ―guarda- a nossa mente, desde o momento que iniciamos chuva‖) uma leitura. As conexões permitem ativar o conhecimento prévio fazendo relações com novos conhecimentos. Assim, relembrar fatos CONEXÕES importantes de nossa vida, de outros textos lidos e de situações que ocorrem no mundo, em nosso país ou nossa cidade durante a leitura, ajuda a compreender melhor o texto. A estratégia de questões ao texto permite um constante diálogo com o texto. Ao ler vamos elaborando questões relativas ao texto que tentaremos responder ao longo da leitura QUESTÕES AO TEXTO ativando inclusive nosso conhecimento prévio. Podemos ainda analisar os tipos de questões formuladas e quanto mais densas forem as perguntas maior é o entendimento do texto. A inferência ocorre frequentemente em nosso cotidiano e é fundamental para nos ajudar a ler nas entrelinhas, pois precisamos INFERÊNCIA compreender aquilo que não foi escrito explicitamente. Enquanto leitores, nós inferimos ativando nossos conhecimentos prévios e os relacionando com pistas deixadas 138 no texto. Quase de maneira espontânea, realizamos a estratégia de visualização, pois ao nos depararmos com uma leitura, deixamos nos VISUALIZAÇÃO envolver por sentimentos, sensações e imagens, que permitem que as palavras do texto se tornem imagens em nossa mente. Ao visualizarmos quando lemos, vamos criando imagens pessoais e isso mantém nossa atenção permitindo que a leitura se torne prazerosa. A sumarização parte do pressuposto de que precisamos sintetizar aquilo que lemos e, para que isso seja possível, é necessário aprender o que é essencial em um texto, separando-o de que é detalhe. Ao elencarmos o que é essencial SUMARIZAÇÃO teremos mais condições de garantir as ideias principais. Além disso, essa estratégia está ligada à finalidade e aos objetivos da nossa leitura. Quanto mais claro estiver esse objetivo, melhor as chances de elencar o que é essencial, para que dessa maneira possamos atingir o objetivo da nossa leitura. A estratégia de síntese significa muito mais que resumir. Ao resumir anotamos as ideias principais de um parágrafo ou de um texto. A síntese ocorre quando articulamos o que lemos SÍNTESE com nossas impressões pessoais, reconstruindo o próprio texto. Ao sintetizar, não relembramos apenas fatos importantes do texto, mas adicionamos novas informações ao nosso conhecimento prévio alcançando uma compreensão maior do texto. Fonte: HARVEY, Stephanie; GOUDVIS, Anne. Strategies that Work. Teaching Comprehension for Understanding and Engagement. Portland (ME): Stenhouse Publishers & Pembroke Publishers, 2007. 139 APÊNDICE D – Detalhamento do 2º intervalo de leitura 2º intervalo de leitura da obra O retrato de Dorian Gray: 3º ao 9º capítulos da obra. Objetivos:  Oferecer aos alunos atividades que envolvam o uso das estratégias de leitura (anexo 2), apresentadas no 1º intervalo de leitura;  Auxiliar os alunos na compreensão textual, a partir do uso das estratégias de leitura;  Propiciar o enriquecimento da leitura do texto principal;  Estabelecer relações de intertextualidade entre o texto principal e o conto O espelho, de Machado de Assis (anexo 1);  Verificar se as atividades desenvolvidas auxiliam os alunos a alcançar a compreensão mais profunda da leitura e se eles identificam que estratégias estão utilizando para resolverem as diferentes atividades propostas. Duração: 2 períodos de 50 minutos cada. (as atividades poderão ser concluídas extraclasse, caso não haja tempo suficiente para serem todas respondidas em aula) Recursos: cópias do conto O espelho, de Machado de Assis, e das atividades de compreensão, com vistas ao uso das estratégias de leitura. Etapa 1  Informar aos alunos que o texto a ser lido trata-se de um conto fantástico, cujas características já foram estudadas em aula. O professor lembrará das principais características do conto fantástico. Etapa 2  Realizar a leitura do conto. Solicitar que um aluno faça a leitura ou a professora o fará. Etapa 3  Aplicar o instrumento que busca evidenciar o entendimento dos alunos sobre o conto a respeito dos critérios: a) Compreensão; b) Vocabulário; c) Identificação das partes constitutivas da narrativa; e d) Relação que estabeleceu do texto com a vida real. Etapa 4  Apresentar e solicitar que os alunos realizem as atividades de compreensão, propostas a partir das leituras feitas. A professora recordará os alunos sobre as estratégias 140 estudadas em aula anterior (1º intervalo de leitura) e solicitará que, ao final das atividades, identifiquem nas lacunas, ao lado dos escritos ―Atividade 1‖, ―Atividade 2‖ ...) o nome das estratégias utilizadas para a realização das atividades propostas.  Durante a realização das atividades, a professora auxiliará os alunos na resolução das mesmas, indicando o raciocínio, o caminho que devem seguir para alcançarem uma compreensão mais profunda do texto. Etapa 5  Reaplicar o instrumento evidenciando o entendimento dos alunos sobre o conto a respeito dos critérios: a) Compreensão; b) Vocabulário; c) Identificação das partes constitutivas da narrativa; e d) Relação que estabeleceu do texto com a vida real, buscando verificar um possível avanço pelos alunos. 141 APÊNDICE E – Instrumento de verificação da leitura antes e depois do 2º intervalo Assinale e responda ao que se pede sobre o conto O espelho, de Machado de Assis: Quanto ao nível de: Fácil Médio Difícil Compreensão Vocabulário Quanto à estrutura e compreensão do conto: Sim Não Em parte Foi possível acompanhar o desenrolar da narrativa, identificando suas partes constitutivas e acontecimentos mais importantes? Foi possível estabelecer relações entre o enredo do conto e fatos da vida real? Quais? ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ Qual é a temática do conto? * Este instrumento foi respondido pelos sujeitos antes e depois das atividades realizadas no 2º intervalo de leitura. 142 APÊNDICE F – Atividades aplicadas no 2º intervalo de leitura ATIVIDADES DE COMPREENSÃO TEXTUAL – 2º Intervalo de Leitura do romance O retrato de Dorian Gray : leitura do conto O espelho, de Machado de Assis Curso: Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio Turma: 1º ano do E. Médio Nome: _____________________________________________________________________ A partir da leitura do conto O espelho, de Machado de Assis, da leitura feita, até o momento, do romance O retrato de Dorian Gray, e das estratégias de leitura estudadas em aula, resolva as atividades que seguem: Orientação: após concluir as atividades, preencha as lacunas, conferindo-lhes um título, com o nome da estratégia de leitura utilizada em cada uma delas. Atividade 1: ______________________________ Complete a seguinte ideia, apresentada no quadro abaixo: Após a leitura do conto “O espelho”, de Machado de Assis, lembrei-me de que, um dia, eu ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ __ Atividade 2: _______________________________ Palavra Significado Dicas do texto Frase do texto inferido Eram apenas quatro ―[...] havia na sala um os personagens que quinto personagem, falavam. O quinto calado, pensando, Espórtula Contribuição apenas expressava cochilando, cuja resmungos de espórtula no debate não aprovação. passava de um ou outro resmungo de aprovação.‖ 143 A) Todas as palavras do conto são de fácil compreensão para você? Talvez não saiba o significado de todas elas, mas é possível inferir o que significam a partir do próprio texto. Identifique, no quadro abaixo, conforme exemplo, palavras cujo significado desconheça, e complete com as informações solicitadas! Observe se isso o ajuda a identificar o significado dos termos desconhecidos! B) Antes de iniciar a leitura do conto, você levantou algumas hipóteses em relação ao tema, personagens e enredo. Destaque algumas delas no quadro abaixo e indique, com o sinal positivo (+), as inferências confirmadas, e com o sinal negativo (-), as que foram refutadas. Inferências Inferências Inferências confirmadas (+) refutadas (-) Atividade 3: ______________________________ 144 A) Antes, durante e após a leitura, ocorre o processo de visualização. Para isso, você usa seu conhecimento prévio e detalhes importantes do texto. Considerando essa afirmação, responda ao que é solicitado no quadro abaixo: Eu visualizo a fim de: Sim Não Observação Fazer previsões e inferências. Esclarecer algum aspecto do texto. Lembrar. Eu visualizo: Personagens, pessoas ou criaturas. Ilustrações ou características do texto. Eventos e/ou fatos. Espaço e/ou lugar. Eu visualizo, usando: Meus sentidos (olfato, audição, paladar ou sentimentos). Minha reação física (calor, frio, com sede, estômago doente etc.). Uma reação emocional (alegria, tristeza, ânimo, solidão etc.). 145 B) Depois de ler atentamente o conto ―O espelho‖, utilizando seus sentidos e imaginação, complemente as frases abaixo e crie outras, caso julgue necessário. Depois, comente e compare com seus colegas as suas respostas. Eu vejo: ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ Eu escuto: ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ Eu cheiro: ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ Eu posso saborear: ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ Atividade 4: _____________________________  Responda às questões que seguem: 1) A narrativa fantástica (já estudada pelos alunos) procura, através do uso de recursos próprios (personagens e acontecimentos que ficam entre o mundo real e o sobrenatural), oferecer uma visão crítica da realidade que envolve o ser humano. Assim, nutrindo-se da incerteza de um acontecimento que não pode ser explicado racionalmente, esse gênero chama a atenção para elementos inexplicáveis como o desdobramento da personalidade e a existência do duplo. Considerando o exposto, leia o trecho do conto abaixo e responda ao que se pede: "O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou que a primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de humanidade". 146 a) Qual é a relação desse trecho do conto com a teoria de Jacobina de que cada pessoa possui duas almas: a alma exterior e a interior? Você concorda com isso? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ b) Ainda, qual é a relação da teoria de Jacobina com a existência do duplo e do desdobramento da personalidade humana? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 2) O que representa a simbologia da farda e do espelho na construção do conto? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 3) É possível afirmar que há no conto, assim como na obra ―O retrato de Dorian Gray‖ um fascínio pela imagem? Justifique. ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4) O duplo é um dos temas inquietantes que perpassa a vida do ser humano, uma vez que está relacionado ao processo de construção da identidade do sujeito – quem ele é, suas origens, qual o papel que ele ocupa no mundo, o que ele será depois da morte –. Na literatura fantástica, esta temática da duplicidade do Eu ganha um terreno fértil para seu desenvolvimento, pois ilustra os antagonismos que caracterizam a personalidade humana: belo/horrível, igualdade/diferença bem/mal, racional/selvagem, subjetividade/objetividade, individual/social, entre outros. De que maneira a temática da duplicidade do Eu é representada no conto ―O espelho‖, de Machado de Assis e no romance ―O retrato de Dorian Gray‖? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 147 5) Considerando a teoria de Jacobina, o qual afirma existir duas almas, a interior e a exterior, identifique-as, no quadro abaixo, considerando as personagens do romance O retrato de Dorian Gray, Sibyl e Dorian, e do conto O espelho, Jacobina. PERSONAGEM ALMA EXTERIOR ALMA INTERIOR SIBYL DORIAN GRAY JACOBINA 6) É possível perceber, no decorrer da leitura do conto e do romance, uma transformação das personagens Sibyl, Dorian Gray e Jacobina, simbolizada por um elemento-chave. Identifique esse elemento, as características de cada personagem antes e depois do contato com esse elemento e o desfecho, mesmo que parcial, de cada uma das personagens. Transformação das personagens Personagem Antes Elemento Depois Desfecho transformador SIBYL DORIAN GRAY JACOBINA 148 Atividade 5: ____________________________  Identifique as informações solicitadas no quadro abaixo, a partir do conto O espelho, de Machado de Assis: Tópicos (ideias centrais) Detalhes Apontamentos pessoais: pensamentos, sentimentos, perguntas e/ou respostas Exemplo – 1º tópico Nunca tinha pensado sobre Existe uma alma interior e isso; ou, isso me faz Nova teoria da alma outra exterior lembrar de quando dizem humana que uma pessoa possui „mais de uma cara‟. Atividade 6: ___________________________  Identifique e aponte, a partir do conto O espelho, de Machado de Assis, o solicitado no quadro abaixo: 149 Palavras-chave da narrativa: _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ Breves passagens da história que norteiem a estrutura da narrativa (situação inicial, complicação, clímax, resolução e situação final). _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ Opinião pessoal – relações estabelecidas com o romance “O retrato de Dorian Gray” e com outros textos ou vivências e conhecimentos de mundo: ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ Bom trabalho! 150 APÊNDICE G – Detalhamento do 3º intervalo de leitura 3º intervalo de leitura da obra O retrato de Dorian Gray: 10º capítulo até o final do livro – Conto Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles Objetivos:  Propiciar o enriquecimento da leitura do texto principal;  Estabelecer relações de intertextualidade entre o texto principal e o conto Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles (anexo 1 – link do conto);  Oferecer aos alunos atividades de compreensão textual inferindo as estratégias de leitura anteriormente apresentadas e estudadas;  Verificar se os alunos utilizam estratégias de leitura para auxiliar a sua compreensão leitora; Duração: 2 períodos de 50 minutos cada. (as atividades poderão ser concluídas extraclasse, caso não haja tempo suficiente para serem todas respondidas em aula) Recursos: cópias do conto Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles, e das atividades de compreensão, com vistas ao uso das estratégias de leitura. Etapa 1  Realizar a leitura do conto. A professora fará a leitura em voz alta para a turma.  Orientar os alunos a destacarem no texto as partes que julgam ser as mais importantes para a compreensão do conto; em seguida, que eles voltem ao texto e verifiquem se as partes destacadas correspondem realmente às informações mais importantes do conto, considerando as seguintes relações:  Tópicos centrais X Detalhes  O que acham ser aspectos mais importantes X O que o texto mostra como relevante Etapa 2  Solicitar aos alunos que respondam às seguintes questões, a respeito do conto Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles: 151 1. A palavra ―muxoxo‖ (linha 80) na história tem o significado de: _______________ _________________________________________________________________________ 2. O que a palavra ―corvo‖ (linha153) significa no texto? _______________________ _________________________________________________________________________ 3. Destaque no texto, usando a simbologia apresentada (, , ?, !!, ), passagem em que você identifica o que se pede abaixo, justificando suas escolhas.  Eu gostei dessa parte porque ... _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________  Eu achei essa parte triste / não gostei dessa parte porque .... _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ? Eu tenho uma pergunta sobre essa parte / não entendi essa parte porque.... _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ !! Esta (s) parte(s) é (são) importante (s) porque ... _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 152 Isto tem relação com (uma história que ouvi, o livro que li, um fato que presenciei.....) porque..... _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 4. Como você poderia explicar o título do conto? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 5. Se você pudesse sugerir um novo título ao conto, qual seria? Por quê? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 6. Quando você leu a fala da personagem Luzinha, ―-Ele está morrendo.‖, (linha 59), o que imaginou que aconteceria em seguida? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 7. Quem você pensou que fosse ―Ele‖? E quem é efetivamente ―Ele‖? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 153 8. A reação de Tatisa no momento em que é revelada a identidade do ―Ele‖ foi esperada por você? Justifique. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 9. Assinale a alternativa que melhor representa a personagem Tatisa, considerando a questão central do conto: a. ( ) Uma jovem ansiosa pela chegada de uma festa de carnaval; b. ( ) Uma jovem preocupada com os detalhes e acabamentos da fantasia a ser usada no baile de carnaval; c. ( ) Uma jovem apaixonada capaz de qualquer coisa para viver um grande amor; d. ( ) Uma filha preocupada com seu pai que está doente; enfrenta o dilema entre participar do Baile que tanto se preparara, ou cuidar de seu pai acamado; e. ( ) Convicta de sua escolha em ir ao Baile, persevera em seu objetivo uma vez que considera o glamour da festa e a presença junto a seu companheiro mais importante do que qualquer outro fato. 10. Qual é o ―problema‖ apresentado na história? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 11. “-Você não ouviu? [...] -Parece que ouvi um gemido. [...] - Foi na rua.” (linhas.....) A partir do trecho transcrito acima, o que teria acontecido nesse momento? Em que medida isso modificou o rumo da história? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 154 12. Explique com suas palavras como você compreende a sentença final do conto ―Quando bateu a porta atrás de si, rolaram pela escada algumas lantejoulas verdes na mesma direção, como se quisessem alcançá-la.” (linha 263 – 265) _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 13. Qual é a temática do conto? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 14. Como você sintetizaria melhor a ideia principal do conto? Justifique. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 15. De que maneira é possível relacionar o conto Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles, com o final do romance O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, considerando as escolhas tomadas pelas personagens centrais, Tatisa e Dorian? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 16. Que valores humanos permeiam as duas obras? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ Boa leitura! 155 APÊNDICE H – Questionário Final Universidade de Caxias do Sul Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado Pesquisa: Leitura do texto literário pelo aluno de Ensino Médio: análise do processo de formação de leitores autônomos. QUESTIONÁRIO FINAL AO ESTUDANTE I. Sobre o primeiro intervalo de leitura: Eco e Narciso, de Thomas Bulfinch 1. Como você avalia o grau de dificuldade do texto? Circule o número correspondente na escala de 0 a 10. 2. Como você avalia seu gosto pela leitura? Circule o número correspondente na escala de 0 a 10. 3. No primeiro intervalo de leitura da obra O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, foram apresentadas estratégias de leitura que favorecem a compreensão leitora. Quais delas você já utilizava em suas leituras, quais você não conhecia, quais passou a utilizar ou quais passou a conhecer, mas não a utilizar? Assinale com um X a sua resposta. Estratégia de Já Não conhecia Passei a Passei a conhecer, leitura utilizava utilizar mas não a utilizar Conhecimento prévio Conexões Questões ao texto Inferência Visualização Sumarização Síntese II. Sobre o segundo intervalo de leitura: conto O espelho, de Machado de Assis 4. Como você avalia o grau de dificuldade do texto? Circule o número correspondente na escala de 0 a 10. 156 5. Como você avalia seu gosto pela leitura? Circule o número correspondente na escala de 0 a 10. Assinale com um X a alternativa que melhor representa sua experiência de leitura com o conto O espelho, de Machado de Assis. Recorde-se das atividades de leitura realizadas sobre o conto e use o espaço abaixo de cada item para registrar exemplos das ações que assinalou. a. Utilizei meus Deixei de utilizar minhas conhecimentos prévios e experiências pessoais e experiências. conhecimentos prévios para interpretar o texto. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ b. Fiz inferências a partir do Fiz apenas algumas inferências, texto, ativando meus pois não foi possível relacionar as conhecimentos prévios e os ideias do texto com meus relacionando com pistas conhecimentos prévios. deixadas no texto. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ c. Formulei, confirmei e Não considerei as diferenças e descartei previsões semelhanças entre os argumentos, enquanto lia o texto. personagens, ambientes e 157 acontecimentos no enredo. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ d. Estabeleci relações com Não foi possível estabelecer fatos importantes de minha relações entre o texto lido e os fatos vida, com outros textos de minha vida e de meu mundo, lidos e com situações que dificultando o entendimento do ocorrem no mundo, em meu texto. país ou minha cidade durante a leitura. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ e. Deixei-me envolver por A leitura do texto não propiciou sentimentos, sensações e sensações como sentir um cheiro, imagens, permitindo que as uma textura, escutar algum som palavras do texto se e/ou imaginar uma ação. tornassem imagens, sons, texturas ou cheiros em minha mente. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ f. Percebi o que é essencial no Tive dificuldades em perceber as texto, diferenciando do que ideias principais do texto, pois não é detalhe. consegui identificar a sua essência. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 158 _________________________________________________________________________ g. Articulei o que li com Tive dificuldades em abstrair as minhas impressões principais informações do texto e, pessoais, reconstruindo o por isso, não consegui adicionar próprio texto e ampliando o novas informações aos meus meu repertório, os meus conhecimentos prévios. conhecimentos prévios. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ III. Sobre o terceiro intervalo de leitura: conto Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles 6. Como você avalia o grau de dificuldade do texto? Circule o número correspondente na escala de 0 a 10. 7. C omo você avalia seu gosto pela leitura? Circule o número correspondente na escala de 0 a 10. 8. Assinale com um X a alternativa que melhor representa sua experiência de leitura com o conto Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles. Recorde-se das atividades de leitura realizadas sobre o conto e use o espaço abaixo de cada item para registrar exemplos das ações que assinalou. 159 a. Utilizei meus Deixei de utilizar minhas conhecimentos prévios e experiências pessoais e experiências. conhecimentos prévios para interpretar o texto. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ b. Fiz inferências a partir do Fiz apenas algumas inferências, texto, ativando meus pois não foi possível relacionar as conhecimentos prévios e os ideias do texto com meus relacionando com pistas conhecimentos prévios. deixadas no texto. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ c. Formulei, confirmei e Não considerei as diferenças e descartei previsões semelhanças entre os argumentos, enquanto lia o texto. personagens, ambientes e acontecimentos no enredo. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ d. Estabeleci relações com Não foi possível estabelecer fatos importantes de minha relações entre o texto lido e os fatos vida, com outros textos de minha vida e de meu mundo, lidos e com situações que dificultando o entendimento do ocorrem no mundo, em meu texto. país ou minha cidade durante a leitura. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 160 _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ e. Deixei-me envolver por A leitura do texto não propiciou sentimentos, sensações e sensações como sentir um cheiro, imagens, permitindo que as uma textura, escutar algum som palavras do texto se e/ou imaginar uma ação. tornassem imagens, sons, texturas ou cheiros em minha mente. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ f. Percebi o que é essencial no Tive dificuldades em perceber as texto, diferenciando do que ideias principais do texto, pois não é detalhe. consegui identificar a sua essência. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ g. Articulei o que li com Tive dificuldades em abstrair as minhas impressões principais informações do texto e, pessoais, reconstruindo o por isso, não consegui adicionar próprio texto e ampliando o novas informações aos meus meu repertório, os meus conhecimentos prévios. conhecimentos prévios. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ IV. Você considera o uso de estratégias de leitura um importante recurso para o desenvolvimento de sua compreensão leitora? Justifique. 161 _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ Agradecemos sua participação. 162 APÊNDICE I – Quadro orientador para análise: 2º intervalo de leitura 163 APÊNDICE J – Quadro orientador para análise: 3º intervalo de leitura 164 APÊNDICE K – Quadro orientador para análise: questionário final 165 ANEXOS ANEXO A – Termo de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) ANEXO B – Texto Eco e Narciso, de Thomas Bulfinch ANEXO C – Texto O espelho, de Machado de Assis ANEXO D – Texto Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles 166 ANEXO A – Termo de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) 167 168 ANEXO B - Texto Eco e Narciso, de Thomas Bulfinch Eco e Narciso Eco era uma bela ninfa, amante dos bosques e dos montes, onde se dedicava a distrações campestres. Era favorita de Diana e acompanhava-a em suas caçadas. Tinha um defeito, porém: falava demais e, em qualquer conversa ou discussão, queria sempre dizer a última palavra. Certo dia, Juno saiu à procura do marido, de quem desconfiava, com razão, que estivesse se divertindo entre as ninfas. Eco, com sua conversa, conseguiu entreter a deusa, até as ninfas fugirem. Percebendo isto, Juno a condenou com estas palavras: — Só conservarás o uso dessa língua com que me iludiste para uma coisa de que gostas tanto: responder. Continuarás a dizer a última palavra, mas não poderás falar em primeiro lugar. A ninfa viu Narciso, um belo jovem, que perseguia a caça na montanha. Apaixonou-se por ele e seguiu-lhe os passos. Quanto desejava dirigir-lhe a palavra, dizer- lhe frases gentis e conquistar-lhe o afeto! Isso estava fora de seu poder, contudo. Esperou, com impaciência, que ele falasse primeiro, a fim de que pudesse responder. Certo dia, o jovem, tendo se separado dos companheiros, gritou bem alto: — Há alguém aqui? — Aqui — respondeu Eco. Narciso olhou em torno e, não vendo ninguém, gritou: — Vem! — Vem! — respondeu Eco. — Por que foges de mim? — perguntou Narciso. Eco respondeu com a mesma pergunta. — Vamos nos juntar — disse o jovem. A donzela repetiu, com todo o ardor, as mesmas palavras e correu para junto de Narciso, pronta a se lançar em seus braços. — Afasta-te! — exclamou o jovem recuando. — Prefiro morrer a te deixar possuir- me. — Possuir-me — disse Eco. Mas tudo foi em vão. Narciso fugiu e ela foi esconder sua vergonha no recesso dos bosques. Daquele dia em diante, passou a viver nas cavernas e entre os rochedos das montanhas. De pesar, seu corpo definhou, até que as carnes desapareceram inteiramente. 169 Os ossos transformaram-se em rochedos e nada mais dela restou além da voz. E, assim, ela ainda continua disposta a responder a quem quer que a chame e conserva o velho hábito de dizer a última palavra. A crueldade de Narciso nesse caso não constituiu uma exceção. Ele desprezou todas as ninfas, como havia desprezado a pobre Eco. Certo dia, uma donzela que tentara em vão atraí-lo implorou aos deuses que ele viesse algum dia a saber o que é o amor e não ser correspondido. A deusa da vingança ouviu a prece e atendeu-a. Havia uma fonte clara, cuja água parecia de prata, à qual os pastores jamais levavam rebanhos, nem as cabras monteses freqüentavam, nem qualquer um dos animais da floresta. Também não era a água enfeada por folhas ou galhos caídos das árvores; a relva crescia viçosa em torno dela, e os rochedos a abrigavam do sol. Ali chegou um dia Narciso, fatigado da caça, e sentindo muito calor e muita sede. Debruçou-se para desalterar-se, viu a própria imagem refletida na fonte e pensou que fosse algum belo espírito das águas que ali vivesse. Ficou olhando com admiração para os olhos brilhantes, para os cabelos anelados como os de Baco ou de Apolo, o rosto oval, o pescoço de marfim, os lábios entreabertos e o aspecto saudável e animado do conjunto. Apaixonou-se por si mesmo. Baixou os lábios, para dar um beijo e mergulhou os braços na água para abraçar a bela imagem. Esta fugiu com o contato, mas voltou um momento depois, renovando a fascinação. Narciso não pôde mais conter-se. Esqueceu-se de todo da ideia de alimento ou repouso, enquanto se debruçava sobre a fonte, para contemplar a própria imagem. — Por que me desprezas, belo ser? — perguntou ao suposto espírito — Meu rosto não pode causar-te repugnância. As ninfas me amam e tu mesmo não pareces olhar-me com indiferença. Quando estendendo os braços, fazes o mesmo, e sorris quando te sorrio, e respondes com acenos aos meus acenos. Suas lágrimas caíram na água, turbando a imagem. E, ao vê-la partir, Narciso exclamou: — Fica, peço-te! Deixa-me, pelo menos, olhar-te, já que não posso tocar-te. Com estas palavras, e muitas outras semelhantes, atiçava a chama que o consumia, e, assim, pouco a pouco, foi perdendo as cores, o vigor e a beleza, que antes tanto encantara a ninfa Eco. Esta se mantinha perto dele, contudo, e, quando Narciso gritava: "Ai, ai", ela respondia com as mesmas palavras. O jovem, depauperado, morreu. E, quando sua sombra atravessou o rio Estige, debruçou-se sobre o barco, para avistar-se na água. As ninfas o choraram, especialmente as ninfas da água. E, quando esmurravam o peito, Eco fazia o mesmo. Prepararam uma pira funerária, e teriam cremado o corpo, se o 170 tivessem encontrado; em seu lugar, porém, só foi achada uma flor, roxa, rodeada de folhas brancas, que tem o nome e conserva a memória de Narciso. Fonte: BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia – Histórias de Deuses e Heróis. Ed. Ediouro. Rio de Janeiro, 2001. Pags. 123-125. 171 ANEXO C - Texto O espelho, de Machado de Assis O espelho Esboço de uma nova teoria da alma humana Quatro ou cinco cavalheiros debatiam, uma noite, várias questões de alta transcendência, sem que a disparidade dos votos trouxesse a menor alteração aos espíritos. A casa ficava no morro de Santa Teresa, a sala era pequena, alumiada a velas, cuja luz fundia-se misteriosamente com o luar que vinha de fora. Entre a cidade, com as suas agitações e aventuras, e o céu, em que as estrelas pestanejavam, através de uma atmosfera límpida e sossegada, estavam os nossos quatro ou cinco investigadores de coisas metafísicas, resolvendo amigavelmente os mais árduos problemas do universo. Por que quatro ou cinco? Rigorosamente eram quatro os que falavam; mas, além deles, havia na sala um quinto personagem, calado, pensando, cochilando, cuja espórtula no debate não passava de um ou outro resmungo de aprovação. Esse homem tinha a mesma idade dos companheiros, entre quarenta e cinquenta anos, era provinciano, capitalista, inteligente, não sem instrução, e, ao que parece, astuto e cáustico. Não discutia nunca; e defendia-se da abstenção com um paradoxo, dizendo que a discussão é a forma polida do instinto batalhador, que jaz no homem, como uma herança bestial; e acrescentava que os serafins e os querubins não controvertiam nada, e, aliás, eram a perfeição espiritual e eterna. Como desse esta mesma resposta naquela noite, contestou-lha um dos presentes, e desafiou-o a demonstrar o que dizia, se era capaz. Jacobina (assim se chamava ele) refletiu um instante, e respondeu: - Pensando bem, talvez o senhor tenha razão. Vai senão quando, no meio da noite, sucedeu que este casmurro usou da palavra, e não dois ou três minutos, mas trinta ou quarenta. A conversa, em seus meandros, veio a cair na natureza da alma, ponto que dividiu radicalmente os quatro amigos. Cada cabeça, cada sentença; não só o acordo, mas a mesma discussão tornou-se difícil, senão impossível, pela multiplicidade das questões que se deduziram do tronco principal e um pouco, talvez, pela inconsistência dos pareceres. Um dos argumentadores pediu ao Jacobina alguma opinião, - uma conjetura, ao menos. - Nem conjetura, nem opinião, redarguiu ele; uma ou outra pode dar lugar a dissentimento, e, como sabem, eu não discuto. Mas, se querem ouvir-me calados, posso 172 contar-lhes um caso de minha vida, em que ressalta a mais clara demonstração acerca da matéria de que se trata. Em primeiro lugar, não há uma só alma, há duas... - Duas? - Nada menos de duas almas. Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para entro... Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; - e assim também a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira. Shylock, por exemplo. A alma exterior daquele judeu eram os seus ducados; perdê-los equivalia a morrer. "Nunca mais verei o meu ouro, diz ele a Tubal; é um punhal que me enterras no coração." Vejam bem esta frase; a perda dos ducados, alma exterior, era a morte para ele. Agora, é preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma... - Não? - Não, senhor; muda de natureza e de estado. Não aludo a certas almas absorventes, como a pátria, com a qual disse o Camões que morria, e o poder, que foi a alma exterior de César e de Cromwell. São almas enérgicas e exclusivas; mas há outras, embora enérgicas, de natureza mudável. Há cavalheiros, por exemplo, cuja alma exterior, nos primeiros anos, foi um chocalho ou um cavalinho de pau, e mais tarde uma provedoria de irmandade, suponhamos. Pela minha parte, conheço uma senhora, - na verdade, gentilíssima, - que muda de alma exterior cinco, seis vezes por ano. Durante a estação lírica é a ópera; cessando a estação, a alma exterior substitui-se por outra: um concerto, um baile do Cassino, a rua do Ouvidor, Petrópolis... - Perdão; essa senhora quem é? - Essa senhora é parenta do diabo, e tem o mesmo nome; chama-se Legião... E assim outros mais casos. Eu mesmo tenho experimentado dessas trocas. Não as relato, porque iria longe; restrinjo-me ao episódio de que lhes falei. Um episódio dos meus vinte e cinco anos... 173 Os quatro companheiros, ansiosos de ouvir o caso prometido, esqueceram a controvérsia. Santa curiosidade! Tu não és só a alma da civilização, és também o pomo da concórdia, fruta divina, de outro sabor que não aquele pomo da mitologia. A sala, até há pouco ruidosa de física e metafísica, é agora um mar morto; todos os olhos estão no Jacobina, que conserta a ponta do charuto, recolhendo as memórias. Eis aqui como ele começou a narração: - Tinha vinte e cinco anos, era pobre, e acabava de ser nomeado alferes da Guarda Nacional. Não imaginam o acontecimento que isto foi em nossa casa. Minha mãe ficou tão orgulhosa! tão contente! Chamava-me o seu alferes. Primos e tios, foi tudo uma alegria sincera e pura. Na vila, note-se bem, houve alguns despeitados; choro e ranger de dentes, como na Escritura; e o motivo não foi outro senão que o posto tinha muitos candidatos e que esses perderam. Suponho também que uma parte do desgosto foi inteiramente gratuita: nasceu da simples distinção. Lembra-me de alguns rapazes, que se davam comigo, e passaram a olhar-me de revés, durante algum tempo. Em compensação, tive muitas pessoas que ficaram satisfeitas com a nomeação; e a prova é que todo o fardamento me foi dado por amigos... Vai então uma das minhas tias, D. Marcolina, viúva do Capitão Peçanha, que morava a muitas léguas da vila, num sítio escuso e solitário, desejou ver-me, e pediu que fosse ter com ela e levasse a farda. Fui, acompanhado de um pajem, que daí a dias tornou à vila, porque a tia Marcolina, apenas me pilhou no sítio, escreveu a minha mãe dizendo que não me soltava antes de um mês, pelo menos. E abraçava-me! Chamava-me também o seu alferes. Achava-me um rapagão bonito. Como era um tanto patusca, chegou a confessar que tinha inveja da moça que houvesse de ser minha mulher. Jurava que em toda a província não havia outro que me pusesse o pé adiante. E sempre alferes; era alferes para cá, alferes para lá, alferes a toda a hora. Eu pedia-lhe que me chamasse Joãozinho, como dantes; e ela abanava a cabeça, bradando que não, que era o "senhor alferes". Um cunhado dela, irmão do finado Peçanha, que ali morava, não me chamava de outra maneira. Era o "senhor alferes", não por gracejo, mas a sério, e à vista dos escravos, que naturalmente foram pelo mesmo caminho. Na mesa tinha eu o melhor lugar, e era o primeiro servido. Não imaginam. Se lhes disser que o entusiasmo da tia Marcolina chegou ao ponto de mandar pôr no meu quarto um grande espelho, obra rica e magnífica, que destoava do resto da casa, cuja mobília era modesta e simples... Era um espelho que lhe dera a madrinha, e que esta herdara da mãe, que o comprara a uma das fidalgas vindas em 1808 com a corte de D. João VI. Não sei o que havia nisso de verdade; era a tradição. O espelho estava 174 naturalmente muito velho; mas via-se-lhe ainda o ouro, comido em parte pelo tempo, uns delfins esculpidos nos ângulos superiores da moldura, uns enfeites de madrepérola e outros caprichos do artista. Tudo velho, mas bom... - Espelho grande? - Grande. E foi, como digo, uma enorme fineza, porque o espelho estava na sala; era a melhor peça da casa. Mas não houve forças que a demovessem do propósito; respondia que não fazia falta, que era só por algumas semanas, e finalmente que o "senhor alferes" merecia muito mais. O certo é que todas essas coisas, carinhos, atenções, obséquios, fizeram em mim uma transformação, que o natural sentimento da mocidade ajudou e completou. Imaginam, creio eu? - Não. - O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram- se; mas não tardou que a primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de humanidade. Aconteceu então que a alma exterior, que era dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, mudou de natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo o que me falava do posto, nada do que me falava do homem. A única parte do cidadão que ficou comigo foi aquela que entendia com o exercício da patente; a outra dispersou-se no ar e no passado. Custa-lhes acreditar, não? - Custa-me até entender, respondeu um dos ouvintes. - Vai entender. Os fatos explicarão melhor os sentimentos: os fatos são tudo. A melhor definição do amor não vale um beijo de moça namorada; e, se bem me lembro, um filósofo antigo demonstrou o movimento andando. Vamos aos fatos. Vamos ver como, ao tempo em que a consciência do homem se obliterava, a do alferes tornava-se viva e intensa. As dores humanas, as alegrias humanas, se eram só isso, mal obtinham de mim uma compaixão apática ou um sorriso de favor. No fim de três semanas, era outro, totalmente outro. Era exclusivamente alferes. Ora, um dia recebeu a tia Marcolina uma notícia grave; uma de suas filhas, casada com um lavrador residente dali a cinco léguas, estava mal e à morte. Adeus, sobrinho! Adeus, alferes! Era mãe extremosa, armou logo uma viagem, pediu ao cunhado que fosse com ela, e a mim que tomasse conta do sítio. Creio que, se não fosse a aflição, disporia o contrário; deixaria o cunhado e iria comigo. Mas o certo é que fiquei só, com os poucos escravos da casa. Confesso-lhes que desde logo senti uma grande opressão, alguma coisa semelhante ao efeito de quatro paredes de um cárcere, subitamente levantadas em torno de mim. Era a alma exterior que se reduzia; estava agora limitada a alguns espíritos boçais. O alferes continuava a dominar em mim, 175 embora a vida fosse menos intensa, e a consciência mais débil. Os escravos punham uma nota de humildade nas suas cortesias, que de certa maneira compensava a afeição dos parentes e a intimidade doméstica interrompida. Notei mesmo, naquela noite, que eles redobravam de respeito, de alegria, de protestos. Nhô alferes, de minuto a minuto; nhô alferes é muito bonito; nhô alferes há de ser coronel; nhô alferes há de casar com moça bonita, filha de general; um concerto de louvores e profecias, que me deixou extático. Ah ! pérfidos! mal podia eu suspeitar a intenção secreta dos malvados. - Matá-lo? - Antes assim fosse. - Coisa pior? - Ouçam-me. Na manhã seguinte achei-me só. Os velhacos, seduzidos por outros, ou de movimento próprio, tinham resolvido fugir durante a noite; e assim fizeram. Achei- me só, sem mais ninguém, entre quatro paredes, diante do terreiro deserto e da roça abandonada. Nenhum fôlego humano. Corri a casa toda, a senzala, tudo; ninguém, um molequinho que fosse. Galos e galinhas tão-somente, um par de mulas, que filosofavam a vida, sacudindo as moscas, e três bois. Os mesmos cães foram levados pelos escravos. Nenhum ente humano. Parece-lhes que isto era melhor do que ter morrido? Era pior. Não por medo; juro-lhes que não tinha medo; era um pouco atrevidinho, tanto que não senti nada, durante as primeiras horas. Fiquei triste por causa do dano causado à tia Marcolina; fiquei também um pouco perplexo, não sabendo se devia ir ter com ela, para lhe dar a triste notícia, ou ficar tomando conta da casa. Adotei o segundo alvitre, para não desamparar a casa, e porque, se a minha prima enferma estava mal, eu ia somente aumentar a dor da mãe, sem remédio nenhum; finalmente, esperei que o irmão do tio Peçanha voltasse naquele dia ou no outro, visto que tinha saído havia já trinta e seis horas. Mas a manhã passou sem vestígio dele; à tarde comecei a sentir a sensação como de pessoa que houvesse perdido toda a ação nervosa, e não tivesse consciência da ação muscular. O irmão do tio Peçanha não voltou nesse dia, nem no outro, nem em toda aquela semana. Minha solidão tomou proporções enormes. Nunca os dias foram mais compridos, nunca o sol abrasou a terra com uma obstinação mais cansativa. As horas batiam de século a século no velho relógio da sala, cuja pêndula tic-tac, tic-tac, feria-me a alma interior, como um piparote contínuo da eternidade. Quando, muitos anos depois, li uma poesia americana, creio que de Longfellow, e topei este famoso estribilho: Never, for ever! - For ever, never! confesso- lhes que tive um calafrio: recordei-me daqueles dias medonhos. Era justamente assim que 176 fazia o relógio da tia Marcolina: -Never, for ever!- For ever, never! Não eram golpes de pêndula, era um diálogo do abismo, um cochicho do nada. E então de noite! Não que a noite fosse mais silenciosa. O silêncio era o mesmo que de dia. Mas a noite era a sombra, era a solidão ainda mais estreita, ou mais larga. Tic-tac, tic-tac. Ninguém, nas salas, na varanda, nos corredores, no terreiro, ninguém em parte nenhuma... Riem-se? - Sim, parece que tinha um pouco de medo. - Oh! Fora bom se eu pudesse ter medo! Viveria. Mas o característico daquela situação é que eu nem sequer podia ter medo, isto é, o medo vulgarmente entendido. Tinha uma sensação inexplicável. Era como um defunto andando, um sonâmbulo, um boneco mecânico. Dormindo, era outra coisa. O sono dava-me alívio, não pela razão comum de ser irmão da morte, mas por outra. Acho que posso explicar assim esse fenômeno: - o sono, eliminando a necessidade de uma alma exterior, deixava atuar a alma interior. Nos sonhos, fardava-me orgulhosamente, no meio da família e dos amigos, que me elogiavam o garbo, que me chamavam alferes; vinha um amigo de nossa casa, e prometia-me o posto de tenente, outro o de capitão ou major; e tudo isso fazia-me viver. Mas quando acordava, dia claro, esvaía-se com o sono a consciência do meu ser novo e único - porque a alma interior perdia a ação exclusiva, e ficava dependente da outra, que teimava em não tornar... Não tornava. Eu saía fora, a um lado e outro, a ver se descobria algum sinal de regresso. Soeur Anne, soeur Anne, ne vois-tu rien venir? Nada, coisa nenhuma; tal qual como na lenda francesa. Nada mais do que a poeira da estrada e o capinzal dos morros. Voltava para casa, nervoso, desesperado, estirava-me no canapé da sala. Tic-tac, tic-tac. Levantava-me, passeava, tamborilava nos vidros das janelas, assobiava. Em certa ocasião lembrei-me de escrever alguma coisa, um artigo político, um romance, uma ode; não escolhi nada definitivamente; sentei-me e tracei no papel algumas palavras e frases soltas, para intercalar no estilo. Mas o estilo, como tia Marcolina, deixava-se estar. Soeur Anne, soeur Anne... Coisa nenhuma. Quando muito via negrejar a tinta e alvejar o papel. - Mas não comia? - Comia mal, frutas, farinha, conservas, algumas raízes tostadas ao fogo, mas suportaria tudo alegremente, se não fora a terrível situação moral em que me achava. Recitava versos, discursos, trechos latinos, liras de Gonzaga, oitavas de Camões, décimas, uma antologia em trinta volumes. Às vezes fazia ginástica; outra dava beliscões nas pernas; mas o efeito era só uma sensação física de dor ou de cansaço, e mais nada. Tudo silêncio, um silêncio vasto, enorme, infinito, apenas sublinhado pelo eterno tic-tac da pêndula. Tic- tac, tic-tac... 177 - Na verdade, era de enlouquecer. - Vão ouvir coisa pior. Convém dizer-lhes que, desde que ficara só, não olhara uma só vez para o espelho. Não era abstenção deliberada, não tinha motivo; era um impulso inconsciente, um receio de achar-me um e dois, ao mesmo tempo, naquela casa solitária; e se tal explicação é verdadeira, nada prova melhor a contradição humana, porque no fim de oito dias deu-me na veneta de olhar para o espelho com o fim justamente de achar-me dois. Olhei e recuei. O próprio vidro parecia conjurado com o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra. A realidade das leis físicas não permite negar que o espelho reproduziu-me textualmente, com os mesmos contornos e feições; assim devia ter sido. Mas tal não foi a minha sensação. Então tive medo; atribuí o fenômeno à excitação nervosa em que andava; receei ficar mais tempo, e enlouquecer. - Vou-me embora, disse comigo. E levantei o braço com gesto de mau humor, e ao mesmo tempo de decisão, olhando para o vidro; o gesto lá estava, mas disperso, esgaçado, mutilado... Entrei a vestir-me, murmurando comigo, tossindo sem tosse, sacudindo a roupa com estrépito, afligindo-me a frio com os botões, para dizer alguma coisa. De quando em quando, olhava furtivamente para o espelho; a imagem era a mesma difusão de linhas, a mesma decomposição de contornos... Continuei a vestir-me. Subitamente por uma inspiração inexplicável, por um impulso sem cálculo, lembrou-me... Se forem capazes de adivinhar qual foi a minha ideia... - Diga. - Estava a olhar para o vidro, com uma persistência de desesperado, contemplando as próprias feições derramadas e inacabadas, uma nuvem de linhas soltas, informes, quando tive o pensamento... Não, não são capazes de adivinhar. - Mas, diga, diga. - Lembrou-me vestir a farda de alferes. Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como estava defronte do espelho, levantei os olhos, e... não lhes digo nada; o vidro reproduziu então a figura integral; nenhuma linha de menos, nenhum contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava, enfim, a alma exterior. Essa alma ausente com a dona do sítio, dispersa e fugida com os escravos, ei-la recolhida no espelho. Imaginai um homem que, pouco a pouco, emerge de um letargo, abre os olhos sem ver, depois começa a ver, distingue as pessoas dos objetos, mas não conhece individualmente uns nem outros; enfim, sabe que este é Fulano, aquele é Sicrano; aqui está uma cadeira, ali um sofá. Tudo volta ao que era antes do sono. Assim foi comigo. Olhava para o espelho, ia de um lado para outro, 178 recuava, gesticulava, sorria e o vidro exprimia tudo. Não era mais um autômato, era um ente animado. Daí em diante, fui outro. Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e sentava-me diante do espelho, lendo olhando, meditando; no fim de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este regime pude atravessar mais seis dias de solidão sem os sentir... Quando os outros voltaram a si, o narrador tinha descido as escadas. Fonte: ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar 1994. v. II. 179 ANEXO D - Texto Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles ANTES DO BAILE VERDE Lygia Fagundes Telles O rancho azul e branco desfilava com seus passistas vestidos à Luís XV e sua porta- estandarte de peruca prateada em forma de pirâmide, os cachos desabados na testa, a cauda do vestido de cetim arrastando-se enxovalhada pelo asfalto. O negro do bumbo fez uma profunda reverência diante das duas mulheres debruçadas na janela e prosseguiu com seu chapéu de três bicos, fazendo rodar a capa encharcada de suor. – Ele gostou de você – disse a jovem, voltando-se para a mulher que ainda aplaudia. – O cumprimento foi na sua direção, viu que chique? A preta deu uma risadinha. – Meu homem é mil vezes mais bonito, pelo menos na minha opinião. E já deve estar chegando, ficou de me pegar às dez na esquina. Se me atraso, ele começa a encher a caveira e pronto, não sai mais nada. A jovem tomou-a pelo braço e arrastou-a até a mesa de cabeceira. O quarto estava revolvido como se um ladrão tivesse passado por ali e despejado caixas e gavetas. – Estou atrasadíssima, Lu! Essa fantasia é fogo... Tenha paciência, mas você vai me ajudar um pouquinho. – Mas você ainda não acabou? Sentando-se na cama, a jovem abriu sobre os joelhos o saiote verde. Usava biquíni e meias rendadas também verdes. – Acabei o quê! Falta pregar tudo isso ainda, olha aí... Fui inventar um raio de pierrete dificílima! A preta aproximou-se, alisando com as mãos o quimono de seda brilhante. Espetado na carapinha trazia um crisântemo de papel crepom vermelho. Sentou-se ao lado da moça. – O Raimundo já deve estar chegando, ele fica uma onça se me atraso. A gente vai ver os ranchos, hoje quero ver todos. – Tem tempo, sossega – atalhou a jovem. Afastou os cabelos que lhe caíam nos olhos. Levantou o abajur que tombou na mesinha. – Não sei como fui me atrasar desse jeito. – Mas não posso perder o desfile, viu, Tatisa? Tudo, menos perder o desfile! – E quem está dizendo que você vai perder? A mulher enfiou o dedo no pote de cola e baixou-o de leve nas lantejoulas do pires. Em seguida, levou o dedo até o saiote e ali deixou as lantejoulas formando uma constelação desordenada. Colheu uma lantejoula que escapara e delicadamente tocou com ela na cola. Depositou-a no saiote, fixando-a com pequenos movimentos circulares. – Mas se tiver que pregar as lantejoulas em todo o saiote... – Já começou a queixação? Achei que dava tempo e agora não posso largar a coisa pela metade, vê se entende! Você ajudando vai num instante, já me pintei, olha aí, que tal minha cara? Você nem disse nada, sua bruxa! Hein?... Que tal? – Ficou bonito, Tatisa. Com o cabelo assim verde, você está parecendo uma alcachofra, tão gozado. Não gosto é desse verde na unha, fica esquisito. Num movimento brusco, a jovem levantou a cabeça para respirar melhor. Passou o dorso da mão na face afogueada. – Mas as unhas é que dão a nota, sua tonta. É um baile verde, as fantasias têm que ser verdes, tudo verde. Mas não precisa ficar me olhando, vamos, não pare, pode falar, mas 180 vá trabalhando. Falta mais da metade, Lu! – Estou sem óculos, não enxergo direito sem os óculos. – Não faz mal – disse a jovem, limpando no lençol o excesso de cola que lhe escorreu pelo dedo. – Vá grudando de qualquer jeito que lá dentro ninguém vai reparar, vai ter gente à beça. O que está me endoidando é este calor, não aguento mais, tenho a impressão de que estou me derretendo, você não sente? Calor bárbaro! A mulher tentou prender o crisântemo que resvalara para o pescoço. Franziu a testa e baixou o tom de voz. – Estive lá. – E daí? – Ele está morrendo. Um carro passou na rua, buzinando freneticamente. Alguns meninos puseram-se a cantar aos gritos, o compasso marcado pelas batidas numa frigideira: A coroa do rei não é de ouro nem de prata... – Parece que estou num forno – gemeu a jovem, dilatando as narinas porejadas de suor. – Se soubesse, teria inventado uma fantasia mais leve. – Mais leve do que isso? Você está quase nua, Tatisa. Eu ia com a minha havaiana, mas só porque aparece um pedaço da coxa o Raimundo implica. Imagine você então... Com a ponta da unha, Tatisa colheu uma lantejoula que se enredara na renda da meia. Deixou-a cair na pequena constelação que ia armando na barra do saiote e ficou raspando pensativamente um pingo ressequido de cola que lhe caíra no joelho. Vagava o olhar pelos objetos, sem fixar-se em nenhum. Falou num tom sombrio: – Você acha, Lu? – Acha o quê? – Que ele está morrendo? – Ah, está sim. Conheço bem isso, já vi um monte de gente morrer, agora já sei como é. Ele não passa desta noite. – Mas você já se enganou uma vez, lembra? Disse que ele ia morrer, que estava nas últimas... E no dia seguinte ele já pedia leite, radiante. – Radiante? – espantou-se a empregada. Fechou num muxoxo os lábios pintados de vermelho violeta. E depois, eu não disse não senhora que ele ia morrer, eu disse que ele estava ruim, foi 13 o que eu disse. Mas hoje é diferente, Tatisa. Espiei da porta, nem precisei entrar para ver que ele está morrendo. – Mas quando fui lá ele estava dormindo tão calmo, Lu. – Aquilo não é sono. É outra coisa. Afastando bruscamente o saiote aberto nos joelhos, a jovem levantou-se. Foi até a mesa, pegou a garrafa de uísque e procurou um copo em meio da desordem dos frascos e caixas. Achou-o debaixo da esponja de arminho. Soprou o fundo cheio de pó de arroz e bebeu em largos goles, apertando os maxilares. Respirou de boca aberta. Dirigiu-se à preta. – Quer? – Tomei muita cerveja, se misturo dá ânsia. A jovem despejou mais uísque no copo. – Minha pintura não está derretendo? Veja se o verde dos olhos não borrou... Nunca transpirei tanto, sinto o sangue ferver. – Você está bebendo demais. E nessa correria... Também não sei por que essa 181 invenção de saiote bordado, as lantejoulas vão se desgrudar todas no aperto. E o pior é que não posso caprichar, com o pensamento no Raimundo lá na esquina… – Você é chata, não, Lu? Mil vezes fica repetindo a mesma coisa, taque-taque- taque-taque! Esse cara não pode esperar um pouco? A mulher não respondeu. Ouvia com expressão deliciada a música de um bloco que passava já longínquo. Cantarolou em falsete: Acabou chorando... acabou chorando... — No outro carnaval entrei num bloco de sujos e me diverti à grande. Meu sapato até desmanchou de tanto que dancei. — E eu na cama, podre de gripe, lembra? Neste quero me esbaldar. — E seu pai? Lentamente a jovem foi limpando no lenço as pontas dos dedos esbranquiçados de cola. Tomou um gole de uísque. Voltou a afundar o dedo no pote. — Você quer que eu fique aqui chorando, não é isso que você quer? Quer que eu cubra a cabeça com cinza e fique de joelhos rezando, não é isso que você está querendo? — Ficou olhando para a ponta do dedo coberto de lantejoulas. Foi deixando no saiote o dedal cintilante. — Que é que eu posso fazer? Não sou Deus, sou? Então? Se ele está pior, que culpa tenho eu? — Não estou dizendo que você é culpada, Tatisa. Não tenho nada com isso, ele é seu pai, não meu. Faça o que bem entender. — Mas você começa a dizer que ele está morrendo! — Pois está mesmo. — Está nada! Também espiei, ele está dormindo, ninguém morre dormindo daquele jeito. — Então não está. A jovem foi até a janela e ofereceu a face ao céu roxo. Na calçada, um bando de meninos brincava com bisnagas de plástico em formato de banana, esguichando água um na cara do outro. Interromperam a brincadeira para vaiar um homem que passou vestido de mulher, pisando para fora nos sapatos de saltos altíssimos. ―Minha lindura, vem comigo, minha lindura!‖, gritou o moleque maior, correndo atrás do homem. Ela assistia à cena com indiferença. Puxou com força as meias presas aos elásticos do biquíni. — Estou transpirando feito um cavalo. Juro que se não tivesse me pintado, me metia agora num chuveiro, besteira a gente se pintar antes. — E eu não aguento mais de sede — resmungou a empregada arregaçando as mangas do quimono. — Ai! uma cerveja bem geladinha. Gosto mesmo é de cerveja, mas o Raimundo prefere cachaça. No ano passado ele ficou de porre os três dias, fui sozinha no desfile. Tinha um carro que foi o mais bonito de todos, representava um mar. Você precisava ver aquele monte de sereias enroladas em pérolas. Tinha pescador, tinha pirata, tinha polvo, tinha tudo! Bem lá em cima, dentro de uma concha abrindo e fechando, a rainha do mar coberta de jóias… — Você já se enganou uma vez — atalhou a jovem. — Ele não pode estar morrendo, não pode. Também estive lá antes de você, ele estava dormindo tão sossegado. E hoje cedo até me reconheceu, ficou me olhando, me olhando e depois sorriu. Você está bem papai?, perguntei e ele não respondeu 182 mas vi que entendeu perfeitamente o que eu disse. — Ele se fez de forte, coitado. — De forte, como? — Sabe que você tem o seu baile, não quer atrapalhar. — Ih, como é difícil conversar com gente ignorante — explodiu a jovem, atirando no chão as roupas amontoadas na cama. Revistou os bolsos de uma calça comprida. — Você pegou meu cigarro? — Tenho minha marca, não preciso dos seus. — Escuta, Luzinha, escuta — começou ela, ajeitando a flor na carapinha da mulher. — Eu não estou inventando, tenho certeza de que ainda hoje cedo ele me reconheceu. Acho que nessa hora sentiu alguma dor porque uma lágrima foi escorrendo daquele lado paralisado. Nunca vi ele chorar daquele lado, nunca. Chorou só daquele lado, uma lágrima tão escura… — Ele estava se despedindo. — Lá vem você de novo, merda! Pare de bancar o corvo, até parece que você quer que seja hoje. Por que tem que repetir isso, por quê? — Você mesmo pergunta e não quer que eu responda. Não vou mentir, Tatisa. A jovem espiou debaixo da cama. Puxou um pé de sapato. Agachou-se mais, roçando os cabelos verdes no chão. Levantou-se, olhou em redor. E foi-se ajoelhando devagarinho diante da preta. Apanhou o pote de cola. — E se você desse um pulo lá só para ver? — Mas você quer ou não que eu acabe isto? — a mulher gemeu exasperada, abrindo e fechando os dedos ressequidos de cola. — O Raimundo tem ódio de esperar, hoje ainda apanho! A jovem levantou-se. Fungou, andando rápido num andar de bicho na jaula. Chutou o sapato que encontrou no caminho. — Aquele médico miserável. Tudo culpa daquela bicha. Eu bem disse que não podia ficar com ele aqui em casa, eu disse que não sei tratar de doente, não tenho jeito, não posso! Se você fosse boazinha, você me ajudava, mas você não passa de uma egoísta, uma chata que não quer saber de nada. Sua egoísta! — Mas, Tatisa, ele não é meu pai, não tenho nada com isso, até que ajudo muito sim senhora, como não? Todos esses meses quem é que tem aguentado o tranco? Não me queixo porque ele é muito bom, coitado. Mas tenha a santa paciência, hoje não! Já estou fazendo demais aqui plantada quando devia estar na rua. Com um gesto fatigado, a jovem abriu a porta do armário. Olhou-se no espelho. Beliscou a cintura. — Engordei, Lu. — Você, gorda? Mas você é só osso, menina. Seu namorado não tem onde pegar. Ou tem? Ela ensaiou com os quadris um movimento lascivo. Riu. Os olhos animaram-se: — Lu, Lu, pelo amor de Deus, acabe logo que à meia-noite ele vem me buscar. Mandou fazer um pierrô verde. — Também já me fantasiei de pierrô. Mas faz tempo. 183 — Vem num Tufão, viu que chique? — Que é isso? — É um carro muito bacana, vermelho. Mas não fique aí me olhando, depressa, Lu, você não vê que… — Passou ansiosamente a mão no pescoço. — Lu, Lu, por que ele não ficou no hospital?! Estava tão bem no hospital… — Hospital de graça é assim mesmo, Tatisa. Eles não podem ficar a vida inteira com um doente que não resolve, tem doente esperando até na calçada. — Há meses que venho pensando nesse baile. Ele viveu sessenta e seis anos. Não podia viver mais um dia? A preta sacudiu o saiote e examinou-o a uma certa distância. Abriu-o de novo no colo e inclinou-se para o pires de lantejoulas. — Falta só um pedaço. — Um dia mais… — Vem me ajudar, Tatisa, nós duas pregando vai num instante. Agora ambas trabalhavam num ritmo acelerado, as mãos indo e vindo do pote de cola ao pires e do pires ao saiote, curvo como uma asa verde pesada de lantejoulas. — Hoje o Raimundo me mata — recomeçou a mulher, grudando as lantejoulas meio ao acaso. Passou o dorso da mão na testa molhada. Ficou com a mão parada no ar. — Você não ouviu? A jovem demorou para responder. — O quê? — Parece que ouvi um gemido. Ela baixou o olhar. — Foi na rua. Inclinaram as cabeças irmanadas sob a luz amarela do abajur. — Escuta, Lu, se você pudesse ficar hoje, só hoje — começou ela num tom manso. Apressou-se: — Eu te daria meu vestido branco, aquele meu branco, sabe qual é? E também os sapatos, estão novos ainda, você sabe que eles estão novos. Você pode sair amanhã, você pode sair todos os dias, mas pelo amor de Deus, Lu, fica hoje! A empregada sorriu, triunfante. — Custou, Tatisa, custou. Desde o começo eu já estava esperando. Ah, mas hoje nem que me matasse eu ficava, hoje não. — O crisântemo caiu enquanto ela sacudia a cabeça. Prendeu-o com um grampo que abriu entre os dentes. — Perder esse desfile? Nunca! Já fiz muito — acrescentou sacudindo o saiote. — Pronto, pode vestir. Está um serviço porco mas ninguém vai reparar. — Eu podia te dar o casaco azul — murmurou a jovem, limpando os dedos no lençol. — Nem que fosse para ficar com meu pai eu ficava, ouviu isso, Tatisa? Nem com meu pai, hoje não. Levantando-se de um salto, a moça foi até a garrafa e bebeu de olhos fechados mais alguns goles. Vestiu o saiote. — Brrrr! Esse uísque é uma bomba — resmungou, aproximando-se do espelho. — Anda, venha aqui me abotoar, não precisa ficar aí com essa cara. Sua chata. A mulher tateou os dedos por entre o tule. 184 — Não acho os colchetes. A jovem ficou diante do espelho, as pernas abertas, a cabeça levantada. Olhou para a mulher através do espelho: — Morrendo coisa nenhuma, Lu. Você estava sem os óculos quando entrou no quarto, não estava? Então não viu direito, ele estava dormindo. — Pode ser que me enganasse mesmo. — Claro que se enganou! Ele estava dormindo. A mulher franziu a testa, enxugando na manga do quimono o suor do queixo. Repetiu como um eco: — Estava dormindo, sim. — Depressa, Lu, faz uma hora que está com esses colchetes! — Pronto — disse a outra, baixinho, enquanto recuava até a porta. — Não precisa mais de mim, não é? — Espera! — ordenou a moça perfumando-se rapidamente. Retocou os lábios, atirou o pincel ao lado do vidro destapado. — Já estou pronta, vamos descer juntas. — Tenho que ir, Tatisa! — Espera, já disse que estou pronta — repetiu, baixando a voz. — Só vou pegar a bolsa… — Você vai deixar a luz acesa? — Melhor, não? A casa fica mais alegre assim. No topo da escada ficaram mais juntas. Olharam na mesma direção: a porta estava fechada. Imóveis como se tivessem sido petrificadas na fuga, as duas mulheres ficaram ouvindo o relógio da sala. Foi a preta quem primeiro se moveu. A voz era um sopro: — Quer ir dar uma espiada, Tatisa? — Vá você, Lu… Trocaram um rápido olhar. Bagas de suor escorriam pelas têmporas verdes da jovem, um suor turvo como o sumo de uma casca de limão. O som prolongado de uma buzina foi-se fragmentando lá fora. Subiu poderoso o som do relógio. Brandamente a empregada desprendeu-se da mão da jovem. Foi descendo a escada na ponta dos pés. Abriu a porta da rua. — Lu! Lu! — a jovem chamou num sobressalto. Continha-se para não gritar. — Espera aí, já vou indo! E apoiando-se ao corrimão, colada a ele, desceu precipitadamente. Quando bateu a porta atrás de si, rolaram pela escada algumas lantejoulas verdes na mesma direção, como se quisessem alcançá-la. Fonte: TELLES, Lygia Fagundes. Venha ver o pôr do sol e outros contos. São Paulo: Ática, 1999.