0 UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM DIREITO DENISE FÁTIMA KEMPF PROTEÇÃO DA VIDA HUMANA EMBRIONÁRIA E REPERCUSSÃO NO CAMPO JURÍDICO E AMBIENTAL CAXIAS DO SUL 2011 1 UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM DIREITO DENISE FÁTIMA KEMPF PROTEÇÃO DA VIDA HUMANA EMBRIONÁRIA E REPERCUSSÃO NO CAMPO JURÍDICO E AMBIENTAL Dissertação de Mestrado pela Universidade de Caxias do Sul, na Área de Concentração: Direito Ambiental, Linha de Pesquisa: Direito Ambiental e Novos Direitos. Orientadora: Profª. Dra. Maria Cláudia Crespo Brauner. CAXIAS DO SUL 2011 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Universidade de Caxias do Sul UCS - BICE - Processamento Técnico K32p Kempf, Denise Fátima Proteção da vida humana embrionária e repercussão no campo jurídico e ambiental / Denise Fátima Kempf. 2011. 191 f. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Caxias do Sul, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2011. “Orientação: Profª. Drª. Maria Cláudia Crespo Brauner ” 1. Biodireito. 2. Bioética. 3. Células-tronco - Pesquisas. 4. Genética humana. 5. Biossegurança. 6. Direito ambiental. I. Título. CDU : 340:608.1 Índice para catálogo sistemático: 1. Biodireito 340:608.1 2. Bioética 608.1 3. Células-tronco - Pesquisas 602.9 4. Genética humana 575.111 5. Biossegurança 608.3 6. Direito ambiental 349.6 Catalogação na fonte elaborada pela bibliotecária Kátia Stefani – CRB 10/1683 3 DEDICATÓRIA Para o Rui companheiro de todas as horas. Para as minhas filhas Michele, Caroline, Sabrina amores da minha vida pelo incentivo constante e os também filhos Otávio e Eduardo pela compreensão das ausências Para minha avó Maria (in memoriam) pelo exemplo de força e luta. Para minha mãe Zilda presença permanente na minha vida. 4 AGRADECIMENTOS A Deus pela vida. A minha querida orientadora professora Maria Cláudia Crespo Brauner pela dedicação, conhecimento e incentivo em todas as horas. A Universidade de Caxias do Sul por já fazer parte da minha vida. Ao Curso de Mestrado por mais esta formação. 5 RESUMO O avanço da ciência, em especial na área da reprodução humana, permitiu a ocorrência de concepção humana de forma extracorpórea através do processo de fecundação in vitro a ser feita em laboratório especializado em reprodução humana assistida. Os embriões não implantados em útero materno são criopreservados. Este trabalho busca trazer os questionamentos da bioética, do biodireito, a cerca deste tema e das questões nele envolvidas. Também examina o enquadramento destes embriões sob a ótica da proteção Constitucional do patrimônio genético, da inviolabilidade da vida e da dignidade da pessoa humana. Trata também do Meio Ambiente quando aborda a Constituição Federal Brasileira de 1988, que em seu artigo 225 § 1º, inciso I, legisla sobre a preservação e restauração dos processos ecológicos e, no inciso II, determina que “incumbe ao poder público preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País ficando demonstrado que tratar de embriões é tratar de patrimônio genético e de Meio Ambiente.Trata ainda da Nova Lei de Biossegurança/2005, a qual veio permitir pesquisas com células- tronco de embriões criopreservados, bem como a regulamentação desta Lei, tratando ainda sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 3.510-0 que fora proposta junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a constitucionalidade da permissão legal destas pesquisas. Dessa forma, é feita uma análise sobre a legislação existente com vistas a obter uma visão sobre eventuais direitos e proteção dos embriões criopreservados. Palavras-chave: Fecundação in vitro, Embrião criopreservado, Meio ambiente, Patrimônio genético, Bioética, célula-tronco embrionária. 6 ABSTRACT The advancement of science, particularly in the area of human reproduction, allowed the occurrence of human conception in a bypass through the process of in vitro fertilization to be made in a laboratory specializing in assisted human reproduction. The embryos not implanted in the uterus are cryopreserved. This work seeks to bring the questions of bioethics, the biolaw, about this issue and the issues involved. It also examines the framework of these embryos from the perspective of Constitutional protection of genetic heritage, the sanctity of life and human dignity. It also deals with the Environment when addresses the Brazilian Constitution of 1988, which in article 225 § 1, section I, legislation on the preservation and restoration of ecological processes and, in section II, provides that "it is for the government to preserve the diversity and integrity of the genetic heritage being shown that treating embryos is to address genetic heritage and also the Middle Ambiente.Trata Biossegurança/2005 New Law, which has allowed research on stem cells from cryopreserved embryos, as well as regulation this Act, still dealing with on the direct action of unconstitutionality (ADIN) 3510-0 which was proposed to the Supreme Court (STF), questioning the constitutionality of the legal permission of this research. Thus, an analysis is made on the existing legislation in order to get an insight into possible rights and protection of cryopreserved embryos. Keywords: In vitro fertilization, embryo cryopreserved, environment, genetic heritage, bioethics, embryonic stem cell. 7 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADIN - Ação Direta de Inconstitucionalidade ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária art. - Artigo BCTG - Bancos de células e tecidos germinativos BRCA1- brest câncer 1- gene que pertence a classe de supressores de tumor que regula o ciclo celular. CB - Constituição Brasileira CC - Código Civil CCB - Código Civil Brasileiro CDH - Centro de Direitos Humanos CEP - Comitê de Ética em Pesquisa CF - Constituição Federal CFM - Conselho Federal da Medicina CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CO2 - Gás carbônico col(s). - Colaborador coord(s). - Coordenador CTNBio - Comissão Técnica Nacional de Biossegurança DF - Distrito Federal DGPI - Diagnóstico Genético de Pré-Implantação DJU - Diário da Justiça da União DNA - Ácido Desoxirribonucléico que contém o código genético DOU - Diário Oficial da União ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente ed. - Editora FIV - Fertilização In Vitro FIVET - Técnica de Transferência de Embriões fl. - Folha fls. - Folhas IBDFAM - Portal do Instituto Brasileiro de Direito de Família ICSI - Intracytoplasmic Sperm Injection- Injeção Intracitoplasmática do Espermatozóide no óvulo. MOVITAE - Movimento em Prol da Vida n°. - Número NR - Norma Regulamentadora OGM - Organismos Geneticamente Modificados org(s.) - Organizadores p.- Página RDC - Resolução da Diretoria Colegiada RS - Rio Grande do Sul RT - Revista dos Tribunais SC - Santa Catarina STF - Supremo Tribunal Federal STZG - Stammzellgesetz TJ/RS - Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul v. - Volume 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO......................................................................................... 9 2 CAPÍTULO 1- BIOÉTICA E ECOLOGIA FACE À PRODUÇÃO DE EMBRIÕES HUMANOS IN VITRO ......................................................... 13 2.1 BREVES ANOTAÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO DA ENGENHARIA GENÉTICA............................................................................................... 14 2.2 A FERTILIZAÇÃO IN VITRO E A CRIOPRESERVAÇÃO DE EMBRIÕES HUMANOS........................................................................... 19 2.3 REFLEXÕES DA BIOÉTICA EM TORNO DA VIDA HUMANA EMBRIONÁRIA........................................................................................ 23 2.4 PREOCUPAÇÕES ECOLÓGICAS E PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO HUMANO..................................................... 36 3 CAPÍTULO 2 - IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DIANTE DA PESQUISA CIENTÍFICA COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS................... 43 3.1 CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E DESCOMPASSO LEGAL...... 43 3.2 LEI DE BIOSSEGURANÇA E SUA REGULAMENTAÇÃO..................... 53 3.3 ARTIGO 5º DA LEI 11.105/05 E SUA CONSTITUCIONALIDADE.......... 63 3.4 POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E CIVIS AOS EMBRIÕES NÃO ABRANGIDOS PELA LEI 11.105/05................................................................................ 70 4 CAPÍTULO 3 - EMBRIÃO CRIOPRESERVADO E PERSPECTIVAS DE SUA PROTEÇÃO JURÍDICA ........................................................... 76 4.1 CÓDIGO CIVIL/1916 E A GARANTIA DE DIREITOS AOS SERES HUMANOS JÁ CONCEBIDOS................................................... 76 4.2 LEI 10.406/02 - FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E AUSÊNCIA DE DIFERENCIAÇÃO ENTRE CONCEPÇÃO CORPÓREA E EXTRACORPÓREA ...................................................... 83 4.3 INTERPRETAÇÕES E CONTROVÉRSIAS NA DOUTRINA JURÍDICA 93 4.4 ESTABELECIMENTO DE UM ESTATUTO PRÓPRIO À CATEGORIA DOS EMBRIÕES CRIOPRESERVADOS?.............................................. 98 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 106 REFERENCIAS............................................................................................... 111 ANEXOS.......................................................................................................... 120 9 1 INTRODUÇÃO A história do mundo e das civilizações tem mostrado que ao longo do tempo o homem vem caminhando em busca de conhecimento, de respostas e de progresso em todas as áreas. Toda essa caminhada trouxe, sem dúvida, respostas positivas desse progresso alçado, dando, a uma boa parcela da humanidade que a ela tem acesso, mais conforto, maior expectativa de vida, entre tantas outras coisas. Aliado ao progresso, também surgiram resultados negativos para a humanidade e para o planeta. Com o desenvolvimento na área industrial e, por consequência, a de mercado, com a criação de novas necessidades trazidas pelas evoluções tecnológicas, o homem passou a desrespeitar o meio ambiente e os recursos naturais de maneira abusiva. O meio ambiente foi sendo explorado, abusado e deteriorado de tal forma a ponto de colocar em risco a vida dos seres vivos e do próprio planeta. O mais difícil nesta luta desigual entre o capital, o meio ambiente e a vida é impor limites e atingir uma conscientização dos seres humanos. O capital, hoje, se sobrepõe aos interesses ambientais e de sobrevivência humana, pondo em risco a proteção da biodiversidade. Fala-se no mundo inteiro sobre o meio ambiente e sua proteção, mas meio ambiente não engloba somente as águas, o ar, florestas, recursos naturais ou animais, mas também o ser humano, que é a razão para a preservação do ambiente ecológico e da biodiversidade. O homem não somente integra o meio ambiente como não sobrevive sem ele. Já a preservação dos recursos naturais sem a existência do homem perde, se não a totalidade, a maior parte de sua essência. Toda essa evolução desenfreada, afetando os recursos naturais e o próprio ser humano, ambos pertencentes e unidos no meio ambiente, foi levando o homem a avançar sem muito limite do que é ético ou não, moral ou não. Diante deste cenário, surgiu a Bioética e o Biodireito como forma imprescindível de questionar a ética da vida e, dentro deste contexto, trazer discussões sobre até onde é possível avançar estudando todas as implicações para garantia da sobrevivência da vida e do próprio planeta. Sendo assim, a vida do ser humano, sua proteção e tutela, bem como o meio de sua inserção direta que é o meio ambiente, passaram 10 inevitavelmente a ser tema de debate e discussão interdisciplinar da Bioética e do Biodireito. Dessa forma, com o progresso veio também o avanço das ciências biotecnológicas, médicas e da engenharia genética. Entretanto, a ânsia de progresso nesta área trouxe pontos positivos e negativos. Com a engenharia genética, a fertilização ou fecundação de um gameta feminino de mulher (óvulo) por um gameta masculino de homem (espermatozoide) passou a ocorrer de forma extracorpórea em um laboratório, onde embriões humanos são congelados à espera de implantação em útero de mulher. Por isso, os desdobramentos dos avanços da engenharia genética passaram a revestir-se de grande interesse na esfera jurídica, notadamente quando envolve o ser humano concebido de forma extracorpórea em clínicas de fertilização, Fecundação in vitro (FIV), sendo posteriormente criopreservados. Aqui, identifica-se o coração do presente estudo. A concepção in vitro oriunda do desenvolvimento da engenharia genética e a possibilidade de sua utilização nas pesquisas com células-tronco derivadas de embriões trouxeram reflexos diretos na legislação brasileira, em especial no Direito Civil e no Constitucional. O que por muitos anos regulamentou sozinha as clínicas de fertilização e reprodução assistida foi a Resolução nº. 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, órgão específico que representa uma categoria de profissionais. Foi esta resolução que trouxe normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida. A aprovação da Lei 11.105/2005 conhecida como a Lei de Biossegurança, através de seu artigo 5º, permitiu a pesquisa e a terapia de células-tronco retiradas de embriões criopreservados. Em razão da permissão dessas pesquisas envolvendo embriões humanos ocorreu a propositura da ADIN 3.510-0 proposta perante o STF pelo Procurador Geral da República, questionando a constitucionalidade do artigo 5º da nova Lei de Biossegurança sob a alegação de ferir os direitos Constitucionais relacionados à vida e à dignidade humana. Após intensos debates e audiência pública, foi decidido por maioria da Suprema corte pela não inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança. Tal decisão, porém, não englobou os embriões viáveis e com até três anos de congelamento, ou dos congelados após a Lei de 2005, bem como dos embriões 11 que, embora enquadrados no artigo 5º, não seja dado consentimento dos genitores e, por consequência, não estejam liberados para as pesquisas científicas, pois foram excluídos da Lei 11.105/2005. A grande evolução da engenharia genética na área da saúde humana se tornou, então, questão de grande de interesse, tendo gerado discussões instigantes, sendo que a Legislação não acompanhou esta evolução. No novo Código Civil, Lei 10.406/2002, constata-se que o legislador tratou de forma tênue o assunto e apenas no que se refere à filiação, conforme artigo 1597 em seus incisos III; IV e V, porém sobre as questões do direito sucessório e a garantia da expectativa de direito do concebido de forma extracorpórea e, após congelado, percebe-se que nada fora tratado. Portanto, verifica-se a necessidade de identificar se aos embriões criopreservados não abrangidos pela Lei de Biossegurança serão assegurados os direitos Constitucionais fundamentais quanto à inviolabilidade da vida e à dignidade da pessoa humana, bem como os direitos civis previstos tanto na Constituição Brasileira de 1988 como no Código Civil brasileiro. Por isso, com este trabalho, pretende-se lançar um pouco mais de luz sobre esse tema instigante que, ainda, está sem um norte legislativo ou jurídico para amparar a decisão de deferimento ou não de direitos a estes embriões. O método a ser adotado será descritivo, investigativo e exploratório. O assunto a ser pesquisado é novo e a sua discussão com os reflexos no direito ainda são desconhecidos. A investigação doutrinária deverá ser abrangente. Os temas como concepção, Bioética, Direitos Civis e Constitucionais para embriões criopreservados e a manutenção do equilíbrio do meio ambiente trazem grandes questionamentos. Não se tem a pretensão de esgotar o estudo, mas sim contribuir para o entendimento e sua aplicação. Para isso, no primeiro capítulo serão apresentadas reflexões sobre a Bioética, a engenharia genética, a fertilização in vitro e criopreservação de embriões, bem como questões Constitucionais que envolvem a proteção do patrimônio genético e da biodiversidade. No segundo capítulo buscar-se-á trazer algumas implicações jurídicas frente à pesquisa com células-tronco embrionárias, trazendo aspectos da evolução da engenharia genética, aspectos da Lei 11.105/2005 conhecida como a lei de Biossegurança, sobre a ADIN 3.510-0 e o julgamento no STF, bem como estudo 12 sobre a possibilidade de direitos aos embriões criopreservados não abrangidos pela Lei 11.105/2005. No terceiro capítulo será dado enfoque às questões mais legais através da abordagem de estudos sobre a visão e interpretação de normas no Código Civil de 1916, do Código Civil de 2002 resultantes da Lei 10.406/02, e um breve estudo sobre o tratamento da concepção corpórea e extracorpórea. Buscar-se-á trazer diferentes posições da doutrina jurídica e uma análise sobre a viabilidade de um estatuto para o embrião. Após, apresentar-se-á a conclusão. O tema escolhido é polêmico, mas precisa ser enfrentado, representando este trabalho mais uma contribuição que vem se agregar a tantas outras que buscam dar subsídios para decisões justas e Constitucionais. 13 2 CAPÍTULO 1- BIOÉTICA E ECOLOGIA FACE À PRODUÇÃO DE EMBRIÕES HUMANOS IN VITRO Neste capítulo pretende-se traçar uma relação entre ecologia, bioética e biodiversidade a partir de reflexões que visam propor uma compreensão agregada: unir homem e natureza num grande conjunto chamado de meio ambiente. Ainda este capítulo dedica-se a traçar uma caminhada de evolução das ciências médicas, científicas, genéticas e tecnológicas que mostram o homem se descobrindo e se desconstruindo através do Projeto genoma humano; do estudo do Ácido Desoxirribonucléico que contem o Código Genético (DNA) para construir, criar e gerar através da ciência e da engenharia genética o próprio homem em laboratório. Pois, assim, foi o caminho trilhado pela evolução científica através da engenharia genética que tornou realidade a fecundação in vitro. O presente capítulo busca, também, trazer reflexões sobre os embriões criopreservados, ou seja, congelados em clínicas de fertilização. Reflexões sobre temas estudados na Bioética que envolve a vida humana embrionária, sobre a questão da ecologia, meio ambiente e a sua ligação direta com a proteção da biodiversidade genética de forma a assegurar um futuro para a humanidade também serão aqui tratados. Como toda a ciência, a ecologia é também filha do seu tempo, das suas ideias e dos seus valores. Não é menos verdade que, através da suas hesitações e dos seus erros, a ecologia iria progressivamente impor uma visão integrada e dinâmica das relações entre as espécies, incluindo a espécie humana e o ambiente.1 1 OST, François. A Natureza à Margem da Lei, a ecologia à prova do direito. Èditions La Decouverte. Instituto Piaget. 1995.p.105. 14 2.1 BREVES ANOTAÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO DA ENGENHARIA GENÉTICA Para falar sobre a evolução da engenharia genética e a sua evolução é impossível não adentrar na história da ciência, de médicos, cientistas e pesquisadores que com o seu trabalho e perspicácia conseguiram através de avanços que se sucederam e se complementaram ao longo de décadas descobrir como se formam as células humanas. Buscar-se-á neste item trazer o caminho dessa evolução através das descobertas que foram ocorrendo e propiciaram o progresso que hoje se apresenta na engenharia genética. Também, para averiguar de forma breve a evolução da engenharia genética, é importante tecer aqui de forma cronológica as descobertas científicas mundiais que deram início ao processo da evolução da Biotecnologia e da engenharia genética. Na década de 1930, os pesquisadores norte-americanos George W. Beadle e Edward L. Tatum, através de seu trabalho de investigação científica, iniciaram o progresso de descoberta da estrutura genética humana quando demonstraram a regulação pelos genes da produção de proteínas e enzimas e a consequente intervenção nas reações dos organismos animais. Já “em 1944, o médico e bacteriologista Oswald T. Avery, ao pesquisar a cadeia molecular do DNA, descobriu que este é o componente cromossômico que transmite informações genéticas. Em 1953, os cientistas ingleses Francis H. C. Crick, Maurice Wilkins e o norte-americano James Dewey Watson, geneticista e biofísico, conseguiram mapear boa parte da estrutura da molécula do DNA (dupla hélice do DNA). No ano de 1961, os Franceses François Jacob e Jacques Monod pesquisaram o processo de síntese de proteínas nas células bacterianas. Descobriram que o principal responsável pela síntese é o DNA, que passou então a ser o elemento central das pesquisas da engenharia genética. Em 1965, receberam o prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina por suas descobertas relativas à genética. Já em 1972, na Universidade de Stanford na Califórnia, o norte-americano Paul Berg ligou duas cadeias de DNA. Uma era de animal e outra de bactéria. Foi a primeira experiência bem sucedida com a ligação de cadeias diferentes. Tal experiência é considerada por muitos autores como o início da criação sintética de produtos de engenharia genética. Testemunhou, portanto, em primeira mão, a história do DNA recombinante. No ano de 1978, o 15 suíço Werner Arber e os norte-americanos Daniel Nathans e Hamilton O. Smith receberam o prêmio Nobel de medicina ou fisiologia por terem isolado as enzimas de restrição que são substâncias capazes de cindir o DNA em pontos precisos. Juntamente com a ligase, que consegue unir fragmentos de ADN, enzimas de restrição formaram a base inicial da tecnologia do ADN recombinante.” 2 Com estas descobertas, a engenharia genética passou a modificar as moléculas de DNA, utilizando enzimas específicas. Segundo Habermas: Em 1973, conseguiu separar-se e voltar a combinar componentes elementares de um genoma. Desde essa recombinação artificial de genes, a técnica genética, especialmente na medicina reprodutiva, acelerou seu desenvolvimento, que naquele ano foram empregados nos procedimentos do diagnóstico pré-natal e a partir de 1978 na inseminação artificial. O método da junção de óvulos e espermatozoides in vitro faz com que as células tronco humanas sejam acessíveis a pesquisas e experiências sobre a genética humana fora do corpo materno. 3 A engenharia genética 4 e a biotecnologia 5 já estavam com seus estudos avançados, e em laboratórios já se fazia a manipulação genética com seres humanos. Tanto isso é verdadeiro que em 1978 nascia na Inglaterra Louise Brown, primeiro bebê de proveta do mundo, fruto de um óvulo de Lesley Brown, fecundado em tubo de ensaio pelo sêmen de John Brown. Esse procedimento foi realizado por Patrick Steptoe e Robert Edwards. No Brasil e na América Latina, o primeiro bebê de proveta a nascer foi Anna Paula Caldera, que nasceu em 07 de outubro de 1984, sendo que o procedimento foi efetuado pelo Dr. Milton Nakamura em São Paulo. 6 O médico e cientista britânico Robert G. Edwards, hoje com 85 anos, professor emérito da Universidade de Cambridge na Inglaterra, que abriu as 2 WIKIPÉDIA. História da Engenharia Genética. Disponível em: http;//PT.wikipedia.org/wiki/Engenharia_gen%C3%A9tica. Acesso em 09.01.09. 3 HABERMAS, Jürgen. O Futuro da Natureza Humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 23. 4 Na engenharia genética estão incluídas as noções de manipulação genética, reprodução assistida, diagnose genética, terapia gênica e clonagem, pois tende a modificação do patrimônio hereditário do ser humano. DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2009.p.436. 5 A biotecnologia é a ciência da engenharia genética que visa o uso de sistemas e organismos biológicos para aplicações medicinais, científicas, industriais, agrícolas e ambientais. Ibidem. 6 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2009.p.561. 16 fronteiras na reprodução humana ao criar a técnica da fertilização in vitro, foi anunciado no dia 4 de outubro de 2010 em Estocolmo na Suécia como ganhador do prêmio Nobel de Medicina 2010. Já Patrich Steptoe, que desenvolveu com ele esta técnica, faleceu em 1988.7 O mundo assistiu deslumbrado e ao mesmo tempo estupefato tal façanha. Para o mundo científico acenderam-se e brilharam ainda mais as luzes, e eles, os cientistas, passaram a perseguir cada vez com mais avidez outros avanços genéticos, biomédicos e biotecnológicos. Este avanço continuou envolvendo material humano e animal. Surge, então, a ovelha Dolly, fruto de uma clonagem animal. Abriu-se, dessa forma, a discussão sobre a possibilidade da clonagem humana. O avanço tomou proporções com contornos imensos, levando juristas, filósofos, igreja, médicos e até biólogos a questionarem o avanço científico destes experimentos e realizações. Consoante Habermas, a reprodução medicamente assistida já não era segredo e as técnicas foram se aperfeiçoando. Surgem, daí, as barrigas de aluguel, os doadores anônimos de esperma e de óvulos, e a gravidez pós-menopausa torna- se realidade. “No entanto, somente o encontro da medicina reprodutiva e da técnica genética conduziu ao método do Diagnóstico Genético de Pré-Implantação (DGPI)”. Habermas salienta que através deste diagnóstico genético de pré-implantação ainda na proveta o embrião, num estágio de oito células, pode ser submetido a um exame de precaução para diagnosticar se carrega doenças hereditárias. Este diagnóstico permite que o embrião seja descartado e não implantado no útero materno, evitando-se assim uma futura interrupção de gravidez.8 O avanço da engenharia genética também permite que possam ser feitas alterações na célula embrionária de forma a modificar suas características. Essas alterações, chamadas de Eugenismo,9 podem levar os cientistas ao desenvolvimento de uma nova raça humana. 7 Prêmio Nobel de Medicina 2010. Jornal Zero Hora. Grupo RBS. Porto Alegre. Publicado no dia 05 de outubro de 2010 p.32. 8 HABERMAS, Jürgen. O Futuro da Natureza Humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 23. 9 A eugenia é a ciência responsável pelo mundo das condições mais propícias à reprodução e ao melhoramento da raça humana. A inseminação artificial heteróloga consiste na combinação da chamada “terapia da infertilidade com o moderno método de ‘eugenia positiva”. Esta objetiva a criação de seres humanos de qualidade pretensamente superior, valendo-se, para tanto, do recurso a material genético masculino selecionado. É nesse contexto que se inserem os “bancos de sêmen, surgidos com o objetivo precípuo de criopreservar material genético humano. Já a “eugenia negativa” representada pelo aborto eugênico, consiste no acolhimento da vida do embrião sob determinadas condições. No Brasil, o CFM proíbe a seleção de sexo ou de qualquer outra característica exceção de 17 Entre as maiores críticas e discussões do Biodireito e da Bioética estão o Eugenismo, utilizações do projeto genoma humano, das clonagens terapêuticas ou reprodutivas, da utilização de embriões para pesquisas com células tronco, do DGPI, entre outros. No início de 2009, teve-se a notícia pelos meios de comunicação do nascimento na Inglaterra da primeira menina livre do gene do câncer de mama e de ovário. Como a família do pai da criança vinha a três gerações sofrendo com o câncer de mama ou de ovário, a mãe de 27 anos recorreu à procriação assistida através da FIV onde, utilizando a técnica do DGPI, o médico examinou minuciosamente os embriões e selecionou os que estavam livres do (BRCA1), o brest câncer 1, gene do câncer de mama e de ovário. Pelas notícias publicadas, a menina nasceu livre deste gene.10 Com todos os avanços biotecnológicos e de engenharia genética ocorridos, passou a ser necessária a reflexão, bem como a proteção jurídica, de forma a garantir a inviolabilidade da vida e da dignidade do ser humano. Para a reflexão em todos os níveis de conhecimento surgiu a Bioética, e para a garantia jurídica, a fim de se buscar tutela do Estado, surgiu o Biodireito. Estas discussões tiveram início no período compreendido entre 1960 e 1977. Bioética e biodireito uma vez equilibrados, trazem, portanto, a solução para esses problemas característicos da modernidade. [...] A preocupação desenvolveu-se no meio científico, e o conceito sofreu algumas modificações, mantendo, contudo, sua essência. Entende-se por bioética, hoje, um conhecimento complexo, de caráter interdisciplinar, aplicado às questões morais decorrentes das inovações biotecnológicas. Quanto ao biodireito pode ser compreendido, então, como a normatização dessas questões concernentes a vida. 11 doenças ligadas ao sexo do bebê por nascer. VASCONCELOS, Cristiane Beuren. A Proteção Jurídica do Ser Humano In Vitro na Era da Biotecnologia. São Paulo: Atlas, 2006. p.49,50. 10JOSAFÁ FILHO. Bebê nasce sem gene que provoca câncer. Disponível em: http://www.depositonaweb.com.br/3179/bebe-nasce-sem-gene-que-provoca-cancer Acesso em: 04.12.2010. 11 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; DALL' AGNOL, Larissa Avena. O bodireito e sua tutela nas relações de consumo. In: PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide. (org.). Direito Ambiental e Biodireito - da modernidade à pós-modernidade. Caxias do Sul. Educs, 2008. p. 210, 211.214. 18 Como diz Garrafa, em especial nos últimos trinta anos foram enormes os avanços alcançados pelo desenvolvimento científico e tecnológico nos campos da biologia, da saúde e da vida. Estes avanços colocaram a humanidade frente a situações complexas, pois, até bem pouco tempo, estes avanços sequer estavam no seu imaginário. Hoje, todo esse desenvolvimento representa a esperança para alguns, tanto para a solução de problemas de saúde, descoberta de medicamentos mais eficazes, controle de doenças, quanto à possibilidade de realização da maternidade e ou paternidade em casos de infertilidade, sendo que, por outro lado, criam uma série de contradições que precisam ser analisadas com responsabilidade e equilíbrio, de forma a garantir o bem-estar e a sobrevivência da própria espécie e do planeta.12 Ainda conforme Garrafa: O grande nó relacionado com a questão da manipulação da vida humana não está na utilização em si de novas tecnologias ainda não assimiladas moralmente pela sociedade, mas no seu controle. E esse controle deve-se dar em patamar diferente ao dos planos científicos e tecnológicos: o controle é ético. É prudente lembrar que a ética sobrevive sem a ciência e a técnica; sua existência não depende delas. A ciência e a técnica, no entanto, não podem prescindir da ética, sob pena de transformarem-se em armas desastrosas para o futuro da humanidade nas mãos de minorias poderosas e/ou mal-intencionadas.13 O “xis do problema, portanto, está no fato de que dentro de uma escala hipotética de valores vitais para a humanidade, a ética ocupa posição diferenciada em comparação com a pura ciência e a técnica. Nem anterior, nem superior, mas simplesmente diferenciada. Além de sua importância qualitativa no caso, a ética serve como instrumento preventivo contra abusos atuais e futuros que venham a trazer lucros abusivos para poucos, em detrimento do alijamento e sofrimento de 12 GARRAFA, Volnei. Bioética e ciência: Os limites da Manipulação da Vida Humana. In: EMERICK, Maria Celeste; MONTENEGRO, Karla B. M.; DEGRAVE, Win. Novas Tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde. Fundação Osvaldo Cruz-Fiocruz. Rio de Janeiro: 2007.p.177. 13 GARRAFA, Volnei. Bioética e ciência: Até onde avançar sem agredir. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/direitosglobais/paradigmas_textos/bioetica2.html. Acesso em: 08.10.10. 19 grande parte da população mundial e do próprio equilíbrio bio-sóciopolítico do planeta”. 14 Dessa forma, fica bastante claro que a Bioética como ética da vida surgiu num momento histórico de grandes avanços para a humanidade, justamente para analisar os dilemas e os questionamentos éticos que envolvem questões fundamentais para o futuro da humanidade. 2.2 A FERTILIZAÇÃO IN VITRO E A CRIOPRESERVAÇÃO DE EMBRIÕES HUMANOS Neste estudo, buscar-se-á tratar mais diretamente da fecundação extracorpórea, ou seja, aquela fertilização feita em laboratório com gametas masculinos e femininos e que resultará em um ou vários embriões. Abordar-se-á a questão do congelamento dos embriões que não são implantados de imediato no útero de mulher, seja porque foram fecundados muitos embriões e somente alguns implantados naquele momento e os outros congelados, ou porque a FIV ocorreu por precaução e garantia de embriões para implantação após tratamentos de saúde. A fecundação extracorpórea é uma realidade desde os últimos 20 anos do século passado. Os casais que a esta técnica recorreram ao longo dos anos que se passaram, e continuam nos dias atuais a recorrer em escala cada vez maior, buscam a realização do sonho de ter um filho, o que por problemas de infertilidade não conseguem através do método tradicional. Quando se fala em fertilização in vitro está se falando da fecundação humana na proveta do laboratório de uma clínica de fertilização. É óbvio que a fecundação de um gameta humano feminino (óvulo) por um gameta humano masculino (espermatozoide) resultará num embrião humano que poderá ser viável para a implantação em útero de mulher, ou inviável no caso da existência de má qualidade ou problemas advindos dos gametas envolvidos. 14 GARRAFA, Volnei. Bioética e ciência: Até onde avançar sem agredir. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/direitosglobais/paradigmas_textos/bioetica2.html. Acesso em: 08.10.10. 20 Paulo Eduardo Olmos assevera que “na Fertilização in vitro o que se busca é a produção de vários óvulos para que não faltem embriões na transferência”. 15 Embora possa parecer simples a abordagem de Paulo Olmos, ela é na verdade o grande marco nas imensas discussões e, porque não dizer, um dos maiores dilemas da Bioética e do Biodireito, pois, nesta abordagem, ele coloca na vitrine a questão da estimulação ovariana para a produção de muitos óvulos que depois serão fecundados em laboratório para que sejam garantidos embriões suficientes para a implantação, além de uma reserva de implantação. Dependendo da idade e das condições físicas da paciente, dois a quatro embriões formados serão transferidos para o útero em uma única vez. A Resolução do Conselho Federal de Medicina sob nº 1.358/92 16 estipulava o limite máximo de quatro embriões por procedimento.17 A Resolução do CFM nº 1957/2011 revogou a Resolução de 92, e estipulou o número de embriões a serem implantados por vez dependendo da idade da mulher conforme veremos em capítulo adiante. A possibilidade de haver embriões excedentários para congelamento é comum, de forma a garantir que não necessite o casal passar por todo um novo e caro processo da FIV, em caso de não ocorrer a nidação dos embriões implantados no útero de mulher no primeiro momento. Portanto, se os embriões implantados no útero a priori não vingarem, nova implantação ocorrerá, desta vez, utilizando-se os embriões já congelados. Existe também a hipótese de que, mesmo ocorrendo a nidação de um ou mais embriões, o casal venha a querer mais filhos, sendo que, dessa forma, existirão os congelados para nova implantação. Desta sistemática garantidora do bom aproveitamento dos valores econômicos despendidos, já que o procedimento é caro, bem como para não haver necessidade do casal passar mais de uma vez por todo o processo preparatório até chegar à fecundação em laboratório, o que é muito estressante, é que terminam as clínicas por ficarem abarrotadas de embriões congelados. 15 DALVI, Luciano. Curso Avançado de Biodireito. Florianópolis: Conceito Editorial. 2008.p. 176, citando OLMES, Paulo Eduardo, médico especialista em reprodução assistida. 16 Resolução do CFM sob nº 1.358/92- Princípios Gerais item 6 - O número ideal de oócitos e pré- embriões a serem transferidos para a receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade. 17 DALVI, Luciano. Curso Avançado de Biodireito. Florianópolis. Conceito Editorial. 2008.p. 176, citando OLMES, Paulo Eduardo, médico especialista em reprodução assistida. 21 Muitos não foram implantados porque no primeiro implante ocorreu a nidação 18 de um ou vários embriões, e nasceram os filhos desejados. A par disso, existem também aqueles embriões que estão à espera de uma decisão dos pais de quando implantá-los, ou ainda, dos que nunca serão implantados, pois os pais perderam o interesse na implantação, seja porque simplesmente não querem mais filhos, morreram, se separaram ou mudaram de parceiro, não desejando mais trazer à vida filhos concebidos de forma extracorpórea com o ex-marido, ex-companheiro, ex-namorado ou outros. Por isso, estima-se que no Brasil exista cerca de 25.000 mil embriões congelados em clínicas de fertilização à espera de implantação. 19 O tempo de congelamento é variável, existindo inclusive embriões congelados há mais de 8 anos. É importante dizer que o tempo de congelamento do embrião, desde que bem feito, com conservação adequada e não causando danos ao embrião, não é fator limitador para a implantação. Um exemplo é o embrião de um casal brasileiro, residente em Marissol, São Paulo, que foi implantado após 8 anos de congelamento, sendo que dele nasceu Vinícius que em 10.03.2008 estava com 6 meses de idade e nasceu totalmente saudável.20 Para se chegar ao momento da fecundação in vitro, primeiro devem ser analisadas todas as situações possíveis que possam estar gerando a infertilidade do casal envolvido. Somente depois de confirmada a impossibilidade de gerar o filho em condições normais e de forma corpórea é que se passa para o segundo passo, ou seja, a busca da FIV. Porém, como diz Barchifontaine: “Não podemos perder de vista que o comércio da infertilidade é um negócio que movimenta milhões de dólares e só respeita a ética do mercado.” 21 É necessário trazer aqui as fases procedimentais para a realização da fecundação in vitro citadas por Dalvi. São elas: a) bloqueio hormonal; b) início da indução da ovulação; c) controle ultrassonográfico seriado; d) 18 A nidação do ovo fecundado tem lugar entre o 6º e o 7º dia para se completar no 9º dia; no 14º dia já está reconstituída a parede do endométrio sobre o embrião implantado. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética I - Fundamentos e ética Biomédica. São Paulo: Edições Loyola. 2002. p. 349, citando ZATTI. La prospettiva Del biólogo. p.185-186. 19 Embriões Congelados: Qual Seu Destino? . Disponível em: www.segir.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=139&Itemid=90. Acesso em: 28.09.2010. 20 COLLUCCI, Cláudia. Embrião congelado por 8 anos produz bebê. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u380351.shtml. Acesso em: 04/12/2010. 21 BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Bioética e Início da Vida: alguns desafios. São Paulo: Ideias e Letras 2004.p.136. 22 desencadeamento da ovulação; e) punção folicular; f) coleta do sêmen; g) fertilização no laboratório; h) transferência embrionária. 22 As etapas da FIV descritas acima são importantes para este estudo, uma vez que apontam os passos necessários que um “casal infértil” necessita passar para atingir o sonho de ter um filho. Deixam claro também que a caminhada e as expectativas não são pequenas ou fáceis. Não se deve esquecer que antes das etapas apontadas acima o casal já passou por outras fases de exames para a verificação da infertilidade. Pode-se também utilizar a descrição das fases acima como um diferencial de outros métodos de reprodução assistida onde as formas de fecundação diferem praticamente de maneira total. Segundo Esteves, no programa da ANDROFERT (clínica de fertilização) os pré-embriões não implantados em útero materno são criopreservados em torno do terceiro dia pelo método lento com vapor de nitrogênio líquido, utilizando crioprotetores comerciais prontos para uso e com auxílio do congelador automatizado e computadorizado. Para minimizar o risco de transmissão de doenças possivelmente transmissíveis via nitrogênio, os pré-embriões são alocados em palhetas seladas, utilizando-se técnica asséptica. Obviamente que tudo é devidamente identificado e documentado. 23 22 (a) Bloqueio hormonal - nesta etapa a paciente realiza um ultrassom e recebe uma medicação que vai bloquear seus hormônios naturais e proporcionar um maior controle da indução da ovulação. (b) Início da Indução da Ovulação - após a paciente menstruar - é feito novo ultrassom para iniciar a indução da ovulação. A paciente recebe medicação que vai estimular o crescimento dos folículos ovarianos. (c) Controle ultrassonográfico seriado - nesta fase, os ovários são avaliados periodicamente até os folículos apresentaram tamanho adequado para agendar o dia da fertilização. (d) Desencadeamento da ovulação - A paciente recebe outro tipo de medicação que vai terminar de amadurecer os óvulos e trinta e cinco horas após é agendada a aspiração dos óvulos (função folicular). (e) Punção folicular - este procedimento é realizado sob sedação (anestesia o médico utiliza o ultrassom com uma agulha e aspira os folículos ovarianos via transvaginal. Os óvulos são fertilizados dentro do laboratório. (f) Coleta do sêmen - o homem colhe o sêmen através da masturbação. Os espermatozoides passam por um processo de centrifugação (swim-up) que proporciona uma situação de stress para o espermatozoide semelhante àquela que ele enfrentaria ao atravessar o muco serviçal, a qual permite que apenas os gametas sadios e mais velozes sobrevivam. (g) Fertilização no laboratório - No laboratório, os óvulos são colocados em um recipiente com os espermatozoides e começam a interagir naturalmente. Os núcleos dos gametas entram em um processo de fusão, formando uma única célula que logo se divide em outras duas, exatamente iguais. Em mais ou menos 48 horas os embriões estarão com quatro células idênticas, já prontos para serem transferidos para o útero. (h) Transferência embrionária - após dois ou três dias a paciente retorna para ser realizada a transferência embrionária. A transferência é feita por meio de um cateter finíssimo onde são colocados os embriões intercalados com uma gota de meio de cultura. DALVI, Luciano. Curso avançado de Biodireito. Florianópolis: Conceito Editorial. 2008. Citando OLMOS, Paulo Eduardo, etapas da FIV retiradas da sua obra: Quando a cegonha não vem. São Paulo: Carrenho editorial. 2003. 23 ESTEVES, Sandro C. Laboratório de fertilização “in vitro”: visão do especialista em Medicina Reprodutiva. In: PASQUALOTTO, Fábio Firmbach. Células-Tronco, visão do especialista. Caxias do Sul: Educs. 2007.p.292. 23 Verifica-se que o processo da fecundação in vitro requer todo um processo preparatório para que se obtenha a realidade de uma concepção in vitro. Além da expectativa de cada fase que o casal passa, que envolve inclusive o emocional, também existe a questão do custo, e da escolha de uma clínica e profissionais competentes e responsáveis. A própria clínica terá que ser bem equipada, higienizada para evitar possíveis contaminações no material genético e no próprio embrião. Em razão destes custos, tratamentos e das próprias questões emocionais é que sobram nos laboratórios embriões criopreservados, porque não foram implantados “a fresco”. Eles são para o casal a garantia de que poderá ter outros embriões para implantar caso não ocorra a nidação dos implantados, ou ainda na hipótese de quererem mais filhos. Como não existe vedação em lei para limitar o número de gametas que poderão ser fecundados no laboratório por casal, é que terminam por ficarem abandonados tantos embriões que talvez nunca venham a ser implantados em um útero de mulher. Constata-se, portanto, que a Fecundação in vitro (FIV) termina por trazer a realização do sonho dos pais de terem os seus próprios filhos. Cabe também observar que esta realização vem acompanhada de uma situação muito delicada quando se verifica que deste mesmo casal ficaram criopreservados na clínica outros tantos embriões à espera de uma futura implantação que poderá ou não ocorrer. Assim, pode-se concluir que esta técnica origina um aumento de embriões excedentários, os quais lotam clínicas de Reprodução Assistida. 2.3 REFLEXÕES DA BIOÉTICA EM TORNO DA VIDA HUMANA EMBRIONÁRIA A evolução das técnicas da engenharia genética terminou por trazer ao longo dos anos a necessidade de questionamentos, estudo dos problemas, dúvidas e reflexões a respeito da vida humana embrionária e as suas implicações no campo ético. Buscar-se-á trazer para este estudo um pouco destas questões, a fim de demonstrar, de forma um tanto breve, reflexões e angústias que permeiam o mundo da ciência biomédica. O progresso da engenharia genética ocorrido desde o final do século passado e que continua a passos largos neste século, trouxe, e continua a trazer, 24 grandes desafios a serem discutidos pelos mais variados setores da sociedade organizada. Ora, esses avanços mexeram com a estrutura do próprio homem e com princípios que, a priori, eram inquestionáveis. Porém, esta evolução passou a ter o próprio ser humano como baliza de suas descobertas e inovações. A criação de vidas humanas fugiu a esfera exclusivamente corpórea e passou a ter seu início em clínicas de fertilização. Surgiram doadores de gametas masculinos e femininos que deixaram seu material genético em bancos de sêmen ou óvulos. A infertilidade de casais que querem ter filhos e não desejam adotar encontrou o caminho desenhado pela ciência. O que antes era impossível tornou-se realidade. Embriões decorrentes de fecundação in vitro não implantados de imediato em útero de mulher são congelados em clínicas de fertilização à espera de implantação. Mulheres e homens utilizam-se de material genético doado. A prática mais comum da FIV é a fecundação homóloga, assim entendida como aquela oriunda de material genético do próprio casal. Mas para aqueles que não dispõem deste material, existe a possibilidade da fecundação heteróloga, onde o material genético não pertence por inteiro ou parcialmente ao casal, mas sim, parte de um doador, ou de dois doadores no caso de ser total. 24 Surgem, então, as mães hospedeiras, maternidade de substituição ou, ainda, barrigas de aluguel, onde os pais biológicos são uns, mas o útero de outra mulher vai implantar o embrião e gerar a criança para o casal. Em outros casos, o material genético sequer é do casal, pois o embrião é resultado de gametas de terceiros doadores e a criança também será gestada por outra mulher. Assim, aparece a figura da mãe biológica que não gera, e aparece a figura de uma criança que nasce filha biológica de doadores desconhecidos, que foi gerada no útero “hospedeiro” também denominado de útero emprestado, de aluguel ou ainda de substituição. A mulher detentora deste útero que gestou o embrião, ao final da gravidez, entregará a criança para o casal ou para a parte que queria o filho e desencadeou todo esse processo. A figura dos pais biológicos, da mãe hospedeira (gestação de substituição) e dos pais registrais ou institucionais e socioafetivos tornou-se realidade social, mudando muitos conceitos, em especial sobre filiação e os conceitos de família. Em 24 DALVI, Luciano. Curso Avançado de Biodireito-Doutrina, Legislação e Jurisprudência. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.p.190.193. 25 decorrência de todos esses avanços e possibilidades, as questões jurídicas a serem respondidas com o auxílio da bioética e do biodireito são quase que inesgotáveis tal é o número de possibilidades existentes. No presente trabalho serão citadas apenas algumas situações que refletem um pouco das dúvidas e inseguranças das discussões existentes sobre o tema. Dentre as questões que podem ser suscitadas destacam-se: a - Quem é o verdadeiro pai, o doador do material genético ou o que criou? Neste questionamento, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem dado valoração superior à questão socioafetiva acima da questão biológica: quem criou, amou, cuidou. Na verdade, esta valoração está se tornando uma tendência em nível de Brasil. b - Quem será a mãe? A biológica ou a genética, a hospedeira ou a barriga de aluguel que gestou, aquela a quem a criança foi entregue e criada, a mãe institucional e socioafetiva? Que direitos possui esta criança em relação a estas pessoas? E as pessoas envolvidas, que direito terão sobre esta criança? Algumas situações no Direito Comparado demonstram como não existe unanimidade no trato da questão da maternidade em situações como esta, dependendo do País e da situação levada ao questionamento a solução poderá ser diversa.25 c - Pode um casal homossexual, utilizando-se do material genético de um deles e a outra parte de material genético de mulher doadora, ter embriões fecundados em laboratório e implantados no útero de uma terceira mulher? Esta criança terá dois pais, um biológico e outro institucional e socioafetivo e nenhuma mãe? Terá esta criança direito a investigar sua maternidade? E neste caso, quem será a mãe: a doadora (genética) ou a que gestou (gestação de substituição)? d - Um casal de lésbicas pode fazer fecundação in vitro utilizando-se de gametas femininos das duas e de esperma de doadores? O filho biológico de uma 25 “Divergem a este respeito as legislações; o Código Civil Búlgaro (art° 31), a Lei Espanhola n.14/2006, art.10.2 e o Código Civil Suíço (art.251) entendem que a mãe é a que deu a luz, pois a filiação dos nascidos por gestação de substituição deve ser determinada pelo parto; o 1877 Act de Illinois (EUA) requer a entrega da criança à doadora do óvulo; o Código Civil de Portugal (art.1796) considera que o filho será do casal encomendante, e a legislação Sueca requer que o casal que idealizou a fertilização “in vitro” venha adotar o bebê. Poderia haver obrigação legal por parte daquela que cedeu o útero de entregar a criança após o parto à mãe institucional, sob pena de prisão e de pagar indenização? Na Áustria há projeto dispondo que a mãe substituta não é obrigada a ceder a criança. Nos Estados Unidos, um juiz entregou a criança ao casal encomendante, porque tinha mais condições de criá-la.” DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva. 2009.p.567. 26 poderá ser implantado no útero da outra e vice-versa para que elas sintam-se mais integradas na filiação, ou seja, “a” gestar filho ou filhos biológicos de “b” enquanto “b” gesta os filhos biológicos de “a”? Como não há lei que proíba tais práticas elas podem ser utilizadas. Quais as repercussões no nível da filiação? E a questão emocional e psicológica dessas companheiras e filhos, uma vez que as mesmas poderão um dia dissolver sua união? Como ficariam esses filhos? O doador poderia reivindicar a paternidade? Numa situação real, um homem gay que doou sêmen para um casal de lésbicas conseguiu na Corte de apelação de Londres a confirmação de decisão judicial anterior onde foi reconhecido a ele o direito de permanecer com os dois filhos nascidos por seis meses ao ano. 26 e - Como ficam os embriões não implantados “a fresco”, tornando-se embriões excedentários viáveis em caso de não liberados para pesquisas com células-tronco? Pela Resolução do CFM n° 1358/92, a orientação aos profissionais da área médica é o não descarte ou destruição. Já a Lei 11.105/2005, permite o uso para pesquisa, mas a permissão dos genitores é imprescindível. Na questão de número 5 constata-se um desafio à Bioética e ao Biodireito. f - E os embriões criopreservados, extremamente desejados pelos pais que estão à espera de implante (o que ainda não ocorreu por questões de doenças da mãe), quando o casal for implantá-los, o pai morrer no trajeto até a clínica, como fica a situação sucessória destes embriões, visto que já estavam concebidos quando da abertura da sucessão do pai, e era vontade do morto ter os filhos? Para gerar direito sucessório aos embriões, terá a viúva que implantá-los de imediato, ou poderá recuperar-se da viuvez para depois implantá-los? A garantia independe do tempo de 26 Um homem gay que doou sêmen para um casal de lésbicas obteve na Justiça britânica o direito de dividir a custódia dos dois filhos. As crianças, hoje com 9 e 7 anos, foram concebidas por inseminação artificial após o pai, de 51 anos, ter colocado um anúncio na revista "Gay Times" intitulado "Homem gay quer ser pai". No anúncio, ele dizia que era um profissional que tinha tudo o que queria, "menos filhos" e oferecia a doação de esperma, pedindo "um pouco de envolvimento" na criação dos filhos.O homem escolheu um casal de lésbicas que respondeu ao anúncio. Uma das mulheres teve dois filhos, mas o doador acabou tendo seu contato com as crianças cortados pela mãe, que o acusou de querer sua companheira. A decisão da Corte de Apelação Civil de Londres confirma uma decisão anterior da Justiça, que deu ao pai o direito de passar metade do ano com os filhos. A juíza do caso, Jill Black, reconheceu a importância da companheira da mãe na criação dos filhos, mas se negou a aceitar o pedido delas para que o pai fosse impedido de ter acesso às crianças. Notícia retirada do Portal do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) em 11.12.2010, que cita como fonte o Espaço Vital 03/12/10. 27 implantação, visto que já estavam concebidos quando da abertura da sucessão? Será permitida a implantação “post mortem”, gerando direito sucessório? g - Existe tutela jurídica para os embriões? Quais seriam os seus direitos? Gozam eles de proteção constitucional? Os embriões fecundados in vitro são considerados seres humanos? h - Existem limites para a ciência nos seus experimentos com material genético humano? Para Garrafa, “entre os grandes problemas práticos da Bioética está a dificuldade em trabalhar a relação entre a certeza do que é benéfico e a dúvida sobre os limites”, sobre o que deve ser controlado e sobre como isso deva se dar. 27 i - Caso o doador de esperma não queira ser pai de uma criança nascida de um casamento fracassado, nem ser devedor de alimentos, nem ter de assegurar parte de sua herança a esse filho e sua ex-mulher queira engravidar com aquele embrião, e como o embrião é de propriedade comum do casal, qual a vontade deverá prevalecer? Com o divórcio, os dois não teriam liberdade de tentar a maternidade e/ou a paternidade com outros parceiros? Segundo Diniz “na situação acima, a corte Europeia de Direitos Humanos tem decidido que o uso do embrião congelado somente poderá ocorrer se ambos os envolvidos anuírem no seu implante uterino. Sendo assim, ex-cônjuge ou ex- companheiro poderá evitar o nascimento de um filho se não mais tiver interesse em procriar, evitando assim que a ex-mulher ou ex-companheira receba o embrião em seu útero”. 28 Como diz Diniz, será esta a decisão mais justa? j - Quais as responsabilidades e penalizações dos profissionais que efetuam a fertilização in vitro, às vezes por erro trocando gametas de um do casal por gametas de doador na hora da fertilização ou trocando embriões de um casal por embriões de outro casal, ou até mesmo contaminando embriões em seus laboratórios quando da manipulação, criogenização ou até mesmo do implante? Dos Tribunais Europeus são trazidos dois casos, o de Giada, que por troca de proveta de sêmen (pelo médico) terminou por sofrer de talassemia, e do casal de brancos, que por erro da clínica Britânica implantou embriões de casal negro na 27 GARRAFA, Volnei. Bioética e ciência: os Limites da Manipulação da Vida Humana. In: EMERICK, Maria Celeste; MONTENEGRO, Karla B. M.; DEGRAVE, Win. (orgs.). Novas Tecnologias na Genética Humana. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.p.180. 28 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 573. 28 mulher branca, da qual nasceram duas meninas gêmeas e negras. Ambos os casos foram para a justiça.29 As questões acima suscitadas são apenas algumas que surgem e poderão surgir a cada dia e a cada situação desenhada. É importante dizer aqui que o abordado foi uma pequena parte dos avanços genéticos alcançados e que dizem respeito exclusivamente a FIV. Cabe esclarecer também que o termo FIVET 30 se aplica à técnica de fecundação em laboratório com a devida implantação dos embriões em útero materno. As pesquisas andam e, dessa forma, as fecundações in vitro são utilizadas nos mais variados contextos, pois todos querem realizar o sonho da paternidade ou da maternidade, mas o que a maioria não se atém é que de nada vale ter um embrião congelado, ou vários, se não existir um útero de mulher que possa receber este embrião e trazê-lo à vida. Aqui é importante fazer o chamamento para o feminino e o que ele representa em todo esse processo. No entender de Brauner, 29 Giada é uma menina que sofre de anemia e talassemia ou anemia mediterrânea. É também ela filha de proveta,... mas de proveta equivocada. Sim; o Dr. Raffaele Magli trocou a proveta do líquido seminal do pai de Giada, chamado Roberto Minucci (comerciante Napolitano de 33 anos de idade) pela proveta de um homem doente de talassemia; desse erro decorre a existência doentia de Giada, que está sujeita a periódicas transfusões de sangue e à expectativa de um transplante. O doutor Raffaele Magli já foi duas vezes interpelado pela Justiça como réu de graves danos causados a Giada e sua família. O ginecologista, porém, se defende acusando de adultério a Sra. Maria Cristina Lervolino: diz ele que Giada não é filha de proveta equivoca, mas sim de um encontro equivocado. Ofendida, Cristina responde que, na falta de defesa propriamente dita, o réu passa para a acusação. No outro caso um casal de brancos que recorrera à inseminação “in vitro” teve duas gêmeas negras por conta de confusão ocorrida numa clínica estatal britânica, de acordo com reportagem publicada no ‘tablóide The Sun’. Um verdadeiro caso de descaso com a vida humana ao permitirmos a manipulação da vida. A disputa judicial deve ser uma das mais controversas dos últimos tempos. Segundo especialistas ouvidos pelo diário britânico “The Independente”, a mãe branca que deu a luz às gêmeas deveria ser considerada a verdadeira mãe dos bebês. Contudo se ficar estabelecido legalmente que o pai biológico das meninas é um homem negro que, ao lado de sua parceira negra, também fazia parte de um programa de fertilização “in vitro”, então o caso será mais difícil de ser resolvido, pois não há precedente legal no Reino Unido, envolvendo este caso. DALVI, Luciano. Curso Avançado de Biodireito-Doutrina, Legislação e Jurisprudência. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 179-180. Também existe por parte do autor a informação de que o caso das gêmeas negras fora publicado no Jornal Folha de São Paulo, dia 09.07.2002, como título; Brancos têm gêmeas negras por erro médico. 30 FIVET: fertilização “in vitro” e transferência de embriões (mulheres com problemas nas trompas, anovulação crônica, endometriose ou com ovários policísticos) - técnica de reprodução assistida em que a fertilização do óvulo pelo espermatozóide ocorre em laboratório. A ovulação é geralmente estimulada, os óvulos são colhidos por meio de punção guiada por ultrassonografia endovaginal e colocados juntamente com os espermatozoides processados em ambiente com 5% CE, Gás Carbônicao (CO2) e temperatura de 37ºC. Após 24 a 28 horas, os pré-embriões formados contendo quatro a oito células são transferidos para a cavidade uterina. PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de Bioética. São Paulo: Edições Loyola. 2007.p.296. 29 a medicalização da reprodução humana em razão das modernas técnicas neste campo, trouxe a oportunidade da maternidade tanto para as mulheres estéreis, lésbicas, as que atingiram a menopausa e até mesmo para as mulheres virgens. Com a quebra da tradição histórica e social da maternidade ao se separar a reprodução da sexualidade, houve a revalorização da maternidade como vocação do feminino. Apesar de tudo isso, parece ainda vigorar a ideia de que as mulheres que não conseguiram dar a luz, seja por não querer, por não conseguir levar uma gravidez adiante, são mulheres amargas, egoístas e desequilibradas. A esterilidade para alguns é considerada como um castigo.31 Verifica-se a existência de questões como a clonagem humana que pode ser classificada como terapêutica ou reprodutiva,32 como inúmeras formas de inseminação artificial que se diferem da Fecundação in vitro abordada neste trabalho. Além disso, existe o Eugenismo, que decorre de manipulação genética do embrião de forma a dar a ele as características genéticas e hereditárias encomendadas pelos pais, sendo que para a prática do Eugenismo, obrigatoriamente, haverá utilização do método da fecundação in vitro. No Brasil, a manipulação genética não é permitida, mas já é realidade fora daqui. Isso permite questionar que tipo de ser humano poderá estar sendo criado. Muito embora o Eugenismo seja visto como algo totalmente negativo para a maioria das sociedades, uma vez que se trata de manipulação genética, o que leva a um pensamento de melhora da “raça”, também existe a possibilidade do Eugenismo ter aspectos positivos. Em um exemplo deste aspecto positivo feito por Paulo Gilberto Cogo Leivas e trazido por Débora Gozzo constata-se quando, ao invés de eliminação de 31 BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Novas tecnologias reprodutivas e projeto parental. Contribuição para o debate no Direito brasileiro. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/repbrau.htm. Acesso em: 24.10.2010. 32 “A clonagem é um processo de reprodução assexuada, por meio do qual são obtidos indivíduos geneticamente idênticos a partir de uma célula-mãe. Assim a Técnica de clonagem utiliza princípios da reprodução assexuada, ou seja, prescindindo da fusão do oócito com o espermatozoide. Esta técnica gera indivíduos geneticamente idênticos ao primeiro, que forneceu o material genético.” CIRNE-LIMA, Elizabeth Obino. Clonagem. In: PASQUALOTO, Fábio Firmbach. Células-Tronco, visão do especialista. Caxias do Sul: Educs, 2007.p.101. “Atualmente, as técnicas de clonagem são classificadas de duas maneiras: clonagem reprodutiva e clonagem terapêutica. Na clonagem reprodutiva, o objetivo final da técnica é gerar um novo indivíduo geneticamente idêntico ao primeiro.” Ao contrário da clonagem reprodutiva a clonagem terapêutica não visa a produzir novas cópias de indivíduos, mas produzir células para transplante. Assim a clonagem terapêutica é uma alternativa terapêutica em desenvolvimento, apresentando um propósito distinto, quando comparado à clonagem reprodutiva, pois seu objetivo é a obtenção de uma cultura em células-tronco embrionárias para o tratamento de órgãos doentes.” CIRNE-LIMA, Elizabeth Obino. Clonagem. In: PASQUALOTO, Fábio Firmbach. Células-Tronco, visão do especialista. Caxias do Sul: Educs, 2007. p.102 103. 30 indivíduos, realizam-se procedimentos com a finalidade de que nasçam somente pessoas isentas de certas características indesejáveis, como as anomalias genéticas, ou ainda pessoas com certas habilidades desejáveis.33 Existe ainda o Diagnóstico Pré-Implantacional (DPGI) 34 que vai averiguar a existência de anomalias ou doenças no embrião antes de implantá-lo. Existe também o método da Intracytoplasmic Sperm Injection (ICSI), 35 o qual é conhecido como método de injeção intracitoplasmática de espermatozoide que é efetuado através de fecundação in vitro, mas que difere em parte em razão de que, neste caso, o esperma é selecionado e injetado diretamente no óvulo selecionado. De conformidade com Dalvi, em uma ICSI o procedimento de injeção é feito com vários pares de óvulos e espermatozoides que ficam mantidos em estufas. Somente no dia seguinte é possível checar se a micromanipulação teve êxito na formação dos zigotos. Se tudo deu certo, em dois ou três dias após a fertilização os pós-embriões estarão formados. Porém, cabe salientar que este método também pode gerar embriões excedentários da mesma forma que a FIV. Por essa razão, é recomendado que sejam utilizados outros meios de reprodução assistida ou então que o casal adote um filho.36 33 A utilização do termo “eugenia” sempre leva ao pensamento da melhora da raça humana, descartando-se aqueles seres que não forem apropriados para a vida em sociedade, em especial por serem portadores de alguma anomalia, seja esta de que espécie for. Mas a eugenia não deve ser vista sempre pelo seu aspecto negativo, uma vez que ela pode ser considerada pelo seu aspecto positivo, “quando não há eliminação de indivíduos, mas sim a realização de procedimentos com o fim de que nasçam somente pessoas isentas de certas características indesejáveis, como as anomalias genéticas, ou ainda pessoas com certas habilidades desejáveis. Isto é o que foi feito em Vilarejos gregos com um alto índice de heterozigotos para uma doença genética autossômica recessiva chamada talassemia, ocasião em que foram feitos diagnósticos pré-nupciais dos heterozigotos, e os noivos foram aconselhados a não se casarem entre si. Deste modo logrou-se uma considerável diminuição da doença. Tal procedimento foi repetido na Sardenha e no Chipre, entretanto nessas localidades os casais preferiram casar-se e abortar, caso o feto fosse doente”. GOZZO. Débora. Diagnóstico pré-implantatório e responsabilidade civil à luz dos direitos fundamentais. In: Bioética e Responsabilidade. (org.). MÖLLER; Letícia Ludwig. COSTA. Judith Martins. Rio de Janeiro: Forense. 2009, p. 406. 34 DPGI- Diz Débora Gozzo que Fernando Abellán define esse diagnóstico como sendo “una técnica de reproducción asistida que consiste em El análisis genétco de embriones vivos, obtenidos por fecundación “in vitro” (FIV) para La transferência posterior AL útero de uma mujer de aquellos que se encuentrem sanos y Sean viables. GOZZO, Débora. Diagnóstico pré-implantatório e responsabilidade civil à luz dos direitos fundamentais. In: COSTA, Judith Martins; MÖLLER, Letícia Ludwig. Bioética e Responsabilidade. Rio de Janeiro: Forense, 2009.p.393. 35 ICSI- Intracytoplasmic Sperm Injection (injeção intracitoplasmática do Espermatozoide) - Neste tipo de técnica é feita a injeção de um único espermatozoide no citoplasma do óvulo por meio de um aparelho especialmente desenvolvido contendo microagulhas para injeção (micromanipulador). Segue os mesmos passos da fertilização “in vitro”. PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de Bioética. São Paulo: Edições Loyola, 2007.p.297. 36 DALVI, Luciano. Curso Avançado de Biodireito-doutrina, legislação e jurisprudência. São José (SC): Conceito Editorial, 2008.p.185. 31 Como visto, a ICSI é diferente da técnica da fertilização in vitro, pois um espermatozóide pré-selecionado é injetado dentro do óvulo. Na FIV os óvulos são colocados em provetas onde cada óvulo fica em contato direto com cerca de 100 mil espermatozoides, e a seleção é feita de forma natural, conforme já explicitado de acordo com as fases no item anterior. Interessante é a constatação de que uma ejaculação normal deposita na vagina em torno de 80 a 100 milhões de espermatozoides.37 Verifica-se, assim, que neste quadro de avanços biotecnológicos e da engenharia genética, e todas as questões deles oriundas, o surgimento da Bioética praticamente se impunha. No dizer de Sgreccia, “o vocábulo “Bioética” apareceu em 1970 no artigo escrito pelo oncólogo Van Rensselaer Potter com o título The science of survival e, no ano seguinte, no volume do mesmo autor com o título Bioethics: bridge to the future”. Embora Potter tenha sido o primeiro a lançar este nome, há um reconhecimento de todos de que a Bioética no sentido próprio do termo nasceu nos Estados Unidos e não apenas por obra de Potter. É importante dizer que Potter diagnosticou o perigo que representa para a sobrevivência do Ecossistema a separação entre o saber científico e o saber humanista. Portanto, ainda seguindo o pensamento de Potter, a Bioética se movimenta através de uma situação de alarme e de uma preocupação crítica sobre o progresso da ciência e da sociedade. Assim, teoricamente, expressa-se a dúvida sobre a capacidade de sobrevivência da humanidade justamente por efeito e em consequência do progresso científico.38 É importante ressaltar a referência sobre o Relatório Belmont que foi promulgado em 1978, resultado de uma comissão que por quatro anos estudou várias atrocidades cometidas com pesquisas em seres humanos norte-americanos. A comissão identificou três princípios que deveriam sempre ser respeitados: a) respeito pelas pessoas (autonomia), b) beneficência e c) justiça. Pela comissão do Relatório Belmont, a autonomia é entendida como a capacidade de atuar com conhecimento de causa e sem coação externa. Já no princípio da beneficência, é rechaçada a ideia de beneficência como caridade, sendo considerada de forma radical como obrigação, ou seja, não causar dano e maximizar os benefícios e 37 DALVI, Luciano. Curso Avançado de Biodireito-doutrina, legislação e jurisprudência. São José (SC): Conceito Editorial, 2008.p.187. 38 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, I- Fundamentos e ética Biomédica. São Paulo: Edições Loyola, 1996, p.23-24. 32 minimizar os possíveis riscos. Já por justiça, os membros do Conselho a entendem como a imparcialidade na distribuição dos riscos e benefícios.39 Beauchamp et Childress, em sua obra sobre “Principles of Biomedical Ethis”/79, identificaram os três princípios da Bioética como: a) beneficência (atenção aos riscos e benefícios); b) autonomia (necessidade do consentimento informado); c) Justiça (equidade quanto aos sujeitos de experimentação).40 Estes princípios são tidos hoje como princípios da Bioética. Bio = vida, mais ética é igual à ética da vida. Esta ramificação científica que busca estudar e perceber e dar direcionamento ao que é ética ou questionar a ética também traz consigo a discussão do que é moral ou não. À primeira vista parece que ética e moral são sinônimos, a ponto de se questionar em estar ou não diante de um problema ético moral. Pelo que Singer leva a crer em seu livro Ética Prática, a ética e a moral se referem à mesma conceituação, estando um inserido no outro, afastando qualquer manifestação de que a moral esteja vinculada com o lado sexual das coisas, e colocando nas suas análises ora o termo ética ora moral.41 Já sob a visão de Leonardo Boff, se tem uma definição sobre ética e moral de forma diferenciada. Segundo ele: A ética é parte da filosofia. Considera concepções de fundo acerca da vida, do universo, do ser humano e de seu destino, estatui princípios e valores que orientam pessoas e sociedades. Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e convicções. Dizemos então, que tem caráter e boa índole [...]. A moral é parte da vida concreta. Trata da prática real das pessoas que se expressam por costumes hábitos e valores culturalmente estabelecidos. Uma pessoa é moral quando age em conformidade com os costumes e valores consagrados. Estes podem eventualmente, ser questionados pela ética. Uma pessoa pode ser moral (segue os costumes até por conveniência), mas não necessariamente ética (obedece a convicções e princípios) [...]. Embora úteis estas definições são abstratas porque não mostram o processo como a ética e a moral efetivamente, surgem. E aqui os gregos nos podem ajudar. [...] partamos dos sentidos da palavra ethos, donde se deriva ética. Antes de mais nada, constatamos que escreviam a palavra de duas formas diferentes. Uma vez ethos com eta (o e longo) significando a morada humana e também caráter, jeito, modo de ser, 39 PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas Atuais de Bioética. São Paulo: Edições Loyola, 199, p.55, 57-58. 40 JUNGES, José Roque. BIOÉTICA - perspectivas e desafios. Vale dos Sinos (RS): Unisinos, 1999.p.39-40. 41 SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 33 perfil de uma pessoa. E outra vez com o épsilon (o e curto), querendo dizer costumes, usos, hábitos e tradições.42 Hoje, o que mais preocupa é entender a ética e a moral dentro dos princípios capitalistas, pois neles é que se está inserido, e são eles que terminam ditando normas e regras de conduta e de caráter, fazendo com que a sociedade viva uma crise de valores no que se refere a uma visão mais humanística. Na verdade, vive-se uma crise de ótica que termina por gerar uma crise de ética. Ainda na interpretação de Leonardo Boff na mesma obra: “A ética capitalista diz que o bom é o que permite acumular mais com menos investimento e em menos tempo possível. Já a moral capitalista diz empregar menos gente, pagar menos salários e impostos além de explorar a natureza para acumular mais meios de vida e riqueza”. 43 No entender de Engelhardt, o que constitui o desastre da cultura secular e enquadra o conceito de Bioética é o próprio fracasso do moderno projeto filosófico que não consegue descobrir uma moralidade canônica essencial. Existe uma dissonância de princípios morais que termina por não permitir a resolução das controvérsias morais. Quando usada a razão para a solução das controvérsias morais as discussões se prolongam sem conclusão final. “O argumento racional não silencia as controvérsias morais. Há diferenças que separam muitas das visões seculares e entre a interpretação secular da Bioética e as moralidades religiosas tradicionais”, sendo que estas últimas também divergem entre si. Existem fundamentais desentendimentos entre quem deveria definir o bem das pessoas, como e com respeito e a quais padrões. As questões bioéticas são muito importantes embora continuem causando divisões. Ainda no dizer de Engelhardt, “muitos que trabalham com ética aplicada ou Boética parecem desconsiderar essas dificuldades, que se encontram na raiz do pensamento moderno seguindo com a tarefa de aplicar a ética como se fosse óbvio qual ética secular deveria ser aplicada.” Existem muitas e profundas interpretações morais diferentes. A Bioética está no plural porque se está irremediavelmente diante da pluralidade da pós-modernidade. 42 BOFF, Leonardo. Ética e Moral - a busca dos fundamentos. Petrópolis: Vozes, 2003. p.36-38. 43 BOFF, Leonardo. Ética e Moral: a busca dos fundamentos. Vozes. Petrópolis. 2003.p.41. 34 O grande desafio é como criar uma Bioética em condições de falar com autoridade num contexto que é culturalmente pluralista.44 No dizer de Engelhardt, o fracasso do moderno modelo filosófico moral que buscava garantir e encontrar respostas morais somente pela razão leva de volta ao politeísmo e ao antigo ceticismo que por séculos fundamentaram a moralidade. Não existe unidade, mas uma diversidade de visões morais e bioéticas essenciais que não se submeterão a uma só interpretação. A pós-modernidade impôs uma visão totalmente multicultural e de múltiplas perspectivas. Tal fato se evidencia pela pulverização das teorias sejam elas filosóficas políticas, éticas e até mesmo religiosas. Não existe consenso entre os vários campos do conhecimento, o que dificulta saber o que é ético e moral, uma vez que cada um tem pensamento ou uma opinião divergente.45 Atualmente, constata-se que as sociedades e as instituições buscam muito o poder em todas as esferas. O saber foi posto a serviço do poder, mas esse mesmo poder terminou por ser usado para dominação. A sociedade passou a se alicerçar menos na ética e na lei do que naqueles critérios que terminaram por legalizar práticas pessoais como as sociais, econômicas e biotecnológicas. Estas práticas passaram a ser aceitas pela sociedade sem qualquer questionamento, sem perguntar a quem estas práticas estavam servindo, se aos interesses da dominação dos poderes já estabelecidos ou se à sociedade como um todo. Essa luta fica absolutamente clara quando se fala nas questões da vida humana como eutanásia, aborto, fecundação in vitro, células tronco de embriões, eugenia, venda de órgãos e clonagem. Nesta crise de valores éticos e morais tornou-se imprescindível sair do campo somente filosófico e adentrar com verdadeira força e luta dentro de uma interdisciplinaridade, onde se passa a trabalhar e discutir conceitos éticos e morais sobre a evolução da sociedade em vários campos. Para discutir, trabalhar e praticar os aspectos da ética da vida é que surge a Bioética. Para melhor entender a Bioética (ética da vida) e saber por que questões hoje tão controvertidas e que afetam a sociedade precisam ser estudadas, discutidas e trabalhadas é necessário que se dê a dimensão do que ela é e o que 44 ENGLHARDT JR, H.Tristran. Fundamentos da Bioética. São Paulo: Edições Loyola, 2004, p.34- 37. 45 ENGELHARDT JR, H.Tristran. Fundamentos da Bioética. São Paulo: Edições Loyola, 2004.p.39. 35 ela tem a ver com a ética prática. Cada autor traz consigo um conceito. Não serão citados aqui cada um deles, mas para que haja uma melhor compreensão colocar- se-á algumas posições. “Bioética é o estudo sistemático das dimensões morais-incluindo visão moral, decisões, conduta e políticas-das ciências da vida e atenção à saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas em um cenário interdisciplinar”. 46 Para Schramm, A bioética é uma ética aplicada, também chamada de “ética prática”, que visa “dar conta” dos conflitos e controvérsias morais implicados pelas práticas no âmbito das ciências da vida e da saúde do ponto de vista de algum sistema de valores (chamado também de “ética”). [...] Pode-se dizer que a bioética tem uma tríplice função, reconhecida acadêmica e socialmente: 1) descritiva, consiste em descrever e analisar os conflitos em pauta; 2) normativa com relação a tais conflitos, no duplo sentido de prescrever os comportamentos que podem ser considerados reprováveis e de prescrever aqueles considerados corretos; e 3) protetora, no sentido bastante intuitivo, de amparar, na medida do possível, todos os envolvidos em alguma disputa de interesses e valores, priorizando, quando isso for necessário, os mais fracos.47 Pode-se constatar que a Bioética é um conjunto de discursos, de pesquisas e de práticas pluridisciplinares que tem por regra estudar, esclarecer e resolver questões éticas surgidas com o avanço da engenharia genética, da biotecnologia, da biomedicina e da medicina tão presentes nas últimas décadas. Como diz Singer, a ética prática é a aplicação da ética e da moralidade a questões que também são práticas no dia a dia que vão desde o tratamento dado às minorias étnicas, igualdade de gênero, preservação do meio ambiente, novidades em pesquisas, aborto e outros.48 Com base nisso, pode-se observar que a Bioética estuda e, porque não, representa as próprias questões éticas colocadas a respeito da vida em suas mais variadas formas. Diante de todas as transformações ocorridas na modernidade e na pós- modernidade, e que envolveram as descobertas, manipulações e avanços da biotecnologia, era de se esperar que o espírito científico, o interesse médico e os anseios da maioria da sociedade por descobertas cada vez maiores, não levassem 46 REICH, W.T. Encyclopedia of. Bioethics. 2 ed. New York: MacMillan, 1995, p. 51. 47 SCHRAMM, F.R. Bioética para quê? Revista Camiliana da saúde. 2002. 48 SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 36 ao questionamento sobre quando parar. É óbvio que os cientistas, biólogos médicos geneticistas por si só não vão impor limites aos seus estudos e pesquisas mesmo que existam resistências quanto as suas atuações. Diante de tudo isso, é chegado o momento em que é impossível aceitar todas as inovações e práticas que vêm sendo orquestradas nas últimas décadas de forma profunda, sem examinar todos os níveis de conhecimento, da razão, do direito, da ética e da moralidade, da solidariedade e da dignidade da pessoa humana. Observa-se que não se trata de impedir a evolução de pesquisas que possam trazer muitos benefícios e curas, a ciência não vai retroceder, mas sim de traçar linhas de conduta e limites que possam contemplar o pensamento plural. 2.4 PREOCUPAÇÕES ECOLÓGICAS E PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO HUMANO Os grandes avanços atingidos, em especial na procriação assistida, permitem concluir que é fundamental a existência de instrumentos trazidos pela ampla discussão Bioética e do Biodireito que permitam evitar danos ao patrimônio genético como forma de preservação da vida e do próprio planeta. Nesta análise, buscar-se-á trazer a vinculação da ecologia, meio ambiente e a preservação do patrimônio genético, levando-se em consideração a proteção Constitucional. Consoante Barchifontaine, a sobrevivência da espécie humana está interligada à sobrevivência do meio ambiente e, sendo assim, ao se ampliar o conceito de dignidade, termina-se por assegurar a própria continuidade dos seres humanos seguindo uma ética de responsabilidade pelo futuro.49 A Constituição Federal Brasileira de 1988 quando trata do Meio Ambiente em seu artº 225 §, 1º inciso I, comenta da preservação e restauração dos processos ecológicos e, no inciso II, determina que “incumbe ao poder público preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País.50 49 BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Bioética e Início da Vida: alguns desafios. São Paulo: Ideias e Letras, 2004.p 20. 50 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 37 Para Fiorillo e Diaféria, o referido artigo Constitucional visa à proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado imprescindível à sadia qualidade de vida necessária para a segurança da biodiversidade e ligada à ideia de vida humana digna e com saúde em função da proteção e preservação das gerações presentes e futuras. Ainda segundo os autores, o equilíbrio ecológico do meio ambiente está ligado à ideia de um bem de uso comum do povo e da qualidade de vida, sendo assim o meio ambiente onde a biodiversidade se integra está disponível para atender a existência digna do ser humano. Dessa forma, verifica-se que o ser humano é tão integrante do meio ambiente como a água, o ar, a fauna, a flora e o patrimônio genético do País. Os bens ambientais estão ligados essencialmente aos fundamentos da cidadania, à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho. 51 Ainda segundo Fiorillo e Diaféria, o artigo 225 da Constituição Brasileira/88 pode ser considerado como um princípio fundamental de tudo o que envolve as discussões sobre a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, fator preponderante para uma sadia qualidade de vida. Nele se insere toda a sistemática necessária para a segurança da biodiversidade, ligada à ideia de vida humana digna e com saúde, em função da proteção e preservação das gerações presentes e futuras, através da atuação do Poder Público e de toda a coletividade. Fiorillo e Diaféria aduzem que o direito ao equilíbrio ecológico do meio ambiente é na verdade um direito Constitucional que transborda os limites pessoais para atender os interesses de uma sociedade de massa. A Constituição Federal Brasileira de 1988 trata do patrimônio genético no artº 225, § 1º, cabendo ao Poder Público preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País, além de fiscalizar todas as entidades que se dedicam à pesquisa e manipulação do material genético. O patrimônio genético é a essência da existência de todos os seres vivos. São eles que compõe a base vital para a biodiversidade biológica do planeta.52 § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; 51 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; DIAFÉRIA, Adriana. Biodiversidade e Patrimônio Genético no Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Max Limond. 1999. p. 27-29. 52 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; DIAFÉRIA, Adriana. Biodiversidade e patrimônio genético no Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Max Limonad, 1999.p. 27-29,53. 38 Como se verifica, sem a proteção do patrimônio genético de todos os seres vivos, obviamente que incluindo o ser humano, não se está garantindo a biodiversidade do habitat do planeta. Ainda para os autores Fiorillo e Diaféria, a biodiversidade é um dos principais alvos “da biotecnologia”, ramo da engenharia genética que visa o “uso de sistemas e organismos biológicos para aplicações científicas, industriais, agrícolas, medicinais e ambientais”. Assim, através da biotecnologia, os organismos vivos passaram a ser manipulados possibilitando a criação de organismos geneticamente modificados. Além destas possibilidades, a engenharia genética também tem caminhado no sentido de melhorar a medicina voltada aos seres humanos. Surgiu, então, a Bioética, projeto genoma humano, onde genes passaram a ser manipulados como forma de eliminar doenças hereditárias. O surgimento da Bioética foi fundamental para que os pesquisadores não levem em conta somente avanços científicos, mas também a proteção e os direitos das pessoas. 53 Como dito acima, é exatamente a biodiversidade o foco dos avanços biotecnológicos, como também é a engenharia genética em relação ao ser humano. Brauner comenta que “a própria preocupação existente com a saúde e por consequência a qualidade de vida do ser humano está interligada à discussão ecológica e ao meio ambiente, uma vez que a proteção aos recursos ecológicos diz respeito diretamente à sobrevivência do ser humano e à concretização dos direitos humanos”. 54 Na lição de Brauner, portanto, constata-se que a própria saúde humana e a sua qualidade de vida são indissociáveis da discussão ambiental, sob pena de prejuízos à sobrevivência humana. Ao se analisar Ferreira, percebe-se que para ele ecossistema significa uma inter-relação de organismos com o seu ambiente funcionando com a harmonia de um sistema. Os ecossistemas podem ser divididos em dois conjuntos de componentes: a) os vivos ou biológicos; b) os não vivos ou abióticos. Já a biodiversidade é o conjunto de seres vivos de um ecossistema. Pela Constituição cumpre preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País. Com 53 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; DIAFÉRIA, Adriana. Biodiversidade e patrimônio genético no Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 53-55,69-78. 54 BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Biotecnologia e Produção do Direito: Considerações Acerca das Dimensões Normativas das Pesquisas Genéticas no Brasil. In: SARLET, Ingo Wolfgang; LEITE, George Salomão. (orgs.). Direitos Fundamentais e Biotecnologia. São Paulo: Método. 2008.p.180. 39 tal objetivo é indispensável impedir a mutação violenta ou a alteração genética provocada com fiscalização das entidades que manipulam o material genético a fim de bloquear uma degeneração substancial do ecossistema.55 Na Lei Federal sob o nº 11.105 que entrou em vigor na data de 28.03.2005, intitulada Lei de Biossegurança, têm-se a regulamentação dos incisos II, IV e V do parágrafo 1º do art. 225 da Constituição Federal, além de outras regulamentações. A lei de Biossegurança citada trata dos Organismos Geneticamente Modificados - (OGM) (sementes, produtos) e em seu art. 5º autoriza para fins de pesquisa e terapia a utilização de células embrionárias de embriões humanos congelados estipulando prazos e condições de sua utilização para pesquisa.56 Ainda em seu art. 6º, faz a proibição tanto de itens relacionados a organismos geneticamente modificados, sua liberação no meio ambiente, questões comerciais, ao mesmo tempo em que, nos incisos III e IV proíbe a engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano e a clonagem humana.57 Dessa forma, não há como se discutir ou se dissociar a fecundação in vitro, embriões humanos congelados ou não, do estudo do Direito Ambiental e da sua garantia constitucional de preservação do patrimônio genético humano. É assim que quando a Constituição Federal fala em proteção de patrimônio genético está falando também do patrimônio genético humano. Conforme Myszczuk, o sentido jurídico do termo “preservação do patrimônio genético” na Constituição Federal designa um conjunto de obrigações que as presentes gerações possuem de conservar a variedade e totalidade das 55 FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 291-292. 7v. 56 Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização “in vitro” e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. 57 Art. 6o Fica proibido: III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano; IV – clonagem humana. 40 características genéticas da natureza, de modo a garantir um meio ambiente sadio e a existência com qualidade de vida para as futuras gerações.58 Para a autora: Embora tenha por conteúdo a diversidade genética das espécies e de ecossistemas, o direito fundamental ao ambiente natural somente assume contornos definitivos no caso concreto. Com efeito, sendo um direito prima facie, como todo direito fundamental, o ambiente natural se complementa e se delimita na relação de reciprocidade com as demais categorias de direitos fundamentais compreendendo, além da dimensão biológica, também uma dimensão sociocultural. O reconhecimento da fundamentabilidade do ambiente natural para o resguardo e a promoção da dignidade decorre da própria condição humana de não poder desenvolver- se nas nuvens. O desenvolvimento humano ocorre ambientalmente. Não obstante seja composto de elementos indivisíveis, identificando-se como direito de todo o ambiente natural é prerrogativa humana individual já que cada indivíduo humano depende de sua qualidade como garantia para o desenvolvimento das próprias potencialidades. 59 No que se refere à manipulação do patrimônio genético humano, Myszczuk diz que a sua existência somente se justifica se for para servir a uma promoção da dignidade da pessoa humana e ainda assim se ajudar a melhorar a qualidade de vida do paciente e da própria espécie humana. Não há como se admitir uma manipulação genética que sacrifique a pessoa ou venha lhe causar danos irreversíveis ou de difícil reparação.60 Como patrimônio genético, é necessário estender a compreensão a todo e qualquer organismo vivo e ter bastante claro que é da proteção deste patrimônio genético que depende a manutenção de um meio ambiente equilibrado e da rica Biodiversidade. Quando a Constituição Federal de 1988 fala em meio ambiente, proteção da biodiversidade e do patrimônio genético, nesta proteção está inserido o patrimônio genético humano. 58 MYSZCZUK, Ana Paula. Genoma Humano Limites Jurídicos à sua Manipulação. Curitiba: Juruá 2005.p.98. 59 PEREIRA E SILVA, Reinaldo. O Direito Fundamental ao Ambiente Natural. In: SARLET, Ingo Wolfgang; LEITE, George Salomão. Organizadores. Direitos Fundamentais e Biotecnologia. São Paulo: Método, 2008.p. 321. 60 MYSZCZUK, Ana Paula. Genoma Humano Limites Jurídicos à sua Manipulação. Curitiba: Juruá, 2005.p.98. 41 A nova Lei de Biossegurança sob nº 11.105 de 2005 que veio regulamentar o artigo 225, § 1º, inciso I, IV e V da Constituição Brasileira/88, que prevê a garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado e a garantia da biodiversidade e do patrimônio genético do País, trouxe em seu bojo uma penalização para o descumprimento da regulamentação das pesquisas com células-tronco embrionárias com pena de detenção e multa. Trouxe também penalização de reclusão de um a quatro anos e multa para quem pratique engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano. Previu também pena de dois a cinco anos e multa para quem realize clonagem humana; e reclusão de um a quatro anos e multa para quem liberar ou descartar OGM 61 no meio ambiente em desobediência às normas e condições estabelecidas pela Lei.62 Diante desta preocupação legislativa de punição pela inobservância do determinado na Lei 11.105/2005, se verifica claramente que esta forma coercitiva foi utilizada exatamente para buscar dar alguns limites aos pesquisadores, cientistas e médicos de forma a garantir o cumprimento da Lei e evitar abusos. Segundo Brauner, “esta posição legislativa adotada pelo País no que tange as pesquisas com células-tronco embrionárias parece identificar de forma clara um compromisso pela transparência da ciência e um controle social maior das técnicas e resultados obtidos nas pesquisas científicas”.63 Diante destas abordagens apresentadas, constata-se que existe uma preocupação clara da Constituição Brasileira em garantir as futuras gerações um meio ambiente preservado e equilibrado. Da mesma forma e no mesmo artigo 225, § 1º e incisos fica clara a preocupação Constitucional com a proteção da Biodiversidade e do patrimônio genético do País. Nesta linha Legislativa e de regulamentação surgiu a Nova Lei de Biossegurança que não somente permitiu 61 OGM- Organismos Geneticamente Modificados. 62 Dos Crimes e das Penas: Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5o desta Lei: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Art. 26. Realizar clonagem humana: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. 63 BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Biotecnologia e Produção do Direito: Considerações Acerca Das Dimensões Normativas das Pesquisas Genéticas no Brasil. In: SARLET, Ingo Wolfgang. LEITE, George Salomão. (orgs.). Direitos Fundamentais e Biotecnologia. São Paulo: Método, 2008.p.191. 42 pesquisas científicas, mas delimitou esta permissão e também impôs limites à prática de atos não permitidos pela Lei, assim o fazendo através de penalizações da esfera penal, com penas que variam de detenção à reclusão e sempre acompanhadas de multa. Meio ambiente, ecologia, ecossistemas, seres vivos dentre os quais os seres humanos fazem parte de um mesmo contexto que precisa ser protegido, a fim de que os avanços alçados nas áreas de ciência não venham desrespeitar o texto Constitucional e suas regulamentações, de forma a trazer prejuízo ou até mesmo impedir estas garantias de preservação. 43 3 CAPÍTULO 2 - IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DIANTE DA PESQUISA CIENTÍFICA COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS O capítulo anterior dedicou-se ao estudo da evolução da engenharia genética desde o século XX até o presente. Pode-se constatar, que esta evolução trouxe consigo a possibilidade da concepção de seres humanos de forma extra- corpórea em clínicas de fertilização in vitro, onde os embriões excedentes são criopreservados. Trouxe também o capítulo anterior um pouco da história, do conceito e de reflexões da bioética a cerca da engenharia genética e das questões ligadas aos embriões criopreservados. Neste segundo capítulo, necessário se faz a verificação das implicações jurídicas deste progresso científico, onde será feita uma análise da Lei de Biossegurança número 11.105-2005, que veio permitir a pesquisa com células- tronco embrionárias de embriões criopreservados. Será feita também uma análise em torno da discussão sobre a Constitucionalidade da permissão destas pesquisas, e um estudo sobre a possibilidade de existência ou não de direitos Civis e Constitucionais a ser reconhecidos aos embriões que não se enquadram nas condições legais para utilização em pesquisas com células-tronco embrionárias. 3.1 CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E DESCOMPASSO LEGAL Neste item se buscará verificar se a evolução das técnicas de reprodução assistida foi acompanhada de limites legais, compatibilizando o desenvolvimento científico com aplicação de diretrizes na utilização das técnicas procriativas a fim de evitar abusos e o possível desrespeito à dignidade humana. Esta análise será feita através da identificação de situações marcantes na evolução científica e de uma análise da legislação existente sobre a matéria incluindo-se nela a permissão de utilização de células-tronco embrionárias para pesquisa. Segundo Barboza, desde a segunda metade do século passado os avanços biotecnológicos foram passando a fazer parte do dia a dia das pessoas inclusive interferindo em suas vidas às vezes de forma irreversível. O surgimento de novas 44 técnicas e a sua colocação em prática são cada vez mais aceleradas. No início da prática é difícil conhecer e ou perceber seus efeitos futuros, o que somente ocorrerá com o passar do tempo. Desta forma passa a existir um descompasso uma vez que os efeitos destas práticas sem uma análise maior podem terminar por ferir valores e direitos consagrados, em especial sobre a dignidade humana. Ainda no dizer da autora após a fase experimental, algumas destas práticas inovadoras passam a ser ofertadas ao público em uma grande escala, passando a partir daí a ter uma nítida natureza econômico-financeira. Daí a importância de questionarmos sobre as normas jurídicas que devem regê-las.64 Desde que no Brasil, em 1984, nasceu o primeiro bebê de proveta da América Latina, os laboratórios de Fertilização in vitro foram crescendo em número, como também foi crescendo o número de casais que buscavam através desta técnica a realização do sonho da maternidade e da paternidade pois acometidos de infertilidade. É possível identificar-se que, a engenharia genética deu um grande salto. Foi à descoberta da identificação individual de cada cidadão através do DNA, que grande utilidade emprestou a humanidade seja no deslinde da filiação, no reconhecimento de corpos “post mortem” através de acidente ou outros, como também no direito penal para o esclarecimento de crimes. Além disso, com a decifração das informações contidas no espiral do DNA passou a ser possível identificar doenças e deformidades. Constatou-se pelos estudos que as técnicas de reprodução assistida no Brasil avançaram muito. Neste contexto a técnica mais procurada foi a Fertilização In vitro. Não só o procedimento em si foi aprimorado, como técnicas auxiliares foram criadas para aumentar as taxas de gravidez e a qualidade dos embriões implantados. É o caso do Diagnóstico Genético Pré-Implantacional, desenvolvido em 1994, onde é possível detectar se o futuro bebê poderá apresentar problemas cromossômicos, como a Síndrome de Down, por exemplo. Esse exame possibilita 64 BARBOZA, Heloísa Helena. A Informação Genética e as Relações de Consumo. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro. (coord.). Novos Direitos: a essencialidade do conhecimento, da cidadania,da dignidade, da igualdade e da solidariedade como elementos para a construção de um Estado Democrático Constitucional de Direito na contemporaneidade brasileira. Curitiba: Juruá, 2007. p.153. 45 que mulheres com mais de 40 anos possam desenvolver gestações mais seguras e com bebês mais saudáveis.65 O assunto é muito complexo, porém este fato não impede as pessoas de se utilizarem da fecundação in vitro. O que por muitos anos orientou a atuação das clínicas de fertilização e reprodução assistida foi a Resolução nº. 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, órgão específico que representa uma categoria de profissionais e que trouxe normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida. Esta resolução do CFM nº 1358/92 vigorou até 05 de janeiro de 2011, quando foi revogada na sua totalidade pela Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.957/2011 que passou a vigorar na data de sua publicação ou seja na data de 06/01/2011. A nova Resolução alterou o número de embriões a serem transferidos para o útero de uma mulher de acordo com a sua idade.66 Em anexo segue a íntegra das Resoluções do CFM. Conforme Alessandro Schuffner, ao longo dos anos houve um aprimoramento dos medicamentos, meios de cultura e outros componentes de um ciclo de fertilização in vitro, com conseqüente redução do custo do tratamento. Há inclusive uma regulamentação da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana e do Conselho Federal de Medicina que aborda os critérios para a “Doação de Óvulo Compartilhada”, onde uma mulher que se dispuser a doar parte dos óvulos, poderia ter seu tratamento de fertilização in vitro até mesmo gratuitamente. Segundo Schuffner, atualmente estão sendo tratados menos de 10% da população de casais inférteis. O principal motivo listado pelo médico é o fato de a infertilidade ter sido a única afecção médica que ficou fora da cobertura dos planos de saúde, após a recente regulamentação. O outro problema é que o tratamento ainda é visto como elitista, embora não seja uma vez que essas dificuldades podem ser contornadas uma vez que existem protocolos diversificados de estímulo ovariano, que são apresentados e decididos conjuntamente com o casal, onde os protocolos com estimulação mínima aproximam-se economicamente das possibilidades da maioria da população. Outro aspecto ainda mais importante, é que a infertilidade ainda não é 65 IPGO; SCHUFFNER, Alessandro. Consulta em: schffner@androlab.com.br. Arq Cons. Reg Méd do PR, 21 (82): 74-76, 2004. 66ANEXO ÚNICO DA RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/10 - NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA. 6 - O número máximo de oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro. Em relação ao número de embriões a serem transferidos, são feitas as seguintes determinações: a) mulheres com até 35 anos: até dois embriões); b) mulheres entre 36 e 39 anos: até três embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até quatro embriões. 46 encarada como um problema de saúde, apesar de ser uma condição que afeta emocionalmente o casal, lembra Schuffner. 67 Embora as técnicas de reprodução assistida tenham evoluído e sejam praticadas a todo o momento, assim como a fecundação in vitro e o implante de embriões e seu congelamento, constata-se não existirem ainda normas jurídicas específicas para regulamentar estes procedimentos. Segundo Brauner, existe uma grande liberdade para a utilização das novas técnicas reprodutivas no País em razão da ausência de uma lei brasileira que venha regular a reprodução assistida e sua prática. Para a autora, esta base normativa viria sem dúvida estimular a responsabilidade daqueles que atuam na disseminação das novas biotecnologias que tem como destinatária a vida humana. Diz ainda que o conhecimento das experiências normativas de outros países pode nos ajudar a compreender os princípios orientadores para a proteção da saúde das mulheres e das crianças que nascem das tecnologias reprodutivas.68 A Constituição Brasileira data de 1988, e o primeiro bebê de proveta da América latina nasceu no Brasil em 1984. Constata-se, portanto, que já era de pleno conhecimento social e dos Constituintes a existência e a evolução da engenharia genética bem como a existência de clínica de Fertilização in vitro no Brasil. Neste ponto, verifica-se que a Constituição Brasileira trouxe previsões que se aplicam à engenharia genética em vários momentos de sua redação, através da Instituição de princípios básicos a serem obedecidos e respeitados. O primeiro quando em seu artº 1º inciso III determinou como princípio Fundamental da Carta Magna a “defesa da dignidade da pessoa humana”. O segundo quando nos Direitos e Garantias Fundamentais trouxe no caput do seu artº 5º a “garantia da inviolabilidade da vida”. Mais adiante no inciso II do artº 225 determinou que, compete ao poder publico “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas á pesquisa e manipulação de material genético.” Contata-se assim que a Constituição Federal terminou por traçar diretrizes que defendem e garantem os direitos dos seres humanos à “vida”, à “dignidade” e a 67 IPGO; SCHUFFNER, Alessandro. Consulta em: schffner@androlab.com.br. Arq Cons. Reg Méd do PR, 21 (82): 74-76, 2004. 68 BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Reprodução humana assistida e anonimato de doadores de gametas: o direito brasileiro frente às novas formas de parentalidade. In: VIEIRA, Tereza Rodrigues. (org). Ensaios de Bioética e Direito. Brasília (DF), Consulex, 2009. p.30. 47 “preservação do patrimônio genético”, sendo estes os grandes temas que giram nas discussões da bioética quando da abordagem da evolução da engenharia genética, bem como sobre a utilização de embriões em pesquisas científicas. Verifica-se porém, que o novo Código Civil datado de 10 de janeiro 2002 não enfrentou o problema da evolução da engenharia genética, da concepção ou fecundação extracorpórea e em especial sobre as técnicas de reprodução assistida em especial da FIV e dos embriões criopreservados, referindo-se a ela somente quando trata da presunção de paternidade. Mínimas e pontuais questões mostraram o fraco enfrentamento destes temas por parte do legislador do Código de 2002. Referida Lei 10.406 (novo código civil), alterou o artigo 338 do Código Civil de 1916. O correspondente artigo se dá no artigo 1597 do Código Civil Brasileiro de 2002. 69 Como acima referido, o tratamento do legislador, dado aos embriões excedentários é o de concebidos, já no inciso III fala em fecundação homóloga e no inciso V fala em inseminação artificial. Ao se analisar o artigo 1597 e incisos constatamos que os embriões excedentários implantados posteriormente e a qualquer tempo são tratados pelo legislador como concebidos, o que significa dizer que o termo concepção claramente é usado pelo Legislador também para denominar aqueles embriões procriados em laboratório e criopreservados e não somente aqueles concebidos de forma corpórea. No dizer de Meirelles o avanço ocorrido nos métodos de reprodução humana artificial fez surgir a possibilidade de existir concepção extra-corpórea, bem como embriões in vitro. Segundo ela esta nova realidade distanciou completamente os fundamentos que norteavam a codificação civil brasileira. Ainda segundo a autora os embriões criopreservados são estranhos ao modelo clássico, pois não são pessoas uma vez que ainda não nasceram, também não são nascituros, pois não implantadas em útero de mulher como também não podem ser caracterizados como prole eventual pois já houve concepção. Embora isso, os embriões são considerados portadores de vida sendo necessária uma proteção jurídica específica, 69 Art.1597- Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: III - havidos por fecundação homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. 48 sendo que o primeiro passo para isso é distanciá-los da categoria tradicional para após ampará-los equiparando-os aos demais seres humanos.70 Segundo Rizzardo: explicita-se que a inseminação é homóloga quando o sêmem e o óvulo pertencem ao marido e a esposa; e heteróloga será se um desses elementos é doado por estranho. Difícil é a prova para apurar o momento da concepção pendendo sempre a presunção da filiação se ocorre o nascimento dentro dos períodos determinados no artigo 1597 do Novo Código Civil. Na questão sucessória se provada a filiação a qualquer tempo, desde que não se opere a prescrição aquisitiva em favor daquele que detém a posse, não se afasta o direito à ação para anulação da partilha, com a competente reclamação ou reivindicação do quinhão hereditário.71 No que se refere ao direito sucessório o Código Civil de 2002 reconhece a legitimidade para suceder ao ser humano concebido através dos artigos 1798, 1799, inciso I e art. 1800 § 4º do CCB/02. Resta saber se esta concepção poderá ser extra-corpórea ou se o legislador ao assim referir-se ateve-se apenas a concepção clássica ou intra-uterina. O que se constata é uma insegurança para os atores envolvidos na Fecundação in vitro e até mesmo na inseminação artificial ou assistida, face à ausência de previsão legal pois esses avanços da engenharia genética na esfera da reprodução humana, não dispõem de lei específica que discipline, imponha regras, de soluções, crie impedimentos, permitindo ou não determinados procedimentos. A Constituição Federal traça regras gerais de proteção a vida a dignidade da pessoa e a proteção ao patrimônio genético. O Código Civil é praticamente omisso pois somente aborda de forma acanhada a questão dos embriões criopreservados quando trata sobre a presunção de paternidade. A bioética e o Biodireito tem contribuído enormemente com as discussões e levado a sociedade civil a receber informações mais seguras e poder participar do processo de escolhas no plano normativo bem como esclarecer sobre as implicações morais e legais das questões que acompanharam as novas tecnologias e terapias. 70 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Titularidade, Células-Tronco Embrionárias e Desenvolvimento: Relativizando Categorias em Busca da Sustentabilidade. In: ______. (coord.).Terapia Celular Humana limites e possibilidades de ordem ética e jurídica. Curitiba: Juruá, 2010. p. 110.111. 71 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2006.p.50. 49 Segundo Brauner, em função dos novos e vastos conhecimentos tecnocientíficos tanto da genética como da tecnologia médica se instaurou na agenda mundial grande discussão acerca da criação de instrumentos normativos para a proteção da vida. O fato da utilização destes novos conhecimentos sobre o ser humano e a biodiversidade, repercute nos mais variados ambientes da sociedade e por conseqüência terminam por colocar em jogo muitos interesses. Sendo assim o debate público referente a uma elaboração legislativa que regulamente as intervenções da ciência sobre a vida se tornou praticamente imprescindível naquelas sociedades ditas democráticas e pluralistas.72 Para Junges a bioética é uma das faces mais dinâmicas da ética na atualidade. Embora todo o cabedal de conhecimentos que a bioética alcançou para examinar e avaliar os principais problemas que afetam a vida humana, ainda não conseguiu, ela, que houvesse uma contrapartida jurídica. A bioética para ser eficaz nos problemas que em especial atingem o ser humano necessita do Biodireito. Porém, segundo Jungues aos poucos se acorda para esta necessidade, e termina por surgir uma nova área nas ciências jurídicas. É necessário e compreensível que o direito intervenha, embora na formulação de leis referentes às questões bioéticas ainda sejam vagas e problemáticas.73 Já Diniz afirma que, embora sendo contrária às novas técnicas de reprodução assistida, entende que o jurista não pode ignorar ou ficar inerte a esta realidade aquietando-se diante de questão tão complexa. Segundo a autora o legislador não poderá se omitir de legislar sobre essas novas técnicas e que não sendo possível sua proibição, deverá dar a elas rigorosa regulamentação.74 Segundo Garrafa a bioética não chegou pautada em proibições, limites ou vetos também não existe a necessidade de que tudo seja codificado, legalizado ao contrário baseada na multidisciplinaridade, dos costumes e da pluralidade moral constatada nas sociedades modernas da humanidade, para ele o que vale é o desejo livre soberano e consciente dos indivíduos e sociedades humanas, 72 BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Biotecnologia e Produção do Direito: Considerações Acerca Das Dimensões Normativas das Pesquisas Genéticas no Brasil. In: SARLET, Ingo Wolfgang. LEITE, George Salomão. (orgs.) Direitos Fundamentais e Biotercnologia. São Paulo: Método, 2008.p.175. 73 JUNGES, José Roque. Bioética perspectivas e desafios. Vale dos Sinos (RS): Unisinos, 1999.p.124. 74 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva: 2009.p.546. 50 desde que não haja a invasão à liberdade e os direitos dos outros indivíduos ou sociedades.75 Um exemplo importante do distanciamento que ainda ocorre com o Biodireito é a falta de enfrentamento sobre as questões da engenharia genética, mais especificamente sobre as técnicas de reprodução humana assistida bem como sobre o estatuto do embrião humano e as repercussões da manipulação destes por parte de nossos legisladores. Seja pela omissão, seja pela demora na apreciação destes temas por parte dos legisladores a sociedade brasileira enfrenta questões que geram grande insegurança, especialmente no que se refere ao reconhecimento ou não de que os embriões congelados são seres humanos vivos, merecedores ou não das garantias Constitucionais e civis. Até o presente momento contamos com um número expressivo de projetos de lei tramitando em nosso congresso e que estão abaixo relacionados. 76 Proposicao Ementa Autor Partido Regime Apreciacao Situação na CD PL Dispõe sobre a utilização de técnicas de Confúcio Moura PMDB Prioridade Proposição Sujeita à CCJC - reprodução humana assistida e dá outras Apreciação do Plenário Tramitando em 2855/1 providências. Conjunto 997 Explicação: Inclui a fecundação in vitro, transferencia de pre-embriões, transferência intratubaria de gametas, a crioconservação de embriões e a gestação de substituição, a conhecida barriga de aluguel. PL Dispõe sobre a proibição ao descarte de Lamartine Posella PMDB Prioridade Proposição Sujeita à CCJC - embriões humanos fertilizados in vitro, Apreciação do Plenário Tramitando em 4664/2 determina a responsabilidade sobre os mesmos Conjunto e dá outras providências. 001 PL Dispõe sobre a autorização da fertilização Lamartine Posella PMDB Prioridade Proposição Sujeita à CCJC - humana in vitro para os casais Apreciação do Plenário Tramitando em 4665/2 comprovadamente incapazes de gerar filhos Conjunto pelo processo natural de fertilização e dá outras 001 providências. PL Proíbe a fertilização de óvulos humanos com Magno Malta - Prioridade Proposição Sujeita à CCJC - material genético proveniente de células de Apreciação do Plenário Tramitando em 6296/2 doador do gênero feminino. Conjunto 002 PL Dispõe sobre a reprodução humana assistida. Dr. Pinotti PMDB Prioridade Proposição Sujeita à CCJC - Apreciação do Plenário Tramitando em 1135/2 Explicação: Define normas para realização de Conjunto inseminação artificial, fertilização in vitro, barriga 003 de aluguel (gestação de substituição ou doação temporária do útero), e criopreservação de gametas e pré-embriões. Continua... 75 GARRAFA, Volnei. Bioética e ciência: Os limites da Manipulação da Vida Humana. In: EMERICK, Maria Celeste; MONTENEGRO, Karla B.; M.,DEGRAVE Win. Novas Tecnologias na Genética Humana; avanços e impactos para a saúde. Fundação Osvaldo Cruz-Fiocruz. Rio de Janeiro. 2007.p.177 76 Sileg – Módulo Beta órgão do Congresso Nacional- em 30/07/2010 51 Continua Dispõe sobre a Reprodução Assistida. Senado Federal - Prioridade Proposição Sujeita à CCJC - Pronta PL Apreciação do Plenário para Pauta 1184/2 Explicação: Define normas para realização de 003 inseminação artificial e fertilização in vitro; proibindo a gestação de substituição (barriga de aluguel) e os experimentos de clonagem radical. PL Disciplina o uso de técnicas de Reprodução Maninha PT Prioridade Proposição Sujeita à CCJC - Humana Assistida como um dos componentes Apreciação do Plenário Tramitando em 2061/2 auxiliares no processo de procriação, em Conjunto serviços de saúde, estabelece penalidades e dá 003 outras providências. PL Dispõe sobre a obrigatoriedade da Natureza Henrique Fontana PT Prioridade Proposição Sujeita à CSSF - Pública dos Bancos de Cordão Umbilical e Apreciação do Plenário Tramitando em 4555/2 Placentário e do Armazenamento de Embriões Conjunto resultantes da Fertilização Assistida e dá outras 004 providências. Explicação: Revoga o parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 10.205, de 2001 - Lei do Sangue. PL Introduz art. 1.597-A à Lei nº 10.406, de 10 de José Carlos PFL Prioridade Proposição Sujeita à CCJC - janeiro de 2002, que institui o Código Civil, Araújo Apreciação do Plenário Tramitando em 4686/2 assegurando o direito ao conhecimento da Conjunto origem genética do ser gerado a partir de 004 reprodução assistida, disciplina a sucessão e o vínculo parental, nas condições que menciona. Explicação: Estabelece sobre a identidade biológica. PL Estabelece normas e critérios para o Salvador Zimbaldi PTB Prioridade Proposição Sujeita à CCJC - funcionamento de Clínicas de Reprodução Apreciação do Plenário Tramitando em 4889/2 Humana. Conjunto 005 PL Altera a redação do art. 5º da Lei nº 11.105, de Takayama PMDB Prioridade Proposição Sujeita à CCJC - 24 de março de 2005, e dá outras providências. Apreciação do Plenário Aguardando 5134/2 Designação de Explicação: Torna crime inafiançável a utilização Relator 005 e pesquisa com células-tronco obtidas de embrião humano. PL Cria Programa de Reprodução Assistida no Neucimar Fraga PL Prioridade Proposição Sujeita à CCJC - Sistema Único de Saúde e dá outras Apreciação do Plenário Tramitando em 5624/2 providências. Conjunto 005 PL Altera a Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005. Dr. Pinotti DEM Prioridade Proposição Sujeita à CCJC - Apreciação do Plenário Tramitando em 3067/2 Explicação: Estabelece que as pesquisas com Conjunto células-tronco só poderão ser feitas por 008 entidades habilitadas, mediante autorização especial da Comisão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP; proíbe a remessa para o exterior de embriões congelados; veda o envio e a comercialização dos resultados das pesquisas. PL Determina a filiação resultante de fecundação Jorginho Maluly DEM Prioridade Proposição Sujeita à CCJC - artificial heteróloga, em caso de união estável. Apreciação Conclusiva Tramitando em 5266/2 pelas Comissões - Art. Conjunto Explicação: Altera a Lei nº 10.406, de 2002. 24 II 009 Quadro 1: Proposições que tratam da Fecundação In Vitro e Afins Fonte: Sileg – Módulo Beta órgão do Congresso Nacional - em 30/07/2010. Embora estejam em tramitação no congresso Nacional os referidos projetos de lei, não significa necessariamente que algum deles venha a ser aprovado. Os textos podem ser alterados, arquivados, substituídos, e talvez alguns destes ou nenhum chegue à aprovação. Sem sombra de dúvidas esta situação causa incertezas em razão da necessidade de legislação sobre este tema. 52 Analisando-se o quadro acima e levando-se em consideração a ementa de cada projeto, a primeira vista parece que tendem a se complementar originando assim normas mais abrangentes. Não resta dúvida que isolados na sua unicidade legislativa estes projetos representam muito pouco diante da necessidade social e jurídica que impera. Segundo Brauner, a diversidade de projetos que objetivam regular a prática da reprodução assistida em nosso país, nos leva a crer que a discussão e a aprovação de uma lei não serão fáceis. Segundo ela o projeto que teria maiores possibilidades seria o de nº 1.184/2003 que já recebeu duas propostas substitutivas. Para a autora mesmo um rápido exame sobre o projeto e suas emendas demonstram uma posição restritiva das práticas de reprodução assistida, proibindo congelamento de embriões; proibindo que mais de dois embriões sejam implantados por vez; autorizando a quebra do sigilo do doador a qualquer tempo desde que haja pedido formal da pessoa nascida da reprodução assistida heteróloga; proibindo ainda a prática da maternidade de substituição, mesmo quando realizada por pessoa da família da mulher que vai assumir a maternidade. Isto demonstra o quanto deve ser aprofundado o debate legislativo sobre uma lei tratando da reprodução assistida. Os pesquisadores e cientistas propõem uma discussão muito ampla para esclarecer melhor as técnicas que envolvem as práticas reprodutivas.77 Pelo exposto acima é possível verificar que dentre as diversas opiniões sobre o tema, a aprovação de uma lei sobre as novas tecnologias reprodutivas envolve questões que relevam da intimidade e da vida privada. Nessas circunstâncias a autonomia das pessoas deve ser garantida do mesmo modo que deve ser evitada a produção irresponsável de embriões e outros abusos que atualmente ainda são praticados. 77 BRAUNER, Maria Claúdia Crespo. Reprodução Assistida e Anonimato De Doadores De Gametas: o direito brasileiro frente ás novas formas de parentalidade. In: VIEIRA, Tereza Rodrigues. (orgr.). Ensaios de Bioética e Direito. Brasília (DF): Consulex, 2009.p.39-41. 53 3.2 LEI DE BIOSSEGURANÇA E SUA REGULAMENTAÇÃO Pela falta de previsão legal a respeito da evolução de pesquisas na área de engenharia genética e pela mobilização dos pesquisadores e geneticistas no ano de 2005 entrou em vigor na data de 28 de março a Lei nº. 11.105 conhecida como a nova Lei de Biossegurança que veio em seu artigo 5º permitir a utilização de embriões congelados inviáveis ou com mais de três anos de congelamento e com concordância dos genitores, em pesquisas de células tronco. Já em novembro de 2005 o Decreto nº. 5.591 no seu capítulo VII 78 veio estabelecer as condições para a realização destas pesquisas e terapias com células tronco embrionárias, determinando que os projetos deveriam ser aprovados pelo Comitês de Ética em Pesquisa (CEP). Também ficou definido que caberia ao Ministério da Saúde fazer o levantamento junto às clínicas de fertilização in vitro do número e condições de embriões congelados abrangidos pela Lei de Biossegurança. 78 CAPÍTULO VII DA PESQUISA E DA TERAPIA COM CÉLULAS-TRONCO EMBIONÁRIAS HUMANAS OBTIDAS POR FERTILIZAÇÃO IN VITRO Art. 63. É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I - sejam embriões inviáveis; ou II - sejam embriões congelados disponíveis. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células- tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa, na forma de resolução do Conselho Nacional de Saúde. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo, e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Art. 64. Cabe ao Ministério da Saúde promover levantamento e manter cadastro atualizado de embriões humanos obtidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento. § 1º As instituições que exercem atividades que envolvam congelamento e armazenamento de embriões humanos deverão informar, conforme norma específica que estabelecerá prazos, os dados necessários à identificação dos embriões inviáveis produzidos em seus estabelecimentos e dos embriões congelados disponíveis. § 2º O Ministério da Saúde expedirá a norma de que trata o § 1o no prazo de trinta dias da publicação deste Decreto. Art. 65. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA estabelecerá normas para procedimentos de coleta, processamento, teste, armazenamento, transporte, controle de qualidade e uso de células-tronco embrionárias humanas para os fins deste Capítulo. Art. 66. Os genitores que doarem, para fins de pesquisa ou terapia, células-tronco embrionárias humanas obtidas em conformidade com o disposto neste Capítulo, deverão assinar Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme norma específica do Ministério da Saúde. Art. 67. A utilização, em terapia, de células tronco embrionárias humanas, observado o art. 63, será realizada em conformidade com as diretrizes do Ministério da Saúde para a avaliação de novas tecnologias. 54 Atendendo esta previsão legal em 21 de dezembro de 2005 o Ministério da Saúde emitiu a Portaria nº. 2.526 que veio estipular condições para padronização dos procedimentos necessários para a realização prática das pesquisas com as células- tronco embrionárias. Portanto as Instituições que se dedicarem a esta atividade deverão atender todos os procedimentos previstos para que seja possível o conhecimento do número, local e situação dos embriões criopreservados que se enquadram na Lei de Biossegurança. Já na data de 17 de fevereiro de 2006 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) atendendo o que determinava o art° 65 do decreto 5.591/05 promulgou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº. 33 que adotou e aprovou o Regulamento Técnico para o funcionamento dos bancos de células e tecidos germinativos conhecido como BCTG. O objetivo do Banco de Células e Tecidos Germinativos (BCTG) segundo a RDC 33/2006 é o de selecionar doadore(a)s, coletar, transportar, registrar, processar, armazenar, descartar e liberar células e tecidos germinativos, para uso terapêutico de terceiros ou do(a) próprio(a) doador(a). Em anexo a integra da Legislação citada. Ao se examinar as legislações citadas sobre a pesquisa com células-tronco embrionárias se constata que foram impulsionadas por uma preocupação em cercar estas pesquisas de controle acompanhamento e fiscalização pelo Estado. Verifica-se que a permissão da pesquisa com embriões criopreservados mesmo que dentro de contextos específicos, representa um grande avanço para o Brasil e uma vitória de cientistas e pesquisadores que buscavam esta liberação como uma nova esperança para formulação de tratamentos de anomalias, doenças e até mesmo de pessoas com dificuldade de movimentação. Pode-se verificar que a expectativa social era a de que tivéssemos uma lei que tratasse exclusivamente da Fecundação in vitro e dos embriões criopreservados nas mais variadas nuances de sua complexa matéria. Por outro lado a falta de previsão legal quanto à possibilidade de pesquisas na área de engenharia genética e da medicina utilizando células de embrião humano trazia profunda ansiedade aos pesquisadores, geneticistas, cientistas e médicos que buscavam de todas as formas fazer pressão a fim de obter autorização para pesquisas com células tronco- embrionárias. A forma de tornar realidade este anseio era permitir a utilização de embriões criopreservados já existentes nas clínicas de fertilização. 55 De outra banda, o avanço biotecnológico já trazia a discussão quanto a utilização e comercialização das sementes transgênicas e dos produtos dela derivados, advindas, portanto de OGMs. Entre estes dois temas uma tutela constitucional em comum: ambos fazem parte da diversidade do patrimônio genético do País e a sua integridade deve ser preservada e a pesquisa e manipulação fiscalizadas, tudo conforme prevê nossa Constituição Federal em seu artº 225 §1º inciso II.79 Segundo Brauner, Assim, segundo a lei em vigor, a posição que o Brasil adotou é favorável à pesquisa com células-tronco embrionárias e para aqueles que acompanhavam toda a discussão internacional e nacional sobre a possibilidade ou não de legalização da pesquisa com células-tronco de embriões criopreservados em nosso País, esta legalização foi muito rápida e, portanto, surpreendente. 80 Muitas posições favoráveis e desfavoráveis surgiram quanto à inclusão na Lei de biossegurança de matéria relativa à permissão de pesquisas de células- tronco embrionárias 81 derivadas de embriões criopreservados. Por um lado a questão religiosa e de movimentos em defesa da vida, representados pela Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB), Centro de Direitos Humanos (CDH), Movimento em Prol da Vida - MOVITAE, que além de não aceitarem esta permissão de pesquisa com embriões humanos, buscaram atuar como “amigos da corte” (amici curiae) na ADIN nº 3.510-0, que fora proposta pelo 79 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético. 80 BRAUNER,Maria Claudia Crespo. Regulamentação das pesquisas com células tronco no Brasil. In: EMERICK, Maria Celeste; MONTENEGRO, Karla B. M.; DEGRAVE, Win. (orgs.). Novas Tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde. Rio de Janeiro: Fundação Osvaldo Cruz-Fiocruz, 2007.p.195. 81 Pelo inciso XII do art° 2º do decreto n° 5.591/2005, Células-tronco embrionárias são células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo. 56 então Procurador Geral da República buscando junto ao STF a declaração de Inconstitucionalidade desta permissão legal. Cabe ressaltar que a CNBB tinha como procurador importante jurista e, na defesa da constitucionalidade do artigo 5º muitas associações de pacientes e cientistas. Na ocasião 22 (vinte e dois) dos mais reconhecidos especialistas científicos brasileiros subiram à Tribuna em audiência Pública junto ao STF, deles extraindo-se duas correntes conforme dizeres do próprio Ministro Carlos Brito em seu relatório. A primeira deixando de reconhecer que as células-tronco embrionárias ao menos para fins de terapia humana fossem superiores às células-tronco adultas. A segunda corrente investindo entusiasticamente nos experimentos científicos com células-tronco retiradas de embriões humanos, tidas como de maior plasticidade para se transformar em todos ou quase todos tecidos humanos. 82 Segundo Campos de Carvalho e Del Corsso, as células embrionárias são classificadas como pluripotentes, isto significa que uma célula embrionária é capaz de gerar quaisquer dos tipos celulares presentes em todos os tecidos humanos com exceção da placenta. Existem também as células tronco encontradas em vários órgãos ou tecidos humanos, como no sistema nervoso, na pele, no sistema hematopoético, no trato digestivo, nos olhos, no pâncreas e no coração. A grande diferença é que as células tronco adultas são classificadas como multipotentes, tem um grau de diversidade limitado porque podem dar origem a vários tipos de células nos órgãos de onde são isoladas. Esta classificação de células-tronco multipotentes, serve, portanto para as células tronco adultas, as fetais, as retiradas de cordão umbilical. A pluripotência de células-tronco está restrita àquelas embrionárias.83 Na análise do Ministro do STF Gilmar Mendes em seu voto proferido na ADIN 3.510-0 externa que, é possível perceber que a lei, inegavelmente, foi cuidadosa na regulamentação de alguns pontos, ao exigir que as pesquisas sejam realizadas apenas com embriões humanos ditos “inviáveis”, sempre mediante o consentimento dos genitores e com aprovação prévia dos projetos por comitês de ética, ficando proibida a comercialização do material biológico utilizado. 82 Retirado do acórdão do Relator da ADIN 3.510-0, Ministro Carlos Ayres Britto. 83 CARVALHO, Antonio Carlos Campos de; DEL CORSSO, Cristiane. Células-tronco: memória, pesquisa e tecnologia. In: EMERICK, Maria Celeste; MONTENEGRO, Karla B. M.; DEGRAVE, Win. (orgs.). Novas Tecnologias na Genética Humana: Avanços e Impactos Para a Saúde. Rio de Janeiro: Fundação Osvaldo Cruz-Fiocruz, 2007.p. 51-52. 57 Continua o Ministro Gilmar Mendes, “o que causa perplexidade, por outro lado, é perceber que no Brasil, a regulamentação de um tema tão sério que envolve profundas e infindáveis discussões sobre aspectos éticos nas pesquisas científicas, seja realizada por um, e apenas um artigo”. 84 Já no posicionamento de Namba este questiona a falta de critério científico para a elaboração da lei de Biossegurança no que se refere aos artigos 5º e 6° da Lei 11.105-2005. Diz ele que “não se sabe o que seria embrião “inviável”; além disso, não há fundamento científico para se utilizar, após o lapso temporal de três anos, os embriões da reprodução assistida; não se deveria usar a expressão “clonagem terapêutica”, mas, “clonagem não reprodutiva”. Diz ele ainda que: “juridicamente é duvidoso dizer que os embriões tenham genitores, bem como afirmar que não ocorreu violação da vida privada, nos termos do artigo 21 do novo Código Civil”. Outra questão de extrema relevância levantada por Namba é como ter acesso aos dados da suposta inviabilidade. É questionado também se a privacidade dos genitores poderá ser invadida como forma de o pesquisador saber se transcorreu o tempo de congelamento exigido por lei, e mais, quem terá que obter o consentimento informado o pesquisador ou o médico assistente responsável pela reprodução assistida? 85 Se por um lado existem as críticas por constar a permissão de pesquisas com células-tronco embrionárias incluída nesta lei, temos que, na verdade, elas não são totalmente procedentes. Para fazer-se esta análise basta verificar-se que o embrião humano constitui, e integra o patrimônio genético inserido e protegido na Constituição Federal Brasileira. O patrimônio genético humano também faz parte do contexto ambiental. No desdobramento legislativo já em novembro de 2005 o Decreto nº. 5.591 no seu capítulo VII 86 veio estabelecer as condições para a realização destas 84 Ministro do STF, Mendes Gilmar. Voto proferido na ADIN 3.510-0. 85 NAMBA, Edison Tetsuzo. Manual de Bioética e Biodireito. São Paulo: Atlas, 2009.p.53. 86 CAPÍTULO VII DA PESQUISA E DA TERAPIA COM CÉLULAS-TRONCO EMBIONÁRIAS HUMANAS OBTIDAS POR FERTILIZAÇÃO IN VITRO Art. 63. É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I - sejam embriões inviáveis; ou II - sejam embriões congelados disponíveis. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. 58 pesquisas e terapias com células-tronco embrionárias, determinando que os projetos, devem ser aprovados pelo CEP Também ficou definido que caberia ao Ministério da Saúde fazer o levantamento junto às clínicas de fertilização in vitro do número e condições de embriões congelados abrangidos pela Lei de Biossegurança. Segundo Brauner, o decreto 5.591 de 22 de novembro de 2005 traz no seu artigo 3º, incisos 9° ao 15°, apresentou as definições que reputavam-se como ausentes na Lei de Biossegurança. O decreto traz definições quanto à fertilização in vitro e, essencialmente dispõe sobre a definição de embriões inviáveis e de embriões congelados disponíveis. Refere ainda o conceito de genitores e do consentimento destes genitores para que estes embriões possam ser utilizados para a pesquisa. O objetivo do decreto foi dar condições para viabilizar e operacionalizar a possibilidade dos cientistas brasileiros trabalharem com essas células, oportunizar a pesquisa e a conseqüente obtenção de linhagens de células embrionárias no Brasil.87 Ainda segundo a autora, o fato da inexistência de lei no País que regulamente a prática da reprodução assistida permitiu que as clínicas de fertilização existentes até o momento da lei 11.105, e do decreto 5.591 ambos de 2005, não necessitassem se submeter a nenhuma fiscalização ou prestar informações sobre o material biológico que possuíam. Isto sem dúvida representou e ainda representa § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células- tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa, na forma de resolução do Conselho Nacional de Saúde. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo, e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Art. 64. Cabe ao Ministério da Saúde promover levantamento e manter cadastro atualizado de embriões humanos obtidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento. § 1º As instituições que exercem atividades que envolvam congelamento e armazenamento de embriões humanos deverão informar, conforme norma específica que estabelecerá prazos, os dados necessários à identificação dos embriões inviáveis produzidos em seus estabelecimentos e dos embriões congelados disponíveis. § 2º O Ministério da Saúde expedirá a norma de que trata o § 1o no prazo de trinta dias da publicação deste Decreto. Art. 65. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA estabelecerá normas para procedimentos de coleta, processamento, teste, armazenamento, transporte, controle de qualidade e uso de células-tronco embrionárias humanas para os fins deste Capítulo. Art. 66. Os genitores que doarem, para fins de pesquisa ou terapia, células-tronco embrionárias humanas obtidas em conformidade com o disposto neste Capítulo, deverão assinar Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme norma específica do Ministério da Saúde. Art. 67. A utilização, em terapia, de células tronco embrionárias humanas, observado o art. 63, será realizada em conformidade com as diretrizes do Ministério da Saúde para a avaliação de novas tecnologias. 87 BRAUNER, Maria Claudia Crespo.Regulamentação das pesquisas com células tronco no Brasil. In: EMERICK, Maria Celeste; MONTENEGRO, Karla B. M.; DEGRAVE, Win. (orgs.). Novas Tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde. Rio de Janeiro: Fundação Osvaldo Cruz-Fiocruz, 2007.p.197-198. 59 uma dificuldade concreta para que se possa identificar os embriões que se enquadram na lei e sejam, portanto, passíveis de utilização em pesquisas.88 O Ministro do STF Gilmar Mendes assim diz em seu voto na ADIN 3.510-0: A vaguidade da Lei deixou a cargo do poder Executivo a regulamentação do tema, que o fez por meio dos arts. 63 a 67 do Decreto 5.591, de 22 de novembro de 2005. O referido decreto ainda contém remissões normativas e atos administrativos específicos de órgãos como o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A primeira impressão não há dúvida, é a de que a Lei é deficiente na regulamentação do tema e, por isso pode violar o princípio da proporcionalidade não como proibição de excesso (übermassverbot), mas como proibição de proteção deficiente (üntermassverbot).89 Dando continuidade à regulamentação determinada e atendendo à previsão legal em 21 de dezembro de 2005 o Ministério da Saúde emitiu a Portaria nº. 2.526. Já na data de 17 de fevereiro de 2006 a ANVISA atendendo o que determinava o art° 65 do decreto 5.591/05 promulgou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº. 33 que adotou e aprovou o Regulamento Técnico para o funcionamento dos bancos de células e tecidos germinativos, conhecido como BCTG. Já Costa, Fernandes, e Goldim, são bastante críticos ao fazer a análise do decreto 5.591/05, segundo eles, embora destinado a regulamentar a matéria, o referido decreto veio acentuar as imprecisões tanto no capítulo I como no VII. Criticam, eles, o critério para caracterizar a inviabilidade do embrião, que seria o da não ocorrência de divisões celulares no período de 24 horas após a fecundação. Segundo eles se estas células são incapazes de se dividir por conseqüência não teriam utilidade para fins de produção de células-tronco embrionárias. Seguem ainda questionando o critério utilizado no artigo 3º, inciso XIII que seria o da presença de alterações morfológicas. Dizem eles que não existe nenhuma informação na Legislação, pois não indica a magnitude das mesmas uma vez que é sabido que é plenamente compatível com a vida normal várias alterações genéticas. Aduzem os autores que a Portaria 2.526/05 do Ministério da Saúde em seu artigo 2º, mantém a 88 BRAUNER, Maria Claudia Crespo. Regulamentação das pesquisas com células tronco no Brasil. In: EMERICK, Maria Celeste; MONTENEGRO, Karla B. M.; DEGRAVE, Win. (orgs.). Novas Tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde. Rio de Janeiro: Fundação Osvaldo Cruz-Fiocruz, 2007.p.197-198. 89 Ministro do STF, Mendes Gilmar. Voto proferido na ADIN 3.510-0. 60 mesma ambigüidade dos outros documentos legislativos, pois, ao tentar esclarecê- los diz que o diagnóstico visa detectar “doenças genéticas”, mas não as tipifica. Ainda segundo os autores, na prática não há a possibilidade de utilização de embriões tidos como inviáveis em razão de que os textos estabelecem que, seriam disponíveis os embriões congelados até o dia 28.03.2005, salvo aqueles, que já estavam congelados e foram descongelados para fins reprodutivos.90 Outra situação colocada por eles é a de que a RDC 33, de 17.02.2006 91 que aprova o regulamento técnico para o funcionamento dos bancos de células e tecidos germinativos, caracteriza estes mesmos embriões criopreservados como sendo pré- embriões, o que no dizer dos autores os qualifica como células ou tecidos germinativos. Ora um embrião ou pré-embrião (denominação inglesa para o embrião até o 14º dia pós- fertilização) não é tecido germinativo, pois, não é capaz de gerar células tais como ovócitos ou espermatozóides. Segundo eles esta linguagem confusa e com conceitos mal-acabados são o resultado do legislador não ter conhecido a realidade antes de moldá-la em texto legal.92 Embora existam críticas à legislação, tanto à Lei 11.105; decreto 5.591/05, Portaria nº. 2.526, RDC 33 por impropriedades, questões dúbias, incertezas, fato é que tais documentos permitiram o prosseguimento das pesquisas genéticas financiadas em grande parte pelo Estado para atender às necessidades sanitárias da população. A utilização de embriões criopreservados para as pesquisas com células- tronco é permitida em vários países dentro das especificidades legais de cada legislação e os resultados das pesquisas parecem promissores. Será iniciado nos Estados Unidos mais um ensaio com células-tronco embrionárias, desta vez com pacientes acometidos pela doença de Stargardt. Esta doença é hereditária, causa degeneração macular progressiva levando a cegueira. Este ensaio clínico será realizado pela Companhia Americana Advanced Cell 90 COSTA, Judith Martins; FERNANDES, Márcia Santana; GOLDIM, José Roberto. Lei de Biossegurança-Revisitando a Medusa Legislativa. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro. (coord.). Novos Direitos: A essencialidade do conhecimento, da cidadania, da dignidade e da soliedariedade como elementos para a construção de um Estado Democrático Constitucional de Direito na Contemporaneidade brasileira. Curitiba: Juruá, 2007. p. 239-242. 91 ANVISA. Resolução de Diretoria Colegiada RDC 33, Diário Oficial da União (DOU)- 20.02.2006. 92 COSTA, Judith Martins; FERNANDES, Márcia Santana; GOLDIM, José Roberto. Lei de Biossegurança-Revisitando a Medusa Legislativa. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro. (coord.). Novos Direitos: A essencialidade do conhecimento, da cidadania, da dignidade e da soliedariedade como elementos para a construção de um Estado Democrático Constitucional de Direito na Contemporaneidade brasileira. Curitiba: Juruá, 2007. p. 239-242. 61 Technology e existe um grande otimismo em relação ao resultado uma vez que os testes em ratos foram surpreendentes.93 Ao examinar-se o voto proferido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Ministro Gilmar Mendes na ADIN 3.510-0 encontramos as referências de direito comparado por ele trazidas em seu voto. Refere o Ministro Gilmar Mendes que na Alemanha foi editada lei específica denominada de Stammzellgesetz (STZG), sobre a importação e a utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas. A Alemanha permite apenas as pesquisas com linhas de células-tronco consolidadas do exterior. É expressamente proibida na Alemanha a produção de linhas de células-tronco na própria Alemanha tornando-se imprescindível a importação de embriões para fins de pesquisa. Hoje esses embriões para importação deverão ter sido formados antes de 1º de maio de 2007 (Bundestag em 11.04.2008).94 Continua Gilmar Mendes, na Austrália, a regulamentação permite apenas a utilização de células-tronco embrionárias inviáveis (o que significa sem aptidão biológica para implantação) e com autorização dos pais e com embriões criados até 05.04.2002. Assim como na Alemanha, a Austrália estabelece uma cláusula de subsidiariedade como condição para a permissão de pesquisas com células-tronco. Ou seja, apenas é permitida para fins de pesquisa se, e somente se, não existirem ou não sejam suficientes ou adequados outros meios científicos para o alcance dos objetivos da pesquisa. Esta cláusula atende ao postulado da proporcionalidade e da precaução na utilização de novas tecnologias. É o corolário do princípio da responsabilidade.95 Ainda segundo o Ministro do STF acima citado, na França as pesquisas com células-tronco são permitidas tendo em vista o progresso terapêutico, (pour des progrès thérapeutiques majeurs), porém são objeto de ampla e rigorosa regulamentação. A lei de bioética de 6 de agosto de 2004, já autorizava as referidas pesquisas mas em caráter subsidiário. Isto significa que também a França dispõe de uma cláusula de subsidiariedade no mesmo sentido do acima citado. A agence de 93 ZATZ, Mayana. Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/genetica/doencas/um-novo-ensaio- clinico-com-celulas-tronco-embrionarias/. Acesso em 12.11.10. 94 Retirado do Voto do senhor Ministro Gilmar Mendes proferido no julgamento da ADIN nº 3.510. 95 Retirado do Voto do senhor Ministro Gilmar Mendes proferido no julgamento da ADIN nº 3.510. 62 La biomedecine passou a expedir autorizações para pesquisas com células embrionárias humanas (recherches sur I´embryon et les cellules souches embryonnaires humaines) desde 2007 com base no decreto nº 2006-121, de 6 de fevereiro de 2006, que modificou o código de saúde pública. As pesquisas somente são autorizadas após o consentimento prévio do casal genitor ou de membro sobrevivente do casal. Na Espanha diz Mendes a lei número 14 de 3 de julho de 2007 regula a pesquisa biomédica. A referida lei que veio complementar as previsões da Lei número 14 de 26 de maio de 2006 sobre as técnicas de reprodução assistida é bastante abrangente e está estruturada em 90 artigos. Esta lei estabelece princípios e garantias para a proteção dos direitos da pessoa humana, bem como limites ao princípio da liberdade de pesquisa na defesa da dignidade e da identidade do ser humano. Estabelece a referida lei em seu artigo 28 que os embriões humanos que tenham perdido sua capacidade de desenvolvimento biológico, bem como os embriões ou fetos humanos mortos poderão ser doados para fins de pesquisa biomédica ou outros fins diagnósticos, terapêuticos, farmacológicos clínicos ou cirúrgicos. Existe também a cláusula de subsidiariedade.96 No México, a lei geral de saúde do México, de 7 de fevereiro de 1984 (última alteração publicada em 18.12.2007) prevê que a pesquisa em seres humanos deverá adaptar-se a princípios científicos e éticos a justificar a pesquisa. Da mesma forma que os outros países citados, o México adota a cláusula de subsidiariedade. 97 Diz Brauner, que há países, que não proíbem ou que permitem tais pesquisas: entre eles se encontram Dinamarca, Espanha, Finlândia, Reino Unido, Bélgica, Grécia, Itália, Luxemburgo, Holanda, Suécia, Suiça, Coréia do Sul, e França. Quanto a Portugal e Alemanha estes optaram por proibir as pesquisas com embriões, em um primeiro momento.98 Pelas informações acima destacadas no que concernem às opções para regulamentar a pesquisa com células-tronco embrionárias em outros países, observa-se que o Brasil não fugiu da tendência e adotou igualmente a cláusula de 96 Retirado do Voto do senhor Ministro Gilmar Mendes proferido no julgamento da ADIN nº 3.510. 97 Retirado do Voto do senhor Ministro Gilmar Mendes proferido no julgamento da ADIN nº 3.510. 98 BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Biotecnologia e Produção do Direito: Considerações acerca das dimensões Normativas das Pesquisas Genéticas no Brasil. In: SARLET, Ingo Wolfgang; LEITE, George Salomão (orgs.). Direitos Fundamentais e Biotecnologia. São Paulo: Método, 2008.p.187. 63 subsidiaridade na medida que somente serão utilizados embriões inviáveis e doados pelo casal que tem a titularidade e para fins terapêuticos, diagnósticos e de pesquisa. Proíbe-se, sobretudo, a produção de embriões para a pesquisa e a engenharia genética. O que se constata, portanto, é que superada a primeira fase de controvérsias, os países estão investindo nas pesquisas com células-tronco embrionárias face às possibilidades de aplicações terapêuticas futuras. 3.3 ARTIGO 5º DA LEI 11.105/05 E SUA CONSTITUCIONALIDADE Como já referido o artigo 5º da Lei de Biossegurança, trouxe a permissão para pesquisas com células-tronco embrionárias de embriões criopreservados e esse dispositivo levou ao questionamento se haveria confronto direto com a norma Constitucional referente à inviolabilidade da vida e da dignidade da pessoa humana. O exame da Constitucionalidade deste artigo da lei, ateve-se aos elementos questionados na propositura da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade sob nº 3.510-0, que já foi julgada pelo STF, órgão máximo da justiça do País que já examinou a questão e decidiu pela sua Constitucionalidade. Embora a decisão afirmando sua constitucionalidade tenha sido exarada isto não significa que o questionamento tenha encerrado a controvérsia fora do cenário jurídico. Até o momento de decisão do STF muito se discutia em nosso País sobre a necessidade de nossos cientistas, biomédicos, geneticistas, médicos, enfim profissionais ligados a saúde ou a evolução de técnicas de cura de doenças terem acesso a embriões criopreservados, de forma a retirar deles as chamadas células- tronco para fins de pesquisa. Dizia o meio científico que o Brasil ficaria para traz no conhecimento e nas pesquisas que as novas tecnologias e a evolução da engenharia genética propiciavam e que o Brasil pagaria o preço pela inércia em não autorizar as pesquisas com células-tronco embrionárias. Segundo Publicação da Folha de São Paulo, em razão dessa situação e com o andamento de pesquisas com embriões em alguns países a situação se acirrava e a pressão aumentava muito a nível nacional com o clamor para a 64 permissão de utilização de células-tronco embrionárias99 para pesquisa. As células- tronco podem transformar-se em qualquer outra célula do corpo. A idéia é mobilizar esse potencial regenerativo em terapias para doenças degenerativas, como o mal de Parkinson.100 Segundo Montenegro, “mais forte que o lobby do Congresso pró pesquisas com células-tronco embrionárias foi a parcialidade que a imprensa atuou na cobertura deste tema com matérias alarmistas para a novidade em torno das pesquisas com células-tronco”.101 Foi assim que em 24 de março de 2005 a Lei 11.105 conhecida como a Lei de Biossegurança foi aprovada em nosso País, tornando legal a pesquisa com células-tronco embrionárias. Em razão do artigo 5º da Lei 11.105/2005 a Procuradoria Geral da República através do Procurador Dr. Cláudio Lemos Fonteles, interpôs no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade sob nº 3.510 alegando que os dispositivos impugnados afrontam os princípios Constitucionais da inviolabilidade do direito à vida, e a dignidade da pessoa humana garantido no art. 5º da Constituição. O autor da ação argumentou que: a) “a vida humana acontece na, e a partir da fecundação”, desenvolvendo-se continuamente. b) o zigoto, constituído por uma única célula, é um ser humano embrionário; c) é no momento da fecundação que a mulher engravida, acolhendo o zigoto e lhe propiciando um ambiente próprio para o seu desenvolvimento; d) a pesquisa com células- tronco adultas é, objetiva e 99 “As células embrionárias são derivadas do embrião, que desenvolve-se a partir de sucessivas divisões do oócito fecundado ou zigoto (resultante da união entre o óvulo, de origem materna e o espermatozóide de origem paterna). Durante as fases iniciais da embriogênese, o embrião passa pela fase onde é chamado de blastócito (cerca de 4 a 5 dias após a formação do oócito fecundado). Nessa fase o blastócito é composto por uma camada externa e uma massa interna de células.Cada uma dessas camadas celulares dará origem a diversos tecidos e órgãos do próprio feto e também formará a placenta e outros anexos embrionários como o âminio e o alantóide. Se, nesse estágio de blastócito, que é composto de aproximadamente 100-200 células, forem retiradas e cultivadas em laboratório as células que compõe a massa interna, essas darão origem à células-tronco embrionárias. As células tronco embrionárias. As células tronco embrionárias são pluripotentes. O significado dessa pluripotência é que uma célula tronco embrionária é capaz de gerar quaisquer do tipos celulares presentes em todos os tecidos do nosso organismo com exceção da placenta.” CARVALHO, Antonio Carlos Campos de; CORSSO, Cristiane Del. Células-tronco: memória, pesquisa e tecnologia. In: EMERICK, Maria Celeste; MONTENEGRO, Karla B. M.; DEGRAVE Wim. (orgs). Novas Tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz- Fiocruz, 2007.p.51. 100 Embriões no Supremo. Folha de S. Paulo. São Paulo: 21 abr. 2007, p. A 2. Disponível em: http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp?cod=364. Acesso em: 01/11/2010. 101 MONTENEGRO, Karla Bernardo Mattoso. A cobertura midiática sobre a aprovação das pesquisas com células-tronco embrionárias. In: EMERICK, Maria Celeste; MONTENEGRO, Karla B. M.; DEGRAVE, Wim. (orgs.) Novas Tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz-Fiocruz, 2007.p.211. 65 certamente mais promissora que do que a pesquisa com células-tronco embrionárias.102 Segundo relata Montenegro, pela primeira vez o Supremo Tribunal Federal em 20 de abril de 2007 nos seus quase dois séculos de história, realizou uma audiência pública para ouvir a comunidade científica sobre o “início da vida”. Foi praticamente um duelo onde havia um grupo de cientistas que defendiam o início da vida no momento da fecundação e por conseqüência condenavam o uso de células- tronco embrionárias em pesquisa, contra os que afirmavam não existir vida humana no conjunto de células dos primeiros dias de fecundação (zigoto), apenas vida em potencial, a visibilidade dos contrários aumentou, porém com a ressalva de que estes estavam representando os princípios da Igreja Católica, muitos embora nenhum deles tenha tocado em argumentos baseados em qualquer religião durante suas falas no STF e em entrevistas. 103 Para debater o tema, por proposta do ministro Carlos Britto, relator da ADIN, o STF promoveu audiência pública, aberta pela presidente Ellen Gracie e da qual participaram 34 cientistas.104 Existe uma divergência quanto ao número de cientistas que participaram desta audiência uma vez que a folha de São Paulo divulgou 34 e o Ministro Relator em seu acórdão menciona 22 autoridades científicas brasileiras. Os debates ocorridos no STF e a participação dos cientistas foram todos transcritos, acompanhados de gravação de sons e imagens, e Ministros utilizaram vários argumentos para a elaboração do seu voto. Um exemplo foi o caso do Ministro Ricardo Lewandowski que na fl. 48 do seu voto identifica trechos transcritos dos debates no STF, p. 113, 219, 220 e 223 quando aborda a questão do prazo de três anos de congelamento do embrião que entende infundado sem sentido e destituído de justificativa razoável, pois segundo ele não há qualquer explicação lógica para conferir tratamento diferenciado aos embriões tendo em conta apenas os distintos estágios de criopreservação em que se encontram. 102 Extraído do relatório do Ministro Carlos Ayres Britto no julgamento da ADIN 3.510-0. 103 MONTENEGRO, Karla Bernardo Mattoso. A cobertura midiática sobre a aprovação das pesquisas com células-tronco embrionárias. In: EMERICK, Maria Celeste; MONTENEGRO, Karla B. M.; DEGRAVE, Wim. (orgs.) Novas Tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz- Fiocruz, 2007. p. 211-212. 104 Embriões no Supremo. Folha de S. Paulo. São Paulo: 21 abr. 2007. Disponível em: http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp?cod=364. Acesso em: 01/11/2010. 66 Segundo o Ministro do STF Ricardo Lewandowski a resposta que se colhe da pergunta a essa questão, apresentada no debate público, é que tal prazo nada teria a ver com a viabilidade dos embriões, mas constitui, apenas um lapso temporal para que o casal tenha certeza se, porventura, quiser doar aqueles embriões para pesquisa. O Ministro Lewandowski em seu voto diz que tal motivação acolhida pelos legisladores apequena-se diante de informações de cientistas segundo os quais embriões com muito mais tempo de congelamento, até mesmo após treze anos de criopreservação teriam logrado sobreviver hígidos e se transformado em crianças saudáveis, depois de sua implantação no útero receptor.105 A informação levada para o debate público no STF fez com que o Ministro Ricardo Lewandowski julgasse procedente em parte a ação direta de inconstitucionalidade, para sem redução do texto da lei dar outra interpretação aos dispositivos questionados. Nesta nova interpretação ele retirou o lapso de três anos da redação. Embora este procedimento adotado por ele, nada foi modificado na decisão do STF. Já o Ministro relator Carlos Ayres Britto no corpo de seu acórdão diz que “não se nega que o início da vida humana só pode coincidir com o preciso instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino”. Não pode ser diferente. Não há outra matéria prima da vida humana ou modo diverso pelo qual esse tipo de vida animal possa começar, já em virtude de um intercurso sexual, já em virtude de um ensaio ou cultura em laboratório. Segundo o Ministro Relator na concepção artificial ou em laboratório, ainda que deixem de coincidir os fenômenos da fecundação de um determinado óvulo e a respectiva gravidez humana. A primeira, já existente (a fecundação), mas não a segunda (a gravidez). Donde vem a proposição de que se toda gestação humana principia com um embrião humano, nem todo embrião humano desencadeia uma gestação igualmente humana. Situação em que também deixam de coincidir concepção e nascituro, pelo menos enquanto o ovócito (óvulo já fecundado) não for introduzido no colo do útero feminino.106 105 Extraído do relatório e parte dispositiva do voto do Ministro Ricardo Lewandowski do STF fls.48- 49. 106 Extraído do acórdão do Ministro Carlos Ayres Britto no julgamento da Adin 3.510-0 itens 31,32,33. 67 Ainda segundo o Relator Ministro Carlos Ayres Britto “ele o cérebro humano, comparecendo como divisor de águas; isto é, aquela pessoa que preserva suas funções neurais, permanece viva para o direito. Quem já não o consegue, transpõe de vez as fronteiras “desta vida de aquém-túmulo”. Ainda segundo o Ministro em outra passagem assim se expressa o embrião referido no artigo 5º da Lei de Biossegurança não é jamais uma vida através de outra vida virginalmente nova. Faltam-lhe todas as possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas que são o anúncio biológico de um cérebro humano em gestação. Numa palavra: não há cérebro, nem concluído nem em formação. Pessoa humana não existe nem mesmo como potencialidade. Não tem como atrair para sua causa a essencial configuração jurídica da maternidade nem de adotar o substrato neural que, no fundo, é a razão de ser da atribuição de uma personalidade jurídica ao nativivo. Mais adiante afirma que “vida humana já rematadamente adornada com o atributo da personalidade civil é o fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte cerebral”.107 Como dizem Bocatto e Vieira, “o STF decidiu que, o artigo 5º da Lei de Biossegurança, que trata das pesquisas com células-tronco embrionárias não viola a dignidade da pessoa nem o direito a vida com afirmava a ADIN nº 3.510-0 proposta pelo Procurador Geral da República Cláudio Fonteles”. Segundo as autoras de forma simplificada podemos dizer que o entendimento do STF foi de que o embrião para ser compreendido como ser humano deve estar implantado no útero de uma mulher. Para o relator conforme vários pontos importantes, entende que o zigoto representa uma realidade diferente porque ainda não tem cérebro formado. Quanto a Ministra Ellen Gracie entende que enquanto o embrião não estiver implantado no útero materno, não tem como se desenvolver, não podendo ser classificado como pessoa nem como nascituro, uma vez que para isso teria que ter a oportunidade de nascer o que não ocorre com os embriões abrangidos pela Lei de Biossegurança. 107 Extraído de partes fundamentais do acórdão do Ministro Carlos Ayres Britto no acórdão referente ao julgamento da ADIN 3.510-0. Itens 55,56,57. 68 Por sua vez a Ministra Carmen Lúcia entende que as pesquisas com células tronco não podem ser substituídas por outra linha de pesquisa como a das células adultas. Ainda segundo ela o não aproveitamento para pesquisa somente geraria lixo genético. Quanto ao Ministro Joaquim Barbosa entende não ser possível se dar as costas ao desenvolvimento científico e aos eventuais benefícios que possam vir a ocorrer. Para o Ministro Marco Aurélio o início da vida pressupõe a fecundação e a viabilidade da gestação humana e que seria egoísmo desperdiçar estes embriões. Quanto ao voto do Ministro Celso de Mello extraí-se a não possibilidade da influência religiosa no Estado. Continuam Bocatto e Vieira, que mesmo os Ministros que opinaram de forma diferente, não se manifestaram contra as pesquisas com células-tronco embrionárias, apenas sugeriram mudanças, de forma a impor maior rigor na fiscalização e sem prejuízo aos embriões viáveis. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, diz tratar-se de tema extremamente sensível e que diz sim respeito à dignidade da pessoa humana, devendo haver normas que tragam organização e procedimento, para que possa existir proteção suficiente. Na conclusão das autoras citadas o grau de respeito e proteção do embrião não seria o mesmo atribuído ao ser humano já nascido com vida, e que se as pesquisas permitem embora sob certas condições, é fácil deduzir que a Lei de Biossegurança não considera pessoa o embrião principalmente quando não implantado em útero materno. 108 Como podemos constatar ao exame feito pelo STF sobre a Constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança que autoriza as pesquisas com células-tronco embrionárias, obviamente obedecendo aos requisitos da lei, o referido artigo foi considerado plenamente Constitucional, caindo por terra os argumentos tanto de alguns ‘Amicus Curiae’, como do próprio Procurador- Geral Da República. 108 BOCATTO, Marlene; VIEIRA, Tereza Rodrigues. Estudos com Células-Tronco E Seus Aspectos Bioéticos. In: VIEIRA, Tereza Rodrigues. (orgr.). Ensaios de Bioética e Direito. Brasília: Consulex, 2009. p.23-24. 69 O STF decidiu, por 6 votos a 5, pela constitucionalidade do art. 5º da Lei da Biossegurança. A conclusão do julgamento mantém a continuidade das pesquisas com células-troco embrionárias humanas.109 Para maior clareza quanto a votação ocorrida no STF importante é o esclarecimento de que o Ministro Relator Carlos Ayres Brito votou pela constitucionalidade do artº 5º da Lei de Biossegurança sendo que os Ministros Joaquim Barbosa, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello assim como as Ministras Ellen Gracie e Carmen Lúcia Antunes Rocha acompanharam integralmente o voto do relator. Quanto aos outros cinco votos proferidos pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Alberto Menezes Direito, César Peluzo, Eros Grau e Gilmar Mendes todos acolheram parcialmente o pedido de inconstitucionalidade e fizeram proposições de alguma modificação na lei 11.105/2005.110 Segundo Schaefer ao que parece o objeto da ADIN foi equivocado. A questão a ser posta não poderia ter sido o questionamento sobre o início da vida, uma vez que esta questão atormenta a humanidade há milênios, mas sim questionar se deve ou não haver embriões excedentários na reprodução humana assistida.111 Embora a decisão do STF implique em entendimentos sobre conceito de nascituro, pessoa e personalidade jurídica quando da análise das pesquisas com células-tronco embrionárias, o tema não parece ter se esgotado neste julgamento, porque outras situações poderão surgir. Existe uma gama imensa de embriões criopreservados e que não se enquadram na Lei de Biossegurança. Pode-se pensar nas questões do direito sucessório seja na sucessão legítima ou testamentária quando estiver envolvido embrião criopreservado, uma vez que o ser concebido possui legitimidade sucessória desde que concebido antes do falecimento do “de cujus”. Como se enquadraria nessa situação um embrião criopreservado? Já no Direito de Família e no Direito Civil em Geral quando abordadas outras questões, como personalidade, pessoa, nascituro e concepção dependendo das 109 Pesquisas com células-troco embrionárias humanas. Folha de S. Paulo, São Paulo, 30 maio 2008, p. A1. 110 SCHAEFER, Fernanda..Terapia Celular Humana. In: MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. (coor.). Terapia Celular Humana limites e possibilidades de ordem ética e jurídica. Curitiba: Juruá, 2010.p.73. 111SCHAEFER, Fernanda..Terapia Celular Humana. In: MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. (coor.). Terapia Celular Humana limites e possibilidades de ordem ética e jurídica. Curitiba: Juruá, 2010.p 72. 70 particularidades de cada situação como deverá decidir o Judiciário? A resposta para estas perguntas somente o tempo poderá nos revelar. 3.4 POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E CIVIS AOS EMBRIÕES NÃO ABRANGIDOS PELA LEI 11.105/05 Algumas reflexões poderão contribuir para encaminhar a discussão acerca da possibilidade de reconhecimento de direitos civis e Constitucionais aos embriões criopreservados que não se enquadram nos preceitos do artigo 5º da 11.105/2005 conhecida como a Lei de Biossegurança. Este aspecto é importante uma vez que o número de embriões criopreservados em nosso País é bastante alto estima-se que exista cerca de 25.000 mil embriões congelados em clínicas de fertilização à espera de implantação e as questões jurídicas que podem envolvê-los são das mais variadas, em especial no direito de família e no direito sucessório.112 Delimitar estas áreas não significa que não existam outras a serem estudadas como é o caso do Direito Penal, porém está área do direito não estará sendo abordada neste estudo. O artigo 5º da Lei de biossegurança traz uma limitação temporal e condições expressas para a utilização de embriões para pesquisas com células-tronco senão vejamos: Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células- tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. 112 Embriões congelados em clínicas de fertilização à espera de implantação. Disponível em: http://www.segir.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=139&Itemid=90. Acesso em: 28.09.2010. 71 Somente pela leitura do texto do artigo 5º, seus incisos e parágrafos, fica flagrante que o artigo se restringe apenas a uma gama delimitada de embriões criopreservados, seja pelas condições (inviáveis), seja, pela data de congelamento e o lapso temporal e principalmente pelo necessário consentimento dos genitores. Fica, pois, para uma análise a existência de direitos aos embriões que embora criopreservados, são viáveis, tem, ou não, o lapso de tempo de criopreservação para ser doados para pesquisa, ou quando os genitores não consentem para destinação à pesquisa. Se for analisada a abrangência do artigo 5º da Lei de Biossegurança especificamente quanto ao lapso temporal de congelamento dos embriões passíveis de utilização para pesquisa pode-se ver, que, o inciso II do artigo 5º abrange os embriões que já tenham sido criopreservados na data da publicação da referida Lei. Ocorre que a Lei foi publicada ainda em 2005. Desta forma somente se enquadram para utilização para pesquisa com células-tronco embrionárias, os embriões criopreservados há no mínimo 3 anos da publicação da Lei, ou que já estivessem congelados antes da publicação, mas somente depois de completarem o lapso de tempo de 3 (três). Além desta condição cumprida ainda existe a necessidade de consentimento dos genitores. Desta forma mesmo aqueles já criopreservados no período abrangido pela Lei 11.105/05 podem facilmente não ser utilizados para pesquisas com células- tronco embrionárias, pois, é condição “sine qua non” o consentimento dos genitores. Além disso, existe uma parcela de embriões cuja criopreservação ocorreu depois da publicação da Lei em 2005. Estes embriões não preenchem os requisitos determinados pela Lei de Biossegurança para utilização em pesquisas com células- tronco embrionárias o que leva ao questionamento de eventuais direitos a eles assegurados como seres humanos concebidos. Isto significa dizer, que existe a necessidade de ser pensado tanto na Bioética como no Biodireito, de que forma estes embriões deverão ser tratados juridicamente. Estes embriões criopreservados estariam abrangidos pela proteção da Constituição Federal em razão do princípio da inviolabilidade da vida e da dignidade humana? Uma vez concebidos in vitro e criopreservados, pois não implantados em útero materno, como tratá-los e protegê-los à luz da legislação? Caberá a esta 72 semente de vida (pois já concebido) algum direito que venha por força da nossa Lei civil atribuir a ele uma expectativa de direito? Pelo que pode se verificar tanto junto a obras de bioética e biodireito e nas obras jurídicas que abordam o assunto, sobre um fator não existe discordância, que é justamente o fato do embrião criopreservado ser um ser vivo. Entenda-se isso, como um ser vivo, humano, que se implantado no útero de mulher e ocorrer a nidação, dele resultará uma pessoa, desde que venha a nascer com vida. É sobre estes embriões que não atendem aos requisitos da Lei 11.105/05, que se busca identificar a existência de algum direito. Dentre esses direitos o que mais salta aos olhos é o direito de herança, o de ser considerado herdeiro, uma vez que segundo nosso Código Civil a condição primeira para ostentar a condição de ser herdeiro, é a de ter sido concebido antes da abertura da sucessão “do de cujus”, segundo dispõe o caput do artigo 1798. Na sucessão testamentária podem ser chamados a suceder até mesmo filhos ainda não concebidos de uma pessoa indicada pelo testador, desde que está esteja viva quando da abertura da sucessão conforme dispõe o inciso I do artº 1799 do mesmo Código Civil.113 O direito à inviolabilidade da vida e a dignidade da pessoa humana, estão elencados na Constituição Federal Brasileira de 1988 como direitos fundamentais.114 De conformidade com Meirelles, os embriões de laboratório podem representar as gerações futuras assim como todos os seres humanos já nascidos foram em sua 113 CAPÍTULO III Da Vocação Hereditária Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão 114 TÍTULO I Dos Princípios Fundamentais Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; TÍTULO II Dos Direitos e Garantias Fundamentais CAPÍTULO I DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 73 etapa inicial embriões e muitos deles foram embriões de laboratório. Sendo assim, considerando-se os embriões humanos concebidos e mantidos in vitro pertencentes a mesma natureza dos seres humanos nascidos, aplicável a eles embriões os mesmos princípios fundamentais da proteção ao direito a vida e da dignidade humana. Entende a autora não ser possível separar os embriões da proteção e da valoração personalista que emerge do texto constitucional de seus semelhantes (pessoas) já nascidos.115 Não existe em nenhuma passagem do nosso Código Civil de 2002, qualquer menção ou distinção entre ser concebido de forma corpórea ou in vitro e criopreservado. Quanto ao fecundado através da FIV, mas já implantado em útero materno, não existe dúvidas que já está equiparado em proteção ao concebido de forma corpórea, sendo considerado nascituro desde que tenha ocorrido a nidação. Segundo Diniz o embrião ou o nascituro, tem resguardados por lei os seus direitos desde a sua concepção uma vez que é a partir da concepção que começa a ter existência à vida orgânica e biológica própria e independentemente de sua mãe. Se existem normas que o protegem é porque tem personalidade jurídica. Seja na vida intra-uterina, ou in vitro tem personalidade jurídica formal, adquirindo a personalidade jurídica material se nascer com vida quando passará a ser sujeito de direitos e obrigações.116 Pelo entendimento de Diniz mencionado acima, ela expressa não existir diferença para a proteção do ser concebido seja na vida intra-uterina ou in vitro. Para Diniz, ele passa a ter direitos de proteção, pois a concepção fez com que começasse a sua vida orgânica e biológica própria e independente da mãe. O embrião teria personalidade jurídica formal o que ficaria pendente seria a personalidade jurídica material esta sim somente adquirida através do nascimento com vida. Para Pontes de Miranda 115 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Os Embriões Humanos Mantidos em Laboratório e a Proteção da Pessoa: O Novo Código Civil Brasileiro e o Texto Constitucional. In: BARBOZA, Heloisa Helena; MEIRELLES, Jussara Maria Leal de; BARRETO, Vicente de Paulo. (orgs.) Novos Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 92-94. 116 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2009, p.116-117. 74 O ser pessoa é fato jurídico: com o nascimento o ser humano entra no mundo jurídico, como elemento do suporte fático em que nascer é o núcleo. Esse fato jurídico tem a sua irradiação de eficácia. A civilização contemporânea assegurou aos que nela nasceram o serem pessoas e ter o fato jurídico do nascimento, efeitos da mais alta significação. Outros direitos, porém, surgem de outros fatos jurídicos em cujus suportes fáticos a pessoa se introduziu e em tais direitos ela se faz sujeito de direito. A personalidade é a possibilidade de se encaixar em suportes fáticos, que pela incidência de regras jurídicas, se tornem fatos jurídicos; portanto a possibilidade de ser sujeito de direito. 117 Como pode-se constatar, Pontes de Miranda já deixava delimitado dois pontos: o primeiro, o de pessoa, status este alcançado a partir do nascimento com vida, o nascimento era o núcleo. O segundo a personalidade onde existe a possibilidade de ser sujeito de direitos. Pelo fato de a primeira edição da obra ter ocorrido em 1954, pode-se concluir que a discussão não envolvia seres humanos concebidos de forma extra-corpórea. Sendo assim é possível dentro de uma interpretação à luz do código Civil de 1916 que ao se referir a pessoa decorrente do nascimento interpretar que daí decorria a personalidade material e que a possibilidade de ser sujeito de direitos ficaria afeita à aquisição da personalidade formal que se iniciaria com a concepção. Ao que se constata este entendimento estaria repetido no Código Civil de 2002 no seu artigo 2º quando diz que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro”.118 Semião, diz que para Teixeira de Freitas, “a Lei protege o nascituro desde a sua concepção já reconhecendo nele um sujeito de direitos” enquanto Eduardo Espínola é categórico ao dizer que o início da personalidade somente se dá através do nascimento com vida, passando assim a ser pessoa não lhe sendo atribuído antes do nascimento qualquer personalidade jurídica.119 Senise Lisboa, ao fazer um estudo comparativo dos mais diversos pensamentos de juristas diz que para Beviláqua “não há direito sem sujeito, daí porque a impossibilidade de reconhecer ao nascituro a personalidade”. Já para 117 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p.153. 1v. 118 Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. 119 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os Direitos do Nascituro - Aspectos cíveis, Criminais e do Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p.33. 75 Sílvio Rodrigues “a lei não concede personalidade ao nascituro”, e Sílvio Venosa afirma que “o nascituro tem apenas uma expectativa de direito, apesar da proteção legal que lhe é conferida”. Continua o autor dizendo que para Caio Mário, “o nascituro ainda não é uma pessoa, mas um ser dotado de personalidade jurídica, sendo titular de direitos em estado potencial e que entre esses direitos encontram-se a curatela do nascituro e a sua vocação virtual para herdar”. Quanto a Carlos Alberto Bittar “o nascituro possui direitos de personalidade a serem resguardados”. Por fim Senise Lisboa diz que embora existam posições respeitáveis em sentido contrário, não se pode negar a existência de direitos da personalidade em favor do nascituro e que esses direitos da personalidade são assegurados pelo novo Código Civil desde a sua concepção.120 Meirelles, referindo-se ao artigo 2º do Código Civil/02 afirma que a lei põe a salvo desde a concepção, os direitos do nascituro e por conseqüência os embriões de laboratório também estão protegidos.121 Constata-se pelo que foi exposto que os embriões criopreservados poderão ter sua proteção e direitos resguardados, embora alguns pensamentos divergentes a esta proteção. Igualmente é possível perceber que em especial o Código Civil, apesar de ter sido omisso e não ter enfrentado a questão dos embriões e da reprodução assistida, também não impede a busca de proteção aos embriões porque não traz nenhuma exclusão a esta proteção. A Constituição Federal por sua vez traz princípios que podem embasar esta proteção apesar das discussões que poderão surgir. Verifica-se também que a legislação ressente-se da ausência de uma lei específica sobre a reprodução assistida e que poderia reduzir ou até eliminar as discussões judiciais portando sobre os embriões criopreservados. Até a edição de uma lei sobre o tema o debate estará aberto. 120 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 201. 1v. 121 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Os Embriões Humanos Mantidos em Laboratório e a Proteção da Pessoa: O Novo Código Civil Brasileiro e o Texto Constitucional. In: BARBOZA, Heloisa Helena; MEIRELLES, Jussara Maria Leal de; BARRETO, Vicente de Paulo. (orgs.). Novos Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.p 85. 76 4 CAPÍTULO 3 - EMBRIÃO CRIOPRESERVADO E PERSPECTIVAS DE SUA PROTEÇÃO JURÍDICA O presente capítulo busca fazer uma análise através de um estudo mais apurado dos Códigos Civis Brasileiros de 1916 e 2002, além da Constituição Federal de 1988, aprimorando o estudo comparativo quanto ao eventual tratamento a ser aplicado ao embrião humano criopreservado em cada um desses instrumentos legais. Dessa forma, buscar-se-á traçar um paralelo entre algumas questões controvertidas e interpretações dos textos legais na doutrina jurídica. Por fim, a partir das análises elaboradas, serão apresentados subsídios que poderão nortear a expectativa de ser possível, ou não, necessário ou dispensável, a existência de um estatuto do embrião humano. 4.1 CÓDIGO CIVIL/1916 E A GARANTIA DE DIREITOS AOS SERES HUMANOS JÁ CONCEBIDOS Neste primeiro ponto, são examinadas as previsões do Código Civil de 1916 referentes ao ser humano concebido e a existência ou não de direitos e proteção a ele atribuídos. A abordagem deste tema é importante para o presente trabalho, porque é desde a Lei nº 3.071/16 que o Brasil passou a ter o seu primeiro Código Civil identificado por todos; não pelo número da Lei, mas como Código de 1916. Foi a partir daí que o Brasil passou a ter uma Legislação própria reunida em uma grande codificação a tratar das relações Civis em todos os seus aspectos como, por exemplo: início da Personalidade Jurídica, Obrigações, Contratos, Direito de família e sucessório. Desde o advento do Código de 1916, através do artigo 4º, ficou assentado juridicamente que “a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”. Naquele momento, e por várias décadas do século XX, tudo era fácil sob o ponto de vista da análise jurídica quanto à proteção ao nascituro desde a sua concepção, eis que a concepção de ser humano até meados dos anos 80 somente 77 ocorreria em corpo de mulher. Até então, a proteção determinada pelo Código Civil de 1916 no que se refere ao resguardo do nascituro desde a sua concepção não trazia dúvidas. É interessante destacar que já no Direito Romano havia normas que se referiam ao nascituro. Naquela época, o feto gerado e fazendo parte do corpo da mãe era considerado como parte dela, sendo que a aquisição da personalidade jurídica do nascituro coincidia com o seu nascimento. Os interesses do nascituro eram resguardados como também protegidos e, em face deles, determinava-se a antecipação presumida de seu nascimento, fundamentada no “nasciturus pro iam nato habetur quoties de eius commodis agitu”; operacionalizando-se, nestes termos, a equiparação do “infans conceptus” ao já nascido, não com o objetivo de considerá- lo pessoa, mas no intuito de assegurar os seus interesses, ou seja, os interesses daquele que estava por nascer. Por óbvio que naquela época a concepção somente poderia ocorrer de forma corpórea.122 Segundo Neves, no que se refere à natureza jurídica do nascituro, a doutrina registra três teorias. São elas: a) A teoria natalista que estabelece que a personalidade se inicia no nascimento com vida; uma vez que, antes do nascimento não existe pessoa, mas tão somente um ser humano ao qual o ordenamento jurídico assegura seus interesses. Todavia, se o nascituro não nascer com vida, nunca existirá pessoa, e por consequência, nunca houve também aquisição de direitos. Na condição de nascituro o que existe é a expectativa da aquisição de direitos. Sendo a tutela do Estado para garantir que os direitos do nascituro sejam protegidos até o seu nascimento e, deles possa gozar e usufruir. A proteção do nascituro é uma garantia do direito à vida, à integridade física, ao desenvolvimento saudável, etc. constituem-se em direitos de proteção para aquele que vier a nascer. Lembrando que o nascimento com vida produz efeitos que retroagem até a concepção, para aquele que assume a condição de titular de direitos. b) A teoria condicionalista preceitua que o nascituro tem personalidade que depende de condição resolutiva, qual seja, o nascimento com vida. c) A teoria concepcionista estabelece que o nascituro já possui personalidade jurídica desde a concepção e não com o nascimento com vida, considerando que muitos dos direitos e status “não dependem do nascimento com vida.123 122. Direito Romano havia normas que se referiam ao nascituro. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/10815/e-o-nascituro-sujeito-de-direitos. Acesso em: 08.11.2010. 123 NEVES, Rodrigo Santos. Curso de Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.p.98. 78 Quando se examina Semião, constata-se a afirmação de que Teixeira de Freitas é adepto à teoria concepcionista, pois a Lei protege o nascituro reconhecendo nele um sujeito de direitos. Desta escola concepcionista também fazem parte Clóvis e Carlos de Carvalho, sendo que os mesmos se amparam em especial no fundamento de que desde a concepção o ser humano é protegido pelo direito como se já tivesse nascido. É punido o aborto como crime contra a vida; o direito processual autoriza a posse em nome do nascituro; o nascituro pode ser representado por um curador; admite o reconhecimento de filhos ainda por nascer; pode o nascituro receber por doações ou por testamento.124 Semião continua dizendo que, já na escola natalista, se encontram juristas como Espínola, Pontes de Miranda, Caio Mário da Silva Pereira e Ferrara, os quais entendem que a teoria concepcionista não é correta porque o ser humano, enquanto não separado do corpo materno, faz parte das vísceras da mãe e não tem existência própria. Ele assevera que Eduardo Espínola é categórico ao defender que o início da personalidade civil do homem somente se dará a partir do nascimento com vida. Assim, antes de nascer não é pessoa, e não tem personalidade jurídica.125 A posição destes juristas demonstra com clareza que mesmo no Código de 1916 não havia unanimidade de pensamento. O mais interessante ainda é analisar o artigo 4º 126 daquele código para verificar que ele pode ser dividido em duas partes: a primeira atendendo a escola ou teoria natalista; e a segunda parte a teoria concepcionista. Numa passagem da sua obra de Direito Civil, Monteiro diz que divergem as legislações contemporâneas sobre o termo inicial da personalidade, como é o caso do Código Civil alemão (art. 1º), o português (art. 66) e o italiano (art. 1º), no que se reporta ao nascimento. Porém, outras acreditam que a personalidade tem início com a concepção, como é o caso do Código Civil argentino (art. 70). E a terceira corrente, a eclética, acolhe o entendimento de que se o nascituro nasce com vida sua capacidade remontará à concepção, como é o caso da França.127 124 SEMIÃO, Sérgio, Abdalla. Os direitos do nascituro, aspectos cíveis, criminais e do Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p.33-34. 125 SEMIÃO, Sérgio, Abdalla. Os direitos do nascituro, aspectos cíveis, criminais e do Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p.33-34. 126 Art. 4o A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro. 127 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1991.p.58. 79 Quando se analisa a teoria adotada por estes países citados por Monteiro, pode-se, numa rápida análise, chegar a uma constatação mesmo que não unânime que o Código Civil de 1916, em seu artigo 4º, traz inserido em seu texto pela forma redigida a mesma situação eclética da França. Ainda através dos doutrinadores, Rodrigues diz que nascituro é o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno, sendo que a lei não lhe concede personalidade jurídica, pois a mesma só lhe será conferida se nascer com vida. Mas como provavelmente nascerá com vida, o ordenamento jurídico desde logo lhe preserva seus interesses futuros, tomando medidas no intuito de salvaguardar os direitos, dos quais, com muita probabilidade, será titular.128 Além de Rodrigues, Carvalho Santos tem pensamento similar, pois, no dizer dele, todas as vezes que o Código Civil de 1916 trata de amparar os interesses do nascituro, este é visto como se já existisse. Porque este é considerado um sujeito em processo de formação, e como tal a lei se preocupa em aguardar o seu nascimento, na esperança de que esse sujeito em gestação se transforme em uma verdadeira pessoa física capaz de direitos subjetivos, haja vista que com o nascimento começa a capacidade de adquirir direitos.129 O Código Civil de 1916, apesar de não considerar o nascituro como pessoa, em determinadas situações trata-o como se pessoa fosse, a fim de defender, resguardar e preservar os seus direitos, os quais se encontram sob expectativa de aquisição, pois os mesmos somente seriam realmente adquiridos com o nascimento. E, até o nascimento, os direitos permanecem suspensos, visando ocultar a anomalia de direitos provisoriamente sem sujeito. Pelos estudos feitos, verifica-se que embora o Código Civil não considere o nascituro uma “pessoa”, reconhece que ele tem direito à vida, e não mera expectativa desta. Verifica-se também que o termo nascituro é utilizado para o ser humano já em gestação em útero materno, ou seja, a caminho de um nascimento com vida que poderá ou não ocorrer. Sendo assim, durante o período de gestação ele possui resguardada esta expectativa de direito. Para Monteiro, “independentemente da conceituação dada ao nascituro (pessoa virtual, cidadão em germe, homem in spem), há para o feto uma expectativa 128 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 37. 129 SANTOS, João Manuel de Carvalho. Código Civil Interpretado. 14 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1986. p. 246-248. 1v. 80 de vida humana, uma pessoa em formação. Continua ele que por essa razão a lei não pode simplesmente ignorá-lo e, por isso, deve salvaguardar seus eventuais direitos”.130 Consoante Levenhagen, depreende-se que o art. 4º do referido Código de 1916, ao indicar o surgimento da personalidade com o nascimento com vida, põe a salvo, entretanto, os direitos do nascituro. A ressalva não significa exceção à regra de que a personalidade só começa com o nascimento com vida. O feto não tem personalidade, não é, ainda, uma pessoa sob o ponto de vista jurídico. Contudo, levando em conta a expectativa de vida humana, a lei não podia deixar de levar em consideração esse fato concreto da formação de uma pessoa e, por isso, é que lhe resguarda preventivamente eventuais direitos. Porém, para que se concretize a aquisição dos direitos é imprescindível que ocorra o nascimento com vida do feto. Mas, se não houver o nascimento com vida, torna-se inoperante a ressalva, não ocorrendo a aquisição de direitos. Assim, no caso de vir a ser precedida a partilha dos bens do “de cujus”, na qual tenha figurado o nascituro como um dos herdeiros, e se o seu nascimento ocorreu sem vida, o quinhão que lhe fora reservado será partilhado entre os demais herdeiros vivos.131 Posteriormente, o avanço da engenharia genética evoluiu profundamente e a concepção extracorpórea se tornou realidade. No Brasil, desde 1982, com o nascimento do primeiro bebê de proveta, Ana Paula Caldera, a situação passou a trazer indagações. Surgiu a Bioética e o Biodireito, examinando as questões éticas e até mesmo jurídicas. Em sequência, foi promulgada a Constituição de 1988, que tratou dos direitos fundamentais determinando o princípio da inviolabilidade da vida e da dignidade do ser humano, colocando os direitos fundamentais como base constitucional. Tudo isso antes do advento do Código Civil de 2002. De acordo com Caeiro, a teoria concepcionista é a que garante direitos ao nascituro, desde a sua concepção. Ele traz uma análise interessante que abrange o nascimento da Constituição Federal de 1988. Segundo o autor, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, só se pode sustentar a existência de uma única teoria para designar o início da personalidade jurídica, a teoria concepcionista, uma vez que está alicerçada no princípio da dignidade da pessoa 130 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1991.p.59. 131 LEVENHAGEN, Antonio José de Souza. Código Civil: comentários didáticos: parte geral. 2 ed. São Paulo: Atlas. 1993. p. 25-26. 81 humana como valor supremo, protege a vida desde o seu início, considera o nascituro como pessoa, sujeito de direitos, os quais seriam adquiridos a partir do nascimento com vida.132 Já Caeiro afirma que é na Carta Magna que se encontra o fundamento para a defesa da teoria concepcionista, sendo que o mero reconhecimento de direitos a um determinado ente não é premissa suficiente à conclusão de que este possui personalidade. Tal equívoco é provocado pela insistência em situar o Código como norma central do Direito Civil e interpretá-lo fazendo uso de uma hermenêutica distante dos princípios constitucionais.133 Constata-se que a Constituição Federal de 1988 foi um marco jurídico para o direito. A Constituição Federal foi um divisor de águas e em especial nos Direitos Fundamentais na proteção à vida, à dignidade do ser humano, na proteção ambiental na igualdade de tratamento de gênero, na igualdade do tratamento da filiação, no reconhecimento da união estável entre homem e mulher, entre tantos outros. Por uma questão de hierarquia, o Código Civil de 1916 que vigorava passou a ser usado à luz da Constituição Federal nas questões judiciais que por ela eram envolvidas. Na concepção de Maria Helena Diniz, as novas técnicas de fertilização in vitro e o congelamento de embriões humanos desencadeou um problema relativo ao momento em que se deve considerar juridicamente o nascituro. Considerando o entendimento que a vida tem início, ou seja, com a concepção no ventre materno, e em se tratando de fecundação na proveta, apesar de a fecundação do óvulo se dar pelo espermatozoide, sendo neste caso a nidação do zigoto ou ovo que a garantirá, para alguns autores, o nascituro só será “pessoa” quando o ovo fecundado for implantado no útero materno, sob a condição do nascimento com vida. Por outro lado, apesar de a vida se iniciar com a fecundação e, a vida viável, com a gravidez, a qual se dá através da nidação, a autora entende que na verdade o início legal da consideração jurídica da personalidade se dá no exato momento da penetração do espermatozoide no óvulo, mesmo que esta ocorra fora do corpo da mulher. A jurista 132 CAEIRO, Marina Vanessa Gomes; CECCON, Luis Fernando Ribas (co-autor). O nascituro e a sua controvertida personalidade jurídica. Conteúdo Jurídico. Brasília (DF) 2010. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.28546. Acesso em: 07.11.2010. 133 CAEIRO, Marina Vanessa Gomes; CECCON, Luis Fernando Ribas (co-autor). O nascituro e a sua controvertida personalidade jurídica. Conteúdo Jurídico. Brasília (DF) 2010. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.28546. Acesso em: 07.11.2010. 82 ressalta, ainda, que a Lei n. 8.974/95, em seu art. 8º, incisos II, III e IV, e art. 13, 134 reforçou essa ideia ao vedar: a) a manipulação genética de células germinais humanas; b) intervenção de material genético humano in vivo, salvo para o tratamento de defeitos genéticos; c) produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material genético disponível, como também considerar crimes, estes atos, punindo-os rigorosamente. Para ela, razão assiste aos adeptos da teoria concepcionista, considerando que o Código Civil resguarda a partir da concepção os direitos do nascituro. Exemplo disso se encontra135 nos artigos 353,136 357,137 parágrafo único, 372,138 377,139 458,140 462,141 e 1.718, 142 todos do Código Civil de 1916.143 Assim, constata-se que existem posições adversas entre os doutrinadores quanto ao início da proteção jurídica do embrião, dividindo-se entre as teorias natalista e concepcioniosta. Existe também divergência entre a compreensão do termo concepção e nascituro, uma vez que por décadas de vigência do Código Civil de 1916 a concepção somente ocorreria dentro do útero da mulher, e este ser, assim concebido, era denominado nascituro até o seu nascimento com vida. Outra questão de fundamental importância constatada é que a Constituição Federal, mesmo que tenha sido promulgada em 1988 ainda na vigência do Código Civil de 1916 e incorporando a inviolabilidade da vida e a dignidade da pessoa 134 A Lei 8.974 de 05.01.1995 acima citada vigou até 2005 com a entrada em vigor da Nova Lei de Biossegurança sob nº 11.105/2005. Importante verificar, portanto, que a Lei 8.974 vigorou durante período de vigência do Código de 1916, da Constituição Federal de 1988 e inclusive por quase três anos da vigência do Novo Código Civil/2002. 135 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 8-10. 136 Art. 353. A legitimação resulta do casamento dos pais, estando concebido, ou depois de havido o filho (art. 229). 137 Art. 357. O reconhecimento voluntário do filho ilegítimo pode fazer-se ou no próprio termo de nascimento, ou mediante escritura pública, ou por testamento (art. 184, parágrafo único). 138 Art. 372. Não se pode adotar sem o consentimento do adotado ou de seu representante legal se for incapaz ou nascituro. (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 8.5.1957). 139 Art. 377. Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária. (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 8.5.1957). 140Art. 458. A autoridade do curador estende-se à pessoa e bens dos filhos do curatelado, nascidos ou nascituros (art. 462, parágrafo único). (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919). 141 Art. 462. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer, estando a mulher grávida, e não tendo o pátrio poder. Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro (art. 458). 142 Art. 1.718. São absolutamente incapazes de adquirir por testamento os indivíduos não concebidos até a morte do testador, salvo se a disposição deste se referir à prole eventual de pessoas por ele designadas e existentes ao abrir-se a sucessão. 143 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 3 ed. 1997. p. 8.9.10. 83 humana, portanto proteção a vida como princípios a serem seguidos, em momento algum refere quando começa a vida, ou fala em embrião ou nascituro. Da mesma forma, é importante relembrar que o STF, ao julgar a ADIN 3510- 0, (já fartamente abordada neste trabalho), julgou Constitucional o artigo 5º da Lei de Biossegurança, que permite a pesquisa com células-tronco embrionárias de embriões criopreservados dentro dos casos especificados naquela Lei. Este é um fato jurídico concreto que demonstra a discordância quanto ao início da vida a ser protegida. Diante de todas estas questões e entendimentos, se percebe que permanece sem resposta a questão sobre a existência ou não de proteção legal sobre os embriões cuja concepção ocorreu in vitro e que foram criopreservados. Permanece também sem resposta o questionamento de existência de proteção à vida e à perspectiva de direitos para os embriões criopreservados que não se enquadrem no artigo 5º da Lei de Biossegurança ou dos que embora se enquadrando nos requisitos para pesquisa esta não seja permitida pelos genitores. Por este estudo, verificou-se, quase por unanimidade, que os embriões criopreservados são seres humanos em potencial, mas que a garantia indiscutível de proteção ocorre quando já implantados em útero de mulher e a ocorrência de nidação, sendo, a partir daí, considerado nascituro. A discussão sobre este tema é um desafio constante, além de ser multidisciplinar, mas que já está sendo enfrentado nas mais variadas frentes. 4.2 LEI 10.406/02 - FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E AUSÊNCIA DE DIFERENCIAÇÃO ENTRE CONCEPÇÃO CORPÓREA E EXTRACORPÓREA Depois do que foi abordado anteriormente, parece importante o estudo da Lei 10.406/02, conhecida como Novo Código Civil de 2002 que passou a vigorar em 11.01.2003, a fim de buscar subsídios sobre a forma de tratamento legislativo sobre concepção corpórea ou extracorpórea, trazendo conjuntamente o estudo da Constituição Federal de 1988 que foi promulgada anteriormente ao Novo Código Civil. 84 Segundo Sarlet, a Constituição Federal brasileira de 1988 é o resultado de um amplo processo de discussão que foi oportunizada graças ao processo de redemocratização do País após a ditadura militar.144 Conforme Piovesan, além da Constituição Federal de 1988 ter sido um marco jurídico da transição ao regime democrático, ela alargou significativamente o Campo dos direitos e garantias fundamentais, se colocando assim entre as Constituições mais avançadas do mundo. Dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de Direito, destacam-se a cidadania e a dignidade da pessoa humana. É acentuada a preocupação da Constituição em assegurar os valores da dignidade e do bem-estar da pessoa humana, como imperativo de justiça social. A Constituição de 88 assume como ponto de partida a gramática dos direitos. Assim, é sob a perspectiva dos direitos que se afirma o Estado e não sob a perspectiva do Estado que se afirmam os direitos. Este é um marco jurídico que fomenta extraordinários avanços nos âmbitos da normatividade interna e internacional.145 Em regra as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. A própria Constituição Federal, em uma norma síntese, determina tal fato dizendo que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.146 Pela citação de Moraes, constata-se que com a promulgação da Constituição, toda Lei Infraconstitucional existente deveria ser interpretada à luz destes princípios, inclusive o Código Civil de 1916. Quanto ao Novo Código Civil de 2002, este é o resultado de quase 30 anos de tramitação legislativa e, diferente do que o mundo jurídico esperava, ele já nasceu deixando muitas indagações sem resposta. No que se refere à reprodução assistida, nem a Constituição Federal (CF/88) nem o Código Civil (CC/2002) tratam do assunto, possivelmente porque deixaram para uma lei especial a regulação desta matéria. 144 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 63. 145 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva. 2010. p. 25-37. 146 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2005.p.27. 85 Na análise da nova Codificação Civil constata-se de pronto que o art. 4º do Código Civil de 1916 foi praticamente reproduzido no art. 2º da Lei nº 10.406/2002, mudando-se apenas o termo homem por pessoa. Assim ficou a redação do referido artigo 2º: “Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Pelo próprio artigo acima citado já se percebe que o legislador, quando da redação deste artigo que termina por refletir em todos os direitos do ser concebido, mesmo ciente do avanço da engenharia genética, da concepção extracorpórea e, portanto, da existência de embriões e conhecedor dos princípios Fundamentais da Constituição Federal de 1988, não se dedicou à redação desde artigo de forma a eliminar as dúvidas sobre as diferentes formas de concepção. Melhor sorte não cabe quando se busca na doutrina jurídica o termo concepção. Neves entende que existe a necessidade de separar embrião de nascituro. Segundo ele, embrião no sentido jurídico é aquele concebido in vitro e ainda não inserido no útero materno. Já o nascituro é aquele concebido e já existente no útero materno. Para o autor, só há nascituro se este estiver no útero materno. Ainda afirma o autor ser adepto da teoria natalista, através da qual só se adquire personalidade jurídica com o nascimento com vida. O autor comenta que nascituro não é pessoa, e que se a lei lhe assegura direitos não é por ser nascituro, mas sim para lhe garantir, se nascer com vida, direitos que se efetivam somente com o seu nascimento.147 Ainda para Neves, não se pode “coisificar” o embrião, mas também não se pode lhe conferir direitos através do reconhecimento da personalidade jurídica. Entende o autor que o embrião criopreservado tanto é apenas material genético e não pessoa que a Lei de Biossegurança possibilita pesquisas com embriões excedentários que se enquadrem naquela lei.148 O projeto de Lei nº 6.960/2002, apresentado pelo deputado Ricardo Fiuza e substituído pelo projeto de Lei nº 276/2007, buscando aperfeiçoar o novo Código Civil, propõe que se dê ao art. 2º a seguinte redação: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do embrião e do nascituro”. A sugestão de inclusão do embrião segue 147 NEVES, Rodrigo Santos. Curso de Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 100. 148 NEVES, Rodrigo Santos. Curso de Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 100. 86 sugestão da professora Maria Helena Diniz sob o argumento de que embora não considerado nascituro antes de implantado e viabilizado no útero materno, também o embrião é sujeito de direitos.149 Os termos concepção e nascituro, antes das últimas duas décadas do século xx, terminavam por confundir-se, pois a concepção somente ocorria no ventre materno. Hoje, diante das técnicas de reprodução assistida, a situação é diferente pela possibilidade de haver concepção-fertilização em laboratório e criopreservação de embriões, e sua criopreservação faz com que exista uma expectativa de desenvolvimento do embrião, tornando-se este nascituro quando implantado em útero de mulher. Embora esta constatação, Diniz estenda a proteção compreendendo-se que na vida intrauterina, o nascituro, e na vida extrauterina, o embrião, têm personalidade jurídica formal, no que diz respeito aos direitos personalíssimos e aos da personalidade, uma vez que cada pessoa possui uma carga genética diferenciada desde a concepção, quer seja ela in vivo ou in vitro, segundo a Recomendação n. 1046/89, nº 7, do Conselho da Europa, passando a ter a personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais - RT, 593:258) e obrigacionais, que permaneciam em estado potencial, somente com o nascimento com vida (CC, art. 1.800, § 3º). Somente se nascer com vida adquire personalidade jurídica material, porém, se isso não ocorre, nenhum direito patrimonial irá adquirir.150 No que se refere aos direitos do nascituro, ressalta igualmente a autora que: Conquanto comece do nascimento com vida a personalidade civil do homem, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (CC, artigos 2º, 151 1.609, parágrafo único152 1.779 e 1.798),153 como o direito à 149 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2010. p.106.107. 150 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 35. 151 Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. 152 Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito. 153 Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar. Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro. Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. 87 vida (CF, artigo 5º); 154 à filiação (CC, artigos 1.596 e 1.597); 155 à integridade física; a alimentos (RT, 650:220; RJTJSP, 150;906); a uma adequada assistência pré-natal; a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de seus genitores (CC, artigos 1.630, 1.633, 1.779; 156 CPC, artigos 878, parágrafo único), 157 de receber herança (artigos 1.784, 1.798, 1.799, I e 1.800, § 3º), 158 a ser contemplado por doação (artigo 542); 159 a ser reconhecido como filho sendo parte na investigatória representado pela mãe (RJTJRS, 4:418) etc.”160 Já quando se analisa o art. 1597 do Código Civil de 2002: Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; 154 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 155 Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. 156 Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. Art. 1.633. O filho, não reconhecido pelo pai, fica sob poder familiar exclusivo da mãe; se a mãe não for conhecida ou capaz de exercê-lo, dar-se-á tutor ao menor. Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar. Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro. 157 Art. 878. Apresentado o laudo que reconheça a gravidez, o juiz, por sentença, declarará a requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro. 158 Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão; Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz. § 3o Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador. 159 Art. 542. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal. 160 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 34-37. 88 III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.161 Diante do artigo de lei acima, nota-se que o legislador, apesar de não incluir o embrião excedentário ao lado do concebido no art. 2º tornando a questão tormentosa, mais adiante passa a atribuir a ele direito de reconhecimento de paternidade através da presunção de concepção na constância do casamento inclusive aos embriões excedentários havidos a qualquer tempo. Ou seja, é inegável que através deste artigo 1597 e seus incisos o legislador está a considerar o embrião criopreservado um ser concebido e com garantias de proteção e direitos de filiação, próprios de quem tem personalidade jurídica formal como o nascituro. Cairia por terra, portanto, a ideia de que o embrião excedentário pode ser tratado como apenas material genético sem qualquer direito, como anteriormente mencionado neste capítulo. Consoante Fachin, o novo Código Civil, além de manter a presunção “pater is est”, introduz também a técnica da reprodução assistida, englobando tanto a fecundação artificial homóloga como a inseminação artificial heteróloga, além da previsão quanto aos embriões excedentários.162 De acordo com Lôbo, na jornada de Direito Civil de 2002, ocorrida no STJ, foi aprovada proposição no sentido de que finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1571, deste Código, a regra do inciso IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito dos ex-cônjuges, para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação destes embriões. 163 161 Código Civil Brasileiro. Lei 10406 de 10.01.2002. 162 FACHIN, Luiz Edson. Presunção de paternidade. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. (coor.) Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004.p.50. 28v. 163 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito de Família. Relações de Parentesco. Direito Patrimonial. In: AZEVEDO, Álvaro Villaça. Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2003. p.53.14v. 89 Como se verifica, existe uma apreensão jurídica de como pensar soluções para situações expressas como a do inciso IV do art. 1571, sendo que o STJ apenas formulou proposição, o que apenas oferece um indicativo de que a proposição daquela corte se mantenha diante de um fato concreto. Além disso, muitos julgados, dependendo das partes, podem não ultrapassar o primeiro ou segundo grau de jurisdição, não chegando, portanto, ao STJ, formando em grau de jurisdição mais baixo uma jurisprudência própria e que sequer leve em conta a proposição do STJ. O Código Civil/02, agora sob o prisma do Direito Sucessório, traz em seu artigo 1798 expresso que: “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.” Já no artigo 1798, inciso I, estende na sucessão testamentária esta legitimidade inclusive para os filhos ainda não concebidos de pessoas indicadas pelo testador, desde que o indicado esteja vivo quando da abertura da sucessão. Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão; O legislador, no artigo 1800 e seus parágrafos do Código Civil de 2002, terminou por adotar regras que delimitam o artigo 1799 e seu inciso I da seguinte forma: Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz. § 1o Salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro, e, sucessivamente, às pessoas indicadas no art. 1.775. § 2o Os poderes, deveres e responsabilidades do curador, assim nomeado, regem-se pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes, no que couber. § 3o Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador. § 4o Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos. 90 Gonçalves salienta que o art. 1798 do Código Civil de 2002 traz de forma expressa a disposição genérica que se aplica tanto a sucessão legítima como a sucessão testamentária. Dessa forma, somente as pessoas nascidas ou já concebidas ao tempo da abertura da sucessão do “de cujus” podem ser herdeiras164 ou legatárias.165 Segundo Gonçalves, tem-se o nascimento com vida como o marco inicial da personalidade, porém respeitam-se os direitos do nascituro desde a sua concepção.166 Gonçalves continua argumentando que o inciso I do art. 1799 abre uma exceção à regra do 1798 ao permitir que filhos sequer concebidos de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas, podem vir a recolher a herança. Portanto, não se trata de nascituro (conceptus), mas do “nondum conceptus”, ou seja, de indivíduo que sequer foi ainda concebido. O Código de 1916 em seu art. 1718 também admitia a disposição do testador em favor da prole eventual de alguém. Cabe dizer que o termo prole eventual gerava grande confusão quanto a sua abrangência se seriam somente filhos ou também atingiria netos e bisnetos. Com a redação do inciso I do art. 1799 do novo código ficou determinado que este direito se estende somente aos filhos.167 Para Leite, o legislador seguiu a orientação do direito europeu ao conceder capacidade sucessória englobando as duas formas de sucessão. Esta disposição (art. 1798) não abre qualquer dúvida de que os nascituros e os nascidos no momento da sucessão podem ser chamados tanto na sucessão legítima quanto na testamentária. No caso dos nascituros esta vocação hereditária causa espécie, pois no momento da abertura da sucessão eles não têm personalidade. No entender de Leite, trata-se da ocorrência da figura do direito sem sujeito. Sua existência é 164 Herdeiros são sucessores a título universal, representam o “de cujus” tanto no ativo como no passivo. Assumem a posição do morto. Recebem a totalidade ou quota dos bens. Recebem herança. Na sucessão legítima existe apenas a figura do herdeiro. Na sucessão testamentária poderemos ter a figura de herdeiros e ou de legatários. 165 Legatários são os chamados sucessores a título singular. Não representam o morto. Não respondem pelas dívidas da herança. Possuem apenas uma relação jurídica de direito vinculada a bem determinado a eles deixado em testamento pelo “de cujus” (testador). A figura do legatário somente será possível existir diante de sucessão testamentária com determinação expressa e individualizada do bem (legado), a que pessoa identificada no testamento (legatário) deva receber. Quem entrega o legado é o herdeiro. 166GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2010. p.70. 7v. 167 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Sucessões. São Paulo. Saraiva, 2010.p.72.73. 7v. 91 evidente, mas quanto à existência jurídica é admitida apenas após o nascimento com vida. 168 Ainda segundo Leite, a difícil questão que os magistrados terão de enfrentar diz respeito aos filhos decorrentes de procriações assistidas. Embora os artigos do código silenciem sobre a matéria, a evolução da biomedicina e do biodireito deverá apresentar respostas de imediato às situações concretas que já estão desafiando a postura jurisdicional. Para o autor, “a criança concebida in vitro e cujo pai faleceu antes da implantação do embrião, a hipótese plausível, uma vez que a criopreservação conserva o embrião, é a de que a criança herdaria de seu pai porque já concebida na data da abertura da sucessão. No caso, portanto, de criança concebida lhe é conferida a aptidão a herdar sob a condição de nascer com vida.169 Ao se analisar o art. 1800, que veio regulamentar juntamente com seus parágrafos o inciso I do art. 1799, tem-se que, com a abertura da sucessão do testador, os bens dos filhos do indicado em testamento serão confiados a um curador até que o herdeiro venha a nascer com vida. O legislador estipulou o prazo de dois anos contados da abertura da sucessão para que o herdeiro seja concebido, caso contrário, os bens serão partilhados entre os herdeiros legítimos do testador. A pergunta intrigante neste caso volta à questão da concepção. Terá este herdeiro que estar neste prazo de dois anos concebido in útero de forma a ser considerado nascituro? Ou a concepção poderá ser in vitro desde que comprovada no processo podendo, neste caso, o embrião permanecer criopreservado por mais tempo? Ao que se pode constatar é que em sendo considerado preenchido o requisito da concepção através de concepção in vitro sem implantação imediata no útero de mulher, significaria que os embriões excedentários existentes ao tempo da abertura da sucessão de seu pai poderiam em qualquer hipótese ser considerados herdeiros, o que por certo geraria mais uma pergunta: Por quanto tempo os outros herdeiros terão que esperar para ver definida a sucessão através da partilha total? Seguindo o exame do Código Civil/2002, destaca-se em seu art. 1824 a seguinte disposição: 168 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil. Do Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2003.p.99-103. 21v. 169 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil. Do Direito das Sucessões. Vol.XXI. Rio de Janeiro: Forense, 2003.p.109. 92 Art. 1824: O herdeiro pode, em ação de petição de herança, demandar o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua. O artigo diz respeito a qualquer herdeiro que, não tendo participado do processo de inventário e partilha dos bens deixados pelo “de cujus”, tenha a possibilidade de se manifestar e reservar ou mesmo solicitar a restituição de seu quinhão hereditário, mediante a anulação da partilha realizada, uma vez que se comprove sua qualidade de herdeiro do “de cujus”. Assim, haverá uma hipótese de cabimento para os casos de petição de herança, a saber, aquela envolvendo o emprego de técnica de reprodução assistida. Percebe-se que a legislação não determina prazo para essa manifestação. A doutrina, entretanto, encontra-se pacificada nesse quesito, utilizando o prazo geral de prescrição do artigo 205 do Código Civil, de dez anos, sendo contado o prazo a partir da abertura da sucessão. Além disso, uma problemática pode ser levantada em relação a essa hipótese e trata justamente da prescrição. O Código Civil, em seu artigo 198, traz situações em que não correm a prescrição, estando ali relatado que não corre a prescrição contra incapazes. Mais ainda, em relação à incapacidade civil, o artigo 3º do diploma civilista trata daqueles que são considerados absolutamente incapazes para os atos da vida civil. Aqui, caberia ressaltar a diferença entre capacidade ou incapacidade civil e legitimidade sucessória. A primeira diz respeito à aptidão para exercer por si só os atos da vida civil ou não; a segunda é delimitada pelo não impedimento legal para ser sucessor esboçado no art. 1798, art. 1999, inciso I, art. 1800 e seus parágrafos todos do código Civil/2002. Desse modo, tem-se que o concebido através de métodos de inseminação artificial, após o seu nascimento, embora incapaz para os atos da vida civil já deterá legitimidade sucessória, o que lhe está assegurado desde a concepção. Porém, permanece em aberto a discussão sobre o conceito do termo concepção para as questões de proteção à vida e de direitos, conceito este donde provém a legitimidade para suceder. Diante de toda esta análise, fica fácil verificar-se que o grande dilema na questão civil estudada é a abrangência do termo “concepção” diante da nova realidade da reprodução assistida. 93 4.3 INTERPRETAÇÕES E CONTROVÉRSIAS NA DOUTRINA JURÍDICA Nos itens anteriores deste capítulo ficou clara a busca de elementos através da doutrina para dar subsídios a este estudo. Assim sendo, neste capítulo, apresentar-se-á os argumentos que poderão nortear a expectativa de ser possível ou não, necessário ou dispensável, a existência de um estatuto do embrião humano. Opiniões das mais variadas trouxeram à tona os dilemas de interpretação da legislação Constitucional e infraconstitucional, buscando analisar, questionar e dar um direcionamento ao início da vida, concepção, nascituro, personalidade formal e material; enfim, questões fundamentais para a verificação de direitos aos embriões criopreservados. A questão do direito à vida e à sua inviolabilidade é pedra basilar dos princípios fundamentais da Constituição brasileira. Sendo assim, a legislação infraconstitucional obrigatoriamente precisa ser analisada à luz da Constituição Federal. Conforme Branco, todos os direitos e liberdades dispostos na Constituição têm como pressuposto a existência humana. O constituinte brasileiro de forma coerente proclama o direito à vida mencionando-o como o primeiro dos cinco valores básicos que inspiram a lista dos direitos fundamentais do art. 5º da Constituição. Ora, proclamar o direito à vida responde a uma exigência que é prévia ao ordenamento jurídico. “A expressão “direito à vida” hoje está particularmente ligada à discussão sobre a interrupção do processo de gestação e ao debate sobre a liceidade de interrupção voluntária da existência em certas circunstâncias dramáticas e peculiares”. Mesmo assim, diz o autor, o direito à vida não tem uma abrangência restrita a essas questões. “O direito à vida cola-se ao ser humano, desde que este surge e até o momento de sua morte”. Branco salienta que se todo ser humano singulariza-se por uma dignidade intrínseca e indisponível a ele deve ser reconhecida a titularidade do direito mais elementar de expressão dessa dignidade única que é o direito a existir. Diz ainda que não se há de condicionar o 94 direito à vida a que se atinja determinada fase de desenvolvimento orgânico do ser humano.170 Branco continua dizendo que, quando houver vida humana, não importa em que etapa de desenvolvimento e não importa o que o legislador infraconstitucional dispõe sobre personalidade jurídica, há o direito à vida. Ainda segundo o autor, “o elemento decisivo para se reconhecer e proteger o direito à vida é a verificação de que existe vida humana desde a concepção, quer ela ocorra naturalmente, quer in vitro.” Basta pertencer à espécie homo sapiens para pressupor o direito à vida.171 Não existe discussão sobre o fato da Constituição Federal de 88 garantir a inviolabilidade da vida, mas, segundo Tavares, é necessário assinalar a partir de que momento se considera haver um ser humano vivo para que haja o dever estatal, de cunho constitucional de manter e prover esta vida. Continua o autor, “o início desse direito é uma questão biológica”, e é dentro deste cenário que existem várias teorias, sendo uma delas a teoria da concepção, que é adotada pela igreja e consiste em defender a vida desde a concepção que, segundo o autor, quer dizer o ato de conceber (no útero). Ainda segundo o autor, esta é a diretriz adotada pela sistemática do Direito brasileiro. Já “a teoria da nidação, exige que haja a fixação do óvulo no útero”. Existe ainda a teoria da implementação do sistema nervoso central, sendo que para esta corrente não basta a individualidade genética. O sistema nervoso central inicia sua formação entre o décimo quinto e o quadragésimo dia de desenvolvimento embrionário. Ainda no entender de Tavares, para outros autores, para reconhecimento da vida humana, tem que haver atividade cerebral no feto que se inicia após oito semanas. A outra teoria é que somente haveria vida a partir do nascimento. Tavares entende que embora esta polêmica de posições diferentes, mas bastante firmes, “nada impede que o direito confira aos pré-embriões a mesma proteção conferida à vida humana, concedendo-lhes valor idêntico”. Para o autor, trata-se de uma opção política, mas que não pode ser arbitrária, devendo ter justificativas que a legitime segundo os interesses da sociedade.172 170 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Direitos Fundamentais da Espécie. I Direito à Vida. In: MENDES, Gilmar Ferrreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. p.441-443. 171 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Direitos Fundamentais da Espécie. I Direito à Vida. In: MENDES, Gilmar Ferrreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. p.444.445. 172 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.p.544-555. 95 Para Barboza, não existe como afastar os embriões humanos e as pessoas já nascidas da valorização personalista que emerge do texto constitucional. Dessa forma, o respeito à dignidade e à vida da pessoa humana a eles se estende, assim toda atividade abusiva que venha atingir seres embrionários conflitará com a Constituição.173 Na análise de Gonçalves, “no Código Civil embora a personalidade comece do nascimento com vida existe um sistema de proteção ao nascituro e com as mesmas conotações daquela conferida a qualquer ser humano dotado de personalidade”. Como exemplos ele cita a nomeação de um curador ao ventre, artigo 1799; a possibilidade de o nascituro ser objeto de reconhecimento voluntário de filiação, artigo 1609, parágrafo único; a possibilidade de receber doação, artigo 542; a ser contemplado em testamento, artigo 1798; direito à adequada assistência pré-natal prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu artigo 8º; a penalização do aborto e, em especial, o “direito à vida”, assegurado a todos sem distinção pela Constituição Federal/88.174 Segundo o mesmo autor, o acima citado terminou por originar divergência doutrinária em torno do início da personalidade. Conforme ele, para os adeptos da teoria concepcionista surgida por influência do Direito Francês encontram-se adeptos como Teixeira de Freitas e Clóvis Beviláqua. Para eles, embora a personalidade comece através do nascimento com vida desde a concepção, há proteção aos interesses dos nascituros. No direito contemporâneo esta teoria encontra defensores como Pierangelo Catalano e Silmara A. Chinelato e Almeida que dizem não existir meia personalidade ou personalidade parcial. Mede-se e quantifica-se a capacidade e não a personalidade, pois esta é integral ou não existe. Para Francisco Amaral, “pode-se ser mais ou menos capaz, mas não se pode ser mais ou menos pessoa”. Já para Maria Helena Diniz, a aquisição da personalidade desde a concepção, inclusive a in vitro, ocorre apenas para a titularidade formal, passando a alcançar a personalidade jurídica material com 173 BARBOZA, Heloísa Helena. Princípios do Biodireito. In: BARBOZA, Heloísa Helena; MEIRELLES, Jussara M. L. de; BARRETO, Vicente de Paulo. Novos Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.p 94. 174 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 105. 96 direitos patrimoniais somente através do nascimento com vida.175 Deste entendimento, parece não discordar José Carlos Moreira Alves. 176 Gonçalves comenta que para a escola positivista a personalidade decorre do ordenamento jurídico. É que de acordo com o Código Civil brasileiro, a personalidade começa do nascimento com vida. O autor salienta que o Supremo Tribunal Federal não tem uma posição definida a respeito das referidas teorias, ora seguindo a teoria natalista ora a concepcionista.177 Para o STF no julgamento da ADIN 3.510178 (por 6x5), foi decidido que os direitos subjetivos Constitucionais não serviriam de fundamento para o nascituro, uma vez que, assim como em relação à proteção civil, o início da tutela constitucional ocorreria com o nascimento com vida onde então haveria a aquisição da personalidade jurídica. O Tribunal de Justiça, no entanto, tem acolhido a teoria concepcionista,179 reconhecendo ao nascituro o direito à reparação do dano moral.180 Continuando com a análise Gonçalves, informa que uma considerável parcela da jurisprudência tem reconhecido a legitimidade processual do nascituro, representado pela mãe para propor ação de alimentos a ele. A Lei 11.804/2008 que regulou os alimentos gravídicos resolveu esse problema conferindo legitimidade à própria gestante para a propositura da ação de alimentos. O objetivo da Lei é proporcionar um nascimento com dignidade ao ser concebido.181 Segundo entendimento de Gagliano e Pamplona Filho, apesar de toda controvérsia doutrinária, o fato é que “nos termos da legislação em vigor, inclusive a 175 Recomendação nº1. 046/89, nº 7 do Conselho da Europa. 176GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 105-107. 177 No julgamento do RE 99.038 em 1993 2ª Turma sendo relator o Min. Francisco Resek decidiu que a proteção de direito do nascituro é, na verdade, proteção de expectativa, que se tornará direito, se ele nascer vivo. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 106. 178 A ADIN 3.510 buscava a declaração de inconstitucionalidade do art. 5º da Lei de Biossegurança nº 11.105/2005 que permitiu a pesquisa de células-tronco embrionárias de embriões criopreservados. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 106. 179 Direito Civil. Danos Morais. Morte. Ação ajuizada 23 anos após o evento. O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum. STJ, REsp 399.029/SP, 4ª Tm, rel. Min.Sálvio de Figueiredo Teixeira. Diário de Justiça da União (DJU), 15-4-2002,p. 232. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 107. 180 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2010. p.106-107. 181 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2010. p 108-109. 97 do Novo Código Civil, o nascituro, embora não seja considerado pessoa, tem a proteção legal dos seus direitos desde a concepção”. Os autores elencam dentre os direitos do nascituro os seguintes: a) o nascituro é titular de direitos personalíssimos (como o direito à vida, o direito de proteção pré-natal etc.; b) pode receber doação, sem prejuízo do recolhimento de imposto de transmissão inter vivos; c) pode ser beneficiado por legado e herança; d) pode ser-lhe nomeado curador para a defesa de seus interesses (artigos 877 e 878 do CPC); e) o Código Penal tipifica o crime de aborto. 182 Sarlet diz que se tomada como referência no Direito comparando a doutrina e a jurisprudência da Alemanha, se verifica que em termos gerais é reconhecida, há muito tempo, a tutela constitucional da vida e da dignidade antes do nascimento, resultando evidente não se poder reconhecer, simultaneamente, o direito à vida como algo intrínseco e não dispensar a todos os seres humanos igual proteção, numa nítida menção à humanidade do embrião e à condição do nascituro. Ainda segundo Sarlet, este entendimento, embora com importantes variações na doutrina, tem sido majoritariamente consagrado na doutrina brasileira que assegura uma proteção constitucional e jus fundamental à vida não nascida (intrauterina), mas em termos gerais também reconhece em termos gerais (a depender do autor) proteção à vida embrionária extrauterina. Já por parte do STF no julgamento da ADIN 3510, a discussão a respeito da titularidade de direitos fundamentais (com destaque para o direito à vida e tutela da dignidade por parte das células-tronco do próprio embrião e da vida intrauterina não resultou em uma doutrina suficientemente conclusiva e clara, visto que a titularidade não chegou a ser abordada em todos os votos.183 Como se pode constatar por todo o conteúdo já exposto, inexiste unanimidade de pensamento quanto a quem pode ser atribuída a condição de concebido, muito embora existam grandes subsídios legais a serem usados na 182 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. São Paulo: Saraiva: 2004. p. 85. 183 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais - Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.p 219-220. 98 defesa de direitos do embrião criopreservado. Pode-se verificar também que qualquer acerto de opiniões no meio de juristas parece em um primeiro momento distante de ocorrer, sendo assim enquanto não se tiver norma legal clara, e uma doutrina dominante, tudo indica que será a jurisprudência futura dos Tribunais que dará um norte para a solução deste questionamento. Novamente o legislador deixa nas mãos da sociedade e, por consequência, do judiciário, questões altamente controvertidas, mas fundamentais para a sociedade. 4.4 ESTABELECIMENTO DE UM ESTATUTO PRÓPRIO À CATEGORIA DOS EMBRIÕES CRIOPRESERVADOS? O objetivo desta análise é de contrapor uma sentida necessidade jurídica por alguns seguimentos de obtenção de regras que possam ser claras, e dar um rumo à questões de tanta indagação sobre os embriões criopreservados como direitos de proteção, existência ou não de personalidade formal, tempo de criopreservação, número a ser criopreservado por genitores, destino para os não destinados à pesquisa com células-tronco, tempo máximo para implantação, responsabilidades de genitores, geneticistas, pesquisadores, direitos civis aplicáveis, normas de implantação, tempo a ser observado para implantação, entre tantos outros. Esta análise não desconhece o quanto o tema é controvertido; existem posições religiosas, filosóficas, científicas, jurídicas, éticas, médicas, biológicas, valorativas de cada sociedade, pluralidade de ideias própria de sociedade democrática, e inclusive discordâncias quanto à necessidade, interesse e ou até mesmo possibilidade de existência de um estatuto desta ordem. A abordagem do tema, longe de buscar qualquer fechamento, é apenas mais uma contribuição. Existe discussão mundial sobre o fato de ser importante ou não existir um Estatuto do embrião humano. A discussão já está instalada na União Europeia há alguns bons anos. O célebre relatório Warnock, na Grã-Bretanha, considera embrião o ser que se desenvolve até o 14º dia após a fecundação, porque até esta data não há elaboração do sistema nervoso, nem inteligência, nem sensações. Certamente assim foi fixado para não tornar inviáveis as pesquisas naquela época que remonta ao século passado. Fora destas condições do relatório, todo o emprego de embrião 99 para fins de pesquisa constituiria um delito.184 Porém, também os ingleses já se ressentem da necessidade de ampliar toda a discussão e estudo dos prós e contras face às novas descobertas, evolução e aplicações da genética. Assim também no Brasil existem estudos e discussões a respeito da necessidade de se ter um Estatuto do Embrião, mas sabe-se que não será tão cedo que este Estatuto se tornará realidade face a pluralidade de opiniões e a dificuldade de consenso sobre o assunto. O Brasil, com a Constituição Federal de 1988, marco da redemocratização do país, trouxe a garantia da pluralidade de ideias, convicções políticas, ideológicas, religiosas, liberdade de pensamentos e crenças. Além disso, cada região do país vive uma realidade social, sociológica, econômica, religiosa e cultural que normalmente não é igual a outra região, Estado ou cidade dentro do mesmo Estado. Tudo isso faz do Brasil um país plural próprio da democracia. Dentro deste panorama é muito difícil chegar-se a um consenso sobre questão tão importante e controvertida. Na lição de Monteiro, o legislador de 2002, apesar de todos os avanços tecnológicos nos campos da medicina e da genética, não enfrentou todos os problemas atuais que se tornam cada vez mais variados e complexos. Para o autor, concepção fora do útero materno, inseminação artificial, utilização de óvulos de outra mulher, as denominadas barrigas de aluguel, a própria conservação de óvulos e espermatozoides por tempo indeterminado para que de acordo com a vontade dos pais ocorra a concepção são problemas que poderiam ser enfrentados, ainda que em pouco tempo, podendo tornar-se obsoletos, indo além do disposto no artigo 1597 do Código Civil que já fora citado e descrito anteriormente, e que refere-se à presunção de concepção de filhos no casamento.185 Para Diniz, ‘existe a necessidade de um novo estatuto jurídico-penal direcionado à criminalidade genética, pois a “revolução biotecnológica” pode causar danos irreversíveis à humanidade e ao ser humano individualmente considerado, podendo assim trazer um futuro incerto. Dessa forma, ela entende, inspirada em Paulo Vinicius Spoleder de Souza ser imprescindível a interferência do direito penal através da criação de novos crimes por abusos que poderão vir a ocorrer em razão do avanço e do impacto, em especial, da genética, genetecnologia e pela 184 CONTI, Matilde Carone Slaibi. Biodireito: A norma da vida. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 163. 185 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2009.p.67. 100 reprodução assistida. Esta necessidade está assentada no resguardo à dignidade humana, à integridade e identidade genética e à intangibilidade do patrimônio genético, entre outros, bem como para impor limites à liberdade de investigação científica que, embora tutelada constitucionalmente no art. 5º, IX, da CF, não pode chocar-se com outros direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente.186 Sarlet faz uma análise bastante interessante sobre a necessidade de uma grande reflexão e do enfrentamento da questão dos direitos fundamentais quanto aos embriões que ainda não se encontram em fase gestacional, portanto com vida extrauterina, como por exemplo, os embriões excedentários. Segundo o autor, a questão crucial é determinar quais os limites da vida, o que segue sendo objeto de acirrada controvérsia. Diante deste contexto, por um lado é colocado o problema de quais são os limites da vida embrionária extrauterina, enquanto por outro há que se definirem quais os critérios que marcam o início da vida humana onde se envolve a questão da fecundação in vitro e a procriação assistida. De qualquer forma, a adoção de critério acaba sendo regulada no plano jurídico-constitucional, em especial no que diz respeito ao momento que se inicia a proteção à vida e quais os limites desta proteção.187 O Conselho da Europa188 até o ano de 2002 não tinha nenhuma posição formal sobre o Estatuto do Embrião, mas como houve recomendação da Assembleia Parlamentar este é um de seus objetivos. Em primeiro lugar deverá o Grupo de trabalho examinar o texto provisório do protocolo, para num segundo passo este texto provisório ser discutido e obter a aprovação de 2/3 dos Estados-Membros para se transformar em texto definitivo. Posteriormente, o comitê de Ministros, ouvida a Assembleia Parlamentar, deverá adotar o texto com ou sem emendas. Este texto só obrigará os Estados-membros que o assinarem. O problema para se chegar à proteção do embrião é que uns países permitem a investigação em embriões; já para outros, proteção é proibir toda e qualquer investigação destruidora de embriões, e outros mais numerosos permitem a investigação destrutiva em certas condições e para fins determinados. Sendo assim, a primeira e maior dificuldade é 186 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2009.p.624-625. 187 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais - Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.p. 219.220. 188 Os órgãos do Conselho da Europa são o Secretariado Geral, o Comitê de Ministros e a Assembleia Parlamentar. A assembleia Parlamentar é constituída por 291 membros, oriundos dos parlamentos nacionais dos Estados-membros e é um fórum democrático europeu. SERRÃO, Daniel. O Estatuto Moral do Embrião: A Posição do Conselho Europeu. In: GARRAFA. Pessini Leo. (orgs). Bioética: Poder e Injustiça. São Paulo: Edições Loyola, 2004.p.147-148. 101 conseguir redigir um texto que não constranja ou estigmatize um pensamento ou outro.189 Em uma entrevista concedida por Daniel Serrão190 durante palestra proferida por ele sobre o Estatuto Moral do embrião durante o VI Congresso Mundial de Bioética, o mesmo disse que “é muito difícil alcançar-se um consenso com relação a alguns aspectos do estatuto do embrião, ou melhor, a respeito das atribuições de um determinado estatuto e suas consequências éticas e morais. Para ele, o estatuto biológico do embrião é reconhecido: é indiscutível que se trata de um ser humano. Aquele embrião não vai dar em um cavalo ou em um eucalipto. O que é diverso é o valor que se atribui a este ser humano nas fases iniciais do seu desenvolvimento, consoante às teorias éticas e à posição das sociedades. Para as teorias éticas personalistas, o embrião é um ser humano que merece proteção idêntica à dada aos adultos humanos”. Serrão concorda totalmente com estas teorias. “Para ele, o corpo humano é a primeira apresentação pública do ser humano”. O autor comenta: “assim como não destruo o corpo humano de um adulto, porque é um corpo humano, também não destruo o corpo humano de um embrião, pois também é um corpo humano, digno da mesma consideração. Como o embrião ainda não é uma pessoa, não poderei respeitar suas convicções filosóficas, por exemplo, porque ele ainda não as tem. Ainda não responde por si. Mas possui corpo humano e isso para mim é o suficiente”. Diz ele: “eu já fui um embrião, você já foi um embrião e imagine se, na época em que era, alguém a tivesse destruído. Não estaria aqui, falando comigo!”. E continua: Sou absolutamente contrário a qualquer manipulação e destruição do ser humano na sua fase mais insipiente, da mesma forma que defendo a vida dos corpos animais. Não destruo um animal por prazer, nem concordo que se coloque um animal numa gaiola para se apresentar num jardim zoológico.191 189 SERRÃO, Daniel. O Estatuto Moral do Embrião: A Posição do Conselho Europeu. In: GARRAFA. Pessini Leo. (orgs.). Bioética: Poder e Injustiça. São Paulo: Edições Loyola, 2004.p.153-155. 190 Daniel Serrão é professor de Bioética e ética médica da Universidade do Porto (Portugal) e faz parte do Conselho da Europa, (Organização Intergovernamental que agrega 42 países Europeus), e é membro da Academia Pontifícia para a vida, do Vaticano. 191 SERRÃO, Daniel. Estatuto Moral do embrião. Disponível em: http://www.bioetica.org.br/?siteAcao=EntrevistaIntegra&id=12. Acesso em: 19.01.2010. 102 Acompanhando o pensamento de Cassiers, se constata que quando ele se refere a um embrião, fala exatamente naquele embrião recente que ainda não ultrapassou o processo de nidação, o que significa dizer que este embrião possui no máximo 14 dias. Cabe lembrar que os embriões criopreservados se enquadram nesta categoria. Analisando esta situação diz Cassiers: Este embrião como tal, não apresenta de modo algum suficientes características humanas para ser considerado uma pessoa inteira, senão por um abuso de linguagem. Ele é no máximo uma ”pessoa potencial”, quer dizer, uma possibilidade necessária, mas não suficiente para se tornar uma pessoa. E esta potencialidade nos surge como um ponto incerto e aleatório que, em certas situações, em balanço com tantos outros interesses - que também têm seus valores éticos - não pode ser assimilada com a exigência de se tornar realizada. O embrião humano pode, então, no nosso entendimento, ser destinado as pesquisas, sem transgressão do tabu do assassinato.192 Ainda para Cassiers, a questão do estatuto do embrião humano é tema bastante difícil, em razão de que ele mobiliza de forma automática muitas outras questões e propostas.193 No pensamento de Junges, o embrião, assim como o bebê recém-nascido, e mesmo a criança antes do uso da razão, ainda não é pessoa no sentido pleno. Para ele, não existe solução de continuidade no processo vital; os direitos se adquirem enquanto ser humano e não pelo fato de nascer. Por essa razão, para o autor, determinar cientificamente o momento em que o embrião passaria a ser humano é um falso problema. A ciência pode até vir a dar elementos, mas a resposta exige mais do que isso, ela depende de uma opção ética.194 Conforme Barboza, a regulamentação de determinadas situações com certeza colocará em discussão problemas que ela não conseguirá determinar. Dessa forma, a criação de um estatuto sobre o embrião implicará no estudo e debate de temas controvertidos como, por exemplo, sobre o início da vida e o direito ou não de ter filhos, entre outros. Haverá também o enfrentamento de dificuldades 192 CASSIERS, Léon. Dignidade do Embrião Humano. In: SARLET, Ingo Wolfgang; LEITE, George Salomão. (orgs.). Direitos Fundamentais e Biotecnologia. São Paulo: Método, 2008.p. 2005-2006. 193 CASSIERS, Léon. Dignidade do Embrião Humano. In: SARLET, Ingo Wolfgang; LEITE, George Salomão. (orgs.). Direitos Fundamentais e Biotecnologia. São Paulo: Método, 2008. p 2007. 194 JUNGES, José Roque. Bioética-Perspectivas e desafios. São Leopoldo: Unisinos, 2003.p.136- 137. 103 sobre que tipo de norma adotar, se leis gerais, grandes princípios ou questões casuísticas. De qualquer forma, a norma a ser adotada deverá ser flexível para não engessar as evoluções da ciência.195 No dizer de Habermas, o argumento moral (e discutível do ponto de vista constitucional) de que o embrião desfruta desde o início da dignidade humana e absoluta proteção a vida interrompe a discussão, da qual não podemos nos esquivar se quisermos chegar a um acordo político sobre essas questões fundamentais, levando em conta o que é constitucionalmente exigido quanto ao pluralismo ideológico da nossa sociedade.196 Do dizer de Habermas, constata-se que se não existir uma visão aberta ao pluralismo ideológico das mais variadas correntes de pensamento e de conhecimento, e prevalecer a clausura de um pensamento fechado dito moral de que a vida do embrião é intangível desde a concepção, não se criará ambiente possível para as discussões com vistas a se chegar a um acordo político necessário para o enfrentamento de situações tão importantes. Já para Brauner e Thomasi, pensar num estatuto para o embrião humano é uma questão filosófica sem solução. Para as autoras, a quantidade de argumentos a favor ou contra até mesmo sobre a pesquisa com embriões torna muito difícil um consenso. Ainda no dizer das autoras, embora o embrião possa ser detentor de proteção, ele não é pessoa, o que faz com que não seja detentor de direitos subjetivos. A ofensa à dignidade humana exige a existência de pessoa, o que o embrião não é. Dessa forma, a proteção e respeito ao embrião não poderia ser pensado ou tratado da mesma forma que aquele a ser atribuído ao ser já nascido com vida.197 Segundo Barchifontaine, não se pode esquecer que a Bioética é conhecida como a ética da vida, e dentro da Bioética tem que estar inserido um espaço de diálogo transprofissional, transdisciplinar e transcultural na área da saúde e da vida. 195 BARBOZA, Heloísa Helena. Princípios do Biodireito. In: BARBOZA, Heloísa Helena. Meirelles; Jussara M. L. de; BARRETO, Vicente de Paulo. (orgs.). Novos Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.p.59-60. 196 HABERMAS, Jürgen. O Futuro da Natureza Humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004.p.41. 197 BRAUNER. Maria Cláudia Crespo; THOMASI, Tanise Zago. Terapia celular Humana: Bioética, Justiça e Responsabilidade Social na Saúde. In:______. (orgr.). Ensaios de Biodireito: Respeito à vida e aos imperativos da pesquisa científica. Pelotas: Delfos, 2008. p. 204. 104 Bem analisado, se verá que a Bioética luta pelo resgate da dignidade da pessoa humana, enfatizando sempre a qualidade de vida, a proteção da vida humana e do ambiente em que este ser está inserido.198 Diante do universo que se apresenta de pensamentos divergentes nas mais diversas áreas de pensamento, crenças, ciências, civilizações, religiões e até mesmo de mercado, seja em nível de Brasil ou mundial, pode-se constatar o quanto será difícil se chegar a um consenso que una os interesses de tanta pluralidade. Sendo assim, embora importante e até mesmo necessário, constata-se que o Estatuto do Embrião Humano, no geral, é uma luta cujo término não tem como vislumbrar. Quanto ao Embrião criopreservado deverá estar contido através de normas ou diretrizes no Estatuto do Embrião Humano. A Bioética, Biodireito, juristas, filósofos, embriologistas, médicos, cientistas, pesquisadores debatem a reprodução assistida e existência ou não de proteção jurídica a ser dada aos embriões-criopreservados excedentários em relação à questão da inviolabilidade da vida e da dignidade da pessoa humana. Esta proteção, por sua vez, terá que observar dois enfoques a priori: a inviolabilidade da vida e a partir de que momento esta proteção deverá ocorrer; e como fica a liberdade Constitucional da pesquisa e a pluralidade de opiniões. Ao ser considerado o embrião criopreservado sujeito de direitos e obtendo a garantia da inviolabilidade de sua vida desde a sua concepção, como ficariam as pesquisas e a ciência? Qual a solução a ser dada aos embriões que simplesmente foram abandonados nas clínicas se não puderam ser direcionados para pesquisa ou doados? Quem assumirá o custo da criopreservação destes embriões no laboratório? O Estado, já que cabe a ele garantir a inviolabilidade da vida? Haverá prazo para estes embriões serem implantados em útero de mulher para a manutenção e garantia desses direitos? Como fica a situação jurídica de terceiros envolvidos em contendas judiciais como no caso do direito sucessório? Se por outro lado for definido que a proteção à vida não começa da concepção e só existe pessoa a partir do nascimento com vida, o aborto estaria permitido em qualquer situação? Enquanto não nascer não seria pessoa e, assim, poderia ser abortado livremente? 198 BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Bioética e Início da Vida: alguns desafios. São Paulo: Ideias e Letras, 2004. p.67. 105 Se o marco do início da vida e sua proteção dependerem da existência de atividade encefálica, estará então liberado o aborto do anencéfalo? Um aspecto importante também trazido pela Constituição Federal/88 é a questão da saúde. Portanto, um feto anencefálico, sem condições de sobrevivência duradoura e sem atividades cerebrais, ainda assim teria de ser mantido em útero materno? A constatação clara que se faz é que todas as questões acima levantadas deverão ser contempladas na discussão de um Estatuto sobre o Embrião Humano. Possivelmente é por esta complexidade, pluralidade de ideias e convicções acerca destes temas que até agora nenhum país estendeu a proteção da inviolabilidade da vida aos embriões criopreservados e/ou concretizou um Estatuto do Embrião Humano. 106 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Divisão e pluralidade de opiniões permeiam a evolução, os métodos, os objetivos e os futuros resultantes da engenharia genética e da biotecnologia. Esta é a constatação que se faz ao final deste trabalho. É indiscutível que as últimas décadas foram ricas em descobertas e avanços científicos, código genético decifrado, a compreensão do DNA, o surgimento e aperfeiçoamento das técnicas de reprodução assistida, o milagre da vida a surgir numa proveta. É a realidade da concepção extracorpórea a desenhar uma face das técnicas de reprodução humana assistida. A fecundação extracorpórea, através da FIV, começa a armazenar em laboratório embriões à espera de implantação em útero materno. Surgem, então, os embriões criopreservados estocados em clínicas de reprodução assistida. Os questionamentos sobre toda esta evolução que envolve a utilização de material humano levou filósofos, biólogos, médicos, geneticistas, juristas, religiosos e pesquisadores a questionar as questões éticas e morais de todos estes processos, o que fez surgir a Bioética ainda no século passado. A Bioética, como ética da vida, segue firme seu trabalho, buscando clarear caminhos através do estudo de temas trazidos com este avanço científico, dentre os quais: as técnicas de reprodução assistida, a questão do aborto, da inviolabilidade da vida e da dignidade da pessoa humana, eutanásia, eugenia, clonagem reprodutiva ou terapêutica e embriões excedentários. Nesta caminhada científica, a possibilidade de cura de enfermidades e deformidades humanas através da utilização de células-tronco embrionárias passa a ser objeto de pesquisa em vários países. A pesquisa com células adultas e o seu emprego em tratamentos dos próprios doadores também ganha corpo, mas com um diferencial: estas células não podem se transformar em qualquer tecido do corpo humano como as células-tronco embrionárias retiradas de embriões criopreservados. Estas são pluripotentes e poderão, no futuro, que não se sabe se próximo ou não, ajudar a humanidade a restaurar sua saúde e salvar vidas. O Brasil entra no desafio das pesquisas de células-tronco embrionárias de embriões criopreservados através da Nova Lei de Biossegurança sob nº 11.105/2005. As pesquisas permitidas através do art. 5º da referida Lei são limitadas aos embriões criopreservados inviáveis ou aos viáveis desde que já estejam 107 congelados há mais de 3 anos da data em que a lei entrou em vigor, ou já criopreservado antes da lei, mas após completar 3 anos de congelamento. Para a utilização destes embriões em pesquisa com células-tronco, os genitores deverão dar o seu consentimento. A partir da Lei 11.105/2005, decreto, portaria e resolução foram criados, pelo poder Executivo através do Ministério da Saúde e da ANVISA para balizar as pesquisas e o funcionamento das clínicas de reprodução humana. A constitucionalidade da permissão de pesquisas de células-tronco de embriões criopreservados foi questionada junto ao STF através da ADIN 3.510-0, sendo que por seis votos a cinco o art. 5º, da Lei de Biossegurança que permitiu estas pesquisas, foi considerado Constitucional. Na sociedade, as técnicas de reprodução humana assistida se difundem cada vez mais, fazendo crescer o número de clínicas de reprodução humana. No uso da técnica da fecundação in vitro colocada à disposição, o número de embriões criopreservados aumenta nas clínicas. As normas Constitucionais, desde a preservação do meio ambiente através da proteção da biodiversidade genética, através da Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 225 § 1º, inciso I, legisla sobre a preservação e restauração dos processos ecológicos e, no inciso II, determina que “incumbe ao poder público preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País deixando claro que tratar de embriões é tratar de patrimônio genético e proteger o Meio Ambiente. Além das questões ambientais a Constituição Federal, trata de direitos fundamentais como a inviolabilidade da vida e da dignidade da pessoa humana, todas estudas por ambientalistas, juristas, filósofos, entre outros, que, apresentam discussões baseados em argumentos em muitos aspectos diferenciados. O Conselho Federal de Medicina através da Resolução nº 1358 de 1992, atendendo ao princípio da ética médica, trouxe princípios norteadores para serem observados na reprodução assistida, sendo que, por muitos anos, esta resolução foi o único norte existente para disciplinar a reprodução assistida no Brasil. Tal Resolução foi revogada em janeiro de 2011 através da Resolução 1957. A nova Resolução trouxe algumas modificações, mas a essência foi mantida e ela continua sendo o norte ético a ser seguido pelos médicos que atuam nas técnicas e clínicas de reprodução assistida. 108 A Lei 10.406 que originou o Novo Código Civil de 2002 somente menciona os embriões criopreservados quando fala em embriões excedentários e a sua presunção de paternidade em alguns casos, todos abordados no trabalho. Nada existe nesta codificação que trate sobre a reprodução assistida ou sobre embriões criopreservados, fruto de fecundação in vitro. Muito menos se pode dizer o que o legislador entende por ser humano concebido. Muitos Projetos de Lei surgiram na câmara de deputados e no Senado Federal, mas os que ainda estão em tramitação foram elencados no quadro trazido para o trabalho. Até o presente momento nada se tem específico em termos Legislativos para disciplinar a matéria relativa à reprodução humana assistida e os embriões criopreservados. Embora as lacunas legais, a realidade mostra que se vive numa sociedade onde existem milhares de embriões criopreservados, onde a maioria possivelmente não será doada pelos genitores para pesquisa. Muitos ficarão abandonados e esquecidos, esperando o dia que serão implantados, se é que um dia o serão. A Constituição Federal/88 determina que a vida seja inviolável, mas não diz quando começa a vida: se na concepção em laboratório, se somente depois da nidação, se somente na concepção corpórea, se somente após algumas semanas de gestação ou se somente a partir do nascimento com vida. Embora a realidade demonstrada acima, a reprodução humana assistida continua sendo utilizada em larga escala nas clínicas de reprodução humana. Enquanto estas técnicas se difundem, o direito de família vai ampliando e modificando seus horizontes e conceitos de família, de paternidade e ou maternidade, de filiação, de parentalidade, de maternidade de substituição, entre tantos outros, sendo que o setor legislativo não acompanha a evolução social e da ciência. Nesta situação, verifica-se que os papéis e atribuições dos poderes se invertem. O poder executivo, usando de uma atribuição que não é sua, vem Legislar, o próprio poder Judiciário, cuja missão é julgar de acordo com o que a legislação determina, legislando para preencher lacunas por falta de lei. A área médica, ao ditar normas éticas para seus profissionais, termina por balizar os procedimentos de reprodução assistida e direcionar durante anos as clínicas de reprodução humana, o que ainda permanece. 109 As normas contidas nas resoluções do CFM não derivaram de Leis ordinárias simplesmente porque estas leis não existiam. Dessa forma, a área médica, usando da prerrogativa ética que lhe cabe de ditar normas e condutas éticas a serem observadas por seus profissionais, a fim de que eles efetuem seu trabalho buscando evitar abusos e o desrespeito ao ser humano, terminou, através da Resolução, trazendo o único balizador a nortear os procedimentos da Reprodução humana assistida. Quanto aos direitos dos embriões, os doutrinadores se dividem. Eles buscam, para ser instrumento de defesa de sua opinião, as teorias natalista ou concepcionista, onde uns entendem que a vida começa com o nascimento e outros no momento da concepção. O que pareceu evidente pelo trabalho realizado é que o termo nascituro é usado para determinar exclusivamente o ser humano já em processo de gestação no útero materno. Para alguns juristas, o nascituro (aquele já em útero materno) passa a ter algumas garantias de proteção, que somente se efetivarão através do nascimento com vida. Já para outros juristas, o embrião criopreservado já tem personalidade formal e somente adquirirá a material quando nascer com vida. Quanto à existência de legislação específica nada se tem, e a constatação que se faz é que dificilmente se terá, porque a garantia Constitucional e democrática do pensamento plural garante a liberdade de ideias e credos. O tema que envolveu este trabalho é bastante polêmico pela pluralidade de opiniões e pela multidisciplinariedade nele envolvida e, como se pode verificar, esta realidade não é somente brasileira. Os países debatem e têm posições diferentes, inclusive quanto à permissão de pesquisas com células-tronco de embriões criopreservados e a questão de existência ou não de direito a ser atribuído a estes embriões. Sendo assim, a constatação que se faz é que os outros países também vivem a mesma situação, porque também não tem lei específica que regulamente a reprodução humana assistida e a existência ou não de direitos a ser concedidos aos embriões criopreservados. O próprio Conselho da Europa luta para tentar encontrar balizamentos para um Estatuto do Embrião que depois venha ser seguido pelos Países-membros que o assinarem. Argumentos existem para pleitear direitos aos embriões criopreservados não abrangidos pela Lei de Biossegurança, tanto em nível Constitucional como Civil, mas 110 pleitear direitos é diferente de perseguir direitos especificamente normatizados. Sendo assim, cada um, de acordo com sua convicção pessoal formada por crenças, costumes, grau de conhecimento e interesses próprios que poderão inclusive ser de mercado, lutará pela predominância do que acredita e lhe interessa. Dessa forma, ao pensar no objetivo deste trabalho, o de investigar se os embriões criopreservados não abrangidos pela Lei de Biossegurança teriam direitos, proteção legal, expectativa de direitos sucessórios, conclui-se que existe a possibilidade de pleiteá-los judicialmente e que cada caso levado ao judiciário deverá sofrer análise dentro das suas especificidades próprias. Tal fato acontece porque não existe consenso ou um pensamento majoritário sequer de quando começa a vida, mesmo que se possa pensar que esta fixação do começo da vida seja mais um problema da biologia ou da ética e não do direito, pois, de qualquer forma, não se encontra unanimidade. 111 REFERENCIAS ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2003. 28v. 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Acesso em: 21 Fev. 2011. 120 ANEXO A - RESOLUÇÃO CFM Nº 1.358, DE 1992 O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto 44.045, de 19 de julho de 1958, e CONSIDERANDO a importância da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la; CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico já permite solucionar vários dos casos de infertilidade humana; CONSIDERANDO que as técnicas de Reprodução Assistida têm possibilitado a procriação em diversas circunstâncias em que isto não era possível pelos procedimentos tradicionais; CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso destas técnicas com os princípios da ética médica; CONSIDERANDO, finalmente, o que ficou decidido na Sessão Plenária do Conselho Federal de Medicina realizada em 11 de novembro de 1992; RESOLVE Art. 1º - Adotar as NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA, anexas à presente Resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos. Art. 2º - Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação. São Paulo-SP, 11 de novembro de 1992. IVAN DE ARAÚJO MOURA FÉ Presidente HERCULES SIDNEI PIRES LIBERAL Secretário-Geral Publicada no D.O.U dia 19.11.92-Seção I Página 16053. NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA I - PRINCÍPIOS GERAIS 1 - As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade. 2 - As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente. 3 - O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis e doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma 121 técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados já obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será em formulário especial, e estará completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do casal infértil. 4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer. 5 - É proibido a fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra finalidade que não seja a procriação humana. 6 - O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade. 7 - Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária. II - USUÁRIOS DAS TÉCNICAS DE RA 1 - Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja indicação não se afaste dos limites desta Resolução, pode ser receptora das técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre e conciente em documento de consentimento informado. 2 - Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento informado. III - REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infecto-contagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição e transferência de material biológico humano para a usuária de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos: 1 - um responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados, que será, obrigatoriamente, um médico. 2 - um registro permanente (obtido através de informações observadas ou relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e mal-formações de fetos ou recém- nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e pré-embriões. 3 - um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material biológico humano que será transferido aos usuários das técnicas de RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças. IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES 1 - A doação nunca terá caráter lucrativa ou comercial. 2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. 122 3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador. 4 - As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores. 5 - Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um doador tenha produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes. 6 - A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora. 7 - Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços, participarem como doadores nos programas de RA. V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES 1 - As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e pré- embriões. 2 - O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído. 3 - No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los. VI - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PRÉ-EMBRIÕES As técnicas de RA também podem ser utilizadas na preservação e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica. 1 - Toda intervenção sobre pré-embriões "in vitro", com fins diagnósticos, não poderá ter outra finalidade que a avaliação de sua viabilidade ou detecção de doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal. 2 - Toda intervenção com fins terapêuticos, sobre pré-embriões "in vitro", não terá outra finalidade que tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado do casal. 3 - O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões "in vitro" será de 14 dias. VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO) As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética. 1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, 123 num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina. 2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial. 124 ANEXO B CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/2010 (Publicada no D.O.U. de 06 de janeiro de 2011, Seção I, p.79) A Resolução CFM nº 1.358/92, após 18 anos de vigência,recebeu modificações relativas à reprodução assistida, o que gerou a presente resolução, que a substitui in totum. O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e CONSIDERANDO a importância da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la; CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico permite solucionar vários dos casos de reprodução humana; CONSIDERANDO que as técnicas de reprodução assistida têm possibilitado a procriação em diversas circunstâncias, o que não era possível pelos procedimentos tradicionais; CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso dessas técnicas com os princípios da ética médica; CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na sessão plenária do Conselho Federal de Medicina realizada em 15 de dezembro de 2010, RESOLVE Art. 1º - Adotar as NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA, anexas à presente resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos. Art. 2º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se a Resolução CFM nº 1.358/92, publicada no DOU, seção I, de 19 de novembro de 1992, página 16053. Brasília-DF, 15 de dezembro de 2010 ROBERTO LUIZ D’AVILA HENRIQUE BATISTA E SILVA Presidente Secretário-geral ANEXO C - RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/10 RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/10 NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA 125 I - PRINCÍPIOS GERAIS 1 - As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham se revelado ineficazes ou consideradas inapropriadas. 2 - As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente. 3 - O consentimento informado será obrigatório a todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida, inclusive aos doadores. Os aspectos médicos envolvendo as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será expresso em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, das pessoas submetidas às técnicas de reprodução assistida. 4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (sexagem) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer. 5 - É proibida a fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade que não a procriação humana. 6 - O número máximo de oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro. Em relação ao número de embriões a serem transferidos, são feitas as seguintes determinações: a) mulheres com até 35 anos: até dois embriões); b) mulheres entre 36 e 39 anos: até três embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até quatro embriões. 7 - Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem à redução embrionária. II - PACIENTES DAS TÉCNICAS DE RA 1 - Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo, de acordo com a legislação vigente. III - REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infectocontagiosas, coleta, 126 manuseio, conservação, distribuição, transferência e descarte de material biológico humano para a paciente de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos: 1 - um diretor técnico responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados, que será, obrigatoriamente, um médico registrado no Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição. 2 - um registro permanente (obtido por meio de informações observadas ou relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e malformações de fetos ou recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e embriões. 3 - um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material biológico humano que será transferido aos pacientes das técnicas de RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças. IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES 1 - A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial. 2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. 3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador. 4 - As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores. 5 - Na região de localização da unidade, o registro dos nascimentos evitará que um(a) doador(a) venha a produzir mais do que uma gestação de criança de sexo diferente numa área de um milhão de habitantes. 6 - A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora. 7 - Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas trabalham participar como doador nos programas de RA. V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES 1 - As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozoides, óvulos e embriões. 127 2 - Do número total de embriões produzidos em laboratório, os excedentes, viáveis, serão criopreservados. 3 - No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados em caso de divórcio, doenças graves ou falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los. VI - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE EMBRIÕES As técnicas de RA também podem ser utilizadas na preservação e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica 1 - Toda intervenção sobre embriões "in vitro", com fins diagnósticos, não poderá ter outra finalidade que não a de avaliar sua viabilidade ou detectar doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal. 2 - Toda intervenção com fins terapêuticos sobre embriões "in vitro" não terá outra finalidade que não a de tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado do casal. 3 - O tempo máximo de desenvolvimento de embriões "in vitro" será de 14 dias. VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO) As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética. 1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina. 2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial. VIII – REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente 128 ANEXO C - LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES E GERAIS Art. 1o Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente. § 1o Para os fins desta Lei, considera-se atividade de pesquisa a realizada em laboratório, regime de contenção ou campo, como parte do processo de obtenção de OGM e seus derivados ou de avaliação da biossegurança de OGM e seus derivados, o que engloba, no âmbito experimental, a construção, o cultivo, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a liberação no meio ambiente e o descarte de OGM e seus derivados. § 2o Para os fins desta Lei, considera-se atividade de uso comercial de OGM e seus derivados a que não se enquadra como atividade de pesquisa, e que trata do cultivo, da produção, da manipulação, do transporte, da transferência, da comercialização, da importação, da exportação, do armazenamento, do consumo, da liberação e do descarte de OGM e seus derivados para fins comerciais. Art. 2o As atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados, relacionados ao ensino com manipulação de organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão responsáveis pela obediência aos preceitos desta Lei e de sua regulamentação, bem como pelas eventuais conseqüências ou efeitos advindos de seu descumprimento. § 1o Para os fins desta Lei, consideram-se atividades e projetos no âmbito de entidade os conduzidos em instalações próprias ou sob a responsabilidade administrativa, técnica ou científica da entidade. § 2o As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas em atuação autônoma e independente, ainda que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas jurídicas. 129 § 3o Os interessados em realizar atividade prevista nesta Lei deverão requerer autorização à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, que se manifestará no prazo fixado em regulamento. § 4o As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos no caput deste artigo devem exigir a apresentação de Certificado de Qualidade em Biossegurança, emitido pela CTNBio, sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes do descumprimento desta Lei ou de sua regulamentação. Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se: I – organismo: toda entidade biológica capaz de reproduzir ou transferir material genético, inclusive vírus e outras classes que venham a ser conhecidas; II – ácido desoxirribonucléico - ADN, ácido ribonucléico - ARN: material genético que contém informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência; III – moléculas de ADN/ARN recombinante: as moléculas manipuladas fora das células vivas mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético e que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação; consideram-se também os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural; IV – engenharia genética: atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN recombinante; V – organismo geneticamente modificado - OGM: organismo cujo material genético – ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética; VI – derivado de OGM: produto obtido de OGM e que não possua capacidade autônoma de replicação ou que não contenha forma viável de OGM; VII – célula germinal humana: célula-mãe responsável pela formação de gametas presentes nas glândulas sexuais femininas e masculinas e suas descendentes diretas em qualquer grau de ploidia; VIII – clonagem: processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um único patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética; IX – clonagem para fins reprodutivos: clonagem com a finalidade de obtenção de um indivíduo; X – clonagem terapêutica: clonagem com a finalidade de produção de células-tronco embrionárias para utilização terapêutica; XI – células-tronco embrionárias: células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo. § 1o Não se inclui na categoria de OGM o resultante de técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, inclusive fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer outro processo natural. § 2o Não se inclui na categoria de derivado de OGM a substância pura, quimicamente definida, obtida por meio de processos biológicos e que não contenha OGM, proteína heteróloga ou ADN recombinante. Art. 4o Esta Lei não se aplica quando a modificação genética for obtida por meio das seguintes técnicas, desde que não impliquem a utilização de OGM como receptor ou doador: 130 I – mutagênese; II – formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal; III – fusão celular, inclusive a de protoplasma, de células vegetais, que possa ser produzida mediante métodos tradicionais de cultivo; IV – autoclonagem de organismos não-patogênicos que se processe de maneira natural. Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células- tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Art. 6o Fica proibido: I – implementação de projeto relativo a OGM sem a manutenção de registro de seu acompanhamento individual; II – engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei; III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano; IV – clonagem humana; V – destruição ou descarte no meio ambiente de OGM e seus derivados em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio, pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, e as constantes desta Lei e de sua regulamentação; VI – liberação no meio ambiente de OGM ou seus derivados, no âmbito de atividades de pesquisa, sem a decisão técnica favorável da CTNBio e, nos casos de liberação comercial, sem o parecer técnico favorável da CTNBio, ou sem o licenciamento do órgão ou entidade ambiental responsável, quando a CTNBio considerar a atividade como potencialmente causadora de degradação ambiental, ou sem a aprovação do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, quando o processo tenha sido por ele avocado, na forma desta Lei e de sua regulamentação; VII – a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, entende-se por tecnologias genéticas de restrição do uso qualquer processo de intervenção humana para geração ou multiplicação de plantas 131 geneticamente modificadas para produzir estruturas reprodutivas estéreis, bem como qualquer forma de manipulação genética que vise à ativação ou desativação de genes relacionados à fertilidade das plantas por indutores químicos externos. Art. 7o São obrigatórias: I – a investigação de acidentes ocorridos no curso de pesquisas e projetos na área de engenharia genética e o envio de relatório respectivo à autoridade competente no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da data do evento; II – a notificação imediata à CTNBio e às autoridades da saúde pública, da defesa agropecuária e do meio ambiente sobre acidente que possa provocar a disseminação de OGM e seus derivados; III – a adoção de meios necessários para plenamente informar à CTNBio, às autoridades da saúde pública, do meio ambiente, da defesa agropecuária, à coletividade e aos demais empregados da instituição ou empresa sobre os riscos a que possam estar submetidos, bem como os procedimentos a serem tomados no caso de acidentes com OGM. CAPÍTULO II Do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS Art. 8o Fica criado o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, vinculado à Presidência da República, órgão de assessoramento superior do Presidente da República para a formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança – PNB. § 1o Compete ao CNBS: I – fixar princípios e diretrizes para a ação administrativa dos órgãos e entidades federais com competências sobre a matéria; II – analisar, a pedido da CTNBio, quanto aos aspectos da conveniência e oportunidade socioeconômicas e do interesse nacional, os pedidos de liberação para uso comercial de OGM e seus derivados; III – avocar e decidir, em última e definitiva instância, com base em manifestação da CTNBio e, quando julgar necessário, dos órgãos e entidades referidos no art. 16 desta Lei, no âmbito de suas competências, sobre os processos relativos a atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus derivados; IV – (VETADO) § 2o (VETADO) § 3o Sempre que o CNBS deliberar favoravelmente à realização da atividade analisada, encaminhará sua manifestação aos órgãos e entidades de registro e fiscalização referidos no art. 16 desta Lei. § 4o Sempre que o CNBS deliberar contrariamente à atividade analisada, encaminhará sua manifestação à CTNBio para informação ao requerente. Art. 9o O CNBS é composto pelos seguintes membros: I – Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, que o presidirá; II – Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia; 132 III – Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário; IV – Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; V – Ministro de Estado da Justiça; VI – Ministro de Estado da Saúde; VII – Ministro de Estado do Meio Ambiente; VIII – Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; IX – Ministro de Estado das Relações Exteriores; X – Ministro de Estado da Defesa; XI – Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República. § 1o O CNBS reunir-se-á sempre que convocado pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, ou mediante provocação da maioria de seus membros. § 2o (VETADO) § 3o Poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter excepcional, representantes do setor público e de entidades da sociedade civil. § 4o O CNBS contará com uma Secretaria-Executiva, vinculada à Casa Civil da Presidência da República. § 5o A reunião do CNBS poderá ser instalada com a presença de 6 (seis) de seus membros e as decisões serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta. CAPÍTULO III Da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio Art. 10. A CTNBio, integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia, é instância colegiada multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo, para prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da PNB de OGM e seus derivados, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial de OGM e seus derivados, com base na avaliação de seu risco zoofitossanitário, à saúde humana e ao meio ambiente. Parágrafo único. A CTNBio deverá acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico e científico nas áreas de biossegurança, biotecnologia, bioética e afins, com o objetivo de aumentar sua capacitação para a proteção da saúde humana, dos animais e das plantas e do meio ambiente. Art. 11. A CTNBio, composta de membros titulares e suplentes, designados pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, será constituída por 27 (vinte e sete) cidadãos brasileiros de reconhecida competência técnica, de notória atuação e saber científicos, com grau acadêmico de doutor e com destacada atividade profissional nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal ou meio ambiente, sendo: I – 12 (doze) especialistas de notório saber científico e técnico, em efetivo exercício profissional, sendo: 133 a) 3 (três) da área de saúde humana; b) 3 (três) da área animal; c) 3 (três) da área vegetal; d) 3 (três) da área de meio ambiente; II – um representante de cada um dos seguintes órgãos, indicados pelos respectivos titulares: a) Ministério da Ciência e Tecnologia; b) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; c) Ministério da Saúde; d) Ministério do Meio Ambiente; e) Ministério do Desenvolvimento Agrário; f) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; g) Ministério da Defesa; h) Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República; i) Ministério das Relações Exteriores; III – um especialista em defesa do consumidor, indicado pelo Ministro da Justiça; IV – um especialista na área de saúde, indicado pelo Ministro da Saúde; V – um especialista em meio ambiente, indicado pelo Ministro do Meio Ambiente; VI – um especialista em biotecnologia, indicado pelo Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; VII – um especialista em agricultura familiar, indicado pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário; VIII – um especialista em saúde do trabalhador, indicado pelo Ministro do Trabalho e Emprego. § 1o Os especialistas de que trata o inciso I do caput deste artigo serão escolhidos a partir de lista tríplice, elaborada com a participação das sociedades científicas, conforme disposto em regulamento. § 2o Os especialistas de que tratam os incisos III a VIII do caput deste artigo serão escolhidos a partir de lista tríplice, elaborada pelas organizações da sociedade civil, conforme disposto em regulamento. § 3o Cada membro efetivo terá um suplente, que participará dos trabalhos na ausência do titular. § 4o Os membros da CTNBio terão mandato de 2 (dois) anos, renovável por até mais 2 (dois) períodos consecutivos. 134 § 5o O presidente da CTNBio será designado, entre seus membros, pelo Ministro da Ciência e Tecnologia para um mandato de 2 (dois) anos, renovável por igual período. § 6o Os membros da CTNBio devem pautar a sua atuação pela observância estrita dos conceitos ético-profissionais, sendo vedado participar do julgamento de questões com as quais tenham algum envolvimento de ordem profissional ou pessoal, sob pena de perda de mandato, na forma do regulamento. § 7o A reunião da CTNBio poderá ser instalada com a presença de 14 (catorze) de seus membros, incluído pelo menos um representante de cada uma das áreas referidas no inciso I do caput deste artigo. § 8o (VETADO) § 8o-A As decisões da CTNBio serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta de seus membros. (Incluído pela Lei nº 11.460, de 2007) § 9o Órgãos e entidades integrantes da administração pública federal poderão solicitar participação nas reuniões da CTNBio para tratar de assuntos de seu especial interesse, sem direito a voto. § 10. Poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter excepcional, representantes da comunidade científica e do setor público e entidades da sociedade civil, sem direito a voto. Art. 12. O funcionamento da CTNBio será definido pelo regulamento desta Lei. § 1o A CTNBio contará com uma Secretaria-Executiva e cabe ao Ministério da Ciência e Tecnologia prestar-lhe o apoio técnico e administrativo. § 2o (VETADO) Art. 13. A CTNBio constituirá subcomissões setoriais permanentes na área de saúde humana, na área animal, na área vegetal e na área ambiental, e poderá constituir subcomissões extraordinárias, para análise prévia dos temas a serem submetidos ao plenário da Comissão. § 1o Tanto os membros titulares quanto os suplentes participarão das subcomissões setoriais e caberá a todos a distribuição dos processos para análise. § 2o O funcionamento e a coordenação dos trabalhos nas subcomissões setoriais e extraordinárias serão definidos no regimento interno da CTNBio. Art. 14. Compete à CTNBio: I – estabelecer normas para as pesquisas com OGM e derivados de OGM; II – estabelecer normas relativamente às atividades e aos projetos relacionados a OGM e seus derivados; III – estabelecer, no âmbito de suas competências, critérios de avaliação e monitoramento de risco de OGM e seus derivados; IV – proceder à análise da avaliação de risco, caso a caso, relativamente a atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados; 135 V – estabelecer os mecanismos de funcionamento das Comissões Internas de Biossegurança – CIBio, no âmbito de cada instituição que se dedique ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial que envolvam OGM ou seus derivados; VI – estabelecer requisitos relativos à biossegurança para autorização de funcionamento de laboratório, instituição ou empresa que desenvolverá atividades relacionadas a OGM e seus derivados; VII – relacionar-se com instituições voltadas para a biossegurança de OGM e seus derivados, em âmbito nacional e internacional; VIII – autorizar, cadastrar e acompanhar as atividades de pesquisa com OGM ou derivado de OGM, nos termos da legislação em vigor; IX – autorizar a importação de OGM e seus derivados para atividade de pesquisa; X – prestar apoio técnico consultivo e de assessoramento ao CNBS na formulação da PNB de OGM e seus derivados; XI – emitir Certificado de Qualidade em Biossegurança – CQB para o desenvolvimento de atividades com OGM e seus derivados em laboratório, instituição ou empresa e enviar cópia do processo aos órgãos de registro e fiscalização referidos no art. 16 desta Lei; XII – emitir decisão técnica, caso a caso, sobre a biossegurança de OGM e seus derivados no âmbito das atividades de pesquisa e de uso comercial de OGM e seus derivados, inclusive a classificação quanto ao grau de risco e nível de biossegurança exigido, bem como medidas de segurança exigidas e restrições ao uso; XIII – definir o nível de biossegurança a ser aplicado ao OGM e seus usos, e os respectivos procedimentos e medidas de segurança quanto ao seu uso, conforme as normas estabelecidas na regulamentação desta Lei, bem como quanto aos seus derivados; XIV – classificar os OGM segundo a classe de risco, observados os critérios estabelecidos no regulamento desta Lei; XV – acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico-científico na biossegurança de OGM e seus derivados; XVI – emitir resoluções, de natureza normativa, sobre as matérias de sua competência; XVII – apoiar tecnicamente os órgãos competentes no processo de prevenção e investigação de acidentes e de enfermidades, verificados no curso dos projetos e das atividades com técnicas de ADN/ARN recombinante; XVIII – apoiar tecnicamente os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, no exercício de suas atividades relacionadas a OGM e seus derivados; XIX – divulgar no Diário Oficial da União, previamente à análise, os extratos dos pleitos e, posteriormente, dos pareceres dos processos que lhe forem submetidos, bem como dar ampla publicidade no Sistema de Informações em Biossegurança – SIB a sua agenda, processos em trâmite, relatórios anuais, atas das reuniões e demais informações sobre suas atividades, excluídas as informações sigilosas, de interesse comercial, apontadas pelo proponente e assim consideradas pela CTNBio; XX – identificar atividades e produtos decorrentes do uso de OGM e seus derivados potencialmente causadores de degradação do meio ambiente ou que possam causar riscos à saúde humana; 136 XXI – reavaliar suas decisões técnicas por solicitação de seus membros ou por recurso dos órgãos e entidades de registro e fiscalização, fundamentado em fatos ou conhecimentos científicos novos, que sejam relevantes quanto à biossegurança do OGM ou derivado, na forma desta Lei e seu regulamento; XXII – propor a realização de pesquisas e estudos científicos no campo da biossegurança de OGM e seus derivados; XXIII – apresentar proposta de regimento interno ao Ministro da Ciência e Tecnologia. § 1o Quanto aos aspectos de biossegurança do OGM e seus derivados, a decisão técnica da CTNBio vincula os demais órgãos e entidades da administração. § 2o Nos casos de uso comercial, dentre outros aspectos técnicos de sua análise, os órgãos de registro e fiscalização, no exercício de suas atribuições em caso de solicitação pela CTNBio, observarão, quanto aos aspectos de biossegurança do OGM e seus derivados, a decisão técnica da CTNBio. § 3o Em caso de decisão técnica favorável sobre a biossegurança no âmbito da atividade de pesquisa, a CTNBio remeterá o processo respectivo aos órgãos e entidades referidos no art. 16 desta Lei, para o exercício de suas atribuições. § 4o A decisão técnica da CTNBio deverá conter resumo de sua fundamentação técnica, explicitar as medidas de segurança e restrições ao uso do OGM e seus derivados e considerar as particularidades das diferentes regiões do País, com o objetivo de orientar e subsidiar os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, no exercício de suas atribuições. § 5o Não se submeterá a análise e emissão de parecer técnico da CTNBio o derivado cujo OGM já tenha sido por ela aprovado. § 6o As pessoas físicas ou jurídicas envolvidas em qualquer das fases do processo de produção agrícola, comercialização ou transporte de produto geneticamente modificado que tenham obtido a liberação para uso comercial estão dispensadas de apresentação do CQB e constituição de CIBio, salvo decisão em contrário da CTNBio. Art. 15. A CTNBio poderá realizar audiências públicas, garantida participação da sociedade civil, na forma do regulamento. Parágrafo único. Em casos de liberação comercial, audiência pública poderá ser requerida por partes interessadas, incluindo-se entre estas organizações da sociedade civil que comprovem interesse relacionado à matéria, na forma do regulamento. CAPÍTULO IV Dos órgãos e entidades de registro e fiscalização Art. 16. Caberá aos órgãos e entidades de registro e fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Meio Ambiente, e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República entre outras atribuições, no campo de suas competências, observadas a decisão técnica da CTNBio, as deliberações do CNBS e os mecanismos estabelecidos nesta Lei e na sua regulamentação: I – fiscalizar as atividades de pesquisa de OGM e seus derivados; II – registrar e fiscalizar a liberação comercial de OGM e seus derivados; III – emitir autorização para a importação de OGM e seus derivados para uso comercial; 137 IV – manter atualizado no SIB o cadastro das instituições e responsáveis técnicos que realizam atividades e projetos relacionados a OGM e seus derivados; V – tornar públicos, inclusive no SIB, os registros e autorizações concedidas; VI – aplicar as penalidades de que trata esta Lei; VII – subsidiar a CTNBio na definição de quesitos de avaliação de biossegurança de OGM e seus derivados. § 1o Após manifestação favorável da CTNBio, ou do CNBS, em caso de avocação ou recurso, caberá, em decorrência de análise específica e decisão pertinente: I – ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento emitir as autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades que utilizem OGM e seus derivados destinados a uso animal, na agricultura, pecuária, agroindústria e áreas afins, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei; II – ao órgão competente do Ministério da Saúde emitir as autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades com OGM e seus derivados destinados a uso humano, farmacológico, domissanitário e áreas afins, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei; III – ao órgão competente do Ministério do Meio Ambiente emitir as autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades que envolvam OGM e seus derivados a serem liberados nos ecossistemas naturais, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei, bem como o licenciamento, nos casos em que a CTNBio deliberar, na forma desta Lei, que o OGM é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente; IV – à Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República emitir as autorizações e registros de produtos e atividades com OGM e seus derivados destinados ao uso na pesca e aqüicultura, de acordo com a legislação em vigor e segundo esta Lei e seu regulamento. § 2o Somente se aplicam as disposições dos incisos I e II do art. 8o e do caput do art. 10 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, nos casos em que a CTNBio deliberar que o OGM é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente. § 3o A CTNBio delibera, em última e definitiva instância, sobre os casos em que a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como sobre a necessidade do licenciamento ambiental. § 4o A emissão dos registros, das autorizações e do licenciamento ambiental referidos nesta Lei deverá ocorrer no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias. § 5o A contagem do prazo previsto no § 4o deste artigo será suspensa, por até 180 (cento e oitenta) dias, durante a elaboração, pelo requerente, dos estudos ou esclarecimentos necessários. § 6o As autorizações e registros de que trata este artigo estarão vinculados à decisão técnica da CTNBio correspondente, sendo vedadas exigências técnicas que extrapolem as condições estabelecidas naquela decisão, nos aspectos relacionados à biossegurança. § 7o Em caso de divergência quanto à decisão técnica da CTNBio sobre a liberação comercial de OGM e derivados, os órgãos e entidades de registro e fiscalização, no âmbito de suas competências, poderão apresentar recurso ao CNBS, no prazo de até 30 (trinta) dias, a contar da data de publicação da decisão técnica da CTNBio. 138 CAPÍTULO V Da Comissão Interna de Biossegurança – CIBio Art. 17. Toda instituição que utilizar técnicas e métodos de engenharia genética ou realizar pesquisas com OGM e seus derivados deverá criar uma Comissão Interna de Biossegurança - CIBio, além de indicar um técnico principal responsável para cada projeto específico. Art. 18. Compete à CIBio, no âmbito da instituição onde constituída: I – manter informados os trabalhadores e demais membros da coletividade, quando suscetíveis de serem afetados pela atividade, sobre as questões relacionadas com a saúde e a segurança, bem como sobre os procedimentos em caso de acidentes; II – estabelecer programas preventivos e de inspeção para garantir o funcionamento das instalações sob sua responsabilidade, dentro dos padrões e normas de biossegurança, definidos pela CTNBio na regulamentação desta Lei; III – encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será estabelecida na regulamentação desta Lei, para efeito de análise, registro ou autorização do órgão competente, quando couber; IV – manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou projeto em desenvolvimento que envolvam OGM ou seus derivados; V – notificar à CTNBio, aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, e às entidades de trabalhadores o resultado de avaliações de risco a que estão submetidas as pessoas expostas, bem como qualquer acidente ou incidente que possa provocar a disseminação de agente biológico; VI – investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades possivelmente relacionados a OGM e seus derivados e notificar suas conclusões e providências à CTNBio. CAPÍTULO VI Do Sistema de Informações em Biossegurança – SIB Art. 19. Fica criado, no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, o Sistema de Informações em Biossegurança – SIB, destinado à gestão das informações decorrentes das atividades de análise, autorização, registro, monitoramento e acompanhamento das atividades que envolvam OGM e seus derivados. § 1o As disposições dos atos legais, regulamentares e administrativos que alterem, complementem ou produzam efeitos sobre a legislação de biossegurança de OGM e seus derivados deverão ser divulgadas no SIB concomitantemente com a entrada em vigor desses atos. § 2o Os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, deverão alimentar o SIB com as informações relativas às atividades de que trata esta Lei, processadas no âmbito de sua competência. CAPÍTULO VII Da Responsabilidade Civil e Administrativa Art. 20. Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta Lei, os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa. 139 Art. 21. Considera-se infração administrativa toda ação ou omissão que viole as normas previstas nesta Lei e demais disposições legais pertinentes. Parágrafo único. As infrações administrativas serão punidas na forma estabelecida no regulamento desta Lei, independentemente das medidas cautelares de apreensão de produtos, suspensão de venda de produto e embargos de atividades, com as seguintes sanções: I – advertência; II – multa; III – apreensão de OGM e seus derivados; IV – suspensão da venda de OGM e seus derivados; V – embargo da atividade; VI – interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou empreendimento; VII – suspensão de registro, licença ou autorização; VIII – cancelamento de registro, licença ou autorização; IX – perda ou restrição de incentivo e benefício fiscal concedidos pelo governo; X – perda ou suspensão da participação em linha de financiamento em estabelecimento oficial de crédito; XI – intervenção no estabelecimento; XII – proibição de contratar com a administração pública, por período de até 5 (cinco) anos. Art. 22. Compete aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, definir critérios, valores e aplicar multas de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), proporcionalmente à gravidade da infração. § 1o As multas poderão ser aplicadas cumulativamente com as demais sanções previstas neste artigo. § 2o No caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro. § 3o No caso de infração continuada, caracterizada pela permanência da ação ou omissão inicialmente punida, será a respectiva penalidade aplicada diariamente até cessar sua causa, sem prejuízo da paralisação imediata da atividade ou da interdição do laboratório ou da instituição ou empresa responsável. Art. 23. As multas previstas nesta Lei serão aplicadas pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Saúde, do Meio Ambiente e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República, referidos no art. 16 desta Lei, de acordo com suas respectivas competências. § 1o Os recursos arrecadados com a aplicação de multas serão destinados aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, que aplicarem a multa. § 2o Os órgãos e entidades fiscalizadores da administração pública federal poderão celebrar convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios, para a execução de serviços relacionados à 140 atividade de fiscalização prevista nesta Lei e poderão repassar-lhes parcela da receita obtida com a aplicação de multas. § 3o A autoridade fiscalizadora encaminhará cópia do auto de infração à CTNBio. § 4o Quando a infração constituir crime ou contravenção, ou lesão à Fazenda Pública ou ao consumidor, a autoridade fiscalizadora representará junto ao órgão competente para apuração das responsabilidades administrativa e penal. CAPÍTULO VIII Dos Crimes e das Penas Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5o desta Lei: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Art. 26. Realizar clonagem humana: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 1o (VETADO) § 2o Agrava-se a pena: I – de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se resultar dano à propriedade alheia; II – de 1/3 (um terço) até a metade, se resultar dano ao meio ambiente; III – da metade até 2/3 (dois terços), se resultar lesão corporal de natureza grave em outrem; IV – de 2/3 (dois terços) até o dobro, se resultar a morte de outrem. Art. 28. Utilizar, comercializar, registrar, patentear e licenciar tecnologias genéticas de restrição do uso: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Art. 29. Produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar OGM ou seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização: Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa. CAPÍTULO IX 141 Disposições Finais e Transitórias Art. 30. Os OGM que tenham obtido decisão técnica da CTNBio favorável a sua liberação comercial até a entrada em vigor desta Lei poderão ser registrados e comercializados, salvo manifestação contrária do CNBS, no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data da publicação desta Lei. Art. 31. A CTNBio e os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, deverão rever suas deliberações de caráter normativo, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a fim de promover sua adequação às disposições desta Lei. Art. 32. Permanecem em vigor os Certificados de Qualidade em Biossegurança, comunicados e decisões técnicas já emitidos pela CTNBio, bem como, no que não contrariarem o disposto nesta Lei, os atos normativos emitidos ao amparo da Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995. Art. 33. As instituições que desenvolverem atividades reguladas por esta Lei na data de sua publicação deverão adequar-se as suas disposições no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contado da publicação do decreto que a regulamentar. Art. 34. Ficam convalidados e tornam-se permanentes os registros provisórios concedidos sob a égide da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003. Art. 35. Ficam autorizadas a produção e a comercialização de sementes de cultivares de soja geneticamente modificadas tolerantes a glifosato registradas no Registro Nacional de Cultivares - RNC do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Art. 36. Fica autorizado o plantio de grãos de soja geneticamente modificada tolerante a glifosato, reservados pelos produtores rurais para uso próprio, na safra 2004/2005, sendo vedada a comercialização da produção como semente. (Vide Decreto nº 5.534, de 2005) Parágrafo único. O Poder Executivo poderá prorrogar a autorização de que trata o caput deste artigo. Art. 37. A descrição do Código 20 do Anexo VIII da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, acrescido pela Lei no 10.165, de 27 de dezembro de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação: "ANEXO VIII Código Categoria Descrição Pp/gu ........... ................ .............................................................................................................. ............. 20 Uso de Silvicultura; exploração econômica da madeira ou lenha e Médio Recursos subprodutos florestais; importação ou exportação da fauna e flora Naturais nativas brasileiras; atividade de criação e exploração econômica de fauna exótica e de fauna silvestre; utilização do patrimônio genético natural; exploração de recursos aquáticos vivos; introdução de espécies exóticas, exceto para melhoramento genético vegetal e uso na agricultura; introdução de espécies geneticamente modificadas previamente identificadas pela CTNBio como potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente; uso da diversidade biológica pela biotecnologia em atividades previamente identificadas pela CTNBio como potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente. ........... ................ ............................................................................................................... ............. Art. 38. (VETADO) 142 Art. 39. Não se aplica aos OGM e seus derivados o disposto na Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989, e suas alterações, exceto para os casos em que eles sejam desenvolvidos para servir de matéria-prima para a produção de agrotóxicos. Art. 40. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento. Art. 41. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 42. Revogam-se a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003. Brasília, 24 de março de 2005; 184o da Independência e 117o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Márcio Thomaz Bastos Celso Luiz Nunes Amorim Roberto Rodrigues Humberto Sérgio Costa Lima Luiz Fernando Furlan Patrus Ananias Eduardo Campos Marina Silva Miguel Soldatelli Rossetto José Dirceu de Oliveira e Silva 143 ANEXO D - DECRETO Nº 5.591, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2005. Regulamenta dispositivos da Lei no 11.105, de 24 de março de 2005, que regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição, e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 11.105, de 24 de março de 2005, DECRETA: CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES E GERAIS Art. 1o Este Decreto regulamenta dispositivos da Lei no 11.105, de 24 de março de 2005, que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados - OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente, bem como normas para o uso mediante autorização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, para fins de pesquisa e terapia. Art. 2o As atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados, relacionados ao ensino com manipulação de organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão responsáveis pela obediência aos preceitos da Lei no 11.105, de 2005, deste Decreto e de normas complementares, bem como pelas eventuais conseqüências ou efeitos advindos de seu descumprimento. § 1o Para os fins deste Decreto, consideram-se atividades e projetos no âmbito de entidade os conduzidos em instalações próprias ou sob a responsabilidade administrativa, técnica ou científica da entidade. § 2o As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas em atuação autônoma e independente, ainda que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas jurídicas. § 3o Os interessados em realizar atividade prevista neste Decreto deverão requerer autorização à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, que se manifestará no prazo fixado em norma própria. Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se: I - atividade de pesquisa: a realizada em laboratório, regime de contenção ou campo, como parte do processo de obtenção de OGM e seus derivados ou de avaliação da biossegurança de OGM e seus derivados, o que engloba, no âmbito experimental, a construção, o cultivo, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a liberação no meio ambiente e o descarte de OGM e seus derivados; II - atividade de uso comercial de OGM e seus derivados: a que não se enquadra como atividade de pesquisa, e que trata do cultivo, da produção, da manipulação, do transporte, da transferência, da comercialização, da importação, da exportação, do armazenamento, do consumo, da liberação e do descarte de OGM e seus derivados para fins comerciais; 144 III - organismo: toda entidade biológica capaz de reproduzir ou transferir material genético, inclusive vírus e outras classes que venham a ser conhecidas; IV - ácido desoxirribonucléico - ADN, ácido ribonucléico - ARN: material genético que contém informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência; V - moléculas de ADN/ARN recombinante: as moléculas manipuladas fora das células vivas mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético e que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação; consideram-se também os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural; VI - engenharia genética: atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN recombinante; VII - organismo geneticamente modificado - OGM: organismo cujo material genético - ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética; VIII - derivado de OGM: produto obtido de OGM e que não possua capacidade autônoma de replicação ou que não contenha forma viável de OGM; IX - célula germinal humana: célula-mãe responsável pela formação de gametas presentes nas glândulas sexuais femininas e masculinas e suas descendentes diretas em qualquer grau de ploidia; X - fertilização in vitro: a fusão dos gametas realizada por qualquer técnica de fecundação extracorpórea; XI - clonagem: processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um único patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética; XII - células-tronco embrionárias: células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo; XIII - embriões inviáveis: aqueles com alterações genéticas comprovadas por diagnóstico pré implantacional, conforme normas específicas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, que tiveram seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período superior a vinte e quatro horas a partir da fertilização in vitro, ou com alterações morfológicas que comprometam o pleno desenvolvimento do embrião; XIV - embriões congelados disponíveis: aqueles congelados até o dia 28 de março de 2005, depois de completados três anos contados a partir da data do seu congelamento; XV - genitores: usuários finais da fertilização in vitro; XVI - órgãos e entidades de registro e fiscalização: aqueles referidos no caput do art. 53; XVII - tecnologias genéticas de restrição do uso: qualquer processo de intervenção humana para geração ou multiplicação de plantas geneticamente modificadas para produzir estruturas reprodutivas estéreis, bem como qualquer forma de manipulação genética que vise à ativação ou desativação de genes relacionados à fertilidade das plantas por indutores químicos externos. § 1o Não se inclui na categoria de OGM o resultante de técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, inclusive fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer outro processo natural. 145 § 2o Não se inclui na categoria de derivado de OGM a substância pura, quimicamente definida, obtida por meio de processos biológicos e que não contenha OGM, proteína heteróloga ou ADN recombinante. CAPÍTULO II DA COMISSÃO TÉCNICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA Art. 4o A CTNBio, integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia, é instância colegiada multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo, para prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança - PNB de OGM e seus derivados, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial de OGM e seus derivados, com base na avaliação de seu risco zoofitossanitário, à saúde humana e ao meio ambiente. Parágrafo único. A CTNBio deverá acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico e científico nas áreas de biossegurança, biotecnologia, bioética e afins, com o objetivo de aumentar sua capacitação para a proteção da saúde humana, dos animais e das plantas e do meio ambiente. Seção I Das Atribuições Art. 5o Compete à CTNBio: I - estabelecer normas para as pesquisas com OGM e seus derivados; II - estabelecer normas relativamente às atividades e aos projetos relacionados a OGM e seus derivados; III - estabelecer, no âmbito de suas competências, critérios de avaliação e monitoramento de risco de OGM e seus derivados; IV - proceder à análise da avaliação de risco, caso a caso, relativamente a atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados; V - estabelecer os mecanismos de funcionamento das Comissões Internas de Biossegurança - CIBio, no âmbito de cada instituição que se dedique ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial que envolvam OGM e seus derivados; VI - estabelecer requisitos relativos a biossegurança para autorização de funcionamento de laboratório, instituição ou empresa que desenvolverá atividades relacionadas a OGM e seus derivados; VII - relacionar-se com instituições voltadas para a biossegurança de OGM e seus derivados, em âmbito nacional e internacional; VIII - autorizar, cadastrar e acompanhar as atividades de pesquisa com OGM e seus derivados, nos termos da legislação em vigor; IX - autorizar a importação de OGM e seus derivados para atividade de pesquisa; X - prestar apoio técnico consultivo e de assessoramento ao Conselho Nacional de Biossegurança - CNBS na formulação da Política Nacional de Biossegurança de OGM e seus derivados; XI - emitir Certificado de Qualidade em Biossegurança - CQB para o desenvolvimento de atividades com OGM e seus derivados em laboratório, instituição ou empresa e enviar cópia do processo aos órgãos de registro e fiscalização; 146 XII - emitir decisão técnica, caso a caso, sobre a biossegurança de OGM e seus derivados, no âmbito das atividades de pesquisa e de uso comercial de OGM e seus derivados, inclusive a classificação quanto ao grau de risco e nível de biossegurança exigido, bem como medidas de segurança exigidas e restrições ao uso; XIII - definir o nível de biossegurança a ser aplicado ao OGM e seus usos, e os respectivos procedimentos e medidas de segurança quanto ao seu uso, conforme as normas estabelecidas neste Decreto, bem como quanto aos seus derivados; XIV - classificar os OGM segundo a classe de risco, observados os critérios estabelecidos neste Decreto; XV - acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico-científico na biossegurança de OGM e seus derivados; XVI - emitir resoluções, de natureza normativa, sobre as matérias de sua competência; XVII - apoiar tecnicamente os órgãos competentes no processo de prevenção e investigação de acidentes e de enfermidades, verificados no curso dos projetos e das atividades com técnicas de ADN/ARN recombinante; XVIII - apoiar tecnicamente os órgãos e entidades de registro e fiscalização, no exercício de suas atividades relacionadas a OGM e seus derivados; XIX - divulgar no Diário Oficial da União, previamente à análise, os extratos dos pleitos e, posteriormente, dos pareceres dos processos que lhe forem submetidos, bem como dar ampla publicidade no Sistema de Informações em Biossegurança - SIB a sua agenda, processos em trâmite, relatórios anuais, atas das reuniões e demais informações sobre suas atividades, excluídas as informações sigilosas, de interesse comercial, apontadas pelo proponente e assim por ela consideradas; XX - identificar atividades e produtos decorrentes do uso de OGM e seus derivados potencialmente causadores de degradação do meio ambiente ou que possam causar riscos à saúde humana; XXI - reavaliar suas decisões técnicas por solicitação de seus membros ou por recurso dos órgãos e entidades de registro e fiscalização, fundamentado em fatos ou conhecimentos científicos novos, que sejam relevantes quanto à biossegurança de OGM e seus derivados; XXII - propor a realização de pesquisas e estudos científicos no campo da biossegurança de OGM e seus derivados; XXIII - apresentar proposta de seu regimento interno ao Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia. Parágrafo único. A reavaliação de que trata o inciso XXI deste artigo será solicitada ao Presidente da CTNBio em petição que conterá o nome e qualificação do solicitante, o fundamento instruído com descrição dos fatos ou relato dos conhecimentos científicos novos que a ensejem e o pedido de nova decisão a respeito da biossegurança de OGM e seus derivados a que se refiram. Seção II Da Composição Art. 6o A CTNBio, composta de membros titulares e suplentes, designados pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, será constituída por vinte e sete cidadãos brasileiros de reconhecida competência técnica, de notória atuação e saber científicos, com grau acadêmico de doutor e com destacada atividade profissional nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal ou meio ambiente, sendo: 147 I - doze especialistas de notório saber científico e técnico, em efetivo exercício profissional, sendo: a) três da área de saúde humana; b) três da área animal; c) três da área vegetal; d) três da área de meio ambiente; II - um representante de cada um dos seguintes órgãos, indicados pelos respectivos titulares: a) Ministério da Ciência e Tecnologia; b) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; c) Ministério da Saúde; d) Ministério do Meio Ambiente; e) Ministério do Desenvolvimento Agrário; f) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; g) Ministério da Defesa; h) Ministério das Relações Exteriores; i) Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República; III - um especialista em defesa do consumidor, indicado pelo Ministro de Estado da Justiça; IV - um especialista na área de saúde, indicado pelo Ministro de Estado da Saúde; V - um especialista em meio ambiente, indicado pelo Ministro de Estado do Meio Ambiente; VI - um especialista em biotecnologia, indicado pelo Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; VII - um especialista em agricultura familiar, indicado pelo Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário; VIII - um especialista em saúde do trabalhador, indicado pelo Ministro de Estado do Trabalho e Emprego. Parágrafo único. Cada membro efetivo terá um suplente, que participará dos trabalhos na ausência do titular. Art. 7o Os especialistas de que trata o inciso I do art. 6o serão escolhidos a partir de lista tríplice de titulares e suplentes. Parágrafo único. O Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia constituirá comissão ad hoc, integrada por membros externos à CTNBio, representantes de sociedades científicas, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC e da Academia Brasileira de Ciências - ABC, 148 encarregada de elaborar a lista tríplice de que trata o caput deste artigo, no prazo de até trinta dias de sua constituição. Art. 8o Os representantes de que trata o inciso II do art. 6o, e seus suplentes, serão indicados pelos titulares dos respectivos órgãos no prazo de trinta dias da data do aviso do Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia. Art. 9o A indicação dos especialistas de que tratam os incisos III a VIII do art. 6o será feita pelos respectivos Ministros de Estado, a partir de lista tríplice elaborada por organizações da sociedade civil providas de personalidade jurídica, cujo objetivo social seja compatível com a especialização prevista naqueles incisos, em procedimento a ser definido pelos respectivos Ministérios. Art. 10. As consultas às organizações da sociedade civil, para os fins de que trata o art. 9o, deverão ser realizadas sessenta dias antes do término do mandato do membro a ser substituído. Art. 11. A designação de qualquer membro da CTNBio em razão de vacância obedecerá aos mesmos procedimentos a que a designação ordinária esteja submetida. Art. 12. Os membros da CTNBio terão mandato de dois anos, renovável por até mais dois períodos consecutivos. Parágrafo único. A contagem do período do mandato de membro suplente é contínua, ainda que assuma o mandato de titular. Art. 13. As despesas com transporte, alimentação e hospedagem dos membros da CTNBio serão de responsabilidade do Ministério da Ciência e Tecnologia. Parágrafo único. As funções e atividades desenvolvidas pelos membros da CTNBio serão consideradas de alta relevância e honoríficas. Art. 14. Os membros da CTNBio devem pautar a sua atuação pela observância estrita dos conceitos ético-profissionais, sendo vedado participar do julgamento de questões com as quais tenham algum envolvimento de ordem profissional ou pessoal, sob pena de perda de mandato. § 1o O membro da CTNBio, ao ser empossado, assinará declaração de conduta, explicitando eventual conflito de interesse, na forma do regimento interno. § 2o O membro da CTNBio deverá manifestar seu eventual impedimento nos processos a ele distribuídos para análise, quando do seu recebimento, ou, quando não for o relator, no momento das deliberações nas reuniões das subcomissões ou do plenário. § 3o Poderá argüir o impedimento o membro da CTNBio ou aquele legitimado como interessado, nos termos do art. 9o da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999. § 4o A argüição de impedimento será formalizada em petição fundamentada e devidamente instruída, e será decidida pelo plenário da CTNBio. § 5o É nula a decisão técnica em que o voto de membro declarado impedido tenha sido decisivo para o resultado do julgamento. § 6o O plenário da CTNBio, ao deliberar pelo impedimento, proferirá nova decisão técnica, na qual regulará expressamente o objeto da decisão viciada e os efeitos dela decorrentes, desde a sua publicação. Art. 15. O Presidente da CTNBio e seu substituto serão designados, entre os seus membros, pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, a partir de lista tríplice votada pelo plenário. 149 § 1o O mandado do Presidente da CTNBio será de dois anos, renovável por igual período. § 2o Cabe ao Presidente da CTNBio, entre outras atribuições a serem definidas no regimento interno: I - representar a CTNBio; II - presidir a reunião plenária da CTNBio; III - delegar suas atribuições; IV - determinar a prestação de informações e franquear acesso a documentos, solicitados pelos órgãos de registro e fiscalização. Seção III Da Estrutura Administrativa Art. 16. A CTNBio contará com uma Secretaria-Executiva, cabendo ao Ministério da Ciência e Tecnologia prestar-lhe o apoio técnico e administrativo. Parágrafo único. Cabe à Secretaria-Executiva da CTNBio, entre outras atribuições a serem definidas no regimento interno: I - prestar apoio técnico e administrativo aos membros da CTNBio; II - receber, instruir e fazer tramitar os pleitos submetidos à deliberação da CTNBio; III - encaminhar as deliberações da CTNBio aos órgãos governamentais responsáveis pela sua implementação e providenciar a devida publicidade; IV - atualizar o SIB. Art. 17. A CTNBio constituirá subcomissões setoriais permanentes na área de saúde humana, na área animal, na área vegetal e na área ambiental, e poderá constituir subcomissões extraordinárias, para análise prévia dos temas a serem submetidos ao plenário. § 1o Membros titulares e suplentes participarão das subcomissões setoriais, e a distribuição dos processos para análise poderá ser feita a qualquer deles. § 2o O funcionamento e a coordenação dos trabalhos nas subcomissões setoriais e extraordinárias serão definidos no regimento interno da CTNBio. Seção IV Das Reuniões e Deliberações Art. 18. O membro suplente terá direito à voz e, na ausência do respectivo titular, a voto nas deliberações. Art. 19. A reunião da CTNBio poderá ser instalada com a presença de catorze de seus membros, incluído pelo menos um representante de cada uma das áreas referidas no inciso I do art. 6o. Parágrafo único. As decisões da CTNBio serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta de seus membros, exceto nos processos de liberação comercial de OGM e derivados, para os quais se exigirá que a decisão seja tomada com votos favoráveis de pelo menos dois terços dos membros. Art. 20. Perderá seu mandato o membro que: 150 I - violar o disposto no art. 14; II - não comparecer a três reuniões ordinárias consecutivas do plenário da CTNBio, sem justificativa. Art. 21. A CTNBio reunir-se-á, em caráter ordinário, uma vez por mês e, extraordinariamente, a qualquer momento, mediante convocação de seu Presidente ou por solicitação fundamentada subscrita pela maioria absoluta dos seus membros. Parágrafo único. A periodicidade das reuniões ordinárias poderá, em caráter excepcional, ser alterada por deliberação da CTNBio. Art. 22. As reuniões da CTNBio serão gravadas, e as respectivas atas, no que decidirem sobre pleitos, deverão conter ementa que indique número do processo, interessado, objeto, motivação da decisão, eventual divergência e resultado. Art. 23. Os extratos de pleito deverão ser divulgados no Diário Oficial da União e no SIB, com, no mínimo, trinta dias de antecedência de sua colocação em pauta, excetuados os casos de urgência, que serão definidos pelo Presidente da CTNBio. Art. 24. Os extratos de parecer e as decisões técnicas deverão ser publicados no Diário Oficial da União. Parágrafo único. Os votos fundamentados de cada membro deverão constar no SIB. Art. 25. Os órgãos e entidades integrantes da administração pública federal poderão solicitar participação em reuniões da CTNBio para tratar de assuntos de seu especial interesse, sem direito a voto. Parágrafo único. A solicitação à Secretaria-Executiva da CTNBio deverá ser acompanhada de justificação que demonstre a motivação e comprove o interesse do solicitante na biossegurança de OGM e seus derivados submetidos à deliberação da CTNBio. Art. 26. Poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter excepcional, representantes da comunidade científica, do setor público e de entidades da sociedade civil, sem direito a voto. Seção V Da Tramitação de Processos Art. 27. Os processos pertinentes às competências da CTNBio, de que tratam os incisos IV, VIII, IX, XII, e XXI do art. 5o, obedecerão ao trâmite definido nesta Seção. Art. 28. O requerimento protocolado na Secretaria-Executiva da CTNBio, depois de autuado e devidamente instruído, terá seu extrato prévio publicado no Diário Oficial da União e divulgado no SIB. Art. 29. O processo será distribuído a um dos membros, titular ou suplente, para relatoria e elaboração de parecer. Art. 30. O parecer será submetido a uma ou mais subcomissões setoriais permanentes ou extraordinárias para formação e aprovação do parecer final. Art. 31. O parecer final, após sua aprovação nas subcomissões setoriais ou extraordinárias para as quais o processo foi distribuído, será encaminhado ao plenário da CTNBio para deliberação. Art. 32. O voto vencido de membro de subcomissão setorial permanente ou extraordinária deverá ser apresentado de forma expressa e fundamentada e será consignado como voto divergente no parecer final para apreciação e deliberação do plenário. 151 Art. 33. Os processos de liberação comercial de OGM e seus derivados serão submetidos a todas as subcomissões permanentes. Art. 34. O relator de parecer de subcomissões e do plenário deverá considerar, além dos relatórios dos proponentes, a literatura científica existente, bem como estudos e outros documentos protocolados em audiências públicas ou na CTNBio. Art. 35. A CTNBio adotará as providências necessárias para resguardar as informações sigilosas, de interesse comercial, apontadas pelo proponente e assim por ela consideradas, desde que sobre essas informações não recaiam interesses particulares ou coletivos constitucionalmente garantidos. § 1o A fim de que seja resguardado o sigilo a que se refere o caput deste artigo, o requerente deverá dirigir ao Presidente da CTNBio solicitação expressa e fundamentada, contendo a especificação das informações cujo sigilo pretende resguardar. § 2o O pedido será indeferido mediante despacho fundamentado, contra o qual caberá recurso ao plenário, em procedimento a ser estabelecido no regimento interno da CTNBio, garantido o sigilo requerido até decisão final em contrário. § 3o O requerente poderá optar por desistir do pleito, caso tenha seu pedido de sigilo indeferido definitivamente, hipótese em que será vedado à CTNBio dar publicidade à informação objeto do pretendido sigilo. Art. 36. Os órgãos e entidades de registro e fiscalização requisitarão acesso a determinada informação sigilosa, desde que indispensável ao exercício de suas funções, em petição que fundamentará o pedido e indicará o agente que a ela terá acesso. Seção VI Da Decisão Técnica Art. 37. Quanto aos aspectos de biossegurança de OGM e seus derivados, a decisão técnica da CTNBio vincula os demais órgãos e entidades da administração. Art. 38. Nos casos de uso comercial, dentre outros aspectos técnicos de sua análise, os órgãos de registro e fiscalização, no exercício de suas atribuições em caso de solicitação pela CTNBio, observarão, quanto aos aspectos de biossegurança de OGM e seus derivados, a decisão técnica da CTNBio. Art. 39. Em caso de decisão técnica favorável sobre a biossegurança no âmbito da atividade de pesquisa, a CTNBio remeterá o processo respectivo aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, para o exercício de suas atribuições. Art. 40. A decisão técnica da CTNBio deverá conter resumo de sua fundamentação técnica, explicitar as medidas de segurança e restrições ao uso de OGM e seus derivados e considerar as particularidades das diferentes regiões do País, com o objetivo de orientar e subsidiar os órgãos e entidades de registro e fiscalização, no exercício de suas atribuições. Art. 41. Não se submeterá a análise e emissão de parecer técnico da CTNBio o derivado cujo OGM já tenha sido por ela aprovado. Art. 42. As pessoas físicas ou jurídicas envolvidas em qualquer das fases do processo de produção agrícola, comercialização ou transporte de produto geneticamente modificado que tenham obtido a liberação para uso comercial estão dispensadas de apresentação do CQB e constituição de CIBio, salvo decisão em contrário da CTNBio. Seção VII Das Audiências Públicas 152 Art. 43. A CTNBio poderá realizar audiências públicas, garantida a participação da sociedade civil, que será requerida: I - por um de seus membros e aprovada por maioria absoluta, em qualquer hipótese; II - por parte comprovadamente interessada na matéria objeto de deliberação e aprovada por maioria absoluta, no caso de liberação comercial. § 1o A CTNBio publicará no SIB e no Diário Oficial da União, com antecedência mínima de trinta dias, a convocação para audiência pública, dela fazendo constar a matéria, a data, o horário e o local dos trabalhos. § 2o A audiência pública será coordenada pelo Presidente da CTNBio que, após a exposição objetiva da matéria objeto da audiência, abrirá as discussões com os interessados presentes. § 3o Após a conclusão dos trabalhos da audiência pública, as manifestações, opiniões, sugestões e documentos ficarão disponíveis aos interessados na Secretaria-Executiva da CTNBio. § 4o Considera-se parte interessada, para efeitos do inciso II do caput deste artigo, o requerente do processo ou pessoa jurídica cujo objetivo social seja relacionado às áreas previstas no caput e nos incisos III, VII e VIII do art 6o. Seção VIII Das Regras Gerais de Classificação de Risco de OGM Art. 44. Para a classificação dos OGM de acordo com classes de risco, a CTNBio deverá considerar, entre outros critérios: I - características gerais do OGM; II - características do vetor; III - características do inserto; IV - características dos organismos doador e receptor; V - produto da expressão gênica das seqüências inseridas; VI - atividade proposta e o meio receptor do OGM; VII - uso proposto do OGM; VIII - efeitos adversos do OGM à saúde humana e ao meio ambiente. Seção IX Do Certificado de Qualidade em Biossegurança Art. 45. A instituição de direito público ou privado que pretender realizar pesquisa em laboratório, regime de contenção ou campo, como parte do processo de obtenção de OGM ou de avaliação da biossegurança de OGM, o que engloba, no âmbito experimental, a construção, o cultivo, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a liberação no meio ambiente e o descarte de OGM, deverá requerer, junto à CTNBio, a emissão do CQB. § 1o A CTNBio estabelecerá os critérios e procedimentos para requerimento, emissão, revisão, extensão, suspensão e cancelamento de CQB. 153 § 2o A CTNBio enviará cópia do processo de emissão de CQB e suas atualizações aos órgãos de registro e fiscalização. Art. 46. As organizações públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos no caput do art. 2o, devem exigir a apresentação de CQB, sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes do descumprimento deste Decreto. Art. 47. Os casos não previstos neste Capítulo serão definidos pelo regimento interno da CTNBio. CAPÍTULO III DO CONSELHO NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA Art. 48. O CNBS, vinculado à Presidência da República, é órgão de assessoramento superior do Presidente da República para a formulação e implementação da PNB. § 1o Compete ao CNBS: I - fixar princípios e diretrizes para a ação administrativa dos órgãos e entidades federais com competências sobre a matéria; II - analisar, a pedido da CTNBio, quanto aos aspectos da conveniência e oportunidade socioeconômicas e do interesse nacional, os pedidos de liberação para uso comercial de OGM e seus derivados; III - avocar e decidir, em última e definitiva instância, com base em manifestação da CTNBio e, quando julgar necessário, dos órgãos e entidades de registro e fiscalização, no âmbito de suas competências, sobre os processos relativos a atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus derivados. § 2o Sempre que o CNBS deliberar favoravelmente à realização da atividade analisada, encaminhará sua manifestação aos órgãos e entidades de registro e fiscalização. § 3o Sempre que o CNBS deliberar contrariamente à atividade analisada, encaminhará sua manifestação à CTNBio para informação ao requerente. Art. 49. O CNBS é composto pelos seguintes membros: I - Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, que o presidirá; II - Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia; III - Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário; IV - Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; V - Ministro de Estado da Justiça; VI - Ministro de Estado da Saúde; VII - Ministro de Estado do Meio Ambiente; VIII - Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; IX - Ministro de Estado das Relações Exteriores; 154 X - Ministro de Estado da Defesa; XI - Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República. § 1o O CNBS reunir-se-á sempre que convocado por seu Presidente ou mediante provocação da maioria dos seus membros. § 2o Os membros do CNBS serão substituídos, em suas ausências ou impedimentos, pelos respectivos Secretários-Executivos ou, na inexistência do cargo, por seus substitutos legais. § 3o Na ausência do Presidente, este indicará Ministro de Estado para presidir os trabalhos. § 4o A reunião do CNBS será instalada com a presença de, no mínimo, seis de seus membros e as decisões serão tomadas por maioria absoluta dos seus membros. § 5o O regimento interno do CNBS definirá os procedimentos para convocação e realização de reuniões e deliberações. Art. 50. O CNBS decidirá, a pedido da CTNBio, sobre os aspectos de conveniência e oportunidade socioeconômicas e do interesse nacional na liberação para uso comercial de OGM e seus derivados. § 1o A CTNBio deverá protocolar, junto à Secretaria-Executiva do CNBS, cópia integral do processo relativo à atividade a ser analisada, com indicação dos motivos desse encaminhamento. § 2o A eficácia da decisão técnica da CTNBio, se esta tiver sido proferida no caso específico, permanecerá suspensa até decisão final do CNBS. § 3o O CNBS decidirá o pedido de análise referido no caput no prazo de sessenta dias, contados da data de protocolo da solicitação em sua Secretaria-Executiva. § 4o O prazo previsto no § 3o poderá ser suspenso para cumprimento de diligências ou emissão de pareceres por consultores ad hoc, conforme decisão do CNBS. Art. 51. O CNBS poderá avocar os processos relativos às atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus derivados para análise e decisão, em última e definitiva instância, no prazo de trinta dias, contados da data da publicação da decisão técnica da CTNBio no Diário Oficial da União. § 1o O CNBS poderá requerer, quando julgar necessário, manifestação dos órgãos e entidades de registro e fiscalização. § 2o A decisão técnica da CTNBio permanecerá suspensa até a expiração do prazo previsto no caput sem a devida avocação do processo ou até a decisão final do CNBS, caso por ele o processo tenha sido avocado. § 3o O CNBS decidirá no prazo de sessenta dias, contados da data de recebimento, por sua Secretaria-Executiva, de cópia integral do processo avocado. § 4o O prazo previsto no § 3o poderá ser suspenso para cumprimento de diligências ou emissão de pareceres por consultores ad hoc, conforme decisão do CNBS. Art. 52. O CNBS decidirá sobre os recursos dos órgãos e entidades de registro e fiscalização relacionados à liberação comercial de OGM e seus derivados, que tenham sido protocolados em sua Secretaria-Executiva, no prazo de até trinta dias contados da data da publicação da decisão técnica da CTNBio no Diário Oficial da União. 155 § 1o O recurso de que trata este artigo deverá ser instruído com justificação tecnicamente fundamentada que demonstre a divergência do órgão ou entidade de registro e fiscalização, no âmbito de suas competências, quanto à decisão da CTNBio em relação aos aspectos de biossegurança de OGM e seus derivados. § 2o A eficácia da decisão técnica da CTNBio permanecerá suspensa até a expiração do prazo previsto no caput sem a devida interposição de recursos pelos órgãos de fiscalização e registro ou até o julgamento final pelo CNBS, caso recebido e conhecido o recurso interposto. § 3o O CNBS julgará o recurso no prazo de sessenta dias, contados da data do protocolo em sua Secretaria-Executiva. § 4o O prazo previsto no § 3o poderá ser suspenso para cumprimento de diligências ou emissão de pareceres por consultores ad hoc, conforme decisão do CNBS. CAPÍTULO IV DOS ÓRGÃOS E ENTIDADES DE REGISTRO E FISCALIZAÇÃO Art. 53. Caberá aos órgãos e entidades de registro e fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Meio Ambiente, e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República entre outras atribuições, no campo de suas competências, observadas a decisão técnica da CTNBio, as deliberações do CNBS e os mecanismos estabelecidos neste Decreto: I - fiscalizar as atividades de pesquisa de OGM e seus derivados; II - registrar e fiscalizar a liberação comercial de OGM e seus derivados; III - emitir autorização para a importação de OGM e seus derivados para uso comercial; IV - estabelecer normas de registro, autorização, fiscalização e licenciamento ambiental de OGM e seus derivados; V - fiscalizar o cumprimento das normas e medidas de biossegurança estabelecidas pela CTNBio; VI - promover a capacitação dos fiscais e técnicos incumbidos de registro, autorização, fiscalização e licenciamento ambiental de OGM e seus derivados; VII - instituir comissão interna especializada em biossegurança de OGM e seus derivados; VIII - manter atualizado no SIB o cadastro das instituições e responsáveis técnicos que realizam atividades e projetos relacionados a OGM e seus derivados; IX - tornar públicos, inclusive no SIB, os registros, autorizações e licenciamentos ambientais concedidos; X - aplicar as penalidades de que trata este Decreto; XI - subsidiar a CTNBio na definição de quesitos de avaliação de biossegurança de OGM e seus derivados. § 1o As normas a que se refere o inciso IV consistirão, quando couber, na adequação às decisões da CTNBio dos procedimentos, meios e ações em vigor aplicáveis aos produtos convencionais. § 2o Após manifestação favorável da CTNBio, ou do CNBS, em caso de avocação ou recurso, caberá, em decorrência de análise específica e decisão pertinente: 156 I - ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento emitir as autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades que utilizem OGM e seus derivados destinados a uso animal, na agricultura, pecuária, agroindústria e áreas afins, de acordo com a legislação em vigor e segundo as normas que vier a estabelecer; II - ao órgão competente do Ministério da Saúde emitir as autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades com OGM e seus derivados destinados a uso humano, farmacológico, domissanitário e áreas afins, de acordo com a legislação em vigor e as normas que vier a estabelecer; III - ao órgão competente do Ministério do Meio Ambiente emitir as autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades que envolvam OGM e seus derivados a serem liberados nos ecossistemas naturais, de acordo com a legislação em vigor e segundo as normas que vier a estabelecer, bem como o licenciamento, nos casos em que a CTNBio deliberar, na forma deste Decreto, que o OGM é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente; IV - à Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República emitir as autorizações e registros de produtos e atividades com OGM e seus derivados destinados ao uso na pesca e aqüicultura, de acordo com a legislação em vigor e segundo este Decreto e as normas que vier a estabelecer. Art. 54. A CTNBio delibera, em última e definitiva instância, sobre os casos em que a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como sobre a necessidade do licenciamento ambiental. Art. 55. A emissão dos registros, das autorizações e do licenciamento ambiental referidos neste Decreto deverá ocorrer no prazo máximo de cento e vinte dias. Parágrafo úncio. A contagem do prazo previsto no caput será suspensa, por até cento e oitenta dias, durante a elaboração, pelo requerente, dos estudos ou esclarecimentos necessários. Art. 56. As autorizações e registros de que trata este Capítulo estarão vinculados à decisão técnica da CTNBio correspondente, sendo vedadas exigências técnicas que extrapolem as condições estabelecidas naquela decisão, nos aspectos relacionados à biossegurança. Art. 57. Os órgãos e entidades de registro e fiscalização poderão estabelecer ações conjuntas com vistas ao exercício de suas competências. CAPÍTULO V DO SISTEMA DE INFORMAÇÕES EM BIOSSEGURANÇA Art. 58. O SIB, vinculado à Secretaria-Executiva da CTNBio, é destinado à gestão das informações decorrentes das atividades de análise, autorização, registro, monitoramento e acompanhamento das atividades que envolvam OGM e seus derivados. § 1o As disposições dos atos legais, regulamentares e administrativos que alterem, complementem ou produzam efeitos sobre a legislação de biossegurança de OGM e seus derivados deverão ser divulgadas no SIB concomitantemente com a entrada em vigor desses atos. § 2o Os órgãos e entidades de registro e fiscalização deverão alimentar o SIB com as informações relativas às atividades de que trata este Decreto, processadas no âmbito de sua competência. Art. 59. A CTNBio dará ampla publicidade a suas atividades por intermédio do SIB, entre as quais, sua agenda de trabalho, calendário de reuniões, processos em tramitação e seus respectivos relatores, relatórios anuais, atas das reuniões e demais informações sobre suas atividades, excluídas apenas as informações sigilosas, de interesse comercial, assim por ela consideradas. 157 Art. 60. O SIB permitirá a interação eletrônica entre o CNBS, a CTNBio e os órgãos e entidades federais responsáveis pelo registro e fiscalização de OGM. CAPÍTULO VI DAS COMISSÇÕES INTERNAS DE BIOSSEGURANÇA - CIBio Art. 61. A instituição que se dedique ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial, que utilize técnicas e métodos de engenharia genética ou realize pesquisas com OGM e seus derivados, deverá criar uma Comissão Interna de Biossegurança - CIBio, cujos mecanismos de funcionamento serão estabelecidos pela CTNBio. Parágrafo único. A instituição de que trata o caput deste artigo indicará um técnico principal responsável para cada projeto especifico. Art. 62. Compete a CIBio, no âmbito de cada instituição: I - manter informados os trabalhadores e demais membros da coletividade, quando suscetíveis de serem afetados pela atividade, sobre as questões relacionadas com a saúde e a segurança, bem como sobre os procedimentos em caso de acidentes; II - estabelecer programas preventivos e de inspeção para garantir o funcionamento das instalações sob sua responsabilidade, dentro dos padrões e normas de biossegurança, definidos pela CTNBio; III - encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será por esta estabelecida, para os fins de análise, registro ou autorização do órgão competente, quando couber; IV - manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou projeto em desenvolvimento que envolva OGM e seus derivados; V - notificar a CTNBio, aos órgãos e entidades de registro e fiscalização e às entidades de trabalhadores o resultado de avaliações de risco a que estão submetidas as pessoas expostas, bem como qualquer acidente ou incidente que possa provocar a disseminação de agente biológico; VI - investigar a ocorrência de acidentes e enfermidades possivelmente relacionados a OGM e seus derivados e notificar suas conclusões e providencias à CTNBio. CAPÍTULO VII DA PESQUISA E DA TERAPIA COM CÉLULAS-TRONCO EMBIONÁRIAS HUMANAS OBTIDAS POR FERTILIZAÇÃO IN VITRO Art. 63. É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I - sejam embriões inviáveis; ou II - sejam embriões congelados disponíveis. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células- tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa, na forma de resolução do Conselho Nacional de Saúde. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo, e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. 158 Art. 64. Cabe ao Ministério da Saúde promover levantamento e manter cadastro atualizado de embriões humanos obtidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento. § 1o As instituições que exercem atividades que envolvam congelamento e armazenamento de embriões humanos deverão informar, conforme norma específica que estabelecerá prazos, os dados necessários à identificação dos embriões inviáveis produzidos em seus estabelecimentos e dos embriões congelados disponíveis. § 2o O Ministério da Saúde expedirá a norma de que trata o § 1o no prazo de trinta dias da publicação deste Decreto. Art. 65. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA estabelecerá normas para procedimentos de coleta, processamento, teste, armazenamento, transporte, controle de qualidade e uso de células-tronco embrionárias humanas para os fins deste Capítulo. Art. 66. Os genitores que doarem, para fins de pesquisa ou terapia, células-tronco embrionárias humanas obtidas em conformidade com o disposto neste Capítulo, deverão assinar Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme norma específica do Ministério da Saúde. Art. 67. A utilização, em terapia, de células tronco embrionárias humanas, observado o art. 63, será realizada em conformidade com as diretrizes do Ministério da Saúde para a avaliação de novas tecnologias. CAPÍTULO VIII DA RESPONSABILIDADE CIVIL E ADMINISTRATIVA Art. 68. Sem prejuízo da aplicação das penas previstas na Lei no 11.105, de 2005, e neste Decreto, os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa. Seção I Das Infrações Administrativas Art. 69. Considera-se infração administrativa toda ação ou omissão que viole as normas previstas na Lei no 11.105, de 2005, e neste Decreto e demais disposições legais pertinentes, em especial: I - realizar atividade ou projeto que envolva OGM e seus derivados, relacionado ao ensino com manipulação de organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial como pessoa física em atuação autônoma; II - realizar atividades de pesquisa e uso comercial de OGM e seus derivados sem autorização da CTNBio ou em desacordo com as normas por ela expedidas; III - deixar de exigir a apresentação do CQB emitido pela CTNBio a pessoa jurídica que financie ou patrocine atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados; IV - utilizar, para fins de pesquisa e terapia, células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro sem o consentimento dos genitores; V - realizar atividades de pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas sem aprovação do respectivo comitê de ética em pesquisa, conforme norma do Conselho Nacional de Saúde; VI - comercializar células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro; 159 VII - utilizar, para fins de pesquisa e terapia, células tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro sem atender às disposições previstas no Capítulo VII; VIII - deixar de manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou projeto em desenvolvimento que envolva OGM e seus derivados; IX - realizar engenharia genética em organismo vivo em desacordo com as normas deste Decreto; X - realizar o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante em desacordo com as normas previstas neste Decreto; XI - realizar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano; XII - realizar clonagem humana; XIII - destruir ou descartar no meio ambiente OGM e seus derivados em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio, pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização e neste Decreto; XIV - liberar no meio ambiente OGM e seus derivados, no âmbito de atividades de pesquisa, sem a decisão técnica favorável da CTNBio, ou em desacordo com as normas desta; XV - liberar no meio ambiente OGM e seus derivados, no âmbito de atividade comercial, sem o licenciamento do órgão ou entidade ambiental responsável, quando a CTNBio considerar a atividade como potencialmente causadora de degradação ambiental; XVI - liberar no meio ambiente OGM e seus derivados, no âmbito de atividade comercial, sem a aprovação do CNBS, quando o processo tenha sido por ele avocado; XVII - utilizar, comercializar, registrar, patentear ou licenciar tecnologias genéticas de restrição do uso; XVIII - deixar a instituição de enviar relatório de investigação de acidente ocorrido no curso de pesquisas e projetos na área de engenharia genética no prazo máximo de cinco dias a contar da data do evento; XIX - deixar a instituição de notificar imediatamente a CTNBio e as autoridades da saúde pública, da defesa agropecuária e do meio ambiente sobre acidente que possa provocar a disseminação de OGM e seus derivados; XX - deixar a instituição de adotar meios necessários para plenamente informar à CTNBio, às autoridades da saúde pública, do meio ambiente, da defesa agropecuária, à coletividade e aos demais empregados da instituição ou empresa sobre os riscos a que possam estar submetidos, bem como os procedimentos a serem tomados no caso de acidentes com OGM e seus derivados; XXI - deixar de criar CIBio, conforme as normas da CTNBio, a instituição que utiliza técnicas e métodos de engenharia genética ou realiza pesquisa com OGM e seus derivados; XXII - manter em funcionamento a CIBio em desacordo com as normas da CTNBio; XXIII - deixar a instituição de manter informados, por meio da CIBio, os trabalhadores e demais membros da coletividade, quando suscetíveis de serem afetados pela atividade, sobre as questões relacionadas com a saúde e a segurança, bem como sobre os procedimentos em caso de acidentes; XXIV - deixar a instituição de estabelecer programas preventivos e de inspeção, por meio da CIBio, para garantir o funcionamento das instalações sob sua responsabilidade, dentro dos padrões e normas de biossegurança, definidos pela CTNBio; 160 XXV - deixar a instituição de notificar a CTNBio, os órgãos e entidades de registro e fiscalização, e as entidades de trabalhadores, por meio da CIBio, do resultado de avaliações de risco a que estão submetidas as pessoas expostas, bem como qualquer acidente ou incidente que possa provocar a disseminação de agente biológico; XXVI - deixar a instituição de investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades possivelmente relacionados a OGM e seus derivados e notificar suas conclusões e providências à CTNBio; XXVII - produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar OGM e seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização. Seção II Das Sanções Administrativas Art. 70. As infrações administrativas, independentemente das medidas cautelares de apreensão de produtos, suspensão de venda de produto e embargos de atividades, serão punidas com as seguintes sanções: I - advertência; II - multa; III - apreensão de OGM e seus derivados; IV - suspensão da venda de OGM e seus derivados; V - embargo da atividade; VI - interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou empreendimento; VII - suspensão de registro, licença ou autorização; VIII - cancelamento de registro, licença ou autorização; IX - perda ou restrição de incentivo e benefício fiscal concedidos pelo governo; X - perda ou suspensão da participação em linha de financiamento em estabelecimento oficial de crédito; XI - intervenção no estabelecimento; XII - proibição de contratar com a administração pública, por período de até cinco anos. Art. 71. Para a imposição da pena e sua gradação, os órgãos e entidades de registro e fiscalização levarão em conta: I - a gravidade da infração; II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento das normas agrícolas, sanitárias, ambientais e de biossegurança; III - a vantagem econômica auferida pelo infrator; IV - a situação econômica do infrator. 161 Parágrafo único. Para efeito do inciso I, as infrações previstas neste Decreto serão classificadas em leves, graves e gravíssimas, segundo os seguintes critérios: I - a classificação de risco do OGM; II - os meios utilizados para consecução da infração; III - as conseqüências, efetivas ou potenciais, para a dignidade humana, a saúde humana, animal e das plantas e para o meio ambiente; IV - a culpabilidade do infrator. Art. 72. A advertência será aplicada somente nas infrações de natureza leve. Art. 73. A multa será aplicada obedecendo a seguinte gradação: I - de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nas infrações de natureza leve; II - de R$ 60.001,00 (sessenta mil e um reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) nas infrações de natureza grave; III - de R$ 500.001,00 (quinhentos mil e um reais) a R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) nas infrações de natureza gravíssima. § 1o A multa será aplicada em dobro nos casos de reincidência. § 2o As multas poderão ser aplicadas cumulativamente com as demais sanções previstas neste Decreto. Art. 74. As multas previstas na Lei no 11.105, de 2005, e neste Decreto serão aplicadas pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização, de acordo com suas respectivas competências. § 1o Os recursos arrecadados com a aplicação de multas serão destinados aos órgãos e entidades de registro e fiscalização que aplicarem a multa. § 2o Os órgãos e entidades fiscalizadores da administração pública federal poderão celebrar convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios, para a execução de serviços relacionados à atividade de fiscalização prevista neste Decreto, facultado o repasse de parcela da receita obtida com a aplicação de multas. Art. 75. As sanções previstas nos incisos III, IV, V, VI, VII, IX e X do art. 70 serão aplicadas somente nas infrações de natureza grave ou gravíssima. Art. 76. As sanções previstas nos incisos VIII, XI e XII do art. 70 serão aplicadas somente nas infrações de natureza gravíssima. Art. 77. Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções cominadas a cada qual. Art. 78. No caso de infração continuada, caracterizada pela permanência da ação ou omissão inicialmente punida, será a respectiva penalidade aplicada diariamente até cessar sua causa, sem prejuízo da paralisação imediata da atividade ou da interdição do laboratório ou da instituição ou empresa responsável. Art. 79. Os órgãos e entidades de registro e fiscalização poderão, independentemente da aplicação das sanções administrativas, impor medidas cautelares de apreensão de produtos, suspensão de 162 venda de produto e embargos de atividades sempre que se verificar risco iminente de dano à dignidade humana, à saúde humana, animal e das plantas e ao meio ambiente. Seção III Do Processo Administrativo Art. 80. Qualquer pessoa, constatando a ocorrência de infração administrativa, poderá dirigir representação ao órgão ou entidade de fiscalização competente, para efeito do exercício de poder de polícia. Art. 81. As infrações administrativas são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito a ampla defesa e o contraditório. Art. 82. São autoridades competentes para lavrar auto de infração, instaurar processo administrativo e indicar as penalidades cabíveis, os funcionários dos órgãos de fiscalização previstos no art. 53. Art. 83. A autoridade fiscalizadora encaminhará cópia do auto de infração à CTNBio. Art. 84. Quando a infração constituir crime ou contravenção, ou lesão à Fazenda Pública ou ao consumidor, a autoridade fiscalizadora representará junto ao órgão competente para apuração das responsabilidades administrativa e penal. Art. 85. Aplicam-se a este Decreto, no que couberem, as disposições da Lei no 9.784, de 1999. CAPÍTULO IX DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS Art. 86. A CTNBio, em noventa dias de sua instalação, definirá: I - proposta de seu regimento interno, a ser submetida à aprovação do Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia; II - as classes de risco dos OGM; III - os níveis de biossegurança a serem aplicados aos OGM e seus derivados, observada a classe de risco do OGM. Parágrafo único. Até a definição das classes de risco dos OGM pela CTNBio, será observada, para efeito de classificação, a tabela do Anexo deste Decreto. Art. 87. A Secretaria-Executiva do CNBS submeterá, no prazo de noventa dias, proposta de regimento interno ao colegiado. Art. 88. Os OGM que tenham obtido decisão técnica da CTNBio favorável a sua liberação comercial até o dia 28 de março de 2005 poderão ser registrados e comercializados, observada a Resolução CNBS no1, de 27 de maio de 2005. Art. 89. As instituições que desenvolvam atividades reguladas por este Decreto deverão adequar-se às suas disposições no prazo de cento e vinte dias, contado da sua publicação. Art. 90. Não se aplica aos OGM e seus derivados o disposto na Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989, exceto para os casos em que eles sejam desenvolvidos para servir de matéria-prima para a produção de agrotóxicos. 163 Art. 91. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM e seus derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, na forma de decreto específico. Art. 92. A CTNBio promoverá a revisão e se necessário, a adequação dos CQB, dos comunicados, decisões técnicas e atos normativos, emitidos sob a égide da Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, os quais não estejam em conformidade com a Lei no 11.105, de 2005, e este Decreto. Art. 93. A CTNBio e os órgãos e entidades de registro e fiscalização deverão rever suas deliberações de caráter normativo no prazo de cento e vinte dias, contados da publicação deste Decreto, a fim de promover sua adequação às disposições nele contidas. Art. 94. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Art. 95. Fica revogado o Decreto no 4.602, de 21 de fevereiro de 2003. Brasília, 22 de novembro de 2005; 184o da Independência e 117o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Roberto Rodrigues Saraiva Felipe Sergio Machado Rezende Marina Silva 164 ANEXO E - Classificação de Risco dos Organismos Geneticamente Modificados Classe de Risco I: compreende os organismos que preenchem os seguintes critérios: A. Organismo receptor ou parental: - não-patogênico; - isento de agentes adventícios; - com amplo histórico documentado de utilização segura, ou a incorporação de barreiras biológicas que, sem interferir no crescimento ótimo em reator ou fermentador, permita uma sobrevivência e multiplicação limitadas, sem efeitos negativos para o meio ambiente; B. Vetor/inserto: - deve ser adequadamente caracterizado e desprovido de seqüências nocivas conhecidas; - deve ser de tamanho limitado, no que for possível, às seqüências genéticas necessárias para realizar a função projetada; - não deve incrementar a estabilidade do organismo modificado no meio ambiente; - deve ser escassamente mobilizável; - não deve transmitir nenhum marcador de resistência a organismos que, de acordo com os conhecimentos disponíveis, não o adquira de forma natural; C. Organismos geneticamente modificados: - não-patogênicos; - que ofereçam a mesma segurança que o organismo receptor ou parental no reator ou fermentador, mas com sobrevivência ou multiplicação limitadas, sem efeitos negativos para o meio ambiente; D. Outros organismos geneticamente modificados que poderiam incluir-se na Classe de Risco I, desde que reúnam as condições estipuladas no item C anterior: - microorganismos construídos inteiramente a partir de um único receptor procariótico (incluindo plasmídeos e vírus endógenos) ou de um único receptor eucariótico (incluindo seus cloroplastos, mitocôndrias e plasmídeos, mas excluindo os vírus) e organismos compostos inteiramente por seqüências genéticas de diferentes espécies que troquem tais seqüências mediante processos fisiológicos conhecidos; Classe de Risco II: todos aqueles não incluídos na Classe de Risco I. 165 ANEXO F -PORTARIA Nº 2.526, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2005 Dispõe sobre a informação de dados necessários à identificação de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro. O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições, e Considerando a aprovação do Decreto nº 5.591, de 22 de novembro de 2005, que regulamenta os dispositivos da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, que regulamenta os incisos II, IV e V do art. 225 da Constituição Federal; Considerando as competências do Ministério da Saúde estabelecidas no Decreto nº 5.591, de 22 de novembro de 2005, para regulamentar a realização de pesquisa e terapia com células-tronco embrionárias humanas, promover o levantamento e manter cadastro atualizado de embriões humanos obtidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento; e Considerando a necessidade de colocar em prática a padronização de procedimentos e responsabilidades para pesquisa e terapia que envolvam células-tronco embrionárias humanas, resolve: Art. 1º As instituições que exercem atividades que envolvam o congelamento e armazenamento de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro deverão passar a informar, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação da norma de que trata o § 2º deste artigo, os dados necessários à identificação dos embriões inviáveis produzidos em seus estabelecimentos e dos embriões congelados disponíveis, segundo dispõe o § 1º do artigo 64 do Decreto nº 5.591, de 22 de novembro de 2005. § 1º As informações referidas neste artigo deverão ser encaminhadas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA para a constituição de um banco de dados sobre embriões humanos. § 2º A ANVISA deverá publicar, no prazo de 120 (cento e vinte) dias da publicação desta Portaria, norma específica sobre os dados que devem ser informados e as formas ou meios de envio desses dados. § 3º O sigilo das informações referidas neste artigo, relativas à identidade dos doadores de gametas e de embriões, deverá estar resguardado. Art. 2º Segundo o disposto no inciso XIII do art. 3º do Decreto nº 5.591, de 22 de novembro de 2005, entende-se por diagnóstico pré-implantacional as técnicas que avaliam a possibilidade de presença/ocorrência de doenças genéticas, direcionadas pela história clínica dos indivíduos cujos gametas originaram o embrião. Art. 3º O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido referido no artigo 66 do Decreto nº 5.591, de 22 de novembro de 2005, deve: 166 I - prever a destinação para fins de pesquisa e/ou terapia das células-tronco embrionárias; e II - garantir o sigilo dos dados genéticos dos doadores de embriões e de gametas. Parágrafo único. O Termo de que trata o caput deste artigo deve ser elaborado em duas vias pelas instituições que exercem atividades que envolvam o congelamento e armazenamento de embriões humanos, e assinado pelos genitores, sendo uma das vias arquivada pela instituição e a outra destinada aos genitores. Art. 4º Definir que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, no prazo máximo de 18 (dezoito) meses, a contar da publicação desta Portaria, expeça norma para procedimentos de coleta, processamento, teste, armazenamento, transporte, controle de qualidade e uso de células-tronco embrionárias humanas para fins de pesquisa e terapia, conforme o disposto no art. 65 do Decreto nº 5.591, de 22 de novembro de 2005. Art. 5º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. SARAIVA FELIPE 167 ANEXO G - Regulamento de bancos de células e tecidos geminativos 168 RDC Nº 33/2006 Anvisa - Regulamento de bancos de células e tecidos geminativos Regulamento técnico para o funcionamento dos bancos de células e tecidos germinativos. RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA - RDC Nº 33, DE 17 DE FEVEREIRO DE 2006. Aprova o A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no uso da atribuição que lhe confere o art. 11, inciso IV, do Regulamento da ANVISA aprovado pelo Decreto 3.029, de 16 de abril de 1999, c/c com o art. 111, inciso I, alínea “b”, § 1º do Regimento Interno aprovado pela Portaria n.º 593, de 25 de agosto de 2000, republicada no DOU de 22 de dezembro de 2000, em reunião realizada em 6 de fevereiro de 2006, considerando a competência atribuída a esta Agência, a teor do art. 8o, § 1o, VIII da Lei nº 9.782 de 26 de janeiro de 1999; considerando a necessidade de garantir padrões técnicos e de qualidade em todo o processo de obtenção, transporte, processamento, armazenamento, liberação, distribuição, registro e utilização de células e tecidos germinativos com fins terapêuticos reprodutivos; considerando a necessidade de garantir a disponibilidade de células e tecidos germinativos provenientes de doação voluntária e anônima para fins terapêuticos de terceiros ou para manutenção da capacidade reprodutiva do próprio doador, com qualidade e segurança; considerando a necessidade de regulamentar o funcionamento de bancos de células e tecidos germinativos para fins terapêuticos reprodutivos, considerando art. 65 do Decreto no 5.591, de 22 de novembro de 2005, que regulamenta os dispositivos da Lei no 11.105, de 24 de março de 2005; considerando a Portaria no 2.526, de 21 de dezembro de 2005, que dispõe sobre a informação de dados necessários à identificação de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro; adota a seguinte Resolução da Diretoria Colegiada e eu, Diretor-Presidente determino a sua publicação: Art. 1º Instituir procedimentos relativos a bancos de células e tecidos germinativos. Art 2º Banco de células e tecidos germinativos (BCTG) é o serviço destinado a selecionar doadore(a)s, coletar, transportar, registrar, processar, armazenar, descartar e liberar células e tecidos germinativos, para uso terapêutico de terceiros ou do(a) próprio(a) doador(a). Parágrafo único. Para o seu funcionamento, o serviço a que se refere o “caput” deste artigo deve estar formalmente vinculado a um estabelecimento assistencial de saúde especializado em reprodução humana assistida, legalmente constituído. Art. 3º Aprovar, na forma do Anexo desta RDC, o Regulamento Técnico para o funcionamento de BCTG. Art. 4º Estabelecer o prazo de 1 (hum) ano, a contar da data de publicação desta RDC, para que os BCTG, atualmente 169 em funcionamento, se adeqüem ao Regulamento Técnico aqui estabelecido, com exceção do item C.5.j do Anexo Art. 5º O não cumprimento do disposto nesta RDC configurará infração sanitária, sujeitando o infrator às penalidades previstas na Lei nº 6.437 de 20 de agosto de 1977 ou a que vier substituí-la. Art. 6° Esta Resolução de Diretoria Colegiada e seu Anexo devem ser revistos, no mínimo, a cada dois anos. Art. 7º Esta Resolução de Diretoria Colegiada entra em vigor na data de sua publicação. DIRCEU RAPOSO DE MELLO ANEXO REGULAMENTO TÉCNICO PARA FUNCIONAMENTO DE BANCO DE CÉLULAS E TECIDOS GERMINATIVOS (BCTG) A. NORMAS GERAIS 1 O BCTG deve atender às exigências legais para a sua instalação e funcionamento. 1.1 O BCTG deve estar vinculado física, administrativa e tecnicamente a um serviço de reprodução humana assistida, exceto quando se tratar exclusivamente de banco de sêmen, onde a vinculação exigida será apenas técnica e administrativa a um estabelecimento assistencial de saúde. 1.2 O BCTG deve manter contratos com serviços de reprodução humana assistida dos quais recebem amostras e para os quais forneça materiais. 1.3 O BCTG deve apresentar licença emitida pelo Órgão de Vigilância Sanitária competente. Essa licença é válida pelo período de 01 (hum) ano, a contar da data de sua emissão, podendo ser cassada, a qualquer momento, em caso de descumprimento do regulamento técnico estabelecido por esta Resolução, assegurados o contraditório e a defesa do titular da licença. 1.4 As atividades que não forem executadas diretamente pelo BCTG devem ser formalizadas por contrato com o prestador do serviço. 2 No prazo de 01 (hum) ano, a contar do início do seu funcionamento, o BCTG deve implantar um sistema de garantia da qualidade. 3 De acordo com sua complexidade os Bancos de Células e Tecidos Germinativos podem ser classificados como: a) Tipo 1: aqueles que têm atividades exclusivas de banco de sêmen; b) Tipo 2: aqueles que além do sêmen, realizam atividades com oócitos, tecido testicular, ovariano e/ou pré-embriões. B. TERMINOLOGIA e DEFINIÇÕES 170 4 Serão consideradas, para efeitos dessa RDC, a terminologia e as definições que se seguem: 4.1 Definições Básicas a) Alíquota: parte de uma amostra. b) Amostra: material biológico (células ou tecidos germinativos) obtido a partir de cada coleta. c) Azoospermia: ausência de espermatozóides no ejaculado. d) Banco de células e tecidos germinativos - BCTG: serviço de saúde que seleciona doadore(a)s, coleta, transporta, registra, processa, armazena, descarta e libera células e tecidos germinativos, para uso terapêutico de terceiros ou do(a) próprio(a) doador(a). e) BCTG Tipo 1: BCTG com atividades exclusivas para sêmen. f) BCTG Tipo 2: BCTG que, além do sêmen, realiza atividades relacionadas com oócitos, tecido testicular, ovariano e/ou pré-embriões. g) Controle da qualidade: técnicas e atividades operacionais usadas para cumprir pré-requisitos da qualidade. h) Garantia da qualidade: conjunto de atividades planejadas, sistematizadas e implementadas no sistema de qualidade, que venham a conferir um nível de confiança adequado aos produtos e serviços. i) Micromanipulador: equipamento, usado na técnica ICSI, contendo microagulhas e projetado para injetar um espermatozóide no citoplasma do oócito. j) Reprodução humana assistida: inclui as técnicas utilizadas para obtenção de uma gravidez sem relação sexual. l) Sistema da qualidade: a estrutura organizacional, responsabilidades, procedimentos, processos e recursos para implementação da administração da qualidade. m) Uso terapêutico: utilização de células ou tecidos germinativos de um doador, para propiciar a capacidade reprodutiva e/ou endócrina própria ou capacidade reprodutiva de terceiros. n) Taxa de fertilização: número de oócitos fertilizados dividido pelo número de oócitos inseminados (FIV) ou injetados (ICSI), multiplicado por 100. o) Taxa de clivagem embrionária: número de pré-embriões que sofreram divisão celular dividido pelo número de oócitos que fertilizaram, multiplicado por 100. 4.2 Células, Tecidos e Pré-Embrião Células germinativas: gameta masculino (espermatozóide) e gameta feminino (ovócito ou oócito). b) Células reprodutivas: células germinativas. c) Gameta (ovócito ou oócito e espermatozóide): célula germinativa, que ao se unir a outra célula germinativa origina 171 uma célula diplóide, que pode se desenvolver e resultar em um novo indivíduo. d) Pré-embrião: produto da fusão das células germinativas até 14 dias após a fertilização, in vivo ou in vitro, quando do início da formação da estrutura que dará origem ao sistema nervoso. e) Sêmen: fluido composto por células germinativas, não germinativas e secreções produzidas pela próstata, ducto deferente distal e vesículas seminais, adicionadas seqüencialmente, e eliminado pela uretra durante a ejaculação. f) Tecido germinativo: tecido de origem ovariana ou testicular, contendo células germinativas. 4.3 Técnicas Aspiração de espermatozóides do epidídimo: -microcirúrgica: MESA (do inglês Microsurgical Epididymal Sperm Aspiration) -percutânea: PESA (do inglês Percutaneous Epididymal Sperm Aspiration) b) Aspiração testicular do espermatozóide - TESA (do inglês Testicular Sperm Aspiration): técnica de obtenção de espermatozóides do testículo por meio de aspiração percutânea com agulha. c) Criopreservação: método de congelamento para preservação de células germinativas, tecidos germinativos e pré- embriões. d) Eletroejaculação: técnica de obtenção do sêmen por meio de estímulo elétrico, com estimulador transretal, na região da próstata e vesículas seminais. e) Processamento do sêmen: conjunto de técnicas laboratoriais com fins de preparo prévio a criopreservação ou para seleção e separação dos espermatozóides em técnicas de reprodução humana assistida. f) Extração testicular de espermatozóides - TESE (do inglês Testicular Sperm Extraction): técnica de obtenção de espermatozóides por biópsia testicular. g) Fertilização in vitro convencional - FIV: técnica de reprodução humana assistida em que a fertilização do oócito pelo espermatozóide ocorre, de maneira espontânea, em laboratório. h) FIV com Injeção intracitoplasmática do espermatozóide - ICSI (do inglês Intracytoplasmic Sperm Injection): técnica de reprodução humana assistida onde a fertilização é obtida por meio da injeção de um único espermatozóide, no citoplasma do oócito, utilizando-se um micromanipulador. i) Micromanipulação: conjunto de técnicas de laboratório para a manipulação de espermatozóides, oócitos e pré- embriões com a utilização de microscópio óptico, micropipetas ou microagulhas e micromanipulador. C. COMPETÊNCIAS 5 Aos bancos de células e tecidos germinativos (BCTG), são atribuídas as seguintes competências: 172 efetuar e garantir a qualidade do processo de seleção de candidato(a)s à doação de células e tecidos germinativos; b) obter Consentimento Livre e Esclarecido, conforme modelo padronizado pelo BCTG, de acordo com a legislação vigente; c) orientar, viabilizar e proceder à coleta, quando necessário; d) avaliar e processar as células ou tecidos recebidos ou coletados; e) responsabilizar-se pela realização dos exames laboratoriais necessários à identificação de possíveis contra- indicações e condições especiais necessárias ao seu emprego; f) garantir a qualidade do processo de conservação dos tecidos e células que estejam sob a sua responsabilidade; g) liberar o material preservado, para a sua utilização conforme a legislação vigente; h) fornecer todas as informações necessárias a respeito da amostra a ser utilizada, respeitando o sigilo, cabendo ao médico do(a) paciente a responsabilidade pela sua utilização; i) manter arquivo próprio com dados sobre: o(a) doador(a), os respectivos documentos de autorização de doação, as amostras doadas, as amostras processadas, as amostras armazenadas, as amostras descartadas e o motivo do descarte, as amostras liberadas para uso terapêutico reprodutivo, respeitada a legislação vigente, dados do(a)s receptore(a)s e o resultado do procedimento; j) enviar, preferencialmente por meio eletrônico, um relatório semestral com os dados quantitativos de produção do BCTG ao Órgão Federal de Vigilância Sanitária, informando: j.1- número de doadore(a)s triado(a)s; j.2- número de amostras coletadas, por tipo de amostra; j.3- número de amostras processadas, por tipo de amostra; j.4- número de amostras/alíquotas descartadas, por tipo de amostra; j.5- número de amostras/alíquotas armazenadas, por tipo, prontas para uso; j.6- número de amostras/alíquotas, por tipo, utilizadas para fins terapêuticos; j.7- número de amostras/alíquotas, por tipo, utilizadas para pesquisa; j.8- número de pré-embriões produzidos e utilizados; j.9- número de pré-embriões produzidos, não utilizados, por tempo de armazenamento; j.10-número de pré-embriões disponibilizados para pesquisa com células-tronco embrionárias, por serviço que a realizará; 173 j.11-número de procedimentos de fertilização in vitro convencional; j.12-número de procedimentos de fertilização in vitro com injeção intracitoplasmática de espermatozóide (ICSI); j.13-Taxa de fertilização por técnica; j.14-Taxa de clivagem por técnica. D. NORMAS ESPECÍFICAS 6 Regulamento Interno 6.1 O BCTG deve ter um regulamento do qual constem: a) constituição do BCTG, com indicação do responsável legal e do responsável técnico; b) finalidade; c) estrutura administrativa e técnico-científica claramente definida; d) organograma; e) qualificação e as responsabilidades do responsável técnico e dos profissionais das equipes envolvidas nos procedimentos. 7 Manual Técnico Operacional 7.1 O BCTG deve ter manual técnico operacional, definindo com detalhes todos os procedimentos operacionais padrão (POPs) de seleção de doadore(a)s, coleta, transporte, processamento, armazenamento, liberação, descarte, registros e outros que se fizerem necessários. 7.2 Este manual deve ainda: a) indicar e definir as atribuições dos profissionais em cada procedimento; b) descrever as condutas frente às não-conformidades; c) descrever as normas de biossegurança; d) ser revisado anualmente, assinado e datado pelo responsável técnico; e) estar permanentemente disponível, em cada setor, para consulta. 8 Recursos Humanos 8.1 A responsabilidade técnica pelo BCTG deve ficar a cargo de um médico com capacitação na área, de acordo com regulamentação profissional. 174 8.2 O BCTG deve contar, na área técnica, com recursos humanos com formação de nível superior na área de saúde ou ciências biológicas e capacitação comprovada para atuar na área de embriologia humana, processamento e controle da qualidade de procedimentos realizados em Bancos de Células e Tecidos Germinativos. 9 Infra-estrutura física 9.1 O BCTG deve atender ao disposto em Regulamento Técnico da Resolução RDC/ANVISA n º 50, de 21 de fevereiro de 2002, que estabelece Normas para Projetos Físicos de Estabelecimentos Assistenciais de Saúde, ou o que vier a substituí-la 9.2 A infra-estrutura física do BCTG deve ser de uso e acesso exclusivo para tal finalidade, devendo ser constituída por ambientes contíguos numa disposição que permita uma circulação com fluxo adequado. 9.3 Os ambientes mínimos para a constituição do BCTG são os assinalados na tabela 1: Tabela 1: Ambientes exclusivos e obrigatórios para a constituição do BCTG Ambiente BCTG Tipo 1 BCTG Tipo 2 i. Consultório de triagem do doador X X ii. Sala de coleta de sêmen com sanitário anexo X X iii. Sala administrativa X X iv. Vestiário de barreira X X v. Salas Técnicas: a)Processamento b)Criopreservação/Armazenamento X --- X X 175 vi. Laboratório de fertilização in vitro --- X 9.3.1 Quando o BCTG estiver instalado em um estabelecimento assistencial de saúde, ele poderá compartilhar os ambientes técnicos e de apoio (recepção de doadores, centro cirúrgico ambulatorial, laboratório clínico, farmácia, central de material esterilizado, depósito central de armazenamento de nitrogênio líquido (ABNT/NBR 12.188), depósito de material de limpeza, depósito de materiais, sanitários, copa, sala de equipamentos, posto de enfermagem e serviços, sala de utilidades, quarto individual ou coletivo de curta duração, área para recepção de pacientes, sala de espera de acompanhantes, vestiário para funcionários, lavanderia e centrais de energia elétrica, climatização, água, esgoto, gases, telefonia e lógica). 9.4 Características dos ambientes: 9.4.1 Consultório de triagem do doador: sala destinada a entrevistas e exames de potenciais doadores. Deve garantir a privacidade do doador. 9.4.2 Sala de coleta de sêmen: esta sala deve garantir o conforto e a privacidade do doador. Deve possuir, em anexo, um sanitário com acesso exclusivo pela sala de coleta. 9.4.2.1 Este sanitário deve possuir apenas um lavatório e um mictório. 9.4.3 Sala de apoio administrativo: destinada a realizar serviços de documentação e informação em saúde. 9.4.4 Vestiário de barreira: a) deve servir de barreira às salas técnicas e ao laboratório de fertilização in vitro; b) deve possuir um lavabo cirúrgico e uma área para paramentação. c) a porta de acesso à sala de processamento deve possuir um visor. 9.4.5 Salas técnicas: devem possuir ambientes específicos destinados às atividades técnicas propriamente ditas. 9.4.5.1 Sala de processamento: destinada ao processamento de sêmen, com acesso restrito pelo vestiário de barreira; sistema de climatização que mantenha pressão positiva em relação aos ambientes adjacentes; condições de controle da temperatura entre 21ºC a 24ºC; umidade relativa do ar entre 40% e 60%; vazão mínima de ar total de 45(m3/h)/m2; vazão mínima de ar exterior de 15(m3/h)/m2 e filtragem mínima no insuflamento com filtros G3+carvão ativado+F8. 9.4.5.2 Sala de criopreservação e armazenamento: Ambiente destinado a guarda de células e tecidos germinativos e de embriões em equipamentos específicos. a) Caso o armazenamento seja efetuado em congelador acionado por energia elétrica ou que faça uso de nitrogênio, com temperatura igual ou inferior a 135°C negativos, a área de armazenamento deve contar com controle de temperatura ambiental. 176 b) Caso o armazenamento das células ou tecidos seja efetuado em tanques de nitrogênio líquido, ou haja um sistema de segurança com nitrogênio líquido para congelador com temperatura igual ou inferior a 135°C negativos, a área de armazenamento deve possuir: I) visualização externa do seu interior; II) sistema de climatização que mantenha a pressão negativa em relação aos ambientes adjacentes e sistema exclusivo de exaustão mecânica externa para diluição dos traços residuais de nitrogênio que mantenha uma vazão mínima de ar total de 75(m3/h)/m2. Este sistema deve prover a exaustão forçada de todo o ar da sala, com descarga para o exterior. As grelhas de exaustão devem ser instaladas próximas ao piso. O ar de reposição deve ser proveniente dos ambientes vizinhos ou suprido por insuflação de ar exterior, com filtragem mínima com filtro classe G1; 9.4.6 Laboratório de Fertilização in vitro: ambiente destinado ao processamento de oócitos, espermatozóides de coletas alternativas, tecidos ovarianos e testiculares e pré-embriões, e a execução das técnicas de fertilização in vitro, podendo ser utilizado para o processamento do semên, conforme descrito no item 9.3b. a) o acesso ao laboratório deve ser restrito pelo vestiário de barreira; b) a sala não deve possuir janelas para o exterior. A sala deve possuir visores para os demais ambientes adjacentes; c) este ambiente não deve possuir qualquer instalação hidrossanitária, tais como: pias, ralos ou lavatórios; d) o sistema de climatização deve manter pressão positiva em relação aos ambientes adjacentes; condições de controle da temperatura entre 21ºC a 24ºC; umidade relativa do ar entre 40% e 60%; vazão mínima de ar total de 45(m3/h)/m2; vazão mínima de ar exterior de 15(m3/h)/m2 e filtragem mínima no insuflamento com filtros G3+carvão ativado+F8. e) o insuflamento de ar do sistema de climatização nesta sala deve ser efetuado de forma a não interferir no fluxo do equipamento utilizado para a manipulação de amostras; f) a manipulação das amostras somente deve ser efetuada em uma área limpa classificada, no mínimo, como ISO Classe 5, segundo a norma NBR/ISO 14644-1 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Para a obtenção dessas condições, o BCTG deve utilizar uma das opções abaixo: f.1) cabine de segurança biológica Classe II Tipo A; f.2) módulo de fluxo unidirecional; f.3) sala classificada, como ISO classe 5 no mínimo, segundo as orientações da NBR/ISO 14644-4 da ABNT. Neste caso o BCTG deve obrigatoriamente possuir uma antecâmara de acesso à sala de processamento, além do vestiário de paramentação. 9.5 - Características gerais: a) Os BCTG devem possuir sistema de energia elétrica de emergência de acordo com a Resolução RDC/ANVISA nº 50 de 2002, ou a que vier a substituí-la e norma ABNT/NBR 13.534. b) A cabine de segurança biológica e/ou o módulo de fluxo unidirecional e o microscópio óptico invertido devem estar 177 ligados a um sistema de energia elétrica de emergência classe 0,5 grupo 0, fonte capaz de assumir automaticamente o suprimento de energia em no máximo 0,5 segundos e mantê-la por no mínino 1 hora. c) Para todos os ambientes devem ser utilizados sistemas de energia elétrica de emergência classificados como Classe > 15, Grupo 0, exceto a sala de processamento e o laboratório de fertilização in vitro, que devem ser classificados como Classe 15, Grupo 0. d) Todos os ambientes do BCTG devem possuir instalações prediais de água, esgoto, elétrica, gases e de climatização executadas em conformidade com a RDC/ANVISA nº 50 de 2002, ou a que vier a substituí-la e normas complementares da ABNT. e) Os sistemas de climatização para cada ambiente devem ser dimensionados conforme as normas ABNT/NBR 6401 e ABNT/NBR 7256. 10 Equipamentos 10.1 De acordo com o Tipo, o BCTG deve contar, no mínimo, com os equipamentos descritos na Tabela 2. Tabela 2: Equipamentos mínimos para o funcionamento do BCTG Equipamentos BCTG Tipo 1 BCTG Tipo 2 1) Equipamento para contagem manual ou automatizada de células; 2) Cabine de segurança biológica Classe II Tipo A; 3) Cabine de segurança biológica Classe II Tipo A, ou Módulo de fluxo laminar 4) Seladora, manual ou automática, de recipientes de armazenamento. 5) Microscópio óptico comum; 6) Centrífuga de bancada com controle de rotação e de tempo; 7) Banho-maria ou incubadora a seco a 37°C; 8) Refrigerador a 4ºC ± 2°C apropriado para armazenamento de meios e reagentes; 9) Congelador com temperatura de 20°C negativos, apropriado para armazenamento de meios e reagentes; 10) Congelador com temperatura igual ou inferior a 135ºC negativos, com registro automático da temperatura e exclusivo para o armazenamento de células e tecidos germinativos não liberados para uso, ou Reservatório (contêiner) adequado para nitrogênio líquido e exclusivo para o armazenamento de células e tecidos germinativos não liberados para uso. 11) Congelador com temperatura igual ou inferior a 135ºC negativos, com registro automático da temperatura e 178 exclusivo para o armazenamento de células e tecidos germinativos liberados para uso, ou Reservatório (contêiner) adequado para nitrogênio líquido e exclusivo para o armazenamento de células e tecidos germinativos liberados para uso. 12) Equipamento programável de criopreservação ou sistema de criopreservação manual validado pelo serviço. 13) Sensor para monitoramento da concentração de oxigênio (O2) no ambiente, conforme item 9.4.5.2.b iii 14) Reservatório apropriado e específico, identificado, para transporte externo de material criopreservado, que garanta a manutenção da temperatura adequada, comprovado por validação pelo serviço; 15) Bateria ou gerador para suporte aos equipamentos essenciais para a manutenção da qualidade das células e dos tecidos germinativos, conforme descrito no item 9.5 16) Incubadora de CO2 com controle de temperatura e do nível de CO2, com alarme que indique valores fora dos limites estabelecidos em POPs do BCTG 17) Placas aquecidas para microscópios e bancadas 18) Microscópio óptico invertido 19) Estéreo-microscópio E. Operacionalização 11 As células e tecidos germinativos não podem ser objeto de comércio. O BCTG pode, no entanto, ser ressarcido pelos procedimentos e serviços necessários para a seleção, coleta, testes de triagem, processamento, armazenamento, liberação e transporte dessas amostras. 11.1 Doação 11.1.1 A doação de células, tecidos germinativos e pré-embriões deve respeitar os preceitos legais e éticos sobre o assunto. 11.1.2 Os projetos de pesquisa envolvendo o uso de células, tecidos germinativos e pré-embriões somente podem ser desenvolvidos após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, e após autorização do(s) doador(e)s, conforme legislação vigente. 11.1.3 A doação de células, tecidos germinativos e pré-embriões deve garantir: a) O Sigilo - toda a informação relativa a doadore(a)s e receptore(a)s deve ser coletada, tratada e custodiada no mais estrito sigilo. Não pode ser facilitada, nem divulgada, informação que permita a identificação do(a) doador(a) ou do(a) receptor(a). Na doação anônima, o(a) receptor(a) não pode conhecer a identidade do(a) doador(a), nem o(a) doador(a) a do(a) receptor(a). Fica assegurado às autoridades de vigilância sanitária o acesso aos registros para fins de inspeção e investigação. Em casos especiais, por motivo médico ou jurídico, as informações sobre o(a) doador(a) ou receptor(a) podem ser fornecidas exclusivamente para o médico que assiste o(a) receptor(a), resguardando-se a identidade civil do doador. b) A Publicidade - as campanhas publicitárias sobre a doação de células, tecidos germinativos e pré-embriões devem ter caráter geral, ressaltando os aspectos de ser um ato voluntário, altruísta e desinteressado, sendo proibida a 179 publicidade para a doação em benefício de uma determinada pessoa física ou jurídica. Demais disposições devem observar regulamentos específicos. c) A Gratuidade - a doação não pode ser remunerada. d) O Consentimento Livre, Esclarecido, Consciente e Desinteressado - deve ser obtido antes da coleta, por escrito, e assinado pelo(a) doador(a) e pelo médico, conforme legislação vigente. § 1° O Consentimento Livre e Esclarecido deve ser redigido em linguagem clara e compreensível para o leigo e deve conter, pelo menos: a) autorização para descartar as amostras que não atenderem aos critérios para armazenamento pelo BCTG ou seu uso posterior; b) autorização para descartar as amostras, exceto pré-embriões, segundo condições pré-estabelecidas pelo doador, em caso de doação para uso próprio; c) autorização para a coleta de sangue do(a) doador(a) para a realização dos testes obrigatórios pela legislação e outros descritos pelo BCTG; d) autorização para transferir os dados sobre a amostra e sobre o(a) doador(a), para serviços que irão utilizar a amostra, garantido o anonimato; e) autorização para transferir, fisicamente, a amostra para o serviço que irá utilizá-la, sendo garantido o anonimato; f) manifestar a vontade de doar ou não o material para projetos de pesquisa que tenham sido previamente aprovados por Comitê de Ética em Pesquisa. 12 Seleção do(a) doador(a) 12.1 São candidato(a)s à doação de células e tecidos germinativos, para uso terapêutico em terceiros, indivíduos que satisfaçam pelo menos as seguintes condições: 12.1.1 Gerais: a) maioridade civil; b) concordar em realizar uma avaliação médico-laboratorial; c) concordar em assinar o Consentimento Livre e Esclarecido; d) se doador de sêmen, concordar em realizar os testes para doenças infecto-contagiosas, conforme item 12.1.3 durante a triagem do doador e repeti-lo num prazo nunca inferior a seis meses, após a última coleta, para a liberação da amostra; e) se doadora de oócito, concordar em realizar os testes para doenças infecto-contagiosas, conforme item 12.1.3 durante a triagem e concordar em repeti-los seis meses após a data da coleta do oócito, inclusive nos casos de 180 utilização imediata do oócito sem criopreservação. 12.1.2 Triagem Clínica 12.1.2.1 São critérios de exclusão as seguintes condições: a) homens com mais de 45 anos e mulheres com mais de 35 anos; b) doenças genéticas familiares ou próprias; c) malformações congênitas: lábio leporino, espinha bífida, hipospádia, malformação cardíaca e luxação congênita de quadril; d) história familiar de doenças autossômicas recessivas (albinismo, hemofilia) ou dominantes (neurofibromatose, esclerose tuberosa); e) história de herpes genital, hepatite, condiloma genital e neoplasia maligna; f) história familiar de asma, diabete juvenil, epilepsia, psicose, artrite reumatóide, doença coronariana precoce e neoplasias malignas com característica familiar; g) sorologia anterior reagente para as seguintes doenças transmissíveis: sífilis, HIV 1, HIV 2, hepatite B, hepatite C ou HTLV I e II. 12.1.3 Triagem Sorológica 12.1.3.1 Deve ser realizada para as seguintes doenças infecto-contagiosas: a) Sífilis; b) Hepatite B (HBsAg e anti-HBc); c) Hepatite C (anti-HCV); d) HIV 1 e HIV 2; e) HTLV I e II. 12.1.3.1.1 No caso de sêmen, ou de oócito criopreservado, a liberação da amostra só ocorrerá após os testes sorológicos serem repetidos, em um prazo nunca inferior a seis meses, como descrito no item 12.1.1, letras d e e. 12.1.3.2 Caso algum resultado sorológico seja positivo, o BCTG deve comunicar imediatamente ao doador(a), e encaminha-lo(a) a um serviço de assistência especializado, para que sejam tomadas as medidas cabíveis. 12.1.3.3 Caso o oócito tenha tido utilização imediata, e após seis meses a sorologia da doadora seja positiva, o BCTG deverá comunicar de imediato ao médico assistente da receptora para que sejam tomadas as medidas cabíveis. 181 12.1.4 Triagem Microbiológica 12.1.4.1 Na primeira coleta de amostra de sêmen, devem ser realizados exames para a detecção de Chlamydia trachomatis, Ureaplasma urealyticum, Mycoplasma hominis, Neisseria gonorrhoeae e bactérias aeróbias. Estes testes devem ter resultados negativos para patógenos seminais, antes da liberação da amostra. 12.1.5 Doadores de sêmen para uso terapêutico em terceiros serão excluídos dessa condição após a obtenção de 2 (duas) gestações, de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes, de acordo com legislação vigente. 12.2 São candidato(a)s à doação de células e tecidos germinativos, para uso terapêutico próprio indivíduos que satisfaçam pelo menos as seguintes condições: 12.2.1 Gerais: a) indicação do procedimento; b) assinatura do Consentimento Livre e Esclarecido do(a) candidato(a). Se o(a) candidato(a) não atingiu maioridade civil, o Consentimento deve ser assinado também pelo responsável legal. 12.2.2 Triagem Clínica 12.2.2.1 É critério de exclusão do(a) doador(a) a ausência de capacidade reprodutiva. 12.2.3 Triagem Sorológica e Microbiológica 12.2.3.1 Serão realizados os mesmos descritos nos itens 12.1.3 e 12.1.4. 12.2.3.2 O(a) doador(a) será informado(a) dos resultados dos exames, e em caso de resultados positivos, decidirá pela criopreservação ou não. 12.3 Os testes de triagem sorológica e microbiológica podem ser feitos pelo laboratório da própria unidade de processamento ou por laboratório terceirizado e que atenda às exigências legais para o seu funcionamento. 12.4 Caso seja identificada alguma doença de notificação compulsória durante a triagem do doador, o BCTG deve comunicar imediatamente à Vigilância Epidemiológica, conforme legislação vigente. 13 Coleta: 13.1 A coleta de tecido pode ser realizada em outros centros cirúrgicos ambulatoriais não contíguos ao BCTG. 13.2 Todos os materiais utilizados e que mantêm contato com as células ou tecidos germinativos, devem ser estéreis, apirogênicos e descartáveis, devendo ser registrados a respectiva origem e o número de lote. 13.3 Células ou tecidos coletados e rotulados podem ser mantidos, temporariamente, até o processamento: a) sêmen e espermatozóides: temperatura entre 25°C e 37°C, no máximo por até 2 (duas) horas; b) oócito: temperatura de 37°C ± 0,2°C, por um período determinado na avaliação da viabilidade celular, descrito em 182 POP do BCTG; c) tecido ovariano e tecido testicular: temperatura de 4°C ± 2°C, por um período máximo de 24 horas. 14 Identificação da Amostra 14.1 Deve ser atribuída, a cada amostra coletada, uma identificação numérica ou alfanumérica. Esta identificação deve acompanhar toda a documentação do(a) doador(a) e receptor(a), quando for o caso, e o material durante os testes, processamento, criopreservação, armazenamento, descongelamento e liberação, devendo, também, ser atribuída às alíquotas, permitindo a identificação de cada uma delas. 14.2 A identificação deve ser feita com etiquetas resistentes a baixas temperaturas e impermeáveis. 15 Transporte do local da coleta ao BCTG 15.1 O transporte da amostra do local da coleta , quando esta não for realizada no próprio BCTG, para o laboratório de processamento do BCTG é de responsabilidade da equipe que realizou a coleta. 15.2 O transporte deve ser feito em recipiente térmico que mantenha a temperatura interior específica para cada tipo de amostra, segundo o item 13.3 desta Resolução. O transporte deve ser monitorado por um sistema validado pelo BCTG, dotado de registro de temperatura interna que indique valores fora desses limites. 15.3 No lado externo do recipiente térmico, ou na embalagem externa que venha a proteger o recipiente térmico, devem constar as seguintes informações: a) nome e endereço completo da instituição de origem; b) nome do responsável pelo encaminhamento; c) identificação da empresa transportadora; d) nome e endereço completo do BCTG de destino; e) condições de armazenamento. 15.4 A irradiação do material é expressamente proibida. No lado externo do recipiente térmico, ou no caso de embalagem externa, deve constar o seguinte aviso: MATERIAL BIOLÓGICO HUMANO. NÃO SUBMETER À RADIAÇÃO (RAIOS X). 15.5 O material transportado deve ser acompanhado de um termo de transporte assinado pelo responsável pelo acondicionamento e embalagem do material, informando o tipo de amostra transportada, data e hora da coleta, e recomendações complementares relacionadas à sua qualidade, serviço de origem responsável pela coleta e o serviço de destino. 16 Transporte do BCTG para o serviço de reprodução humana assistida 16.1 O transporte da amostra criopreservada, do BCTG para o serviço de reprodução humana assistida, deve obedecer 183 a normas vigentes de biossegurança e deve ser realizado da forma mais rápida e eficiente possível. 16.1.1 A responsabilidade pelo material após a liberação pelo BCTG, até a sua chegada ao destino, é do serviço onde será realizado o procedimento. 16.2 A amostra criopreservada deve ser acondicionada em reservatórios com nitrogênio líquido ou gelo seco, que possibilite a manutenção da temperatura igual ou inferior a 80°C negativos durante todo o transporte. É aconselhado o transporte preferencialmente a seco (“dry-shipper”). O volume de nitrogênio líquido ou de gelo seco deve ser suficiente para manter a temperatura por um período mínimo de 24 horas, além do horário esperado para a chegada do material ao serviço de destino. 16.3 O transporte de amostras não congeladas, para uso imediato, deve obedecer a POPs específicos que garantam a viabilidade da amostra até a sua utilização, devendo possuir sistema de controle da temperatura interna que indique valores foras dos limites. 16.4 O transporte deve ser realizado de acordo com as especificações fornecidas e validadas pelo BCTG. 16.5 O reservatório deve ser protegido por embalagem externa rígida, e que contenha as seguintes informações: a) nome e endereço completo do BCTG remetente; b) nome do responsável pelo encaminhamento; c) nome e endereço completo do serviço de reprodução humana assistida de destino; d) nome do responsável pelo material no serviço de destino; e) identificação da empresa transportadora; f) nome e endereço completo da instituição de destino; g) condições de armazenamento; h) data e hora da embalagem e período máximo aceitável de permanência do material no reservatório. 16.6 A irradiação do material é expressamente proibida. Na embalagem externa deve constar o seguinte aviso: MATERIAL BIOLÓGICO HUMANO. NÃO SUBMETER À RADIAÇÃO (RAIOS X). 16.7 O material transportado deve ser acompanhado de um termo de transporte assinado pelo responsável técnico do BCTG remetente, informando o número de identificação da amostra, o tipo de amostra transportada, data e hora da embalagem, data e hora do envio, período máximo aceitável de permanência do material no reservatório, peso do reservatório no momento de sua saída do BCTG e recomendações complementares relacionadas à sua qualidade, BCTG remetente e instituição de destino. 16.8 Ao receber o reservatório, o serviço de reprodução humana assistida que vai utilizar o material deve verificar: 184 a) o peso do reservatório; b) se as condições de acondicionamento da amostra para transporte se mantiveram conforme as especificações do banco. 16.9 As informações descritas no item anterior devem ser enviadas ao BCTG remetente. 16.10 Todos os registros referentes ao transporte devem ser mantidos durante todo o período de armazenamento do material e por um período mínimo de 20 anos após a sua utilização terapêutica. 17 Processamento 17.1 Todos os materiais utilizados, que mantêm contato com as células ou tecidos germinativos, devem ser estéreis, apirogênicos e descartáveis, devendo ser registrados a respectiva origem e o número de lote. 17.2 Todo o processamento das células e tecidos germinativos e pré-embriões deve ocorrer exclusivamente em área classificada, conforme especificado no item 9.4.6.e. 17.3 O material correspondente a cada doação deve ser processado individualmente. 17.4 O BCTG deve registrar, em formulário padronizado, a execução do processamento de cada amostra, informando: a) identificação da amostra; b) data e hora do início do processamento; c) parâmetros qualitativos iniciais; d) método de processamento; e) parâmetros qualitativos finais; f) data e hora do término do processamento; g) identificação do executor do processamento. 17.5 Deve ser mantido registro das condições da incubadora de CO2 documentando a temperatura e o nível de CO2. 17.6 No caso de coleta de sêmen para uso terapêutico em terceiros, somente serão preservadas as amostras de acordo com os seguintes critérios da OMS (1999): a) Volume coletado de no mínimo 2mL; b) Concentração de espermatozóides de 20 milhões/mL ou mais; c) Motilidade maior que 50% com progressão linear, ou 25% ou mais com progressão linear rápida; 185 d) Morfologia espermática contendo no mínimo 15% de formas normais. 17.7 Testes de viabilidade da amostra 17.7.1 As amostras doadas devem ter viabilidade comprovada de acordo com os POPs definidos pelo BCTG, para cada tipo de material germinativo processado. 17.7.2 As amostras de sêmen para uso terapêutico em terceiros devem ser avaliadas quanto a viabilidade em duas etapas: a) avaliação da motilidade inicial de acordo o item 17.5 antes da criopreservação, e b) avaliação da motilidade da amostra no período de até uma semana após sua criopreservação. A motilidade após o descongelamento deve ser de no mínimo 50% da motilidade inicial (OMS 1999). 18 Criopreservação 18.1 A criopreservação deve ocorrer o mais precocemente possível, respeitando-se os critérios definidos no item 13.3. 18.2 A criopreservação pode ser feita em equipamento programável de congelamento ou em sistema manual. 18.3 A criopreservação deve ser obtida submetendo a amostra ao congelamento sob variação controlada da temperatura, em processo de congelamento validado, devendo ser registrados os seguintes dados: a) a curva de redução de temperatura, quando utilizada a técnica de congelamento lento; b) a origem, o lote e a concentração dos meios e reagentes. 18.4 O BCTG deve manter registros da avaliação da viabilidade de cada amostra descongelada para uso. 19 Armazenamento: 19.1 As amostras criopreservadas devem ser depositadas em um local fixo e pré-determinado que permita a sua localização com facilidade, rapidez e segurança, devendo haver congeladores ou reservatórios específicos e exclusivos para amostras processadas e ainda não liberadas, para amostras liberadas e para amostras contaminadas. 19.2 Deve ser mantido registro das condições dos refrigeradores, congeladores ou reservatórios de armazenamento, documentando a temperatura ou o nível de nitrogênio. a) a verificação e o registro da temperatura devem ser realizados, ao menos, a cada oito horas, para os equipamentos que não dispõem de registrador automático; b) os registros de temperatura devem ser periodicamente revisados por uma pessoa qualificada; c) os alarmes devem ser periodicamente testados, no mínimo a cada três meses, e deve haver um procedimento escrito, definindo a conduta a ser tomada em relação ao armazenamento das amostras, se houver falta de energia ou defeito nos equipamentos de estocagem; 186 d) o volume de nitrogênio líquido, nos reservatórios deve ser controlado e registrado pelo menos duas vezes por semana. 19.3 As amostras devem ser mantidas em temperatura igual ou inferior a 135°C negativos. a) O BCTG deve dispor de um sistema de segurança, incluindo monitoramento da temperatura dos equipamentos de armazenamento, alarmes em casos de mau funcionamento, ou temperaturas excedendo os limites permitidos, e instruções de procedimentos corretivos de emergência, bem como plano de remoção do material em casos de sinistros. b) As amostras provenientes de doadores para uso terapêutico próprio, com resultados positivos para infecções transmissíveis, segundo os itens 12.1.3.1 e 12.2.3.2, devem ser armazenadas em reservatórios de nitrogênio líquido específico e exclusivo para cada doador(a). 19.4 Deve ser armazenada para futuros testes genéticos, no mínimo uma amostra de material genético do(a) doador(a), que somente poderá ser descartada: a) se forem descartadas as células ou tecidos germinativos do doador, ou b) 20 (vinte) anos após o uso de todas as células ou tecidos do doador. 20 Liberação da Amostra Doada: 20.1 A amostra somente poderá ser liberada se: a) respeitados critérios de trigem clínica, sorológica e microbiológica, conforme itens 12.1.2, 12.1.3 e 12.1.4, quando usados para terceiros; b) os resultados dos testes de viabilidade da amostra forem compatíveis com os parâmetros mínimos definidos nos itens 17.6 e 17.7; c) para inseminação artificial, a amostra contiver um mínimo de 18 milhões de espermatozóides móveis; d) para as técnicas de fertilização in vitro, a amostra contiver um mínimo de 5 (cinco) milhões de espermatozóides móveis; e) Consentimento Livre e Esclarecido do receptor. 20.2 Por ocasião do envio da amostra para outro serviço, o BCTG deve enviar todas as informações referentes aos itens supracitados. 20.3 No caso de liberação da amostra e não utilização, o serviço de reprodução humana assistida deve encaminhar o material de volta ao BCTG, que decidirá, segundo critérios técnicos, sobre sua reintegração ao estoque ou seu descarte. 21 Descarte de Material Biológico 21.1 O descarte de amostras de células ou tecidos germinativos e de resíduos de laboratório do BCTG deve estar descrito no Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS), e deverá ser feito de acordo com as 187 normas vigentes. 22 Registros e Arquivos 22.1 O BCTG deve manter disponível, por todo o período de armazenamento das amostras, e por um período mínimo de 20 anos após a sua utilização terapêutica, arquivos de documentos e registros relativos a: a) dados do(a) doador(a); b) dados da triagem clínica; c) dados da coleta das células ou tecidos germinativos; d) dados de acondicionamento e transporte; e) processamento, criopreservação e armazenamento; f) resultados das triagens sorológica e microbiológica e de viabilidade realizados; g) data e motivo do descarte das amostras, quando couber; h) o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinada pelo(a) doador(a) ou seu responsável legal; i) o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelo(a) receptor(a), quando couber; j) contagem do número de espermatozóides móveis, quando couber; l) solicitação de fornecimento das células ou tecidos germinativos, assinada pelo médico responsável pela execução do procedimento de reprodução humana assistida; m) relatório médico da realização ou não do procedimento de reprodução humana assistida, com identificação da receptora. 22.2 Os arquivos de registros podem ser mantidos em meio eletrônico ou microfilmagem ou em livros de registro manual. 22.2.1 No caso de uso de informática ou microfilmagem, os dados devem ser armazenados em duas cópias e o banco deve comprovar que o sistema não permite fraudes ou alterações de dados. 22.2.2 No caso do uso de livros de registro manual, deve haver um livro de registro de entrada e um livro de registro de liberação. 22.2.2.1 O livro de registro de entrada deve conter os seguintes dados: a) data da coleta; b) a identificação numérica ou alfanumérica da amostra coletada; 188 c) nome completo do doador; d) tipo e quantidade de amostra e alíquotas coletadas; e) características do doador; f) dados da coleta; g) resultados dos testes sorológicos e microbiológicos realizados; h) destino dado à amostra; i) identificação do local de armazenamento. 22.2.2.2 O livro de liberação deve conter os seguintes dados: a) data da liberação; b) identificação numérica ou alfanumérica da amostra; c) identificação da alíquota liberada, quando couber; d) motivo do descarte, quando couber; e) localização da amostra no livro de registro de entrada; f) nome completo do receptor; g) nome do médico e da instituição responsável pela utilização da amostra; h) indicação médica para a utilização da amostra; i) resultado da gestação. 23 Garantia da Qualidade 23.1 O BCTG deve manter um sistema de gestão da qualidade. Este sistema deve estar documentado, ser de conhecimento do pessoal administrativo e técnico-científico e deve incluir: a) elaboração e revisão periódica dos POPs que constam do manual técnico-operacional; b) treinamento periódico de pessoal; c) auditorias internas periódicas, para verificar conformidade com as normas técnicas; d) procedimentos para detecção, registro, correção e prevenção de erros e não conformidades; 189 e) cumprimento das normas de biossegurança; f) sistema de avaliação e controle de insumos, materiais e equipamentos. 24 Análise de Projeto Arquitetônico e Licença Sanitária 24.1 Os projetos arquitetônicos devem ser avaliados e aprovados pelas vigilâncias sanitárias estaduais ou municipais previamente ao início da obra a que se referem, tanto para construções novas, como para reforma ou para ampliação, de acordo com a legislação vigente. 24.2 A renovação da Licença Sanitária deverá ser solicitada ao órgão de vigilância sanitária estadual ou municipal. 25. Normas e Regulamentos Vigentes à Época da Publicação desta RDC a) Lei nº 11.105 de 24 de março de 2005. Lei de Biossegurança. Estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados - OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança - CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança - PNB b) Portaria GM nº 1.943, de 18 de outubro de 2001. Define a relação de doenças de notificação compulsória para todo território nacional. c) Resolução RDC/Anvisa nº 50, de 21 de fevereiro de 2002. Aprova Normas para Projetos Físicos de Estabelecimentos Assistenciais de Saúde d) Resolução RDC/Anvisa nº 306, de 07 de dezembro de 2005. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. e) Resolução CFM 1.358, de 11 de novembro de 1992. Dispõe sobre Reprodução Humana Artificial e adota as Normas Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida. f) Resolução/CNS nº 196, de 10 de outubro de 1996. Estabelece os requisitos para realização de pesquisa clínica de produtos para saúde utilizando seres humanos. g) ABNT/NBR 6401, de dezembro de 1980. Estabelece as instalações centrais de ar condicionado para conforto - Parâmetros básicos de projeto h) ABNT/NBR 13534, de novembro de 1995. Trata das instalações elétricas em estabelecimentos assistenciais de saúde. i) ABNT/NBR 12188, de maio de 2003. Trata dos sistemas centralizados de oxigênio, ar, óxido nitroso e vácuo para uso medicinal em estabelecimentos assistenciais de saúde. j) ABNT/NBR 7256, de março de 2005. Dispõe sobre o tratamento de ar em estabelecimentos assistenciais de saúde (EAS) e requisitos para projeto e execução das instalações. k) NBR/ISO 14644-1 da ABNT. Dispões sobre as salas limpas e ambientes controlados associados- parte 1: Classificação da limpeza do ar. 190 © 2001-2011 cremesp.org.br - Todos os direitos reservados - [ Webmaster ] [ Política de Privacidade] [ Créditos ]51 usuários on-line