1 UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO ALINE MARQUES COPETTI Entre história e memórias: análise do processo de inclusão escolar de crianças com deficiência a partir de trajetórias docentes CAXIAS DO SUL-RS 2023 2 ALINE MARQUES COPETTI Entre história e memórias: análise do processo de inclusão escolar de crianças com deficiência a partir de trajetórias docentes Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Educação. Linha de Pesquisa: Processos Educacionais, Linguagem, Tecnologia e Inclusão. Orientadora: Profª Dra. Cláudia Alquati Bisol CAXIAS DO SUL-RS 2023 3 Entre história e memórias: análise do processo de inclusão escolar de crianças com deficiência a partir de trajetórias docentes Aline Marques Copetti Dissertação de Mestrado submetida à Banca Examinadora designada pela Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestra em Educação. Linha de Pesquisa: Processos Educacionais, Linguagem, Tecnologia e Inclusão. Caxias do Sul, 27 de outubro de 2023. Banca Examinadora: ___________________________________________ Profª Dra. Cláudia Alquati Bisol (presidente _ UCS) ___________________________________________ Profª Dra. Carla Beatris Valentini (UCS) ___________________________________________ Participação por videoconferência Profª Dra. Carla Karnoppi Vasques (UFRGS) 4 Agradecimentos Estes agradecimentos expressam o reconhecimento de que o resultado final deste trabalho é de mérito coletivo. À minha filha, Isabelle, parceira, sempre! À minha orientadora, professora Cláudia Alquati Bisol. Sua orientação e seu conhecimento estão impressos em cada página. À minha amiga, Mônica de Souza Chissini. Suas palavras de confiança e suas valorosas dicas contribuíram com a construção do pré-projeto de seleção para o Mestrado. Às minhas queridas vizinhas, Kika e Vitória, que foram suporte e companhia para minha filha sempre que necessário. À minha colega, Alini Cossul Martinelli. Durante esses dois anos, tornou-se uma amiga, companheira nas atividades e nos momentos que uma conversa se fez necessária. A cada professora e professor das disciplinas, que proporcionaram momentos de estudos, contribuindo com o desenvolvimento do trabalho. Às professoras da Banca de Qualificação e Defesa, Carla Karnoppi Vasques e Carla Beatris Valentini, que trouxeram melhorias à continuidade da pesquisa. À equipe da SMED: à Secretária da Educação, Sandra Mariz Negrini, pela autorização da realização das entrevistas, e à gerente da Educação Especial, Silvana Cechinato Cagol, que prontamente auxiliou no trâmite para a autorização. _ Aos meus colegas das equipes gestoras Evani Terezinha Melos Borsoi/Juliana _ Stedille, e Juliana Monfron/José Ramiro Alves da Silva , que confiaram no meu trabalho e foram receptivos às demandas da pesquisa. Às professoras, colegas de profissão e Rede, que aceitaram participar das entrevistas; e que, assim, contribuíram com a pesquisa. Aos colegas que integram o grupo de pesquisa Incluir, que buscam constantemente mais respostas e novos questionamentos sobre a inclusão. Também agradeço à UCS; em especial, aos professores da avaliação do processo seletivo do PPGEdu, pela oportunidade de cursar o Mestrado em Educação como bolsista. E à CAPES, pelo financiamento desta pesquisa. Deixo, aqui, o desejo e a esperança de novos tempos, em que mais pesquisadoras e pesquisadores possam ter essa oportunidade, a de contribuir com a ciência, necessária para si e para toda a sociedade! 5 Epígrafe “O nosso objecto é o passado, mas as perguntas somos nós que as fazemos, a partir do nosso tempo, do tempo presente. [...] Não podemos ignorar o nosso objecto, o passado, e, por isso, temos de evitar o ‘presentismo’, temos de compreender que em cada época há maneiras próprias de pensar, de sentir e de viver. [...] Mas também não podemos ignorar o tempo em que vivemos, o presente, pois é nele que estão as nossas perguntas”. António Nóvoa 6 Dedicatória Aos estudantes, pelo que eu aprendo com cada um e cada uma. 7 RESUMO Pesquisar o processo de escolarização e inclusão de crianças com deficiência torna- se relevante quando se pensa na história de exclusão e segregação vivida pelas pessoas com deficiência, bem como quando se reconhece a discriminação ainda direcionada a estas pessoas, recentemente denominada como capacitismo. O objetivo geral desta pesquisa é analisar o processo de inclusão de estudantes com deficiência, a partir de relatos de trajetórias docentes em classes comuns dos anos iniciais do Ensino Fundamental, sob a ótica dos Estudos da Deficiência. Tem-se como objetivos específicos: identificar contribuições dos Estudos da Deficiência para o processo de inclusão escolar, com ênfase nos modelos da deficiência e capacitismo; situar a escola como um espaço de reprodução ou transformação em que a cultura demarca possibilidades de mudança no que tange a educação inclusiva; e analisar trajetórias docentes em classes comuns dos anos iniciais do Ensino Fundamental, direcionando um olhar a mudanças ocorridas desde a perspectiva da educação inclusiva. A investigação utiliza como principal referencial teórico os Estudos da Deficiência, abordando os modelos médico, social e as perspectivas feministas do modelo social da deficiência, como também o capacitismo, buscando identificar de que forma esses conceitos influenciam as relações e práticas nos espaços escolares. Teve como participantes 06 professoras de classes comuns dos anos iniciais do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul-RS, com 20 anos ou mais de experiência docente, com as quais foram realizadas entrevistas individuais, seguindo um roteiro de questões semiestruturadas. A análise dos dados baseou-se na análise de conteúdo de Bardin (1977), tendo como categorias de análise: concepções sobre inclusão escolar, concepções sobre a deficiência e recursos para a escolarização: desafios entre o ideal e a realidade. Com base nos resultados obtidos, percebe-se que algumas mudanças de pensamento e novas práticas vêm surgindo, mas de forma lenta e gradativa, levando em conta que mudanças legislativas podem alterar o cenário educacional de um dia para o outro, o que não se pode igualmente afirmar acerca das transformações culturais na sociedade e nas escolas. Foi possível também identificar a forte presença do discurso médico sobre a deficiência e concepções capacitistas, que acabam refletindo significativamente na prática docente e no cotidiano das escolas. Conclui-se que ainda há desafios e também barreiras a serem transpostas, que indicam que outras mudanças culturais são necessárias, a nível subjetivo e coletivo, a fim de que a educação se torne mais inclusiva. Palavras-chave: Inclusão Escolar. Educação Inclusiva. Estudos da Deficiência. Capacitismo. 8 RESUMEN La investigación sobre el proceso de escolarización e inclusión de los niños con discapacidad adquiere relevancia cuando pensamos en la historia de exclusión y segregación vivida por las personas con discapacidad, así como cuando reconocemos la discriminación aún dirigida a estas personas, recientemente denominada capacitismo. El objetivo general de esta investigación es analizar el proceso de inclusión de alumnos con discapacidad, a partir de los relatos de profesores de clases ordinarias en los primeros años de la escuela primaria, desde la perspectiva de los Estudios de la Discapacidad. Los objetivos específicos son: identificar las aportaciones de los Estudios de la Discapacidad al proceso de inclusión escolar, con énfasis en los modelos de discapacidad y capacitismo; situar la escuela como un espacio de reproducción o transformación en el que la cultura demarca las posibilidades de cambio respecto a la educación inclusiva; y analizar las trayectorias de los docentes en las aulas ordinarias de los primeros cursos de primaria, observando los cambios producidos desde la perspectiva de la educación inclusiva. Utiliza como principal referencia teórica los Estudios de la Discapacidad, abordando los modelos médico y social y las perspectivas feministas del modelo social de la discapacidad, así como el capacitismo, buscando identificar cómo estos conceptos influyen en las relaciones y prácticas en los espacios escolares. Los participantes fueron 06 profesores de clases comunes de los primeros años de la enseñanza primaria de la Red Municipal de Educación de Caxias do Sul, con 20 años o más de experiencia docente, con los que se realizaron entrevistas individuales, siguiendo una ruta de preguntas semiestructuradas. El análisis de los datos se basó en el análisis de contenido de Bardin (1977), teniendo como categorías de análisis: concepciones sobre inclusión escolar, concepciones sobre discapacidad y recursos para la escolarización: desafíos entre ideal y realidad. A partir de los resultados obtenidos, se observa que están surgiendo algunos cambios de pensamiento y nuevas prácticas, pero de forma lenta y gradual, teniendo en cuenta que los cambios legislativos pueden alterar el escenario educativo de un día para otro, lo que no se puede decir también de las transformaciones culturales en la sociedad y en la escuela. Fue posible identificar la fuerte presencia del discurso médico sobre la discapacidad y también de concepciones capacitistas, que acaban teniendo un impacto significativo en la práctica docente y en el día a día de las escuelas. La conclusión es que aún quedan retos y también barreras por superar, que indican que son necesarios más cambios culturales, a nivel subjetivo y colectivo, para que la educación sea más inclusiva. Palabras clave: Inclusión escolar. Educación inclusiva. Estudios sobre discapacidad. Capacitismo. 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1 _ Desigualdade, igualdade?, equidade e justiça social em quadrinhos ....... 57 10 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 _ Número de matrículas de crianças com deficiência ................................ 70 Gráfico 2 _ Matrículas de estudantes com deficiência, por Rede .............................. 71 Gráfico 3 _ Escolas com acessibilidade: comparativos ............................................. 72 Gráfico 4 _ Distorção série-idade e reprovados ......................................................... 73 Gráfico 5 _ Estudantes por deficiência ...................................................................... 74 11 LISTA DE QUADROS Quadro 1 _ Perspectivas conceituais sobre a deficiência .......................................... 35 Quadro 2 _ Apontamentos sobre cultura escolar ....................................................... 53 Quadro 3 _ Descrição das participantes da pesquisa ................................................ 88 Quadro 4 _ Categorias, subcategorias e foco ............................................................ 89 Quadro 5 _ Rede de apoio ....................................................................................... 119 Quadro 6 _ Roteiro da entrevista ............................................................................. 153 12 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AEE Atendimento Educacional Especializado AH Altas Habilidades A.I.P.D. Ano Internacional das Pessoas Deficientes APADEV Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais APAE Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CDC Center for Disease Control and Prevention _ Centro de Controle e Prevenção de Doenças CDPD Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência CEP Comitê de Ética em Pesquisa CF Constituição Federal CID Classificação Internacional de Doenças CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde _ International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF) CME Conselho Municipal de Educação COVID-19 Corona Vírus Disease _ Doença do Corona Vírus DI Deficiência Intelectual DPI Disabled Peoples International _ Entidade Internacional de Deficientes DU Desenho Universal DUA Desenho Universal para a Aprendizagem ECA Estatuto da Criança e do Adolescente EF Ensino Fundamental EI Educação Infantil EJA Educação de Jovens e Adultos EM Ensino Médio E.M.E.F. Escola Municipal de Ensino Fundamental FSG Faculdade da Serra Gaúcha IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica INAV Instituto da Audiovisão INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira 13 LBI Lei Brasileira de Inclusão LDB Lei de Diretrizes e Bases LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais MEC Ministério da Educação ODS Objetivo de Desenvolvimento Sustentável OMS Organização Mundial da Saúde ONU Organização das Nações Unidas P Permanece PcD Pessoa com Deficiência PCN’s Parâmetros Curriculares Nacionais PIB Produto Interno Bruto PME Plano Municipal de Ensino PNE Plano Nacional da Educação PNEE Política Nacional de Educação Especial PPGEdu Programa de Pós-graduação em Educação QI Quociente de Inteligência RME Rede Municipal de Ensino RS Rio Grande do Sul SMED Secretaria Municipal de Educação SMS Secretaria Municipal da Saúde SR Sala de Recursos SRM Sala de Recursos Multifuncional SUS Serviço Único de Saúde TAI Termo de Anuência Institucional TCC Trabalho de Conclusão de Curso TCLE Termo de Consentimento Livre Esclarecido TEA Transtorno do Espectro Autista TGD Transtorno Global do Desenvolvimento UCS Universidade de Caxias do Sul UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization _ Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura 14 UPIAS Union of the Physically Impaired Against Segregation _ União dos Deficientes Físicos Contra a Segregação II CNPLGBT 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais III CNPM 3ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres 15 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO: SUJEITO E OBJETO DA PESQUISA .................................................................... 16 2 OS ESTUDOS DA DEFICIÊNCIA...................................................................................................... 28 2.1 PESSOA COM DEFICIÊNCIA: NOTAS SOBRE A ESCOLHA DO TERMO .................................... 29 2.2 DIFERENTES CONCEPÇÕES DA DEFICIÊNCIA .......................................................................... 31 2.3 CAPACITISMO: #DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO DE DEFICIÊNCIA TEM NOME ..................... 37 2.4 INTERSECCIONALIDADE: ESTAMOS FALANDO DE QUEM? ..................................................... 43 3 EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CULTURA, REPRODUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO ............................ 48 3.1 CULTURA: CONCEITO COMPLEXO, MAS NECESSÁRIO ........................................................... 48 3.2 ESCOLA: ENTRE REPRODUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO ............................................................ 52 3.3 O DESAFIO: MUDANÇAS CULTURAIS E ESCOLAS MAIS INCLUSIVAS .................................... 56 4 O CONTEXTO DA PESQUISA DE CAMPO ..................................................................................... 64 4.1 A REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE CAXIAS DO SUL ................................................................ 65 4.2 A EDUCAÇÃO INCLUSIVA NA REDE ............................................................................................ 68 5 O MÉTODO: CAMINHOS PERCORRIDOS ...................................................................................... 79 5.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA ................................................................................................... 79 5.2 PARTICIPANTES: DOCENTES DE CLASSES COMUNS .............................................................. 80 5.3 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS ADOTADOS ................................................................... 81 5.4 ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................................................... 82 5.5 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS ........................................................................................................... 83 6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS: ENTRE HISTÓRIA E MEMÓRIAS .................................. 86 6.1 CONCEPÇÕES SOBRE INCLUSÃO ESCOLAR ............................................................................ 89 6.1.1 Inclusão escolar: primeiros movimentos ................................................................................ 90 6.1.2 Inclusão escolar: questões atuais ............................................................................................ 93 6.2 CONCEPÇÕES SOBRE A DEFICIÊNCIA ....................................................................................... 99 6.2.1 A questão da linguagem ............................................................................................................ 99 6.2.2 Modelo médico x modelo social ............................................................................................. 102 6.2.3 O capacitismo na prática ......................................................................................................... 108 6.3 RECURSOS PARA A INCLUSÃO: DESAFIOS ENTRE O IDEAL E A REALIDADE ..................... 112 6.3.1 Formação continuada .............................................................................................................. 112 6.3.2 Rede de apoio ........................................................................................................................... 118 6.3.3 Flexibilização curricular .......................................................................................................... 125 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 131 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... 138 APÊNDICE A _ TERMO DE ANUÊNCIA INSTITUCIONAL (TAI) ...................................................... 149 APÊNDICE B _ TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) ........................ 150 APÊNDICE C _ ROTEIRO DA ENTREVISTA .................................................................................... 153 16 1 INTRODUÇÃO: SUJEITO E OBJETO DA PESQUISA “Não escolhas os temas da tua investigação por catálogo ou por mera conveniência. Procura, dentro de ti, os problemas que te inquietam, aquilo que queres saber e compreender. A prática científica é sempre, de uma ou de outra maneira, um ‘ajuste de contas’ com a nossa vida. Se não encontrarmos aquilo que nos inquieta, as perguntas a que queremos responder, se não nos implicarmos por inteiro, jamais produziremos um trabalho com sentido para nós e para os outros” (Nóvoa, 2015, p. 24-25). Antes de começar a escrita dessas primeiras linhas, questionava-me sobre a relevância de apresentar alguns elementos da minha trajetória pessoal e profissional como palavras iniciais. Aos poucos, fui descobrindo que pensar sobre a caminhada que me trouxe até a realização desta dissertação é importante para conhecer os princípios que nortearam sua construção. Paralelamente, por meio da leitura de outras pesquisas, constatei que, em alguns casos, o pesquisador não é apenas observador, mas sim coparticipante do objeto pesquisado. Fui interiorizando a ideia de que aspectos subjetivos, além de impulsionarem esta pesquisa, fazem parte dela. Mais segura, segui adiante na escrita destas primeiras páginas, um tanto com o objetivo de situar a leitura desta pesquisa, e outro tanto como meio de externar uma autorreflexão1 acerca de alguns momentos passados relacionados com o seu tema, como também possibilitar uma análise do tempo presente. Assim, retrocedo até o meu Jardim de Infância2, pois foi aí, nesse primeiro tempo/espaço social, que me recordo da oportunidade de conviver com a deficiência pela primeira vez. Num resgate do passado mais remoto, guardo como lembrança um ato singelo, quando dei a mão ao braço de uma coleguinha, pois ela não tinha uma de suas mãos. O início da brincadeira de roda adiava-se, enquanto aguardávamos que alguém se dispusesse a aceitá-la por perto, a fim de que o círculo fosse formado. 1 Início da Nota. (Desde a elaboração do projeto que deu origem a esta dissertação, percebendo-me como parte integrante do objeto de pesquisa e tendo como base as leituras realizadas, foi possível dar voz a momentos de autorreflexão; pensando nisso, utilizei representativamente a figura do balão de fala em algumas partes do texto, como título e epígrafes). Fim da Nota. 2 Início da Nota. (Termo criado pelo alemão Friedrich Froebel (1782-1852). A primeira turma de Jardim de Infância no mundo foi aberta na Alemanha, em 1837; e, no Brasil, no Rio de Janeiro, em 1875. O tripé de sustento dos Jardins de Infância froebelianos era o cultivo das forças físicas, intelectuais e morais, voltado, no contexto da época em que foram criados, para crianças de três a sete anos de idade (Monção, 2020)). Fim da Nota. 17 Até que a professora me pediu que o fizesse. Lembro da reação de, prontamente, embora receosa, atender o pedido, trocando de posição na roda para ficar ao lado da colega e oferecer-lhe a mão. Antes de prosseguir nesses breves relatos, é preciso contextualizar esse fato, que ocorreu há quase quarenta anos, em 1984, quando um número reduzido3 de crianças com deficiência estudava nas escolas comuns. Naquele ano, 1984, estava em vigor a segunda Lei de Diretrizes e Bases Educacionais do Brasil, vigente para o período de 1964 a 1985, que propunha, no seu artigo 9º: Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação (Brasil, 1971, grifo nosso). Esta Lei não promovia a inclusão na rede regular de ensino, determinando a escola especial como destino prioritário para essas crianças. Da mesma forma, a Lei 7.853 (Brasil, 1989), que dispunha sobre o “[...] o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social [...]”, no que competia à educação, ainda previa a modalidade da oferta da Educação Especial em todos os sistemas de ensino e “a matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino” (grifo nosso). Portanto, é presumível que a coleguinha que não tinha uma de suas mãos era a exceção, talvez porque sua deficiência não lhe acarretasse defasagens significativas na aprendizagem esperada naquele contexto, por não apresentar “atraso considerável”, e por ser “capaz de se integrar no sistema regular de ensino”, retomando os termos legais citados. Por outro lado, pela situação antes relatada, posso assegurar que sua inclusão numa turma de escola regular lhe causasse outros dissabores, por não ser aceita de forma natural no grupo. Sobre o ano de 1984, ainda importante informar que antecedia a publicação da Constituição da República Federativa do Brasil _ CF (Brasil, 1988), cujo artigo 5º 3 Início da Nota. (O aumento significativo do acesso de crianças com deficiência na educação básica, na rede regular de ensino do Brasil, aconteceu após a adesão às orientações internacionais tratadas na Declaração de Educação para Todos (Brasil, 1990a) e na Declaração de Salamanca (Brasil, 1994a). O primeiro levantamento do número de matrículas desse público na rede regular aconteceu no ano de 1996, com o percentual de 31,1% nas classes regulares e 68,9% em classes especiais ou escolas exclusivas (Rebelo; Kassar, 2018). Conforme dados do Censo Escolar (Brasil, 2022), o percentual de alunos com deficiência, de quatro a dezessete anos, incluídos em classes comuns, em 2021, passou para 93,5%). Fim da Nota. 18 preconiza que todos são iguais perante a lei, e que, em seu artigo 3º, inciso IV, constitui como objetivo promover o bem-estar de todos, sem nenhum tipo de preconceito ou discriminação. Antecedia também a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente _ ECA (Brasil, 1990b), garantindo direitos e deveres das crianças e adolescentes perante a lei, sem nenhuma forma de discriminação, incluindo a deficiência, conforme seu artigo 3º, parágrafo único. O ECA aponta, ainda, como dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar esses direitos (artigo 4º). Retomando a reflexão sobre o fato ocorrido em minha infância, ficam algumas interrogações. Pergunto-me sobre como foi a expectativa daquela menininha diante da espera de que alguém a acolhesse. Será que ela também se recorda daquele instante? Quais sentimentos e sensações surgiram naquele momento e em outros similares que, talvez, marcaram suas memórias e suas experiências futuras? Será que uma situação semelhante nos dias atuais teria o mesmo desfecho? As crianças de quatro ou cinco anos, ou de qualquer outra idade, hoje, convivem de forma mais natural com as diferenças e deficiências? Se sim, ou se não, por quê? Saltando alguns anos à frente, como professora de uma turminha de Pré de uma escola privada de Educação Infantil, recebi meu primeiro aluno com deficiência4: um garoto com paralisia cerebral. Pela minha memória, poucas dessas escolinhas (como eram afetivamente denominadas e algumas ainda o são) atendiam prontamente essas crianças, considerando que a Política Nacional de Educação Especial _ PNEE (Brasil, 1994b), vigente na época, ainda propunha a “integração instrucional”, condicionando o acesso às classes comuns do ensino regular àqueles que “[...] possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais”. O ano era 1996: ano de publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional _ LDBEN (Brasil, 1996), cujo texto refere que um dos princípios do ensino é a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. O texto desta LDB apresenta a compreensão sobre a Educação Especial como a modalidade de educação oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino, sendo oferecida 4 Início da Nota. (No início dos anos 1990, denominados como “portadores de necessidades especiais”. No final desta mesma década até início do século XXI, como “alunos com necessidades educacionais especiais”. Atualmente, como “alunos com deficiência”, seguindo a orientação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva _ PNEE (Brasil, 2008) (Kassar; Rebelo, 2018)). Fim da Nota. 19 em classes, escolas ou serviços especializados, quando, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular. Vale esclarecer que o público das escolinhas pertence à faixa etária anterior a do público de matrícula obrigatória5; porém, os paradigmas da integração/inclusão extrapolam o limite das escolas regulares, influenciando e refletindo na totalidade do contexto escolar, social e cultural de cada época. Nessa conjuntura, recordo-me que a coordenadora da escolinha anunciava o consentimento de matrículas de crianças com deficiência _ hoje anúncio inconcebível _, mas para o contexto, aceitável, tendo em vista que a legislação vigente não preconizava esse ingresso, impondo barreiras por meio de condições, como indicado nos termos da PNEE (Brasil, 1994b), e que a LDB (Brasil, 1996), por mais que defendesse preferencialmente a matrícula de crianças com deficiência nas escolas regulares, recém estava sendo publicada. Além disso, anterior a esse período, essas crianças, em sua grande maioria, frequentavam as escolas especiais, conforme os dados apresentados com base em Rebelo e Kassar (2018). Como resultado do anúncio receptivo, a escola matriculou, então, o primeiro estudante com deficiência. Naquele período, eu estava cursando o Magistério, no Segundo Grau (hoje denominado Ensino Médio), do qual não guardo memórias significativas quanto ao tema da inclusão nas aulas. Portanto, eu não tinha conhecimento teórico sobre o assunto e nem experiência prática como professora recém ingressante na profissão e, no âmbito social, exceto o fato da infância, narrado anteriormente, eu não tinha contato com outras pessoas com deficiência. Por onde elas estariam? Ainda assim, ciente do meu desconhecimento e inexperiência e mesmo que a idade do garotinho não era equivalente com a idade dos alunos da minha turminha, a minha coordenadora justificou que eu poderia atender melhor às necessidades do estudante. Diante da situação, eu poderia usar o velho clichê: “eu não estou preparada”. A frase caberia ao momento, não necessariamente por falta de preparo didático ou teórico, mas sim como uma autoproteção. Talvez, pela falta de disposição, influenciada e incorporada social e culturalmente pelo contexto da época, além do 5 Início da Nota. (Na época referida, a faixa etária do público atendido pelas escolinhas de Educação Infantil _ EI contemplava do zero aos seis anos de idade. Com a implantação do Ensino Fundamental _ EF de nove anos (antes denominados como série), as crianças com seis anos completos até 31 de março deveriam ser matriculadas no primeiro ano do EF, num período de transição que se estenderia de 2006 até 2010, conforme Lei Federal n. 11.274 (Brasil, 2006). Atualmente, está em vigor a Lei n. 12.796 (Brasil, 2013), sendo obrigatória a matrícula a partir dos quatro anos de idade). Fim da Nota. 20 receio perante o desconhecido, nos meus dezessete anos de outrora. Será que realmente consegui transpor barreiras ao ser professora daquele garotinho? Por que relatei essas experiências como estudante e como professora? Primeiramente, porque são meus convívios mais longínquos com a deficiência, dos quais tenho lembrança. O segundo motivo para evocar esses dois momentos pretéritos é porque a minha professora do Jardim de Infância e a minha coordenadora apostaram em mim. Ademais, essas duas histórias me levam a crer que a educação inclusiva, mais do que perpassar apenas conhecimentos teóricos, práticos e legais, engloba fatores humanos, atitudinais e culturais. A convivência com a diversidade, natural da condição humana, dentre elas a deficiência, teve outros marcos significativos ao longo da minha carreira, como professora alfabetizadora, nos anos iniciais do Ensino Fundamental I, e como professora de Língua Portuguesa, no Ensino Fundamental II, durante a primeira década dos anos 2000. Ambas experiências, na Rede Municipal de Ensino _ RME de Caxias do Sul-RS, contribuíram ainda mais com o desenvolvimento desta pesquisa. Receber crianças ou adolescentes com deficiência em minhas turmas, nesse período, era sempre um novo desafio, considerando que, tanto na formação de Magistério quanto na Licenciatura em Letras, não me recordo de que houvesse menção sobre o ensino para esses estudantes. Mais adiante, nos anos de 2010 a 2014, exercendo a função de coordenadora pedagógica, também na RME de Caxias do Sul-RS, ampliando o olhar para os demais espaços da escola, depositei singular interesse na Sala de Recursos _ SR, o que me moveu a buscar a especialização na Educação Especial, chegando, agora, há nove anos atuando como professora do Atendimento Educacional Especializado _ AEE, onde me ressignifiquei como profissional, adicionando um olhar diferenciado ao de outrora. Aliás, reitero, tendo em vista as colocações de Mantoan (2015) sobre o rompimento de paradigmas e transformação do pensamento. A nível pessoal, a autora diz que é necessário articulação, flexibilidade, interdependência e transversalidade entre as partes que entram em conflito nos nossos pensamentos, ações e sentimentos. E que, a nível institucional, também se referindo à inclusão, é preciso haver a extinção das categorizações e das oposições excludentes (iguais versus diferentes, normais versus com deficiência). O preponderante, conforme a autora, é 21 mudar a perspectiva educacional, ampliando o pensamento da inclusão para todos os estudantes. Sobretudo, para pensar nessa ruptura acontecendo de forma efetiva, remete- se ao pensamento de Morin (2003, p. 19): “a reforma do ensino deve levar a reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino”. Interligadas e interdependentes, as duas reformas suscitam a atuação de todos os envolvidos nas diferentes esferas da educação. Cabe a nós, reconhecermos qual o nosso papel nesse contexto. Essas reflexões instigaram a elaboração do projeto que deu origem a essa pesquisa, vinculado à Linha de Pesquisa Processos Educacionais, Linguagem, Tecnologia e Inclusão do PPGEdu _ UCS, sob orientação da Professora Doutora Cláudia Alquati Bisol. O tema da pesquisa foi se construindo e reconstruindo, aprimorando-se ao longo desses dois anos, desde que tive coragem de lançar-me na seleção do Mestrado em Educação na UCS e, nesse processo, conseguir o financiamento desta pesquisa, pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), o que possibilitou a sua realização. Pesquisar sobre a inclusão do estudante com deficiência nas escolas comuns torna-se relevante diante do cenário apontado pelo Censo Demográfico de 2010, no qual 6,7% da população do país _ o que corresponde a 12,5 milhões de brasileiros _ são considerados como pessoas com deficiência, por apresentarem grande ou total dificuldade motora ou de locomoção, dificuldade para enxergar ou ouvir, além das pessoas com deficiência intelectual. Se levarmos em conta o número de pessoas que se autodeclaram com algum grau de dificuldade nas habilidades acima, esse número aumenta para 46 milhões de brasileiros, cerca de 24% da população6. Destaca-se que os dados citados acima referem-se ao Censo Demográfico de 2010, que não contabilizou o número de pessoas com Transtorno do Espectro Autista _ TEA, pois este somente passou a se enquadrar como deficiência a partir da Lei n. 12.764 (Brasil, 2012). O Censo que era previsto para o ano de 2020 (mas que não ocorreu devido às restrições impostas pela Pandemia do COVID-19), realizou-se no ano de 2022. O resultado deste Censo foi divulgado no mês de junho deste ano, apresentando a estimativa de que o Brasil possui 18,6 milhões de pessoas com deficiência, considerando a população com idade igual ou superior a dois anos, 6 Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2022). Fim da Nota. 22 representando 8,9% de toda a população brasileira a partir de dois anos de idade7. Diante deste aumento expressivo, leva-se em conta também a informação do Center for Disease Control and Prevention _ CDC8, publicado em 02 de dezembro de 2021, que aponta uma prevalência de 1 (uma) a cada 44 crianças com TEA, e que indica o aumento gradativo deste diagnóstico (Bertaglia, 2022). Em março deste ano, a prevalência aumentou para 1 (uma) a cada 33 crianças, conforme informações também do CDC9. Outras questões merecem destaque perante a relevância deste tema, além do percentual significativo da população que apresenta algum tipo de deficiência, como exposto acima. A análise das trajetórias docentes também toma sentido, quando se pensa na história de exclusão e segregação vivida pelas pessoas com deficiência, bem como quando se reconhece a discriminação ainda presente contra estas pessoas, recentemente denominada como capacitismo10. Outro fator que também torna pertinente esta análise é que novas leis entram em vigor e podem alterar o cenário educacional de um momento para o outro, o que não se pode igualmente afirmar sobre as concepções que pautam as práticas das pessoas envolvidas com a educação, o que será aprofundado no decorrer da dissertação. Estas mudanças demandam tempo, mas sobretudo a participação dos sujeitos envolvidos, com seu conhecimento, reflexão e mudança de ação. Sobre a história de exclusão e segregação vivida pelas pessoas com deficiência, destacam-se alguns elementos, tendo em vista a percepção de Jannuzzi (2017, p. 21-22) sobre o processo humano de construção histórica: Voltar ao passado, no entanto, não significa que ele explique totalmente o presente, não supõe que ele nos ensine como deveria ter sido. Ele mostra- nos o que foi, e que os acontecimentos não se dão de forma arbitrária, mas que existe relacionamento entre eles; que a sua construção é processo humano, dentro de condições existentes e percebidas como possíveis. Ao retomar o passado, também se poderá, talvez, clarificar o presente quanto ao velho que nele persiste e perceber algumas perspectivas que incitarão a percorrer novas direções. 7 Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2023). Fim da Nota. 8 Início da Nota. (Este relatório é utilizado como referência no Brasil, pois não há pesquisas concretas sobre a prevalência do TEA na população em nosso país (Bertaglia, 2022)). Fim da Nota. 9 Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 03 set. 2023). Fim da Nota. 10Início da Nota. (O capacitismo, como discriminação por motivo de deficiência, será abordado no Capítulo 2). Fim da Nota. 23 Ao longo da história, as pessoas com deficiência passaram por períodos de extermínio bárbaro, exclusão, caridade, assistencialismo, institucionalização, segregação e integração. E mesmo com a perspectiva da inclusão, ainda são alvos de opressão social, que motivaram e ainda motivam lutas sociais necessárias (Silva, 1987; França, 2014). Durante o século XVIII, predominou uma visão caritativa e assistencial da deficiência, seguindo os ideais e valores cristãos (Silva, 1987; Cambi, 1999; Jannuzzi, 2017). A partir do século XIX, com o avanço da medicina, a deficiência passou a ser objeto de cura ou reabilitação, com o objetivo de tornar a pessoa com deficiência o mais funcional possível, dentro de um padrão de normalidade condizente com os objetivos de uma sociedade capitalista, com foco na produtividade e no utilitarismo (Diniz, 2007; Jannuzzi, 2017). Conforme Diniz, Barbosa e Santos (2009), este discurso biomédico veio superar as narrativas religiosas que ligavam a deficiência ao pecado ou à ira dos deuses, e que a percebiam como uma tragédia pessoal, um drama familiar, ora como infortúnio, ora como benção divina. No âmbito escolar, no início do século XIX, com a necessidade de organização das classes escolares e sistemas de ensino, planejavam-se classes mais homogêneas (Ariès, 1981). Deu-se início às escalas de classificação e medição de níveis de Quociente de Inteligência _ QI, no início do século XX. Ainda havia a segregação nas classes especiais, mas era o princípio da integração da criança com deficiência nas escolas regulares, antes sendo-lhe reservadas apenas as escolas especiais. A deficiência começava a receber um olhar pedagógico, embora ainda bastante influenciado pela visão médica, que orientava o trabalho dos professores (Jannuzzi, 2017). Somente no início do século XXI, um número significativo de crianças com deficiência começou a ser matriculado em classes comuns. Contudo, mesmo com o ingresso dessas crianças nas escolas regulares, elas continuaram enfrentando discriminação, igualmente a outros grupos marginalizados socialmente (Valle; Connor, 2014). Essa segregação dentro do mesmo espaço escolar não representa, para os autores, uma estratégia consciente de exclusão, mas um resultado de crenças culturais antigas sobre a deficiência na sociedade. Pelos apontamentos de Silva (1987), é possível perceber uma visão médica da deficiência ainda bastante presente na sociedade na década de 1980. Por exemplo, quando o autor argumenta sobre a relevância de movimentos em prol da garantia de direitos das pessoas com deficiência: 24 Ações preventivas são imperativamente importantes _ talvez sejam mesmo tão importantes quanto a própria reabilitação. E uma importante razão para dar ênfase à prevenção de males é evitar o desperdício de recursos humanos, que são um componente básico de qualquer processo de desenvolvimento, somados que devem ser aos recursos naturais e financeiros (Silva, 1987, p. 236). A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes foi aprovada pela Assembleia da Organização das Nações Unidas _ ONU, em 1975. Isto ocorreu alguns anos antes do Ano Internacional das Pessoas Deficientes _ A.I.P.D., promovido pela ONU, em 1981. O texto da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, embora visasse à garantia de igualdade de direitos e dignidade humana das pessoas com deficiência, ainda expressava em sua linguagem o entendimento da pessoa com deficiência fora dos padrões considerados normais11, condicionando sua integração na sociedade pela sua reabilitação e por tratamentos médicos. A partir dessas informações, pode-se concluir que a educação numa perspectiva inclusiva é recente em termos históricos, considerando ainda que as crenças e valores que pautam as práticas são reproduzidos e transmitidos de geração em geração, e que as mudanças acontecem de forma lenta e gradual. Consoante com esse raciocínio, Silva (1987) comenta que um ano apenas, referindo-se ao A.I.P.D., não seria suficiente para solucionar as questões seculares de exclusão e segregação das pessoas com deficiência; contudo, salienta a relevância do movimento, cujo propósito principal era a conscientização do mundo todo sobre a problemática das pessoas com deficiência para, a partir dali, buscar soluções coletivas a serem implantadas a nível global. Seguindo nesse raciocínio, Silva (1987, p. 238) pressupõe, à época dos movimentos referentes ao A.I.P.D: Caso, através de um Ano Internacional, a ONU consiga obter um nível de conscientização internacional bom, haverá pelo menos o início de uma mudança gradativa nas condições de vida dessas pessoas marginalizadas devido à deficiência. As necessidades são tão grandes e tão desproporcionais aos recursos disponíveis que a mudança jamais poderia ocorrer com a mera soma de esforços individualizados de cada país, ou das instituições oficiais ou privadas. Essa mudança requererá a interação de todos esses esforços, privados e oficiais, nacionais e internacionais. Apenas uma ação de caráter nacional e internacional, regional e mesmo local, bem coordenada, poderá garantir qualquer sucesso aos ideais do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. 11 Início da Nota. (O conceito de padrões de normalidade e corponormatividade converge com o modelo médico da deficiência, o que será abordado no Capítulo 2). Fim da Nota. 25 A partir de movimentos como o A.I.P.D., aspectos legais determinaram mudanças significativas. No Brasil, a Constituição Federal (Brasil, 1988), como foi expresso anteriormente, reconhece todos como iguais perante a lei, sem nenhum tipo de discriminação. Com adesão às orientações internacionais da Declaração de Educação para Todos (1990a) e da Declaração de Salamanca (1994a), a PNEE12 (Brasil, 2008a) defende o direito de todos os alunos estarem juntos, convivendo, aprendendo e participando. O objetivo desta Política é o: [...] acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais especiais. A educação especial na perspectiva inclusiva deve acontecer de forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais desses estudantes. É aí que entra o papel do AEE, que “[...] identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas” (Brasil, 2008). A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência _ CDPD (Brasil, 2008b) foi um passo importante para mudar algumas concepções, informando que as pessoas com deficiência são as que têm impedimentos de longo prazo _ de natureza física, mental, intelectual ou sensorial _, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. A Lei Brasileira da Inclusão _ LBI (Brasil, 2015), que representou um grande avanço para a inclusão das pessoas com deficiência, converge com a definição apresentada pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e propõe a avaliação da deficiência, sob uma visão biopsicossocial13. 12Início da Nota. (A PNEE (Brasil, 2008a) é a Política vigente no momento. Isto porque a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (Brasil, 2020), pela qual seria substituída, foi suspensa após sessenta dias da data de sua publicação, sendo julgada como inconstitucional, por infringir leis vigentes, tais como a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Da Rocha; Mendes; De Lacerda, 2021)). Fim da Nota. 13Início da Nota. (A avaliação biopsicossocial considera: os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; a limitação no desempenho de atividades; e a restrição de participação (Brasil, 2015). Este modelo de avaliação, proposto pela Organização Mundial da Saúde _ OMS, em 2001, no documento Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde _ CIF, é criticado por Barnes (apud DINIZ, 2013), pois coloca as questões biológicas antes das sociais. O sociólogo enfatiza que estas questões devem ser avaliadas em conjunto). Fim da Nota. 26 Cita, ainda, as barreiras (urbanísticas, arquitetônicas, de transporte, comunicacionais, atitudinais, tecnológicas) que impedem que haja a igualdade de condições para as pessoas com deficiência. Assim, a LBI sinaliza a demanda de adaptações razoáveis, ou seja, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais. Foi, então, motivada pelas questões pessoais expressas inicialmente e pelos fatores expostos acima, que o problema de pesquisa foi elaborado: “Como compreender o processo de inclusão escolar de estudantes com deficiência, a partir de trajetórias docentes em classes comuns dos anos iniciais do Ensino Fundamental?”. Assim, o objetivo geral da pesquisa é: Analisar o processo de inclusão de estudantes com deficiência, a partir de relatos de trajetórias docentes em classes comuns dos anos iniciais do Ensino Fundamental, sob a ótica dos Estudos da Deficiência. Como objetivos específicos, tem-se: - Identificar contribuições dos Estudos da Deficiência para o processo de inclusão escolar, com ênfase nos modelos da deficiência e capacitismo. - Situar a escola como um espaço de reprodução ou transformação em que a cultura demarca possibilidades de mudança no que tange a educação inclusiva. - Analisar trajetórias docentes em classes comuns dos anos iniciais do Ensino Fundamental, direcionando um olhar a mudanças ocorridas desde a perspectiva da educação inclusiva. A estrutura da dissertação foi pensada a partir deste primeiro capítulo da Introdução, apresentado os aspectos pessoais e do contexto social, cultural e histórico, que motivaram o tema da pesquisa. O Capítulo 2 dedica-se aos Estudos da Deficiência, explanando, inicialmente, sobre questões da linguagem, justificando a utilização do termo com deficiência. Posteriormente, apresenta as concepções acerca da deficiência, explicando os modelos médico, social e as perspectivas feministas do modelo social. Este capítulo também explora o conceito de capacitismo, como discriminação por motivo de deficiência e direcionado a pessoas que destoam dos padrões de corponormatividade, funcionalidade e estética, produzidos pela sociedade. Por último, finalizando este 27 capítulo, aborda-se a interseccionalidade dos marcadores sociais da diferença, incluindo a deficiência ao lado dos outros marcadores sociais, como etnia, classe social, gênero, entre outros, e explicando que estes marcadores articulados podem potencializar o preconceito, a discriminação e a desigualdade social. O Capítulo 3 aborda questões relacionadas ao conceito de educação inclusiva, estabelecendo relações com o conceito geral de cultura e de cultura escolar. A partir dessas relações, situa-se a escola como um espaço de reprodução ou de transformação, onde a cultura pode demarcar mudanças em direção a uma educação inclusiva. Diante desse cenário, ao final do capítulo, propõe-se o desafio de que ocorram mudanças culturais necessárias para que as escolas sejam mais inclusivas. O Capítulo 4 apresenta o contexto do campo de pesquisa, a Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul-RS, apresentando aspectos gerais e dados sobre o ensino na cidade, bem como aspectos específicos da educação inclusiva. Já o Capítulo 5 descreve o percurso metodológico da pesquisa, apresentando o delineamento da pesquisa, os participantes, os instrumentos e procedimentos adotados. Também explica como foi realizada a análise de dados e, ainda, aponta as considerações éticas que pautaram a pesquisa. Na sequência, o Capítulo 6 apresenta a análise dos dados, por meio do encontro entre a teoria estudada com o resultado das entrevistas. Este capítulo é dividido em subtítulos que se referem às categorias de análise e às suas respectivas subcategorias. Por último, as considerações finais retomam as principais reflexões que surgiram no decorrer da dissertação. Apresenta uma visão panorâmica sobre o processo de escolarização e inclusão escolar das crianças com deficiência, a partir das mudanças percebidas durante as trajetórias docentes nas últimas décadas, como também os desafios que ainda se apresentam para que a educação se torne mais inclusiva. 28 2 OS ESTUDOS DA DEFICIÊNCIA O Capítulo 2 dedica-se aos Estudos da Deficiência, campo de estudo que passou a ser reconhecido, nos anos 1970, no Reino Unido e nos Estados Unidos, impulsionado por movimentos de pessoas com deficiência física. A partir desses movimentos, formou-se a primeira organização política, gerenciada pelas próprias pessoas com deficiência, em prol dos seus direitos como cidadãos. Assim, pela iniciativa do sociólogo Paul Hunt e engajamento de outros teóricos como Michael Oliver, nasce, em 1976, a União dos Deficientes Físicos contra a Segregação _ UPIAS. Com o objetivo de compreender o fenômeno sociológico da deficiência, os Estudos da Deficiência surgem tendo como base a crítica ao modelo médico da deficiência. Dessa maneira, esses estudos articulam resistência política e intelectual, trazendo em contraposição ao modelo médico a proposta de um modelo social da deficiência (Diniz, 2007). A fim de compreender os sentidos e significados atribuídos cultural e historicamente à deficiência e tomando a linguagem como expressão cultural, a primeira parte deste capítulo aborda a utilização do termo com deficiência para se dirigir às pessoas com deficiência. O segundo subtítulo estuda as diferentes concepções sobre a deficiência, estabelecidas pelos modelos da deficiência: médico, social e as novas abordagens feministas e pós-modernas, que surgem na década de 1990 e 2000, modificando e complementando alguns conceitos da primeira geração do modelo social. No subtítulo seguinte, discorre-se sobre o conceito de capacitismo que, além de especificar, nomear e caracterizar a discriminação por motivos de deficiência, possibilita maior visibilidade a essa discriminação. Na quarta e última parte deste capítulo, é explorado o conceito de interseccionalidade, pelo qual a deficiência passa a ser estudada paralelamente a outros marcadores sociais que constituem as diferentes identidades, como gênero, etnia, classe social, entre outros. Explica que estes marcadores articulados podem potencializar o preconceito, a discriminação e a desigualdade social. 29 2.1 PESSOA COM DEFICIÊNCIA: NOTAS SOBRE A ESCOLHA DO TERMO “Mudar o significado das palavras implica mudar os domínios de ação, e mudar os domínios de ação implica mudar o modo de conviver. E por isso também é certo que, se não mudam as palavras, não mudam as ações que elas configuram, e não muda o modo de viver” (Maturana, 2002, p. 89). Tendo em vista o papel significativo da linguagem na expressão e construção cultural e na sua possibilidade de transformação, é importante tratar dos termos utilizados para dirigir-se às pessoas com deficiência. Sendo assim, também é significativo destacar que, nesta dissertação, se optou conscientemente pela expressão com deficiência para referir-se às pessoas, crianças ou estudantes com deficiência. Outras maneiras de designar as pessoas com deficiência podem aparecer em algum trecho da escrita, por fazerem parte de citação direta, ou por transcrição fidedigna de alguma expressão do texto fonte, quando isto se fez necessário para determinada explicação ou como forma de manter o sentido original da informação. Também por escolha consciente, embora em alguma passagem possa acarretar em repetições do termo com deficiência, não se usou a abreviatura PcD (pessoa com deficiência), por considerá-la uma maneira impessoal que não condiz com os princípios desta pesquisa. Com base nos estudos de Nepomuceno, Assis e Carvalho-Freitas (2020), no que diz respeito à cultura de determinada sociedade, percebe-se a importância da linguagem, podendo-se dizer que, pela linguagem utilizada e pelos sentidos atribuídos a ela, verificam-se elementos paradigmáticos. Concomitantemente, conforme explicação das autoras, a mudança de determinadas escolhas terminológicas pode contribuir com a quebra de paradigmas e resultar em transformação cultural, sob a premissa de que uma mudança terminológica representa uma mudança epistemológica. Atentando para os possíveis estigmas acarretados por essas escolhas, as autoras também apontam a necessidade de que os termos utilizados para designar as pessoas com deficiência sejam objeto de pesquisas e análises críticas. Além disso, as autoras abordam as questões de tradução, referindo que a expressão pessoa com deficiência não seria a tradução exata de disabled people. 30 Ademais, esclarecem a importância de que uma tradução seja o mais fiel possível aos termos originais, mas que também não deixem de desconsiderar o contexto onde os termos serão empregados. Ainda seguindo na explanação de Nepomuceno, Assis e Carvalho-Freitas (2020), uma tradução literal de disabled people para pessoa desabilitada ou pessoa deficiente poderia acarretar num sentido negativo, pois o termo deficiente, no contexto cultural brasileiro, possui uma interpretação e significados pejorativos, que remetem a atraso, déficit ou disfunção. Em contrapartida, o estudioso Barnes, um dos precursores do modelo social da deficiência (apud Diniz, 2013), defende o uso do termo pessoa deficiente, como um marcador de identidade, similar à preferência pela adoção do termo negro em vez do termo pessoa de cor. Em seus estudos, Sassaki (2003a) defende o uso do termo pessoa com deficiência, pois argumenta que esta nomenclatura mostra a deficiência com dignidade, além de combater neologismos _ que tentam diluir, camuflar ou diminuir a deficiência _, isto com o objetivo de defender a igualdade de direitos para estas pessoas. À época de seus estudos, o autor ressalta que este termo foi conclamado também pelas próprias pessoas com deficiência, em movimentos mundiais de pessoas com deficiência, incluindo o Brasil, nos quais expressaram o desejo de assim serem chamadas, em oposição à expressão portadoras de deficiência, que remete à ideia de que a pessoa porta (carrega, leva) ou poderia deixar de portar a deficiência, cujo sentido não é possível aplicar a uma condição inata ou adquirida de deficiência (Sassaki, 2003a). Contudo, o autor comenta que não há e não haverá um único termo correto a ser utilizado, pois os termos e seus significados são compatíveis com os valores vigentes em cada sociedade e época, e que evoluem conforme a sociedade também evolui em suas relações com as pessoas com deficiência. Em publicações recentes, com autoria de pessoas com deficiência, verifica-se a denominação pessoa com deficiência para referir-se a si e às demais pessoas que assim se identificam como, por exemplo, na narrativa de Siqueira, Dornelles e Assunção (2020), na qual se apresentam como pessoas com deficiência. A participação das próprias pessoas com deficiência é fundamental nos debates e decisões que envolvem os temas relacionados a elas, incluindo a questão das escolhas no uso da linguagem (Nepomuceno; Assis; Carvalho-Freitas, 2020). A participação das pessoas com deficiência na luta pelo reconhecimento de seus direitos teve origem em movimentos internacionais de pessoas com deficiência, na 31 década de 1980, sob o lema Nada Sobre Nós, Sem Nós, adotado oficialmente no documento do Ministério da Saúde “Valorizando Pessoas”, de 2001 (Sassaki, 2007). Atualmente, pessoa com deficiência é a expressão mais comumente utilizada no campo científico e nas diferentes esferas da sociedade e que também consta na legislação vigente. Este termo foi adotado pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006) e também é apropriado pela LBI (Brasil, 2015). Consciente das críticas atribuídas à nomenclatura pessoas com deficiência, e mesmo que ainda não haja consenso sobre qual o melhor termo a ser empregado (Diniz; Squinca; Medeiros, 2007; Nepomuceno; Assis; Carvalho-Freitas, 2020), sugere-se que, no sentido da expressão com deficiência, esteja implícito o conceito de que a deficiência é resultado da interação das barreiras impostas socialmente com a condição individual causada por diferentes lesões, conforme abordar-se-á de forma mais aprofundada no decorrer deste capítulo. Desse modo, numa escolha analítica, reflexiva e crítica do termo a ser utilizado, levou-se em conta o contexto cultural brasileiro, salientando também as interpretações, sentidos e significados aqui atribuídos ao termo deficiência, com base nos estudos realizados. Sobretudo, tem-se em conta que “a construção de uma verdadeira sociedade inclusiva passa também pelo cuidado com a linguagem. Na linguagem se expressa, voluntariamente ou involuntariamente, o respeito ou a discriminação em relação às pessoas com deficiências” (Sassaki, 2003b, p. 160). Logo, nesta pesquisa, a escolha da linguagem reflete e reitera uma visão antidiscriminatória, com respeito também às escolhas das próprias pessoas com deficiência. 2.2 DIFERENTES CONCEPÇÕES DA DEFICIÊNCIA “É um fenômeno recente compreender a deficiência como um estilo de vida particular. Mas, diferentemente de outros modos de vida, a deficiência reclama o ‘direito de estar no mundo’” (Diniz, 2007, p. 76). Os Estudos da Deficiência surgem com a crítica ao modelo médico da deficiência, que leva em conta apenas os fatores biológicos que podem causar uma restrição de funcionalidade ou habilidade (Diniz, 2007; Diniz; Barbosa; Santos, 2009). 32 Esta crítica também se refere à opressão social que inferioriza os corpos menos produtivos e menos funcionais que não condizem com o sistema capitalista, cujo desenvolvimento depende da produtividade (Diniz, 2007). Os críticos do modelo médico reivindicavam a descrição da deficiência como uma questão de direitos humanos, ponderando de forma conjunta os fatores ambientais e pessoais envolvidos (Gaudenzi; Ortega, 2016). Conforme esses autores, as duas ênfases principais dos Estudos da Deficiência são a opressão social contra a pessoa com deficiência e a construção cultural e ideológica dos corpos atípicos14. Explicam que, de maneira geral, a primeira ênfase foi desenvolvida principalmente pelos teóricos da primeira geração do modelo social, enquanto a ênfase na construção cultural e ideológica dos corpos atípicos foi abordada principalmente pela segunda geração do modelo social. Pelo modelo social, entende-se a deficiência como a desvantagem resultante da relação do corpo com lesões15 com a sociedade, tendo em vista, assim, políticas de bem-estar, igualdade de direitos e justiça social (Diniz, 2003). Este modelo compreende que a desigualdade social se manifesta por meio de uma sociedade que não é constituída de forma a sensibilizar-se e acolher a diversidade humana. Assim, a deficiência é “um conceito complexo que reconhece o corpo com lesão, mas que também denuncia a estrutura social que oprime a pessoa deficiente” (Diniz, 2007, p. 9). Sintetizando o pensamento da autora: “Para o modelo médico, lesão levava à deficiência; para o modelo social, sistemas sociais opressivos levavam pessoas com lesões a experimentarem a deficiência” (Diniz, 2007, p. 23). Ou seja, pela perspectiva do modelo social, as desigualdades e prejuízos sofridos pelas pessoas com deficiência são percebidos como resultado da organização da sociedade, na qual os direitos dessa minoria são violados (Gaudenzi; Ortega, 2016). Nos anos 1990 e 2000, com as abordagens pós-modernas e feministas, surgem novas concepções que complementam criticamente o pensamento já existente da primeira geração do modelo social. Uma das principais mudanças de perspectiva diz respeito à transversalidade e interseccionalidade dos marcadores sociais das 14Início da Nota. (A construção cultural e ideológica de corpos atípicos relaciona-se aos padrões de normalidade e corponormatividade, pré-determinados socialmente. Estes conceitos serão aprofundados no próximo subtítulo, que trata sobre o Capacitismo). Fim da Nota. 15Início da Nota. (O termo lesão aqui se refere a lesões físicas, sensoriais ou mentais, conforme definição proposta, em 1982, pela Entidade Internacional de Deficientes _ DPI, como revisão ao vocabulário da UPIAS, que se referia, inicialmente, apenas à deficiência física. A UPIAS, por sua vez, também redefiniu sua proposição inicial, retirando a referência a lesões físicas; porém, não definindo categorias e graus de intensidade da deficiência, como recusa à sua classificação e subcategorização, o que ainda corresponderia ao modelo médico (Diniz, 2007)). Fim da Nota. 33 diferenças, incluindo a deficiência, tema que devido à sua relevância será abordado em separado ao final deste capítulo. Além dessa nova perspectiva, a abordagem feminista traz críticas à primeira geração do modelo social, como a oposição à ideia de independência da pessoa com deficiência após a eliminação das barreiras sociais. Algumas pessoas, dependendo o grau da sua deficiência, mesmo após a transposição de todas as barreiras, ainda precisarão de auxílio. Sendo assim, a premissa da independência _ oriunda do pensamento dos teóricos da primeira geração do modelo social que eram, em sua maioria, homens jovens, saudáveis e com lesão física _ é injusta em relação às pessoas com deficiência que jamais poderiam experimentá-la. As feministas aprofundam, assim, o conceito de igualdade, abordando a interdependência como justiça social para a deficiência (Diniz; Barbosa; Santos, 2009; Luiz; Silveira, 2020). Com este novo pensamento, surge também uma nova visão sobre o cuidado16, que deve sobremaneira ser pautado na ética e possuir um caráter de justiça social. Independentemente do tipo da deficiência e da complexidade do cuidado, este deve manter e respeitar a dignidade humana, de forma que não acarrete num retrocesso a uma visão caritativa ou assistencialista perante a deficiência, resultando numa posição inferiorizada da pessoa com deficiência que necessite desse cuidado (Luiz; Silveira, 2020). Segundo as autoras, a ética do cuidado refere-se a um entendimento sobre a interdependência como parte natural das relações humanas, pelas quais, em maior ou menor grau, todas as pessoas dependem ou dependerão uns dos outros, de alguma forma, em algum momento da vida, não sendo exclusividade das pessoas com deficiência. Gaudenzi e Ortega (2016), a partir de suas narrativas sobre o cuidado e noções de interdependência, contribuem com seus apontamentos acerca do conceito de autonomia, indicando que uma pessoa autônoma é aquela que exerce uma escolha autônoma e não obrigatoriamente aquela que é capaz de agir de forma independente. Assim, pelo conceito da interdependência, apresentado pelos autores, pessoas com deficiência, mesmo necessitando de auxílio para desempenhar determinadas 16Início da Nota. (A questão do cuidado também se torna relevante no contexto escolar, com a demanda de novas funções e papéis a serem desempenhados e, consequentemente, com o surgimento de um novo profissional: o cuidador escolar. Este ponto não será aprofundado na pesquisa teórica, mas será comentando na análise dos dados, a partir dos resultados obtidos pelas entrevistas. Ressalta-se, ainda, a relevância desse debate, levando em consideração os estudantes com deficiência que necessitam de auxílio para garantir sua inclusão no ambiente escolar). Fim da Nota. 34 funções, podem manter a possibilidade de constituir uma vida com autonomia, o que significa ter o direito e condições de gerir suas próprias vidas. Importante destacar que é possível um corpo com impedimentos não vivenciar a desigualdade e a opressão social, e isso dependerá dos conceitos em torno da deficiência, das barreiras impostas pela estrutura social e da crítica à cultura da normalidade em cada sociedade (Diniz, 2007). Assim, é plausível afirmar que, dependendo de elementos culturais de cada grupo social, a deficiência é ou não é alvo de discriminação, opressão social ou violação de direitos. Com isso, reforça-se a ideia da construção social e cultural do conceito de deficiência. Após o que foi apresentado sobre as duas principais vertentes de pensamento sobre a deficiência _ os modelos médico e social _, pode-se afirmar que ambos coabitam o contexto atual e, como ciência, estão em transformação a partir do avanço das pesquisas na área (Bisol; Pegorini; Valentini, 2017). Portanto, conforme as autoras, problematizar e refletir sobre esses pensamentos possibilita repensar as relações com as pessoas com deficiência nos diferentes contextos sociais. França (2014) aponta que o atual panorama acadêmico indica uma bipolarização entre as investigações e elaborações teóricas em torno da deficiência. Para o autor, de um lado, sob a perspectiva médica, a deficiência permanece como um desafio em relação ao funcionamento do corpo. E, de outro lado, os estudos sociais da deficiência dedicam-se a examinar a sociedade e a sua forma de se relacionar com a deficiência. O autor também comenta sobre o cenário atual brasileiro, onde há declínio da institucionalização de pessoas com deficiência, mas onde ainda existe uma forte presença de intervenções médicas como medidas para promover ações corretivas na vida destas pessoas. Segundo o autor, ao politizar a deficiência e compreendê-la como construção social, passa-se de um paradigma normalizador para um paradigma emancipador, pelo qual pessoas com deficiência passam a ter o seu valor humano reconhecido, independente de expectativas e papéis sociais determinados. Nesse paradigma, a sociedade busca a garantia de direitos para todos, em vez de buscar a normalização dos indivíduos dentro dos padrões de normalidade e corponormatividade, cultural e historicamente construídos. Com base nessas problematizações, elaborou-se o Quadro 1, sintetizando as principais ideias dos dois modelos de pensamento em relação à deficiência, além de destacar as contribuições da perspectiva feminista para a segunda geração do modelo social. 35 Quadro 1 _ Perspectivas conceituais sobre a deficiência Perspectivas conceituais sobre a deficiência  Ênfase nos fatores biológicos da deficiência.  Padrões de normalidade e corponormatividade.  Cura da deficiência. Modelo Médico  Reabilitação do indivíduo com deficiência.  Hierarquização dos indivíduos, baseada em padrões de funcionalidade e produtividade.  Ênfase nas barreiras sociais que causam impedimentos às pessoas com diferentes lesões.  Crítica à construção cultural e ideológica dos conceitos de normalidade e corponormatividade, surgindo novos conceitos de normalidade, na perspectiva da diversidade.  Afirmação da identidade. Modelo Social  Busca de independência e de autonomia.  Intervenção médica com o objetivo do bem-estar e tratamento da dor.  Crítica à sociedade descapacitante, ao preconceito, à discriminação e à opressão social.  Luta pela igualdade de direitos e equidade de acesso.  Perspectiva transversal e interseccional dos marcadores sociais das diferenças, incluindo a deficiência.  Importância do corpo, da dor e dos impedimentos. Perspectivas  O cuidado visto como parte das relações sociais, não somente das pós-modernas e pessoas com deficiência. feministas ao Modelo Social  Conceito de interdependência sobrepondo-se ao conceito de independência.  Busca da autonomia em tomar decisões sobre si mesmo, gerindo sua própria vida. Fonte: Elaborado pela autora, com base nos autores citados neste Capítulo. Os modelos de pensamento em relação à deficiência nas esferas sociais podem ser trazidos para o âmbito educacional. Bisol, Pegorini e Valentini (2017) apontam que o sistema escolar se ergueu sob a racionalidade moderna, com ideais de uniformidade, meritocracia e formação de indivíduos úteis, hábeis para participar de uma sociedade pautada por padrões estabelecidos. Dessa maneira, as autoras apontam que o modelo médico ainda tem presença marcante nos espaços e discursos escolares em relação aos estudantes com deficiência, focando nas causas biológicas e características individuais da deficiência, preterindo as reflexões sobre questões 36 pedagógicas. Sendo assim, como sinalizado pelas autoras, foi pela perspectiva do modelo social que se iniciou o movimento em prol de uma educação inclusiva, qualificando como intolerável qualquer tipo de exclusão ou segregação sistemática; além disso, o modelo social possibilita que a sociedade e a escola reflitam sobre as barreiras que elas mesmas impõem para as pessoas com deficiência, tornando possível mudanças de ação e transposição dessas barreiras. Em consonância, Lima, Braun e Vasques (2021) comentam que a leitura atual da deficiência permanece majoritariamente pautada no modelo médico, desvinculando a deficiência das questões estruturais e buscando a produção de fármacos e protocolos padronizados de intervenção, a partir de diagnósticos médicos. Os autores complementam que o foco no universal do diagnóstico impossibilita perceber o que é da ordem do sujeito e do particular. Em contrapartida, reconhecem as significativas conquistas das políticas educacionais inclusivas, dentre elas o aumento das matrículas de crianças com deficiência e o tempo de permanência desses estudantes nos diferentes níveis de ensino. Entretanto, também visualizam a necessidade de um empenho adicional para a finalização dos ciclos de aprendizagem, considerando as barreiras estruturais (metodológicas, instrumentais, atitudinais) que são fortalecidas pelo mito da normalidade. Becker e Anselmo (2020) apontam que o modelo social no contexto educacional envolve a transposição dessas barreiras que impedem a igualdade de direitos e oportunidades de todos os estudantes na educação. Nessa perspectiva, a ênfase da educação inclusiva é na garantia do direito de aprender e nas potencialidades de cada estudante, e não em suas deficiências ou dificuldades. Outrossim, a educação inclusiva deve promover um espaço de respeito às diferenças. Seguindo na linha de pensamento dos autores, pode-se dizer que o diagnóstico médico auxilia em algumas questões na vida da criança com deficiência, como a garantia de direitos legais, apoio à família, ou para servir como base de planejamento de atendimentos especializados, quando necessário. Entretanto, os autores também apontam o viés negativo do diagnóstico médico no ambiente escolar. Para eles, o diagnóstico pode acarretar em rótulos e foco na deficiência, ocasionando prejuízo ao desenvolvimento do estudante. Nesse caso, há de se ter o cuidado de que a escola não seja potencializadora das diferenças e exclusão, ao invés de cumprir com o seu papel acolhedor e inclusivo. 37 A partir dessas reflexões, é possível inferir que, na perspectiva escolar inclusiva, um diagnóstico médico, representado pelo CID (Classificação Internacional de Doenças), não pode, em qualquer circunstância, ser fator fundamental para que haja um olhar singular para cada estudante. A importância de um diagnóstico é aspecto complementar às demandas individuais da vida de algumas crianças com deficiência, mas não pode sobremaneira ser fator imprescindível e determinante para que o olhar diferenciado para as potencialidades individuais se efetive nos ambientes escolares. A seguir, daremos ênfase à discriminação voltada para as pessoas com deficiência _ o capacitismo. O capacitismo, além de nomear, especificar e caracterizar a discriminação direcionada a estas pessoas, oferece visibilidade a esta discriminação, abrindo espaço para novas reflexões, que serão apresentadas na sequência. 2.3 CAPACITISMO: #DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO DE DEFICIÊNCIA TEM NOME “Enxergar a pessoa com deficiência com base em uma perspectiva pré-concebida, limitante por natureza, provém de uma constituição sócio-histórica de pensamentos que fundamentam uma série de preconceitos. Esses pensamentos resultam em ideias que passam a ser disseminadas pelas mais distintas esferas sociais e acabam por afetar todos os sujeitos com deficiência, porque pressupõe que esses sujeitos possuem limitações que lhes incapacitam em todas as instâncias da vida, fazendo com que suas capacidades sejam suprimidas por um discurso totalizante e excludente” (Marchesan; Carpenedo, 2021, p. 53). A segregação, exclusão e discriminação voltada para as pessoas com deficiência, reservando a elas uma posição de inferioridade, não é recente. Somando aqui novos elementos históricos, sociais e culturais para a pesquisa, além dos já apresentados na introdução da dissertação, contribuímos com essa compreensão. Conforme França (2014), na civilização grega, o infanticídio era tolerado e moralmente aceito, pois acreditava-se inviável a sobrevivência de recém-nascidos com deficiência. O autor relata que, para uma sociedade que vivia em guerra, a figura do guerreiro era central, portanto, sua condição física era de extrema importância. Nesse contexto, as características físicas e as respostas aos estímulos naturais eram examinadas e 38 avaliadas após o nascimento dos bebês, com o intuito de verificar se valeria a pena serem criados ou não, seguindo os preceitos sociais e culturais da época. Durante o Império Romano, o pai era o responsável em aceitar ou enjeitar a criança logo após o seu nascimento, por diferentes valores da época, dentre eles, as deficiências. De forma bárbara, crianças malformadas eram afogadas e, juntamente com as demais _ não levantadas pelos braços patriarcais _, eram abandonadas em praça pública, para que alguém que as quisesse recolhesse; no entanto, era comum que essas crianças não sobrevivessem. Na Europa Medieval, enquanto alguns consideravam as pessoas com deficiência como seres angelicais e sagrados, outros associavam estas pessoas à bruxaria, levando-as à fogueira. O povo romano, inclusive, possuía leis que descaracterizavam o extermínio de pessoas com deficiência como crime, permitindo que estas pessoas fossem eliminadas da sociedade (Veyne,1989). Conforme França (2014), a crescente racionalização do mundo, a partir do século XVIII, fez com que a deficiência passasse a ser definida por outros domínios, sendo a medicina o campo de conhecimento que passa a causar mais impacto na vida das pessoas com deficiência. A deficiência deixa de ser relacionada a questões religiosas para ser foco de estudo da biologia e medicina, responsáveis pela explicação do funcionamento do corpo e do tratamento de suas imperfeições e males, percebendo a deficiência como fora dos padrões de normalidade, e o corpo com deficiência como não funcional e capaz (França, 2014). Sobre os conceitos e padrões de normalidade, concernentes ao modelo médico da deficiência, Diniz (2007) coloca que não há como caracterizar um corpo com deficiência como anormal, pois a anormalidade é um julgamento estético e com valor moral. Sendo assim, a deficiência pode ser, por um lado, julgada como trágica, mas pode, por outro lado, ser vista como uma entre as várias possibilidades para a existência humana, o que, mais adiante, a autora entende como “uma afirmação ética que desafia nossos padrões de normal e patológico” (Diniz, 2007, p. 9). É importante salientar que Diniz (2007) esclarece que a oposição à ideia de deficiência como anormal não significa ignorar, por exemplo, que um corpo com algum tipo de lesão medular necessita de recursos, tratamentos ou cuidados biomédicos, na busca de mais bem-estar e atenção ao corpo que, devido à sua condição biológica ou física, possa sentir dor ou desconforto. 39 Ser visto como incapacitado pela sociedade relaciona-se diretamente com a discriminação, tendo como consequência uma restrição de participação das pessoas com deficiência na sociedade (Bisol; Pegorini; Valentini, 2017). Esse fator diz respeito à opressão social, alvo de crítica do modelo social da deficiência, como já exposto na primeira parte deste capítulo. Destarte, o capacitismo, como discriminação e opressão social, maximiza a inferiorização das diferentes formas de viver, considerando a funcionalidade como requisito de valor; deste modo, dificultando que políticas voltadas à garantia dos direitos humanos destas pessoas sejam desenvolvidas. Luiz e Silveira (2020) acrescentam que as vidas que fogem dos padrões pautados numa lógica normativa não têm seu valor reconhecido porque são vistas como menos humanas pela sociedade em geral. Como resultado e reflexo das crenças religiosas e do tratamento médico da deficiência, a discriminação direcionada às pessoas com deficiência ainda reflete na sociedade atual. Embora essa discriminação não seja recente, era sentida a ausência de um termo que nominasse e especificasse essa discriminação, assim como outras formas de preconceito já o são, como exemplo, o racismo, sexismo, classismo (Diniz; Barbosa; Santos, 2009). Os autores justificam essa ausência lexical, indicando a invisibilidade social e política dessa discriminação. Portanto, pode-se afirmar que especificar e descrever a discriminação por motivo de deficiência como capacitismo é um movimento que contribui com o avanço das políticas e transformações culturais na sociedade, reiterando a relevância da linguagem como aspecto cultural, já sinalizada na primeira parte deste capítulo. Conforme Gesser, Block e Mello (2020), na literatura internacional, o conceito de capacitismo tem sido amplamente abordado desde o início dos anos 2000. No Brasil, como demanda política, o capacitismo aparece, pela primeira vez, em dezembro de 2011, durante a 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais _ II CNPLGBT, sendo aprovada a inclusão do termo nas diretrizes relacionadas à discriminação, saúde, esporte e orçamento. O termo também foi discutido _ mas não aprovada a sua incorporação _, dias antes, na 3ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres _ III CNPM (Mello; Fernandes; Grossi, 2013). Como categoria analítica, no país, o capacitismo _ traduzido do termo ableism _, aparece, pela primeira vez, em 2013, no trabalho supracitado de Mello, Fernandes e Grossi (Mello, 2019). 40 O capacitismo se evidencia como uma postura preconceituosa que hierarquiza as pessoas em função de ideais de corponormatividade relacionados à funcionalidade e à beleza e, além disso, generaliza as pessoas com deficiência como incapazes em todas as esferas de sua vida: pessoal, profissional, social, sexual (Mello, 2016). É como, segundo a autora, fosse ignorado o fato de que pessoas com deficiência podem desenvolver outras habilidades que não estão agregadas à sua incapacidade biológica de não ouvir, de não enxergar, de não andar ou de não exercer de forma plena todas as suas faculdades mentais ou intelectuais. Conforme Mello (2014, p. 95): Essa postura [preconceituosa] advém de um julgamento moral que associa a capacidade unicamente à funcionalidade de estruturas corporais e mobiliza a avaliar o que as pessoas com deficiência são capazes de ser e fazer para serem consideradas plenamente humanas. Dessa maneira, normas capacitistas enquadram a pessoa como responsável pela sua condição e, com isso, eximem o poder público de sua responsabilidade diante da diversidade humana. Outrossim, concepções capacitistas produzem e reproduzem ambientes excludentes e segregadores e constituem identidades e relações de forma negativa (Mello, 2019). Nomear a discriminação voltada à pessoa com deficiência vai além do propósito de denunciar a violação de direitos, como inscrito na Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência (Brasil, 2008) e na LBI (Brasil, 2015). Ambos os textos, apesar de não nomearem ou especificarem como capacitismo, tratam da discriminação direcionada às pessoas com deficiência, referindo-se a qualquer diferenciação, exclusão ou restrição devido à deficiência que resultem em violação de direitos. Mello (2016) aponta duas razões para a necessidade de denominar e especificar essa discriminação: a primeira é dar visibilidade social e política para uma forma peculiar de opressão contra as pessoas com deficiência; e a segunda razão é explorar os padrões de corponormatividade da estrutura social, que se materializam em mecanismos de interdição e de controle biopolítico de corpos com base na premissa da (in)capacidade. Assim, a autora entende o capacitismo como uma categoria de discriminação, violência e opressão social contra pessoas com deficiência e também como uma matriz de normatividade corporal e comportamental 41 baseada na premissa de uma funcionalidade total do indivíduo, produzida socialmente e naturalizada pelos saberes dominantes. A naturalização e a hierarquização das capacidades corporais humanas, como informa Mello (2019), faz com que a pessoa com deficiência seja percebida culturalmente como incapaz e, consequentemente, inferior às demais pessoas. Nesse sentido, outras categorias de seres humanos podem também ser lidas como menos capazes: a mulher frente ao homem, o negro e o indígena frente ao branco, o gay e a lésbica frente ao heterossexual, a título de exemplos. Nessa perspectiva, ainda conforme Mello (2019), a luta anticapacitista precisa andar lado a lado com as diferentes lutas de minorias, considerando que a discriminação não ocorre apenas contra pessoas com deficiência, tornando-se incoerente lutar apenas contra um tipo de discriminação e ser conivente com outros que, de igual forma, minimizam o valor do ser humano. Também é possível afirmar que o capacitismo é concernente com pensamentos do modelo médico da deficiência, sustentado pelo binarismo norma/desvio, como também com os ideais do capitalismo, que toma os padrões de corponormatividade como meio para manter e aperfeiçoar o seu sistema econômico (Gesser; Block; Mello, 2020). Quando os enquadramentos da deficiência são baseados em normas capacitistas, geram-se vários efeitos negativos elencados pelas autoras, como a responsabilização das pessoas com deficiência pela sua condição e, por isso, a construção predominante de estratégias para adequar os corpos às normatividades, que tornam possível o seu reconhecimento como humano. Ainda como consequência, surge a hierarquização das pessoas em decorrência do valor atribuído às normas sociais, colocando-as numa condição precária, uma vez que o Estado-Nação fica eximido de garantir a adequação dos espaços para as variações corpóreas. Sendo assim, torna-se responsabilidade da pessoa com deficiência adequar-se ou adaptar- se à estrutura do meio social em que vive. A visão capacitista da deficiência traz ainda dois extremos de representação social das pessoas com deficiência, reforçados pela mídia, como apontam Luiz e Silveira (2020). Por um lado, a pessoa com deficiência é considerada incapaz, que precisa ser ajudada, tornando-se alvo de caridade e assistencialismo, digna de pena. Por outro lado, há a imagem de exemplo de superação, pela qual a pessoa com deficiência supera todas as barreiras e consegue ser vencedora e, assim, é colocada numa posição de heroína frente as demais pessoas, indicando que as pessoas que 42 não conseguem o mesmo feito são incapazes. Essas duas representações corroboram com a hierarquização de valor humano, uma vez que avalia os indivíduos com base em sua funcionalidade. Numa sociedade estruturada com valores capacitistas, a escola acaba sendo moldada e organizada com forte influência desses valores. Lima, Braun e Vasques (2021) apontam a presença da medicalização nas escolas como uma medida de intervenção relacionada aos padrões de normalidade, que geram uma redução do sujeito a aspectos biológicos, médicos e neuronais, desconsiderando a constituição política, social, psíquica, histórica e cultural de cada um. As singularidades, conforme os autores, transformam-se em sintomas e indícios de patologias ou anormalidades, que devem ser tratadas, seguindo um viés capacitista. Em contraposição, os autores indicam que uma educação que se propõem anticapacitista precisa privilegiar a via do diálogo e a aproximação com o outro, e destacam que essas abordagens são possíveis e eticamente irrecusáveis. Na esfera legislativa, a Constituição Federal de 1934 (Brasil, 1934a) traz pela primeira vez o estudante com deficiência em seu texto; em contrapartida, no seu artigo 138, alínea a, ainda numa visão caritativa e assistencialista, assegura o ensino e o amparo aos desvalidos, criando serviços especializados e animando os serviços sociais. Neste sentido, as pessoas com deficiência eram vistas como descapacitadas para a vida social, econômica e intelectual; portanto, incapazes de pertencer a uma instituição educacional comum, corroborando com os ideais capitalistas (Lima; Ferreira; Lopes, 2020). Como já mencionado na introdução da dissertação, a organização das classes escolares planejava classes mais homogêneas, separando os estudantes que mais correspondiam às expectativas da escola dos que menos correspondiam a essas mesmas expectativas. Quando a educação das crianças com deficiência começou a receber atenção na organização dos sistemas de ensino, atendendo à obrigatoriedade desse ensino inscrito na Constituição Federal de 1934, os estudantes com deficiência passaram a ser alvo do ensino emendativo, que tinha o intuito de corrigir a anormalidade, seguindo exigências técnicas e médico-pedagógicas, percebendo o ensino como o caminho para promover “[...] a conversão, pelo ensino, dos anormais em cidadãos úteis e capazes”, conforme Decreto n. 24.794 (Brasil, 1934b). Em contraste a esses termos legais, tem-se a Constituição Federal (Brasil, 1988), como citado anteriormente, que abre caminho para a garantia de direitos como 43 cidadãos para todas as pessoas, sob nenhuma forma de discriminação. De igual forma, a PNEE (Brasil, 2008a), que estende o direito à educação para todos, sem nenhuma forma de discriminação e preconceito. Não obstante, a transformação social e cultural não depende apenas de mudanças legislativas ou estruturais. É no encontro da teoria inscrita na lei com a prática cotidiana nos ambientes escolares que surge a possibilidade para que mudanças ocorram gradativamente em direção a uma educação mais inclusiva. Destarte, após a explanação sobre o conceito de capacitismo, no âmbito social e escolar, segue-se para a questão da interseccionalidade dos marcadores sociais da diferença. No próximo item, tem-se como objetivo perceber a deficiência como um marcador social que, articulado com outros, como classe social, gênero, etnia, podem potencializar o preconceito, a discriminação e a consequente desigualdade social. 2.4 INTERSECCIONALIDADE: ESTAMOS FALANDO DE QUEM? “Não há como produzir conhecimentos e práticas relevantes para as pessoas com deficiência sem considerar os contextos interseccionais que impactam e constituem suas subjetividades” (Gesser; Block; Mello, 2020, p. 29). Dando sequência à exposição acerca da aproximação dos Estudos Feministas e de Gênero com o campo dos Estudos da Deficiência, enfatiza-se a perspectiva transversal e interseccional da deficiência, reconhecendo-a como um marcador social, constituinte da diversidade de identidades humanas. A deficiência, dessa maneira, é colocada lado a lado das diferentes variáveis _ gênero, raça/etnia, classe, orientação sexual, região, religião _ que podem gerar desigualdades sociais e que, articuladas, podem potencializar a exclusão e a discriminação (Mello; Nuernberg, 2012; Gesser; Block; Mello, 2020). Mello e Nuernberg (2012) complementam que esses marcadores de identidade são analisados de forma articulada nas Ciências Humanas e Sociais, porém ressaltam que a deficiência ainda é analisada à parte, por ser considerada tema distante das demais categorias. Este conceito _ o da interseccionalidade _ foi introduzido por autoras feministas negras como uma forma de se contraporem ao que elas denominavam “feminismo branco”. Estas autoras feministas negras desejavam mostrar que a experiência de ser 44 mulher negra e pobre é diferente da experiência de ser mulher branca e de classe média (Gesser; Block; Mello, 2020). Essas autoras justificam, ainda, a deficiência como categoria de análise por ela ser constituinte da identidade subjetiva. Essa constituição do sujeito acaba se pautando nas narrativas culturais em torno da deficiência, moldando as relações com as pessoas com deficiência e, além disso, moldando as relações das próprias pessoas com o seu corpo, como resultado das relações de poder e de hierarquização e valor que determinados corpos têm uns sobre os outros. Outro fator que gera uma reflexão em torno da perspectiva interseccional da deficiência é o conceito de capacitismo que se articula com o do sexismo e o racismo. Conforme apresentado por Gesser, Block e Mello (2020), o sexismo e o racismo “deficientizam” populações inteiras por estas não performarem os ideais corponormativos socialmente estabelecidos, sendo estes vistos como “corpos perfeitos”. Os padrões estéticos impostos pela sociedade e reforçados pela mídia também potencializam esses ideais de corpos perfeitos (Siqueira; Dornelles; Assunção, 2020). Portanto, incorporar a luta anticapacitista às demais lutas _ antirracista, antissexista, dentre outras _ significa, além de atribuir força coletiva a essas lutas, mostrar que existem diferentes formas de ser e estar no mundo, e que isto não se refere apenas aos corpos com deficiência. Seguindo nessa linha de pensamento, Angelucci, Santos e Pedott (2020) têm a premissa de que o capacitismo é uma forma “guarda-chuva” de preconceito e discriminação, em relação a diversos setores da população, pois o capacitismo se refere à constante, mas velada comparação com o ideal constituído pelos valores referidos à branquitude, masculinidade, cisgeneridade, heterossexualidade e corponormatividade. Além do exposto, é importante colocar que as pessoas com deficiência historicamente foram consideradas como objetos de estudos e de intervenções ao invés de sujeitos com direito à participação no que se refere aos assuntos a eles relacionados (Gesser; Moraes; Böck, 2020). Nessa perspectiva de emancipação social, as pessoas com deficiência passam a ser sujeitos de suas próprias histórias, participando dos assuntos e decisões que dizem respeito a elas, bem como tornando- se participantes em quaisquer cenários sociais que desejem participar. Para que ocorra a emancipação social, a articulação da luta anticapacitista com as demais lutas é fundamental, pois: 45 O poder do capacitismo se estende muito além dos corpos com deficiência, abordando como o biopoder e capacitismo se unem para subjugar os corpos de mulheres e de outros corpos vulnerabilizados, como de pessoas negras. Ademais, relaciona a experiência da deficiência com a raça, fazendo uma correspondência do conceito de racismo internalizado com o capacitismo, que também produz subjetividades normatizadas. Os efeitos deste capacitismo geram feitos de auto-aversão (sic) e a desvalorização de si, tornando difícil para a pessoa assumir a deficiência como parte da identidade (Lopes; Solvalagem; Busse, 2020, p. 134). Seguindo nesse viés, a constituição de subjetividades a partir da lógica estrutural capacitista reduz o valor que o sujeito atribui a si mesmo. Para que haja uma mudança dessa estrutura, é necessário antes reconhecer essa lógica e compreendê-la. Por meio da compreensão de que o capacitismo é também uma estrutura tal qual o racismo, torna-se viável avançar em direção a uma ruptura conjunta das duas estruturas. Reforçando o poder negativo do capacitismo não somente sobre as pessoas com deficiência, mas também sobre qualquer indivíduo que não corresponda aos padrões de corponormatividade, Lopes, Solvalagem e Busse (2020) destacam a necessidade de integrar as lutas antirracista, antissexista e anticapacitista, pois ambas discriminações inferem sobre os corpos vulnerabilizados, mantendo e retroalimentando as mesmas estruturas. Salientam que a segmentação das lutas gera a perda da força motriz do coletivo. Sobretudo, as autoras comentam que nessa luta coletiva, até mesmo as pessoas que não são alvo de discriminação podem e devem engajar-se, de forma a não serem mais agentes de invisibilidade ou opressão. Ou seja, tomando as palavras de Angela Davis17, as autoras retomam que “não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, aplicando esses mesmos termos ao capacitismo, sendo que “não basta não ser capacitista, é preciso ser anticapacitista”. Nessa esteira, Siqueira, Dornelles e Assunção (2020) também reiteram a importância de que a luta contra qualquer tipo de preconceito e discriminação não pode ser apenas de quem é vítima deles, mas sim de toda a sociedade. Nesse ponto, direciona-se a reflexão sobre o papel da escola, que pode ser apenas passivo, não capacitista, não racista, não excludente, ou pode assumir um papel ativo, tornando-se anticapacitista, antirracista e antiexcludente, cumprindo com 17Início da Nota. (Filósofa, escritora, professora e ativista estadunidense. Desde a década de 1960, luta pelos direitos da população negra e das mulheres nos Estados Unidos. Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2023). Fim da Nota. 46 sua função de preparar todos os estudantes, com ou sem deficiência, para viver e conviver numa sociedade mais justa e igualitária. Nesse sentido, o campo da educação é uma das ferramentas emancipatórias que tem a possibilidade de atuar diretamente nesse processo, considerando “a dignidade humana e a justiça social como modo de confrontar o capacitismo internalizado e desmascarar a presunção a priori que existe da capacidade compulsória” (Lima; Ferreira; Lopes, 2020, p. 173- 174). Finalizando essa parte, portanto, pode-se dizer que, pensar em educação inclusiva no contexto da diversidade, pela qual toda e qualquer criança é acolhida em suas diferenças, demanda compreender a perspectiva interseccional da deficiência, dando a esta uma perspectiva emancipatória, incluindo as lutas anticapacitistas ao lado das lutas feministas, antirracistas e anti-LGBTfóbicas (Gesser; Block; Mello, 2020). Com base nessas reflexões, é possível afirmar o quanto é fundamental conhecer o contexto dos estudantes com deficiência, reconhecendo em que posição favorável ou desfavorável esta ou este se encontra perante os demais, mesmo que estes últimos também sejam estudantes com deficiência. Sendo assim, uma estudante com deficiência, negra, de classe baixa pode estar numa posição de desigualdade mais acentuada em relação ao seu potencial de desenvolvimento do que ao estudante com deficiência, branco, de classe social alta, pois este pode ter mais possibilidades, experiências e recursos que contribuam com seu desenvolvimento global. Acima de tudo, é preciso compreender que a constituição subjetiva de determinado estudante pode ter sido pautada pela lógica capacitista, até mesmo no ambiente familiar, o que moldará seu modo de ser e estar no mundo. É necessário, ainda, que a escola possa ser um ambiente promissor, que reconheça sua possibilidade de não reforçar essa invisibilidade e opressão, como também seja um espaço no qual diferentes experiências anticapacitistas possam ser vividas por todos, não somente pelos estudantes com deficiência. Mais uma vez aqui é possível salientar a ação dos sujeitos envolvidos com a educação, tomando a afirmação de Martins e Monteiro (2020, p. 197): “Impor mecanismos para universalizar a educação não garante a escolarização, porque há distanciamentos entre as políticas educacionais e o cotidiano escolar, envolvendo questões atitudinais”. 47 Antecipa-se, assim, uma das principais reflexões do próximo capítulo, que tem como objetivo explorar conceitos e ideias no que diz respeito às mudanças possíveis e necessárias para uma educação na perspectiva inclusiva, que rompa com os padrões e práticas capacitistas. 48 3 EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CULTURA, REPRODUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO Debater sobre o tema educação inclusiva demanda versar sobre mudanças importantes que devem ocorrer nas estruturas das escolas. Essas mudanças se referem tanto às estruturas físicas dos ambientes escolares, como também mudanças de pensamento e de atitude das pessoas envolvidas com a educação. Considerando essa ideia inicial, aborda-se, neste capítulo, o conceito de cultura, como possibilidade de reprodução ou transformação da sociedade e das escolas, tomando os sujeitos como papel central nesse movimento de mudança. Para tanto, inicia-se explorando de forma geral o conceito de cultura, seguindo-se para uma explanação acerca de cultura escolar e, por último, aprofundando a concepção de educação inclusiva, focando nas mudanças necessárias para que ela aconteça de forma efetiva. 3.1 CULTURA: CONCEITO COMPLEXO, MAS NECESSÁRIO “A desnaturalização dos fenômenos sociais – ou seja, tomá-los não como algo desde sempre dado, mas como algo historicamente construído – é um primeiro e necessário passo para intervir nesses fenômenos. Saber como chegamos a ser o que somos é condição absolutamente necessária, ainda que insuficiente, para resistir, para desarmar, reverter, subverter o que somos e o que fazemos” (Veiga-Neto, 2003, p. 7). Como ambiente onde as pessoas convivem, compartilham ideias, ensinam e aprendem umas com as outras, a escola é um espaço de possibilidade de produção, reprodução e transformação dos sujeitos e da própria escola, possibilitando mudanças que se direcionem a uma educação mais inclusiva. Tendo esse pensamento em vista, inicia-se abordando de forma breve e geral o conceito de cultura, que é complexo e envolve diferentes abordagens. Aqui, focar- se-á em conceitos que se relacionam e se aproximam do tema da pesquisa, contribuindo com a sua compreensão. A cultura envolve expressões com significados distintos e antônimos, mas que são indissociáveis e coexistem na sua composição, apesar de contraporem ideias. A 49 cultura, mesmo que de forma antagônica, refere-se: à inovação e à preservação, à descontinuidade e ao prosseguimento, à novidade e à tradição, à rotina e à quebra de padrões, à mudança e à monotonia da reprodução, ao inesperado e ao previsível. Além disso, outro paradoxo é somado à complexidade do conceito, também de forma enredada: a autonomia e a vulnerabilidade/fragilidade dos sujeitos que, por meio da cultura, se autoconstituem e, concomitantemente, são constituídos por ela (Bauman, 2012). E é justamente esse sentido ambivalente da cultura que possibilita a transformação da estrutura social que, posteriormente, instaura uma nova ordem sociocultural (Espinosa, 2005). A cultura é relacionada com a construção da identidade humana; primeiro, com a subjetiva, possibilitando o sentimento de pertencimento a um grupo. Posteriormente, com a identidade de uma determinada sociedade, esta entendida como uma teia de interdependências desenvolvida e sustentada pela e na interação humana (Bauman, 2012). Espinoza (2005) enfatiza que as identidades reciclam a substância cultural, e o que assegura sua continuidade é o movimento e sua capacidade de mudança; ou seja, as identidades em constante construção são as responsáveis pelo movimento social e histórico da contínua transformação cultural. A cultura é “[...] entidade feita pelo homem e uma entidade que faz o homem; submete-se à liberdade humana e restringe essa liberdade; relaciona-se ao ser humano em sua qualidade tanto de sujeito quanto de objeto” (Bauman, 2012, p. 101). Em outros termos, por mais que os sujeitos construam sua identidade, influenciados pela cultura do grupo que se identificam e no qual se relacionam, é essa mesma identidade que pode, nas relações com os demais sujeitos, compor, ao longo do tempo, mudanças culturais ao grupo. Bauman (2012, p. 142-143) apresenta uma compreensão estruturalista da cultura: A estrutura buscada pela compreensão estruturalista da cultura é o conjunto de regras geradoras, historicamente selecionadas pela espécie humana, que governam a um só tempo a atividade mental e prática do indivíduo humano visto como ser epistêmico, assim como o conjunto de possibilidades em que essa atividade pode operar. Ressalta-se da citação do autor a estruturação do pensamento e da prática do indivíduo, como também a possibilidade de reestruturação desse pensamento, por 50 meio da mudança cultural, que o próprio homem constituído pela cultura pode instaurar, num movimento social e histórico. Sobre essa relação entre estrutura e cultura, o sociólogo distingue os dois termos, explicando que a estrutura se refere ao aprendizado dos princípios que constituem qualquer totalidade autorregulada e autoprogramada, incluindo a sociedade humana, enquanto a cultura pode ser interpretada como o código pelo qual a informação da estrutura social é expressa, transmitida, decifrada e processada (Bauman, 2012). Nessa relação, a cultura parece guiar os indivíduos para seguir determinados modos de pensar e agir, fazendo com que se sintam pertencentes a um grupo específico: Cada sistema cultural, pelas escolhas que faz, ordena o mundo em que vivem os membros da respectiva comunidade; executa uma função claramente informativa, ou seja, reduz a incerteza da situação, reflete e/ou modela a estrutura da ação, sinalizando/criando a porção relevante da rede de interdependências humanas chamada “estrutura social” (Bauman, 2012, p. 156). A cultura, ao modelar ou ordenar a estrutura social vigente, possui também uma função semiótica, representando a práxis humana, isto num movimento histórico e social: O desenvolvimento de qualquer cultura consiste tanto na invenção de novos itens quanto no esquecimento seletivo dos antigos: daqueles que, no curso do tempo, perderam seu significado e, não tendo encontrado nova função semiótica, arrastam-se como relíquias do passado, explicáveis, mas destituídas de sentido (Bauman, 2012, p. 159). Além da compreensão estrutural e semiótica de cultura, Bauman (2012) expõe ainda a função histórico-social da cultura, pela qual a cultura só poderia existir como crítica à realidade social existente, possibilitando sua transformação. Portanto, a cultura vai além da ordenação da estrutura social, como também pode ser o próprio fator de transformação da estrutura vigente, alterando a práxis estabelecida no decorrer da história. Retomando as ideias centrais apresentadas até o momento, pode-se dizer que a cultura cria, copia, produz, reproduz, escolhe, valoriza, distingue-se uma da outra, organiza, estrutura, comunica, representa e, além disso, modifica e possibilita a sua própria transformação. É possível inferir, ainda, que a cultura se concretiza na prática 51 humana, sendo considerada também, simultaneamente, a representação dessa prática, dentro de um coletivo específico, diferenciando-o de outros coletivos, no decorrer da história, por meio das relações e interações humanas. De forma mais genérica, Santos (1996) informa que cultura remete a todos os aspectos de uma realidade social; posteriormente, de forma mais específica, explica que cultura se refere ao conhecimento, às ideias e crenças de um determinado povo, sociedade, nação ou grupos sociais. O autor enfatiza que essas definições podem acarretar no erro de considerar as culturas estanques, e esclarece que elas são, pelo contrário, dinâmicas. Ainda conforme Santos (1996), é preciso aprofundar o conhecimento acerca da lógica interna de determinada cultura, a fim de obter uma melhor compreensão sobre o seu funcionamento e atribuir sentido às suas práticas, costumes, concepções e transformações, pois a constituição de uma cultura é resultado de suas condições históricas. Outro fator relevante é levar em conta os processos de simbolização que ocorrem no âmago de um sistema cultural, pois são esses processos que permitem que os conhecimentos sejam condensados, as informações processadas e que a experiência acumulada seja transmitida e transformada. Sintetiza-se a ideia, compreendendo que a cultura representa as crenças, simbolismos, valores atrelados que delineiam as práticas humanas individuais dentro de um coletivo, num processo influenciado social e historicamente. Isto é, a cultura está em constante transformação, por meio dos agentes criadores, produtores e produtos dela mesma _ o ser humano. Sobretudo, como seres culturais, conhecer, compreender, aprofundar sobre como construímos nossa identidade, que reflete em nossos valores, pensamentos e ações, contribui para que a cultura possa, também, realizar o seu movimento de autotransformação (do homem e dela própria), numa ação subjetiva e numa relação intersubjetiva. Enfim, considerou-se relevante refletir sobre os aspectos aqui apresentados, tendo em vista que a perspectiva da educação inclusiva surge num contexto histórico social de exclusão e segregação, fator que demandou e ainda demanda uma significativa mudança cultural de toda a sociedade. 52 3.2 ESCOLA: ENTRE REPRODUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO “Como entendemos que a escola é não apenas um espaço de encontro, aceitação e contemplação das diferenças, antes de exploração e negociação de tensões, colocamos que as mudanças que estão a ocorrer, resultantes do confronto e da emergência dessa diversidade na escola e nas comunidades, precisam ser desocultadas” (Silva, 2006, p. 214). Reforçando o que foi dito no subtítulo anterior, a escola é um espaço onde os sujeitos convivem, produzem e reproduzem modos de ser, de agir e de se relacionar, influenciando o modo de ser, de agir e de se relacionar das pessoas com as quais ali convivem, ao mesmo tempo que são influenciados também por meio dessas relações. Assim, podem criar e/ou recriar uma cultura escolar, tendo em mente o conceito de cultura trazido anteriormente. Estudos específicos sobre a cultura escolar surgiram nos anos 1980, fortalecendo-se na década de 1990, conforme relata Silva (2006). A partir de suas pesquisas em torno de cultura escolar, percebe-se que há um consenso nos estudos sobre o assunto, de que a escola é uma instituição com cultura própria, que contempla: [...] os atores (famílias, professores, gestores e alunos), os discursos e as linguagens (modos de conversação e comunicação), as instituições (organização escolar e o sistema educativo) e as práticas (pautas de comportamento que chegam a se consolidar durante um tempo) (Silva, 2006, p. 202, grifo nosso). Com esse pressuposto, é possível compreender que cada escola possui sua própria cultura interna, que é resultado, primeiramente, da sua organização como instituição escolar, inserida num contexto específico. Concomitantemente, também é resultado dos pensamentos e das práticas dos sujeitos envolvidos com o ambiente escolar e com o contexto social. Para explorar o contexto cultural da escola, fez-se uma revisão narrativa de literatura, que consiste, segundo Rother (2007), em um método que analisa e discute de forma abrangente e crítica determinado assunto do ponto de vista teórico ou contextual, a fim de obter resultados de pesquisas realizadas por outros autores. Seguindo a ideia da revisão narrativa, no Quadro 2, apresenta-se a visão de diferentes 53 autores, a fim de localizar elementos comuns entre os diferentes focos dados por cada autor a respeito de cultura escolar. Quadro 2 _ Apontamentos sobre cultura escolar Autor Apontamentos Cultura como o valor intrínseco do conteúdo substancial da educação, sua fonte e sua justificação: conhecimentos, competências, crenças, Forquin (1993) hábitos, construídos na experiência subjetiva e intersubjetiva dos sujeitos ali envolvidos. Cultura escolar como os modos de fazer e pensar dos professores, transmitidos de geração em geração e aprendidos pela experiência Viñao (2000) docente, que permitem que a atividade acadêmica seja organizada, adaptada e também transformada, a partir de normas externas. Escola como entrecruzamento de culturas18, que provocam tensões, aberturas, restrições e contrastes na construção de significados. Este Gómez (2001) encontro de culturas influencia na determinação dos intercâmbios de significados e nas condutas dos professores, configurando a cultura cotidiana da escola. Cultura escolar, historicamente variável, por meio de relações conflituosas ou pacíficas, entendida como: conjunto de normas, que Julia (2001) definem conhecimentos a serem ensinados e condutas a serem inculcadas; e conjunto de práticas, que permitem a transmissão desses conhecimentos e incorporação de comportamentos pelos sujeitos envolvidos com a educação. Escola com dimensão cultural, numa abordagem política e sociológica: numa perspectiva global, na sua relação com a sociedade; numa Barroso (2012) perspectiva específica, em função das próprias formas culturais produzidas e transmitidas pelos sujeitos que a compõem. Fonte: Elaborado pela autora, com base nos autores citados no Quadro. 18Início da Nota. (Gómez (2001) explora diferentes conceitos de cultura que, para ele, se entrecruzam no ambiente escolar: crítica, social, institucional, experiencial, acadêmica. Embora alguns desses conceitos perpassem o tema da pesquisa, não serão explorados separadamente, isto porque demandam um estudo à parte e aprofundado, o que se distanciaria do foco da pesquisa). Fim da Nota. 54 Conforme a exposição de Barroso (2012), a cultura escolar apresenta mais de uma dimensão: a perspectiva global e a perspectiva específica. A primeira relacionada e contextualizada na sociedade em que a escola está inserida, influenciada pelas normas legais e sociais do seu entorno. A segunda ligada à cultura criada, produzida e reproduzida dentro da escola, com base na cultura genérica; porém, influenciada pelas interpretações e relações entre as pessoas envolvidas com a escola, na prática diária dos sujeitos desta escola. A cultura da escola refere-se às peculiaridades da cultura no interior de cada escola, no que tange sua prática. Embora todas as escolas sejam ordenadas pela mesma estrutura normativa, a cultura da escola diferencia uma escola da outra em sua identidade como grupo. A cultura da escola, portanto, representa os valores, crenças, ideologias, símbolos, normas, condutas, rotinas, hábitos, produzidos no seu interior, por meio das práticas, relações e interpretações dos sujeitos ali envolvidos. A prática, a estrutura, a diferenciação, a identidade, a representação e a produção são termos que retomam os estudos de Bauman (2012) em torno de cultura, explanados no subtítulo anterior. Nesse processo de produção cultural interna, deve-se levar em consideração fatores e agentes da cultura docente, como os modos politicamente considerados como corretos de pensar, sentir, atuar e se relacionar, como também as regras explícitas e ocultas que regulam o comportamento dos professores. De igual forma, devem ser consideradas as características culturais de cada professor, os seus saberes, os seus conhecimentos, referenciais e pressupostos, os valores que estão subjacentes e influenciam as suas práticas (Barroso, 2012; Gómez, 2001; Forquin, 1993; Viñao, 2000). Esses diferentes pressupostos é que podem gerar distintas maneiras de aplicar normativas e orientações legais, configurando uma cultura específica de cada escola, cuja constituição está ligada à prática dos sujeitos que a compõem. Nessa perspectiva de diferentes interpretações e práticas docentes, acrescentam-se algumas ideias elucidadas por Viñao sobre reformas educativas, numa possível relação com a possibilidade e complexidade de transformação cultural, questão abordada por Bauman (2012). Viñao questiona-se sobre as reformas educativas, a saber: 55 [...] Como, e por que, determinados aspectos destas [reformas educativas] são incorporados mais ou menos rapidamente à vida escolar. Como outros são rechaçados, modificados, reelaborados, distorcidos a partir desses modos de fazer e pensar [dos professores] sedimentados no decorrer do tempo, dessas regularidades institucionais que governam a prática do ensino e da aprendizagem [...] (Viñao, 2000, p. 3)19. Dessa forma, o autor estabelece uma relação entre as diferentes culturas escolares20 e reformas educativas, afirmando que o fracasso destas ocorre porque é ignorada a existência e o peso das tradições e normas. Isto porque, conforme suas explicações, existem as mudanças provindas de reformas externas à escola, como também aquelas que se remetem às mudanças de ordem interna; porém acrescenta que essas mudanças interagem, influenciando-se mutuamente. Essas normas de condutas, modos de pensar e de agir largamente difundidos, no interior das escolas e nas sociedades, são transmitidos, incorporados e inculcados ao longo da história, tomando a cultura escolar como objeto histórico (Julia, 2001). Assim, além de olhar o contexto externo onde determinada escola está inserida, é importante e necessário olhar para os indivíduos que atuam em seu interior. Verificar e analisar seus referenciais, crenças, percepções e relações, fatores que influenciam e refletem em suas práticas, a fim de compreender a constituição de diferentes culturas da escola e diferentes culturas escolares. Olhar também para os discursos, as formas de comunicação e as linguagens presentes no cotidiano escolar, que constituem um aspecto fundamental de sua cultura (Silva, 2006). Isto posto, conhecer e compreender os pensamentos e crenças subjetivas que perpassam a cultura escolar e a cultura da escola é fator importante para entender também como estas culturas se produzem, reproduzem ou tornam-se passíveis de transformação, retomando Santos (1996). Ou seja, entender os sujeitos envolvidos com a educação como sujeitos culturais é fundamental, para que seja possível analisar suas trajetórias sem desconsiderar o contexto histórico e social em que 19Início da Nota. (No original: [...] Cómo, y por qué, determinados aspectos de éstas [reformas educativas] son incorporados más o menos rápidamente a la vida escolar. [...] Cómo otros son rechazados, modificados, reelaborados o distorsionados a partir de esos modos de hacer y pensar [dos professores] sedimentados a lo largo del tiempo, de esas regularidades institucionales que gobiernan la práctica de la enseñanza y el aprendizaje [...]). Fim da Nota. 20Início da Nota. (Diferentemente de Barroso (2012), que distingue o significado das expressões cultura da escola e de cultura escolar, Viñao (2000) utiliza culturas escolares no plural, e também menciona a expressão “la gramática de la escuela” (Tyack; Cuban, 1995 apud Viñao, 2000), indicando especificidades existentes na cultura de cada escola. Ainda sobre culturas escolares, o autor acrescenta que existem: a cultura administrativa, a cultura docente, a cultura referente à educação infantil, primária, profissional ou superior, e a cultura específica de cada escola, o que não será aprofundado na pesquisa, por distanciar-se do foco em debate). Fim da Nota. 56 estavam inseridos, que foi mudando de forma lenta e gradativa até se chegar no contexto atual. Sobre isso, destaca-se a reflexão de Gómez (2001, p. 77): Os docentes e a própria instituição escolar se encontram diante do desafio de construir outro marco intercultural mais amplo e flexível que permita a integração de valores, idéias (sic), tradições, costumes e aspirações que assumam a diversidade, a pluralidade, a reflexão crítica e a tolerância. O autor considera que nos encontramos encurralados pela presença imperceptível e pertinaz de uma cultura escolar adaptada a situações pretéritas. Essa cultura, mesmo que numa relação com seu entorno, correspondendo a algumas expectativas ou mudanças sociais, às vezes se autorreproduz independentemente das transformações que ocorrem ao seu redor. Em outros termos, é possível afirmar que, embora a cultura seja possibilidade de autotransformação, esse processo demanda tempo, conhecimento, compreensão e reflexão. Sobretudo, são necessários movimentos, no contexto externo e interno das escolas, que possibilitem que as mudanças se efetivem. Aqui se destaca o papel fundamental da ação-reflexão-ação dos sujeitos envolvidos com a educação _ sujeitos culturais que são constituídos pela cultura da escola ondem atuam; entretanto, que também têm a possibilidade, a partir de seu conhecimento, reflexão e ação, de influenciarem esse contexto, mesmo que com pequenos movimentos que resultem em transformações a longo prazo. Portanto, conhecer e analisar trajetórias docentes ao longo das últimas décadas referentes à inclusão escolar é importante para compreender o processo de mudança que ocorreu desde a perspectiva da educação inclusiva. 3.3 O DESAFIO: MUDANÇAS CULTURAIS E ESCOLAS MAIS INCLUSIVAS “Cada vez mais percebemos que temos de aprender de novo a pensar sobre a inclusão e a rever nossas práticas educativas, ainda que para isso seja necessário abandonar a segurança de nossos saberes, dos métodos e das linguagens que já possuímos, mas que também nos possuem” (Mantoan, 2012, p. 9). Para pensar em educação inclusiva, levando em consideração os aspectos apontados sobre cultura e cultura escolar, é necessário compreender que esse não é 57 um processo dado, que se instaura de um momento para o outro na sociedade. Igualmente é essencial discernir que quando se fala em inclusão, não se refere apenas aos estudantes com deficiência _ embora seja esse o foco desta pesquisa. Sobre educação inclusiva, Carbonell (2016, p. 103, grifo nosso) apresenta dois princípios inseparáveis: “[...] a igualdade (todos têm os mesmos direitos) e a diversidade (nem todas as crianças devem ser tratadas da mesma maneira, e a escola deve se adaptar às suas necessidades)”. No âmbito escolar, oferecer adaptações estruturais, diferentes tempos, espaços e recursos não significa segregar, mas sim representa não negligenciar as barreiras que impedem que a igualdade de direitos seja alcançada perante as diferentes condições individuais; isto é, para que o princípio da igualdade na garantia de direitos prevaleça, é preciso que antes seja seguido o princípio da equidade de acesso, o que demanda adaptação do meio. A partir da imagem apresentada na Figura 1, abaixo, a representação em quadrinhos dos conceitos de desigualdade, igualdade, equidade e justiça social convidam para uma reflexão: Figura 1 _ Desigualdade, igualdade?, equidade e justiça social em quadrinhos Fonte: Tony Ruth (apud Hancock, 2020). PraTodoMundoVer: a imagem é dividida em quatro quadrinhos, com fundo verde-claro. Em cada quadrinho, há o desenho de uma árvore, pendendo para o lado esquerdo nos três primeiros quadrinhos. O tronco e a copa das quatro árvores são na cor verde, tom mais escuro que o fundo, e suas frutas são vermelhas. Os dizeres dos quadrinhos são na cor preta, em inglês (aqui traduzidos). No primeiro quadrinho, embaixo da árvore, à esquerda, uma criança, vestindo calça vermelha e blusa verde, com tonalidades semelhantes às cores da árvore, está com as mãos estendidas para pegar a fruta que cai 58 em sua direção. À direita da árvore, uma criança, com calça azul e blusa vermelha, está na mesma posição que a outra criança; porém, nenhuma fruta cai em sua direção. Acima de sua cabeça, há um ponto de interrogação branco. Está escrito neste quadrinho: “Desigualdade. Acesso desigual a oportunidades”. No segundo quadrinho, ao lado direito do primeiro, as duas crianças estão em cima de escadas amarelas da mesma altura, com cestas nas mãos para guardar os frutos. A criança da esquerda consegue alcançar a copa e seu cesto está cheio de frutas. A da direita não alcança, e está com os braços abertos, com o cesto vazio, com um ponto de exclamação branco acima de sua cabeça. Os dizeres são: “Igualdade? Ferramentas e assistência distribuídas uniformemente”. No terceiro quadrinho, abaixo do primeiro, a escada da criança da direita é mais alta. Assim, ambas as crianças conseguem alcançar os frutos, e os cestos das duas estão cheios. Este quadrinho apresenta os dizeres: “Equidade. Ferramentas personalizadas que identificam e reduzem a desigualdade”. No quarto e último quadrinho, as escadas são do mesmo tamanho. Há vigas de madeira no lado esquerdo da árvore que a apoiam e há fios de arame presos ao chão à sua direita que a sustentam para esse lado, mantendo- a numa posição ereta, ficando os seus frutos ao alcance das duas crianças, que conseguem colhê-los e encher os seus respectivos cestos. Os dizeres são: “Justiça. Consertar o sistema para oferecer acesso igual a ferramentas e oportunidades”. A imagem acima (Figura 1) transmite a ideia de que a desigualdade social é resultado das barreiras do ambiente, estruturado de maneira indiferente às condições individuais. Assim, a igualdade é posta em xeque, quando se fala em acesso igualitário aos direitos diante das desigualdades naturais e sociais. Em contrapartida, a igualdade de direitos pode acontecer também por meio da equidade de acesso diferenciado e pela reestruturação do meio, adaptado às diferenças individuais. Mantoan (2012, p. 32) escreve criticamente sobre a igualdade no âmbito escolar: A igualdade abstrata não propiciou a garantia de relações justas nas escolas. A igualdade de oportunidades, que tem sido a marca das políticas igualitárias e democráticas no âmbito educacional, também não consegue resolver o problema das diferenças nas escolas, pois elas escapam ao que essa proposta propõe, diante das desigualdades naturais e sociais. Como reflexão, a autora traz a crítica do filósofo político Rawls (2002 apud Mantoan, 2012) sobre a igualdade de oportunidades perante as condições naturais ou sociais dos indivíduos, percebendo a igualdade como arbitrária sob o ponto de vista moral. Dessa maneira, o filósofo propõe a identificação das diferenças como uma nova medida da igualdade, considerando que a posição social de cada pessoa não é justa ou injusta, o que a torna uma ou outra são as maneiras que as instituições fazem uso dela. Retomando a concepção da equidade, é possível dizer que ela converge com os termos da PNEE (Brasil, 2008), com o objetivo de assegurar a inclusão escolar dos estudantes com deficiência, oferecendo reestruturação física, com acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e na informação. 59 Essa concepção foi anteriormente preconizada na Declaração de Salamanca, pela UNESCO _ Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Brasil, 1994a), reconhecendo que cada criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem únicas, que devem receber atenção do sistema educativo. A concepção de diversidade estende-se a crianças com deficiências ou com altas habilidades, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de quaisquer grupos desavantajados (Brasil, 1994a). Seguindo esses princípios que corroboram com o conceito de justiça social e, ainda, sem esquecer a responsabilidade financeira e suporte estrutural do governo, adequar-se para acolher a diversidade é papel fundamental da escola. Conforme os documentos citados, pode-se concluir que a educação inclusiva não requer apenas capacitar as escolas para prover uma educação de qualidade a todas as crianças, mas sim representa um passo crucial no sentido de modificar atitudes discriminatórias, de criar comunidades acolhedoras e de constituir uma sociedade mais inclusiva. Significa buscar justiça social, pela qual o próprio sistema ajusta-se para que todos tenham acesso aos mesmos direitos, não deixando de lado as adaptações que ainda forem necessárias, dentro do princípio da equidade. Nesse viés, pelos apontamentos de Barton (2009), é possível dizer que a educação inclusiva requer mudanças culturais que eliminem as formas de discriminação e exclusão, resultantes das diversas barreiras sociais. O autor complementa que é necessário um pensamento inclusivo, que implica a adoção de uma postura crítica diante dos conceitos, pensamentos e valores existentes no sistema atual. Retomando as abordagens acerca da cultura escolar, que se referem à perspectiva global e específica, ou seja, fora e dentro da escola (Barroso, 2012), verifica-se que os apontamentos de Barton (2009) inferem mudanças que envolvem as duas perspectivas, de forma interligada. O autor cita mudanças sistemáticas, a nível governamental, estrutural, por meio de adaptações, oferta de recursos e tecnologias assistivas. E, por conseguinte, também aponta mudanças que envolvem os pensamentos que modelam as relações dos sujeitos frente aos contextos políticos, sociais e educacionais. Carbonell (2016, p. 102) conduz o olhar para os aspectos culturais subjetivos, ao afirmar que: 60 A inclusão não é possível sem uma mudança radical na cultura docente, nos modos de ensinar e aprender e no imaginário dos valores e concepções educativas. Neste caso, os docentes adquirem um maior protagonismo e trabalham lado a lado e em pé de igualdade com os distintos especialistas que intervém no processo educativo. Sendo os sujeitos os protagonistas da mudança cultural, torna-se necessário compreender as suas crenças, suas concepções, seus pensamentos, pois estes elementos subjetivos perpassam a cultura escolar. Também é válido analisar se as práticas internas da escola, diante do contexto externo e condições que o ambiente estrutural e de recursos oferece, indicam o desenvolvimento de uma cultura escolar inclusiva, conforme também explica Carbonell (2016, p. 119): Para visualizar o grau de inclusão como comunidade, estuda-se sua cultura, o sentido de pertencimento, a acolhida, a inclusão de todos os alunos _ expectativas, atitude ante a discriminação, eliminação de barreiras para a aprendizagem e a participação, etc. _, a otimização dos recursos da comunidade, o grau de colaboração com as famílias, a liderança na gestão da direção e os diversos níveis de coordenação interna. O autor também sugere a cooperação para o processo de ensino e aprendizagem na diversidade, e que esta cooperação esteja pautada na lógica da heterogeneidade. Essa mudança cultural, porém, só acontece efetivamente quando, na relação entre os sujeitos, gera uma mudança coletiva. A maneira que o coletivo docente interpreta as mudanças nas normas e leis influencia no seu resultado prático. Como afirmam Valle e Connor (2014, p. 35), referindo-se à legislação norte-americana, “a lei federal cria a infraestrutura e os procedimentos para identificar e atender os estudantes com deficiência, mas o espírito dessa lei revolucionária acontece (ou não) na relação entre o professor e o aluno”. É possível trazer esse raciocínio para o contexto brasileiro, tendo em vista ainda a reflexão de Vasques, Moschen e Gurski (2013, p. 87): O texto político estabelece contornos de uma realidade cuja qualidade se joga na arena de disputas, resistências e embates. A letra da lei não circunscreve completamente as possibilidades do acontecimento. Como letra, implica leitura. E como leitura, implica _ por mais que se queira varrer o equívoco de seu enunciado _ abertura aos sentidos. A leitura nunca é linear, unívoca ou consensual... Essas reflexões podem ser relacionadas a mudanças que devem ocorrer dentro da escola, ou seja, na prática pedagógica, como reflexo das concepções que o corpo docente tem em relação à educação inclusiva. 61 Ainscow (2001) expõe alguns aspectos fundamentais de mudança para o avanço de práticas inclusivas: promover interação mais dinâmica entre professores e alunos; considerar as diferenças como oportunidades de aprendizagem; eliminar barreiras de participação dos estudantes; trabalhar de forma cooperativa entre docentes e discentes; refletir sobre as práticas; criar condições que possibilitem a mudança efetiva. Como pressuposto de uma educação inclusiva, o autor ressalta o ensino, a aprendizagem e o bem-estar de todos os estudantes e destaca as políticas, práticas e culturas como essenciais para o desenvolvimento de escolas mais inclusivas. Contudo, reconhece que essa mudança não é tarefa fácil, tendo em vista as estruturas escolares que não foram pensadas para atender a todos os estudantes, como também as crenças e práticas escolares enraizadas ao longo da história da educação. Nesse processo, a posição do líder educativo é apontada pelo autor como fundamental para promover mudanças no ambiente escolar, pois exerce relevante influência no trabalho do corpo docente. Convergindo com a linha de pensamento de Ainscow (2001), as pesquisas de Silva e Leme (2009) e de Valdés (2020) apontam a atuação do diretor escolar como fundamental para a prática da educação inclusiva e, sobretudo, para o desenvolvimento de uma cultura escolar inclusiva. Com base nas pesquisas realizadas por esses autores, é possível dizer que a posição de autoridade e liderança do diretor escolar e, principalmente, o seu papel como articulador do projeto pedagógico, são essenciais no processo de inclusão escolar. Além disso, as concepções do diretor em relação à educação inclusiva podem influenciar as concepções e, consequentemente, a prática de sua equipe, criando ou não uma comunidade escolar segura, colaboradora e acolhedora. Uma cultura escolar inclusiva, portanto, pode ser delineada a partir das relações existentes entre todos os envolvidos com a comunidade escolar e por meio da articulação entre concepções, atitudes e práticas inclusivas. Böck e Nuernberg (2018) abordam o conceito de inclusão como uma prática que vai além de representar apenas a inserção ou integração dos estudantes com deficiência nas salas de aula, mas sim que compreende e acolhe a diversidade humana. Os autores apontam o modelo social da deficiência como um meio de transformação cultural, caracterizando-o como anticapacitista, ou seja, que luta contra a discriminação, distanciando-se de padrões de normalidade. Além disso, o modelo social valoriza as especificidades e potencialidades de todos os estudantes, sem a 62 necessidade de avaliações, classificações ou diagnósticos médicos; assim, adaptando-se e acolhendo a todos. Os autores reconhecem os avanços e movimentos políticos e algumas mudanças conceituais das últimas décadas; em contrapartida, consideram que as práticas capacitistas continuam presentes, incorporadas ao contexto cultural. Lima, Ferreira e Lopes (2020) apontam a visão anticapacitista como preponderante para o desenvolvimento de uma educação inclusiva. Porém, informam que não há muitas pesquisas ou discussões que abordem o anticapacitismo nas práticas educacionais. Sobre essa recente reflexão, as autoras afirmam que, para que uma escola seja anticapacitista, o processo de ensino e aprendizagem não deve apresentar juízo de valores e classificação dos estudantes, mas sim a valorização das habilidades e potencialidades de cada um, das suas maneiras diferentes de aprender e de se relacionar, permitindo a cada criança ser como é. Dessa maneira, rompendo com a visão capacitista, que concerne com o modelo médico da deficiência, pois julga e classifica os estudantes com base num padrão de normalidade, valorizando e priorizando algumas habilidades em detrimento de outras. Böck, Gesser e Nuernberg (2018; 2020) apontam o Desenho Universal para a Aprendizagem _ DUA21 como forma de promover processos educativos inclusivos, pois esta proposta contempla as diferentes formas de aprender. Os autores sugerem a incorporação de seus princípios e diretrizes no campo da educação, a fim de garantir o direito à educação de estudantes com ou sem deficiência, promovendo, assim, justiça social no contexto educacional. Nessa mesma linha de pensamento, Glat, Pletsch e De Souza Fontes (2007, p. 344) concluem que: Portanto, mais do que uma nova proposta educacional, a Educação Inclusiva pode ser considerada uma nova cultura escolar: uma concepção de escola que visa o desenvolvimento de respostas educativas que atinjam a todos os alunos, independente de suas condições intrínsecas ou experiências prévias de escolarização. 21Início da Nota. (O DUA vem sendo estudado há quase trinta anos por pesquisadores do Center for Applied Special Technology, nos Estados Unidos, em um diálogo interdisciplinar entre as áreas da educação, neurociência, medicina e tecnologia; porém, no Brasil, os estudos sobre o tema são iniciais. Foi inspirado no Desenho Universal _ DU do campo da arquitetura, da década de 1980. O DUA não se trata de uniformizar ou padronizar o ensino; pelo contrário, as equidades de acesso é que devem ser universais para todos os estudantes (Böck; Gesser; Nuernberg, 2018; 2020; Böck; Nuernberg, 2018). Dessa maneira, a relevância da aplicação do DUA como possibilidade que contribui para a inclusão escolar de todos os estudantes suscita pesquisas que abordem este tema como foco e com maior profundidade). Fim da Nota. 63 Por último, após essas reflexões, é possível compreender o que se comentou inicialmente neste capítulo, que uma educação inclusiva não é um processo pronto, mas sim em desenvolvimento no contexto atual, como um processo constante de movimento e transformação. Sobre esse processo em construção, Lima, Braun e Vasques (2021, p. 41) afirmam que “essa construção é sempre inacabada e, por isso, demanda uma atenta vigilância epistemológica, política e ética”. Assim, pode-se sinalizar que a atuação de todos os sujeitos envolvidos com a educação tem fator central nesse movimento. É como afirmam Siqueira, Dornelles e Assunção (2020), que o rompimento das barreiras (físicas, arquitetônicas, tecnológicas, de comunicação, dentre outras) só acontece se as barreiras atitudinais forem antes rompidas. Portanto, pensar na transposição de barreiras atitudinais requer uma análise reflexiva e crítica acerca das concepções construídas social e historicamente em relação à deficiência, que ainda influenciam e refletem nas práticas educacionais. 64 4 O CONTEXTO DA PESQUISA DE CAMPO 22 Pensando no objeto de pesquisa _ a análise das trajetórias docentes na Rede Municipal de Caxias do Sul-RS _, é primordial contextualizar o cenário da pesquisa de campo, a fim de compreender os espaços escolares nos quais as professoras participantes desta pesquisa tiveram suas trajetórias docentes, como também conhecer, de forma geral, o entorno da Rede Municipal de Ensino _ RME da cidade de Caxias do Sul, localizada na Serra Gaúcha do Estado do Rio Grande do Sul, Região Sul do Brasil. Conforme dados obtidos no site da Prefeitura de Caxias do Sul23, a história da cidade começa quando a região era percorrida por tropeiros, ocupada por índios e chamada Campo dos Bugres. A partir de 1875, começam a chegar os primeiros imigrantes italianos. Importante dizer que foi a expansão do capitalismo, no final do século XIX, o contexto sobre o qual se desenrolou a história da imigração europeia para o Brasil e, mais especificamente, para o Rio Grande do Sul. Em 1878, a Colônia Caxias possuía 3.849 habitantes, a maioria deles agricultores. Mesmo assim, havia casas comerciais e pequenas fábricas como funilarias, carpintarias, marcenarias, olarias, ourivesarias, ferrarias, moinhos, seleiros, sapatarias e alfaiatarias, responsáveis pela produção de bens de consumo. Conforme as informações no site, o crescimento econômico da colônia foi rápido, pois, em 1883, 22Início da Nota. (Símbolo da Cidade de Caxias do Sul-RS, representado pelas Armas, Bandeira, Selo e Cores Municipais, conforme Lei n. 2.170 de 24 de abril de 1974. O significado das Armas: o escudo será constituído em campo de jalde (representando os trigais, cultura originária da região). As Cores Municipais, constantes também do escudo, serão o verde (representando o pinheiro e a floresta), o amarelo (simbolizando o trigo) e o púrpura (significando a uva). Disponível em: . Acesso em: 14 jan. 2023). Fim da Nota. 23Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 9 jan. 2023). Fim da Nota. 65 existiam na Colônia Caxias 93 estabelecimentos comerciais para uma população de 7.359 habitantes. Um número impressionante comparado ao de 1878, quando existiam somente três casas deste gênero, sendo possível concluir que houve um rápido desenvolvimento econômico. Com a chegada do trem, em 1910, o município passou a se desenvolver mais expressivamente, partindo do cultivo da uva e do vinho. Já obteve o título de segundo maior polo metalomecânico do Brasil, devido à fabricação de peças, ônibus e caminhões de suas principais indústrias. É considerado, hoje, o segundo maior município do Rio Grande do Sul em número de habitantes e em importância econômica. Em termos turísticos, desde 2019, Caxias do Sul passou a integrar a Região das Hortênsias, juntamente com Gramado, Canela, Nova Petrópolis, Picada Café e São Francisco de Paula. O seu destaque é a Festa Nacional da Uva, constituindo-se assim como uma das regiões mais visitadas do Estado24. Possui 523.716 moradores. A expectativa de vida ao nascer é de 76,58 anos. A taxa de escolarização de 7 a 14 anos é de 96,3%, e a de analfabetismo é de 2,36%. Os índices de desenvolvimento da educação básica _ IDEB, dos anos iniciais do EF, da Rede Pública, é de 6,2, estando na posição 1045º em relação a 5570º no país, 173º em relação a 497º no restante do Estado, e 11º de 18º em relação à sua região geográfica25. 4.1 A REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE CAXIAS DO SUL No site da Prefeitura, na aba da Secretaria Municipal da Educação _ SMED26, são apresentadas as funções desta Secretaria: o planejamento, a coordenação, a execução e a avaliação das políticas públicas voltadas à Educação Básica em Caxias do Sul, fazendo a integração delas com as políticas e planos educacionais dos governos Federal e Estadual. Também é apontada a responsabilidade da SMED em oferecer e promover a Educação Infantil _ EI, o Ensino Fundamental _ EF e a Educação 24Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2023). Fim da Nota. 25Início da Nota. (Disponível em: , . Acesso em: 11 jan. 2023). Fim da Nota. 26Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 09 jan. 2023). Fim da Nota. 66 de Jovens e Adultos _ EJA, como também é sinalizada a competência da proposição, análise e execução de programas e projetos na área educacional. No Portal da Educação do Município27, encontram-se mais informações relacionadas às incumbências da Secretaria da Educação. A SMED é apresentada como responsável em assegurar às crianças, jovens e adultos de Caxias do Sul um ensino de qualidade, focado no exercício da cidadania, pautado na legislação educacional, no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável _ ODS e no Plano Municipal de Ensino _ PME. O planejamento, a administração e a organização dos processos internos e externos da Secretaria Municipal da Educação passam pela Gestão, por meio de ações que promovem o aperfeiçoamento da equipe de professores e reforçam a comunicação entre as unidades. O espaço do Portal da Educação, portanto, como ali informado, busca auxiliar na execução das políticas públicas da área e na integração dos servidores. Na aba Direção Pedagógica do Portal da Educação, é informado que existe a preocupação em promover, monitorar e avaliar ações que facilitem o processo de aprendizagem dos estudantes. Todo o processo de trabalho é articulado entre o pensar, o saber e o fazer. A prática do setor é respaldada pelos aspectos legais, administrativos e relacionais que orientam as escolas da RME, por meio dos assessores que estão divididos em cinco territórios de aprendizagem, conforme sua localização geográfica. O AEE aparece dentro da aba Gestão Pedagógica do Portal, juntamente com Biblioteca, Bandas Escolares, Comissão Interna de Prevenção de Violência e Acidentes Escolares, Equipe Multiprofissional, Equipe Psicossocial, Conselho Escolares, Círculo de Pais e Mestres, entre outros. O AEE é encontrado também dentro da aba Formação, no qual está disponibilizado o acervo de legislação, documentação e formações realizadas com os professores que atuam nessa área. Conforme estes documentos, o Setor da Educação Especial da SMED é formado pela gerência pedagógica, assessoras que atendem os territórios pelos quais são divididas as escolas da Rede, grupo de projetos e equipe multiprofissional (professor do AEE, psicólogo e assistente social), que avalia a necessidade de cuidadoria para os estudantes. 27Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 09 jan. 2023). Fim da Nota. 67 Também no Portal da Educação da cidade, encontra-se disponível a informação de que a RME é composta por 83 escolas de EF. Destas, 02 (duas) também ofertam a EJA e 63 oferecem EI (pré-escola), sendo que também há 48 escolas de gestão compartilhada para o atendimento desta faixa etária. O ano letivo de 2023 iniciou com quase 45.000 estudantes atendidos na RME de Caxias do Sul28. Sobre a informação referente à gestão compartilhada na EI, sugere-se que a RME ainda não consegue atender a demanda desta faixa etária, seja por falta de espaço físico ou recursos humanos e materiais. Esta questão já foi objeto de estudo de Freitas, Santos e Haas (2018), apontando que a RME ainda não atendia, em 2018, as metas do Plano Nacional de Educação _ PNE, do ano de 2014, que pretendia universalizar, até 2016, a EI para crianças de 04 a 05 anos de idade. Outro indicador preocupante encontrado é em relação às taxas de rendimento escolar (reprovação, evasão, distorções idade-série) no Ensino Médio _ EM, o que também não atende outra meta do PNE, que diz respeito à conclusão desta etapa de ensino. Estes baixos índices refletem na modalidade da EJA, o que acaba se tornando, na Rede estudada, espaço de acolhida de estudantes que fracassaram na escola regular, somados aos estudantes com deficiência em idade adulta (Haas; Delevati, 2018). Diante dos dados apresentados, é possível pensar que frente a um cenário que ainda não atende totalmente as metas do PNE, em relação à EI e ao EM, de igual forma as necessidades da Educação Especial podem ainda não estarem sendo atendidas conforme o ideal. Como observam as autoras, as supostas dificuldades na escolarização das pessoas com deficiência convergem com os desafios enfrentados igualmente na educação geral, evidenciando a necessidade de políticas públicas que articulem as etapas de ensino e modalidades da Educação Básica. Na apresentação sobre a RME no Portal, há a informação: O ensino de qualidade que a atual sociedade demanda deve se basear nas necessidades sociais, políticas, econômicas e culturais da população, objetivando a formação de pessoas críticas, autônomas, participativas e capazes de viver com dignidade, responsabilidade e competência. 28Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 1º set. 2023). Fim da Nota. 68 Conforme demais informações disponíveis no Portal da Educação, atualmente, há mais de 3.000 professores, divididos entre: EI (Escolas em contrato de Gestão Compartilhada), pré-escola, EF, Educação Especial e EJA. Para qualificar as questões relativas à aprendizagem, todas as escolas municipais têm o apoio da coordenação pedagógica, responsável por oferecer o suporte didático e técnico aos professores. Do grupo de professores da Rede, 86 têm magistério, 837 possuem licenciatura, 2.090 professores fizeram especialização, 81 têm mestrado e 7 possuem doutorado. Aproximadamente, 70% dos professores possuem especialização, mestrado ou doutorado29. 4.2 A EDUCAÇÃO INCLUSIVA NA REDE A Educação Especial do Município conta com duas escolas especiais da Rede Estadual: Escola Estadual Especial João Pratavieira e Escola Estadual Especial de Ensino Médio Helen Keller. Possui uma escola especial da Rede Municipal: Escola Municipal Especial Helen Keller. E uma escola especial da Rede Privada: Escola Especial Doutor Henrique Ordovás Filho (mais conhecida como Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais _ APAE). A RME de Caxias do Sul foi um dos 14 municípios-polo do Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, desenvolvido pelo Ministério da Educação e Cultura _ MEC (2003). Como participante, cabia ao Município a principal responsabilidade de implementar a política da educação inclusiva. Este Programa teve a finalidade de constituir um sistema educacional nacional inclusivo, através da participação dos gestores municipais e estaduais, e também de ações de formação de professores, a fim de garantir o direito de acesso de todos à escolaridade com a oferta do AEE e a disponibilização de acessibilidade. Com isso, o Programa compreendia a estruturação do AEE, com vistas à garantia da qualidade dos processos de ensino e aprendizagem, a fim de propiciar a efetiva inclusão dos alunos com deficiência no sistema regular de ensino (Santos, 2017). No ano de 2015, 78 escolas municipais de Ensino Fundamental já possuíam salas de recursos ou salas de recursos multifuncionais. O AEE era realizado por 80 29Início da Nota. (No site não constam as datas de atualização destas informações, podendo não corresponder ao cenário atual). Fim da Nota. 69 professores especializados em 54 salas de recursos multifuncionais (vinculadas ao programa do MEC) e 23 salas de recursos (implementadas com investimento inicial do município) (Hass; Delevati, 2018). Atualmente, todas as escolas de EF possuem o AEE, seja em todos os turnos, ou em alguns turnos por semana, conforme o número de estudantes atendidos. São mais de 160 vagas divididas entre manhã e tarde, o que corresponde à quantidade de professores atuando no AEE (alguns professores atuam em duas vagas, por possuírem duas matrículas como servidores públicos), conforme listagem disponível no Portal da Educação. Salienta-se que algumas escolas possuem dois professores por turno, levando em conta a quantidade de estudantes incluídos no atendimento. A RME conta com as parcerias de universidades, especificamente com a Faculdade da Serra Gaúcha _ FSG, onde as crianças fazem hidroterapia e fisioterapia por um preço reduzido, e a Universidade de Caxias do Sul _ UCS, que desenvolve projetos para as crianças com deficiência envolvendo a fisioterapia. Além da parceria com as universidades, a Rede conta com o Instituto da Audiovisão _ INAV, com a Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais _ APADEV e com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais _ APAE, onde alguns alunos realizam atendimento, no contraturno, nas áreas de saúde, fisioterapia e fonoaudiologia (Freitas; Santos; Haas, 2018). O Município também oferece o serviço gratuito de equoterapia, por meio de convênio. Em 2022, foi inaugurado o Centro de Autismo, serviço inédito em Caxias do Sul e com atendimento 100% pelo Serviço Único de Saúde _ SUS, por meio de iniciativa da Prefeitura de Caxias do Sul, e pela parceria da Secretaria Municipal da Saúde _ SMS com o Centro de Assistência à Saúde do Círculo. O atendimento é voltado a até 80 crianças de 01 a 08 anos de idade, com diagnóstico de TEA. Os serviços oferecidos são: área médica, psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional e serviço social, além de atendimentos aos pais30. Em relação à inclusão de crianças com deficiência em classes comuns, na cidade de Caxias do Sul, há os dados de 2007-2021, conforme apresentado no Gráfico 1, a seguir: 30Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2023). Fim da Nota. 70 Gráfico 1 _ Número de matrículas de crianças com deficiência Matrícula s Fonte: Dados compilados pelo site Diversa, a partir dos Microdados do Censo Escolar e da Sinopse Estatística da Educação Básica31. PraTodoMundoVer: O gráfico apresenta o percentual de matrículas de crianças com deficiência em classes comuns ou escolas especializadas (2007-2021), com barras verdes horizontais para representar o percentual de matrículas nas classes especiais/escolas especializadas, e com barras rosas representando o percentual em escolas comuns. Em 2007, 78% em classes especiais/escolas especializadas, 22% em classes comuns. Em 2008, 45,2% em escolas especiais, 54,8% em classes comuns. Em 2009, 47,4% em classes especiais/escolas especializadas, 52,6% em classes comuns. Em 2010, 40,2% em classes especiais/escolas especializadas, 59,8% em classes comuns. Em 2011, 28,5% em classes especiais/escolas especializadas, 71,5% em classes comuns. Em 2012, 25,4% em 31Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 14 jan. 2023). Fim da Nota. 71 classes especiais/escolas especializadas, 74,6% em classes comuns. Em 2013, 24,3% em classes especiais/escolas especializadas, 75,7% em classes comuns. Em 2014, 21,1% em classes especiais/escolas especializadas, 78,9% em classes comuns. Em 2015, 18,2% em classes especiais/escolas especializadas, 81,8% em classes comuns. Em 2016, 16,8% em classes especiais/escolas especializadas, 83,2% em classes comuns. Em 2017, 14,3% em classes especiais/escolas especializadas, 85,7% em classes comuns. Em 2018, 12,9% em classes especiais/escolas especializadas, 87,7% em classes comuns. Em 2019, 12% em classes especiais/escolas especializadas, 88% em classes comuns. Em 2020, 11,2% em classes especiais/escolas especializadas, 88,8% em classes comuns E, em 2021, 11% em classes especiais/escolas especializadas, 89% em classes comuns. Verifica-se, no gráfico acima, o aumento expressivo de matrículas de crianças com deficiência nas classes comuns, em 2008, ano da publicação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Neste cenário de aumento gradativo destas matrículas, a Rede Municipal é a que mantém o número mais expressivo, como é possível verificar no próximo gráfico: Gráfico 2 _ Matrículas de estudantes com deficiência, por Rede Fonte: Dados compilados pelo site Diversa, a partir dos Microdados do Censo Escolar e da Sinopse Estatística da Educação Básica32. PraTodoMundoVer: O gráfico apresenta o percentual de matrículas de crianças com deficiência por Rede, na cidade de Caxias do Sul-RS. Os percentuais são apresentados em círculo dividido por cores. Em lilás, o percentual de matrículas na Rede Federal, que corresponde a 0,50%. Em vermelho, o percentual de 16,20%, representado a Rede Particular. Em verde, o percentual de 33,30%, representado a Rede Estadual. E, em cinza, a Rede Municipal, com o percentual de 50,00%. 32Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 14 jan. 2023). Fim da Nota. 72 Em relação às escolas com acessibilidade, a RME também possui uma porcentagem maior em relação à Rede Estadual e à Rede Privada, comparando-as a nível estadual e nacional. Destaca-se que a cidade possui apenas uma Instituição Federal, que oferece cursos técnicos para o Ensino Médio e também cursos superiores. O percentual das escolas com acessibilidade é apresentado no Gráfico 3, a seguir: Gráfico 3 _ Escolas com acessibilidade: comparativos Fonte: Dados do Censo Escolar 2021, compilados pelo Q’Edu33. PraTodoMundoVer: O gráfico apresenta o percentual da acessibilidade das escolas, por meio de barras horizontais e cores. A cor verde representa Caxias. A cor rosa o Rio Grande do Sul. A cor vermelha o Brasil. No comparativo das escolas municipais, 69% das escolas municipais têm acessibilidade, comparando com o percentual do estado de 54% e o percentual nacional de 36%. As escolas estaduais de Caxias do Sul apresentam o percentual de 25% de acessibilidade, comparados com 33% a nível estadual e 51% a nível nacional. A Instituição Federal de Caxias do Sul apresenta acessibilidade, representando 100% de percentual, comparado com 94% a nível estadual e 92% a nível nacional. A Rede Privada de Caxias do Sul apresenta o percentual de 36% de acessibilidade, comparado a 56% a nível estadual e 50% a nível nacional. Outro dado interessante a ser analisado é o de distorção idade-série de estudantes com deficiência comparado com o número de estudantes sem deficiência 33Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 14 jan. 2023). Fim da Nota. 73 que estão na mesma condição. No Gráfico 4, que segue, apresentam-se informações referentes à reprovação de estudantes com deficiência e de estudantes sem deficiência. Salienta-se que, conforme Resolução 35, do Conselho Municipal de Educação _ CME (Caxias do Sul, 2017), os estudantes com deficiência têm a possibilidade de receber o resultado final “Permanece _ P” ao fim de cada ano letivo, possibilitando concluir em tempo maior o currículo previsto para a série/ano ou etapa escolar, sendo este resultado avaliado em conjunto escola/mantenedora, e reavaliado no decorrer do ano seguinte, a fim de verificar a possibilidade de o estudante avançar para a série/ano seguinte. Segue o gráfico: Gráfico 4 _ Distorção série-idade e reprovados Fonte: Dados compilados pelo projeto Trajetórias de Sucesso Escolar, com base do Censo Escolar 202034. 34Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 14 jan. 2023). Fim da Nota. 74 PraTodoMundoVer: Em relação à distorção série-idade, o gráfico apresenta, em barras horizontais e cores, o percentual para alunos com deficiência e sem deficiência, num comparativo municipal, estadual e nacional. Na distorção série-idade para alunos com deficiência, Caxias do Sul, na cor verde, apresenta o percentual de 51,70%, comparado com o cenário estadual, na cor rosa, com 54,70%, e com o cenário nacional, na cor marrom, com 46%. Este dado para alunos sem deficiência apresenta 19,90% para o município de Caxias do Sul, 22,30% para o Rio Grande do Sul, e 20% para o Brasil. Nos índices de reprovação, para alunos com deficiência, Caxias apresenta o percentual de 0,16%, comparado com o estado de 1,18% e com o país de 1,79%. Em relação aos alunos sem deficiência, os índices de reprovação são: Caxias com 0,33%, Rio Grande do Sul com 0,57%, e Brasil com 1,24%. No gráfico acima, percebe-se que na questão da distorção série-idade, o Município de Caxias do Sul apresenta dados acima da média nacional, embora estes dados estejam próximos no comparativo. Os dados também suscitam uma reflexão acerca da diferença entre a distorção série-idade de alunos com deficiência para alunos sem deficiência, comparando com os índices de reprovação. A distorção série- idade é maior para alunos com deficiência; porém a reprovação é maior para alunos sem deficiência. Pode-se presumir que a distorção série-idade dos estudantes com deficiência esteja vinculada a outros fatores como ingresso tardio nas classes comuns. No dado em relação à reprovação, Caxias apresenta dados abaixo que a média estadual e nacional, tanto para alunos com ou sem deficiência. A título de informação complementar referente à caracterização da Rede, segue a divisão por tipo de deficiência dos estudantes em Caxias do Sul, conforme Gráfico 5: Gráfico 5 _ Estudantes por deficiência Fonte: Dados compilados pelo site Diversa, a partir dos Microdados do Censo escolar e da Sinopse da Educação Básica 35. 35Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 14 jan. 2023). Fim da Nota. 75 PraTodoMundoVer: O gráfico apresenta os estudantes classificados por tipo de deficiência, com os dados expostos em círculo, por cores e por deficiência. Em azul claro, a surdez representa 0,3%. Também em azul claro, a surdocegueira representa 0,5%. Em vermelho, as altas habilidades/superdotação, 1,8%. Em lilás, a baixa visão, 4,4%. Em verde, a deficiência auditiva, 4,6%. Em cinza, a cegueira, 8,9%. Em vermelho, a deficiência física, 9,6%. Em lilás, a deficiência múltipla, 11,4%. Em cinza, o autismo, 17,6%. E, em marrom, a deficiência intelectual, representando 40,9%. A quantidade de estudantes por deficiência na RME também é apresentada na aba Formação do Portal da Educação, referindo-se ao ano de 2022, indicando de forma numérica: Transtorno do Espectro Autista, 361 estudantes; Deficiência Intelectual _ DI, 275 estudantes; Hipótese de DI36, 160 estudantes; Deficiência Física, 97 estudantes; Síndrome de Down, 48 estudantes; Deficiência Auditiva, 21 estudantes; Deficiência Visual, 35 estudantes; Deficiências Múltiplas, 88 estudantes; Altas Habilidades _ AH/Superdotação, 17 estudantes; outras síndromes, 15 estudantes. Estes números contabilizam o total de 1.117 estudantes com algum tipo de deficiência na Rede. No que tange a legislação da Educação Especial na RME estudada, tem-se a Resolução 19 e a 35 do CME (Caxias do Sul, 2010; 2017). As duas Resoluções dispõem sobre as diretrizes para a Educação Especial no Município, embasadas em leis e documentos já referenciados na dissertação como: LDBEN, Constituição Federal, Declaração Mundial de Educação para Todos, Declaração de Salamanca, Declaração da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Além dessas Leis, são base para o Município as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Brasil, 2001) e a Nota Técnica n. 04 (MEC, 2014). Em seu artigo 1º, a Resolução 19 e a 35 (Caxias do Sul, 2010; 2017) caracterizam a Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva como: Constitui uma modalidade de ensino que permeia todos os níveis, etapas e modalidades da educação escolar, que realiza o Atendimento Educacional Especializado - AEE, disponibilizando um conjunto de serviços, recursos e estratégias específicas que favoreça o processo de escolarização dos seus alunos nas turmas comuns do ensino regular. 36Início da Nota. (Hipótese de Deficiência Intelectual refere-se aos estudantes que não possuem diagnóstico médico fechado, mas passaram por avaliação na Sala de Recursos, em conjunto com a assessoria da Educação Especial da Mantenedora, recebendo o AEE até que se receba o laudo médico que corrobore ou não a hipótese. Esta avaliação em conjunto é garantida na Resolução 35 (CME, Caxias do Sul, 2017) já citada, como também na Nota Técnica n. 04 (Brasil, 2014), informando que o AEE não pode prescindir de laudo médico, com o objetivo de não cercear o atendimento que é de direito para todos os estudantes com deficiência. Esta possibilidade é reforçada na Instrução Normativa n. 01 (Caxias do Sul, 2023)). Fim da Nota. 76 Na sequência, as Resoluções 19 e 35 (Caxias do Sul, 2010; 2017) acrescentam que a Educação Especial considerará as situações singulares, os perfis, as características biopsicossociais, as faixas etárias dos alunos e se pautará em princípios éticos, políticos, estéticos e legais dos direitos humanos, de modo a assegurar a educação inclusiva. Esta entendida como acesso, permanência com qualidade e participação dos alunos na escola, respeitando as suas diferenças e atendendo às suas necessidades educacionais, a dignidade humana e a observância do direito do aluno de realizar seus projetos de estudo, de trabalho e de inserção na vida social, a busca da identidade própria de cada educando, o reconhecimento e a valorização das suas diferenças e potencialidades, bem como de suas necessidades educacionais especiais no processo de ensino e aprendizagem, visando ao desenvolvimento de competências, habilidades, adoção de atitudes e constituição de valores. Na Resolução 19 (Caxias do Sul, 2010), é citado o público da Educação Especial, mas ainda se referindo às crianças com TEA como crianças com Transtorno Global do Desenvolvimento _ TGD, nomenclatura não mais utilizada. A Resolução 35 (Caxias do Sul, 2017) atualiza essa denominação, citando o público da Educação Especial, que abrange: criança/estudante com deficiência, que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas; criança/estudante com TEA; criança/estudante com AH/Superdotação. O artigo 8º das Resoluções 19 e 35 (Caxias do Sul, 2010; 2017) caracteriza o AEE como conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado, respectivamente, de forma complementar ou suplementar à formação das crianças/estudantes com deficiência, TEA ou AH/Superdotação, disponibilizando meios para o acesso ao currículo, proporcionando a independência para a realização das tarefas e a construção da autonomia na escola e fora dela. Nas duas Resoluções mencionadas estão previstas de maneira semelhante as atribuições do professor do ensino regular no que diz respeito ao ensino de estudantes com deficiência: percepção das necessidades educacionais especiais das crianças/estudantes com deficiência, TEA ou AH/superdotação; flexibilização da ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento de modo adequado às 77 necessidades de aprendizagem; avaliação contínua da eficácia do processo educativo para o atendimento de necessidades educacionais especiais; atuação em equipe, com professores especializados em Educação Especial e Cuidadores Educacionais. E consta que, com vistas a alcançar esses objetivos, será oportunizada formação continuada, com conteúdos sobre educação inclusiva. Da mesma forma, as atribuições do professor de AEE são apresentadas de maneira semelhante em ambas Resoluções. A função deste professor está relacionada, principalmente, ao apoio necessário para a inclusão destes estudantes nas classes comuns, produzindo e organizando estratégias e serviços, recursos pedagógicos, de acessibilidade, considerando as necessidades específicas de cada um, e acompanhando a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade na sala de aula comum do ensino regular, bem como em outros ambientes da escola. Além disso, esse professor atua com os serviços fora da escola e também com a família, a fim de elaborar estratégias e disponibilizar recursos de acessibilidade. O seu papel também é de orientar professores e família, ensinar e usar recursos de tecnologia assistiva. Na Resolução 35 (Caxias do Sul, 2017), está previsto também o profissional cuidador educacional, definindo-o: O Cuidador Educacional é o Profissional de Apoio Escolar previsto na Lei Federal n. 13.146/2015, que atua no apoio às crianças/estudantes com deficiência e/ou transtornos do espectro autista que apresentam alto grau de dependência no desenvolvimento das atividades escolares, auxiliando nas atividades de cuidado, de higiene, de alimentação, de locomoção e outras pertinentes ao contexto escolar. O cuidador era denominado como monitor na anterior Resolução 19 (Caxias do Sul, 2010), sem muitas especificações de suas atribuições, além das citadas no trecho anterior. Já a Resolução 35 (Caxias do Sul, 2017) lista outras funções que estão relacionadas com as atividades pertinentes ao contexto escolar, buscando estimular a autonomia e a independência das crianças/estudantes com deficiência e/ou TEA. O cuidador, portanto, passa a ter a atribuição de, além das já citadas: seguir as orientações dos professores do AEE e de outros profissionais que acompanham estas crianças/estudantes; apoiar e estimular a autonomia das crianças/estudantes nas atividades escolares; atuar de forma proativa nas atividades de apoio no contexto escolar; atuar em equipe; participar dos programas de formação continuada; aplicar e utilizar os materiais e recursos de comunicação aumentativa alternativa e tecnologia 78 assistiva, orientados pelos profissionais do AEE; fornecer informações ao professor para a realização de relatórios e/ou avaliações das crianças/estudantes; estimular, com os demais profissionais da escola, a interação das crianças/estudantes no contexto escolar; buscar orientações pedagógicas específicas referentes às crianças/estudantes diretamente com os professores do AEE; registrar periodicamente, conforme necessidade e solicitação da escola os avanços e as dificuldades das crianças/estudantes atendido(s); encaminhar questões administrativas diretamente à chefia imediata _ gestor escolar e/ou especialistas da escola; conhecer o histórico das crianças/estudantes, buscando informações nos relatórios anteriores, mantendo sigilo das respectivas informações; comunicar aos professores qualquer informação em relação às crianças/estudantes, recebida pela família; informar a equipe diretiva sobre qualquer alteração no comportamento ou estado de saúde das crianças/estudantes. Sobre as atribuições desse profissional, pode-se lançar a reflexão sobre a formação exigida (Ensino Médio) em contraste com as atribuições a ele designadas. Anteriormente, na Resolução 19 (Caxias do Sul, 2010), constavam apenas as funções relacionadas à higiene, locomoção e autonomia, e outras pertinentes ao contexto escolar, sem especificá-las. Na Resolução 35 (Caxias do Sul, 2017), estas atribuições são ampliadas e especificadas de forma significativa, demandando maior preparo e formação destes profissionais, o que lança a questão sobre a formação mínima exigida em ambas Resoluções. Assim, finaliza-se a apresentação da RME de Caxias do Sul, focando-se nos principais aspectos que tangem a educação inclusiva, com o intuito de contextualizar o campo de pesquisa. Parte-se, agora, para a apresentação do percurso metodológico e, posteriormente, para a pesquisa de campo e análise dos dados. 79 5 O MÉTODO: CAMINHOS PERCORRIDOS “O conhecimento é visto como algo que está sendo continuamente revisto, construído. Não há resultado pronto, acabado. Não há verdades inquestionáveis. Não há procedimentos de investigação indiscutíveis. Não há provas evidentes fornecidas por experimentos cruciais conclusivos. A produção do conhecimento é um projeto humano, que exige superação de limites do já imaginado e que se enriquece no processo crítico e polêmico que se instaura na intromissão da rede de pluralismo teórico” (Köche, 2011, p. 15-16). Neste capítulo, apresentar-se-á a base teórico-metodológica que foi utilizada na pesquisa de campo realizada, possibilitando atingir os objetivos traçados e responder ao problema de pesquisa. Explicar-se-ão os detalhes do processo da pesquisa, o método adotado, o perfil de seus participantes, os instrumentos e procedimentos adotados e a maneira como se construiu e analisou os dados. Além disso, explanar-se-á sobre as implicações éticas relacionadas à pesquisa, para fins de reflexão. 5.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA A pesquisa realizada, conforme Gil (2019), faz parte das ciências empíricas, sendo classificada como ciência social. Como tal, utilizou o método indutivo, buscando observar fatos ou fenômenos que se desejou compreender e descobrir relações entre eles. Em relação à natureza dos dados, constituiu-se em uma pesquisa qualitativa, que tem o propósito de estudar os ambientes sociais e as experiências vividas pelas pessoas nesses ambientes, sob a perspectiva dos próprios atores sociais (Gil, 2019). Conforme Bauer, Gaskell e Allum (2015), de forma geral, as pesquisas qualitativas diferem-se das quantitativas em relação aos dados, à forma de análise dos dados e ao seu protótipo. Enquanto nas pesquisas quantitativas, os dados são os números, a análise é feita com base em estatísticas e o protótipo é a pesquisa de opinião, na pesquisa qualitativa, os dados são os textos, a análise é interpretativa e o protótipo é a entrevista em profundidade. 80 Yin (2016) apresenta as principais características da pesquisa qualitativa, como estudar o significado da vida pessoas nas condições de vida real, representar as opiniões e perspectivas das pessoas participantes do estudo, abranger as condições contextuais em que as pessoas vivem e contribuir com a revelação de conceitos que podem ajudar a explicar o comportamento social humano. A pesquisa realizada teve caráter exploratório, aproximando-se dos fatos estudados, com a finalidade de proporcionar uma visão geral do tema estudado (Gil, 2019). Os fatos foram estudados a partir das narrativas das professoras em suas entrevistas individuais. Segundo Jovchelovitch e Bauer (2015, p. 91), através da narrativa, “as pessoas lembram o que aconteceu, colocam a experiência em uma sequência, encontram possíveis explicações para isso, e jogam com a cadeia de acontecimentos que constroem a vida individual e social”. Além disso, os autores informam que as histórias são narradas com palavras e sentidos específicos à experiência e ao modo de vida dos narradores, preservando perspectivas particulares da forma mais autêntica. 5.2 PARTICIPANTES: DOCENTES DE CLASSES COMUNS Foram convidadas 06 professoras que atuam há 20 anos ou mais em classes comuns dos anos iniciais do EF, pertencentes à RME de Caxias do Sul-RS. O tempo de atuação estabelecido justifica-se pelo fato de que estas professoras deveriam ter atuado nos anos iniciais do EF, durante o período de transição em que classes especiais passaram a ser extintas e mais crianças com deficiência começaram a ser incluídas nas classes comuns da rede regular de ensino; isto é, no início dos anos 2000. Devido ao período proposto, ocorreu que 04 das convidadas já tinham suas atividades profissionais encerradas, sendo que 02 destas ainda atuam em outra matrícula na Rede. Optou-se por não convidar professoras ou professores que já tivessem atuado nas extintas classes especiais ou que já haviam trabalhado ou ainda trabalham no AEE, considerando que estes professores possuem formação específica para atuar nessa área e escolheram trabalhar diretamente com estes estudantes. E, ainda, considerando que a pesquisa se propôs à análise de trajetórias docentes em classes comuns do EF, pois o intuito foi estudar justamente a inclusão das crianças com deficiência nas turmas junto com os demais estudantes. 81 Pressupondo que o início do processo de inclusão ocorreu de maneira e em tempos diferentes nas redes municipais, estaduais e particulares, a pesquisa limitou- se a convites direcionados a professoras atuantes em escolas municipais. Tentou-se distribuir as entrevistas entre os territórios da cidade (Norte, Sul, Leste, Oeste), visando alcançar diferentes realidades socioeconômicas. As primeiras participantes foram escolhidas por conhecimento prévio da pesquisadora, nas diferentes unidades escolares da RME de Caxias do Sul-RS. As demais participantes foram selecionadas pela técnica metodológica denominada snowball (bola de neve), sendo útil para estudar grupos difíceis de serem acessados, conforme Vinuto (2014). Por meio da amostragem por bola de neve, a autora explica que cada participante indica novos possíveis participantes de acordo com as características desejadas, a partir da sua rede pessoal e assim sucessivamente. Dessa maneira, a autora esclarece que esse tipo de amostragem facilita a busca de potenciais participantes para a pesquisa, viabilizando realizar um estudo mais amplo. Esse processo, ainda conforme a autora, pode ser finalizado seguindo o critério do ponto de saturação, sendo definido de acordo com cada pesquisa, quando não há novos nomes a serem indicados, ou as novas indicações não agregam novas informações ao quadro de análise. Por outro lado, este tipo de amostragem também tem suas limitações, como acessar indivíduos muito parecidos entre si, considerando que foram indicados pela rede social dos primeiros participantes. Uma forma de minimizar esse efeito, segundo a autora, é buscar diferentes “sementes”, ou seja, buscar participantes iniciais que não pertençam ao mesmo círculo social ou, no caso da pesquisa, não trabalhem ou não tenham trabalhado na mesma escola da Rede. 5.3 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS ADOTADOS O primeiro procedimento necessário foi o protocolo na SMED para concordância e assinatura do Termo de Anuência Institucional _ TAI (Apêndice A) pelo(a) responsável, após explicação clara e detalhada do projeto de pesquisa e seus objetivos. O segundo procedimento foi o contato telefônico com as primeiras possíveis participantes pré-selecionadas, a fim de explicar o propósito da pesquisa e verificar seu interesse em dela participar. Posteriormente, com o interesse e a concordância, 82 estas professoras assinaram o instrumento Termo de Consentimento Livre Esclarecido _ TCLE (Apêndice B). Com as professoras indicadas pelas primeiras participantes, seguiu-se com o mesmo procedimento. Realizou-se uma entrevista individual com cada professora, com duração aproximada de 1 (uma) hora e meia. As entrevistas aconteceram no horário de trabalho e escola onde as participantes trabalham. As duas professoras aposentadas que não atuam mais como docente aceitaram que a entrevista fosse realizada na sua própria residência. A entrevista teve como base um roteiro com perguntas semiestruturadas (Apêndice C), o que significa dizer que algumas perguntas foram planejadas e organizadas para conduzir a conversa, possibilitando à investigadora manter o norte da entrevista, mas também possibilitando às entrevistadas falarem abertamente sobre o tema proposto (Gil, 2019). As entrevistas tiveram caráter narrativo em sua questão central, no que diz respeito às trajetórias docentes. Conforme Jovchelovitch e Bauer (2015), pela técnica das entrevistas narrativas, a pesquisadora ativa o esquema da história narrada pelas entrevistadas, provocando as suas narrações, como também, após iniciadas as narrativas, a pesquisadora tem a função de conservar o foco no tema proposto. 5.4 ANÁLISE DOS DADOS Com caráter científico, esta pesquisa visou, conforme explanação de Köche (2011), desvelar aspectos do mundo, compreendê-lo e explicá-lo, assumindo uma posição ativa diante dos fenômenos. Dessa forma, segundo o autor, torna-se possível compreender a organização e a ordenação da natureza estudada, por meio do confronto entre a teoria e os dados empíricos. Contudo, Köche (2011) salienta que esse processo de investigação não ocorre sem a isenção de erros de interpretação por parte do investigador, causados pela influência da sua visão subjetiva de mundo, da sua formação, e de elementos culturais e históricos, correspondentes à época em que vive o investigador. Num raciocínio convergente, Flick (2009) expõe que, na pesquisa qualitativa, a comunicação do pesquisador em campo é parte explícita da produção de conhecimento, e não é vista apenas como uma variável a interferir no processo. 83 Os dados foram analisados de maneira qualitativa, seguindo a diferenciação de Bardin (1977), de que, para a análise qualitativa, é a presença ou a ausência de uma dada característica de conteúdo ou de um conjunto de características num determinado fragmento de mensagem que é tomado em consideração, diferente da análise quantitativa, que considera a frequência com que surgem certas características no conteúdo analisado. Os dados obtidos por meio das narrativas das participantes foram estudados e analisados por meio da análise de conteúdo, que corresponde à interpretação do conteúdo, e não meramente à sua descrição (Bardin, 1977). A análise de conteúdo, segundo a autora, tem como objeto os aspectos individuais da linguagem, ou seja, uma palavra, frase ou tema, que deverão ser categorizados, a fim de que sejam analisadas as suas significações. Este tipo de análise não se concentra apenas em palavras-chave ou palavras-tema utilizadas, mas nos sentidos que podem estar por detrás delas. Isto porque, conforme a autora, procura-se estabelecer, pela análise de conteúdo, uma correspondência entre as estruturas semânticas ou linguísticas e as estruturas psicológicas ou sociológicas, tendo como exemplo condutas, ideologias, atitudes, que remetem a aspectos culturais e que estão por trás dos conteúdos da linguagem. Na pesquisa realizada, a categorização dos temas analisados aconteceu a posteriori, a partir de indicadores selecionados e organizados por meio de uma leitura flutuante das narrativas. Foram definidos de forma rigorosa, pois, segundo De Oliveira et. al. (2003), isso contribui para que as perspectivas, ideologias e crenças da investigadora ou investigador sejam controladas, em prol de uma maior sistematização, objetividade e generalização dos resultados. 5.5 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS O projeto de pesquisa foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Caxias do Sul _ CEP/UCS, através do cadastro na Plataforma Brasil, posteriormente recebendo parecer favorável, por meio do documento n. 6.028.134. O TAI foi assinado pela responsável da SMED, após explicação sobre o projeto de pesquisa e esclarecimento de dúvidas. A pesquisadora colocou-se à disposição da SMED e das escolas nas quais realizou as entrevistas para apresentar os resultados 84 da pesquisa após a finalização da dissertação, em momentos de formação ou reunião, a combinar. Também houve a concordância e assinatura do TCLE pelas participantes entrevistadas, assegurando que todos os dados de identificação e dados obtidos nas entrevistas serão mantidos em sigilo e serão guardados pela pesquisadora como evidência dos procedimentos realizados, pelo período de cinco anos. Algumas questões éticas na pesquisa qualitativa devem ser ponderadas, como o bem-estar dos participantes, a dignidade e o direito dos participantes ligado ao consentimento em participar da pesquisa e a garantia de confidencialidade (Flick, 2009). O autor ressalta que questões éticas serão enfrentadas em cada etapa da pesquisa, desde a maneira em que o pesquisador vai a campo, como seleciona os participantes, como informa os propósitos de sua pesquisa aos participantes, até mesmo como age diante de suas próprias expectativas. Flick (2009) comenta outro fator relevante com implicações éticas, no que diz respeito ao relatório das análises dos dados, cuja leitura pelos entrevistados pode causar desconfortos. Portanto, tomou-se o cuidado com a forma de apresentação dos dados, mantendo o anonimato para pessoas que, por ventura, pudessem identificar umas às outras por meio da leitura dos resultados da pesquisa. Como pesquisadoras e pesquisadores, temos também o compromisso ético com a comunidade científica, com a forma como conduzimos nossa pesquisa e também com a maneira como apresentamos os seus resultados, o que deve ocorrer de forma fidedigna; portanto, as falhas nos processos ou limitações da pesquisa devem ser informadas no relato dos resultados (Gil, 2019), o que pode ser conferido nas considerações finais desta dissertação. Conforme Flick (2009), pensar sobre os dilemas éticos não impedirá a realização da pesquisa, mas poderá ajudar o pesquisador a conduzir seus estudos de uma maneira mais reflexiva, permitindo-se colocar-se no lugar dos participantes. Portanto, esta pesquisa apresentou-se sob um caráter reflexivo e consciente por parte da pesquisadora de fazer parte do contexto educacional e dos processos históricos e sociais estudados. Destarte, não se teve a intenção de estabelecer julgamentos em relação aos relatos e às concepções subjetivas das professoras entrevistadas, mas sim reconhecer e compreender as mudanças ocorridas desde o início da escolarização e inclusão escolar de crianças com deficiência, tendo em mente os diferentes contextos sociais, culturais e históricos, como também compreendendo as 85 diferentes constituições dos sujeitos e compreendendo-os como parte de diferentes contextos. Assim, sendo possível refletir acerca desse processo de (re)construção subjetiva e coletiva, do qual fazemos parte e para o qual podemos contribuir com nossas reflexões e ações _ mesmo que singelamente _ para o desenvolvimento de uma educação e de uma sociedade mais inclusiva. 86 6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS: ENTRE HISTÓRIA E MEMÓRIAS “Produzir de forma justa é confrontar e reivindicar por via do privilégio a derrubada das estruturas opressoras de desigualdade e violência” (Lopes; Solvalagem; Busse, 2020, p. 139). Realizar a análise dos dados desta pesquisa, ou seja, o encontro da teoria com as falas das entrevistadas, possibilita que eu faça uma autoanálise sobre a minha atuação docente, pois o início da minha trajetória como professora aconteceu pouco antes dos anos 2000, e assim vivi as mesmas mudanças e os mesmos anseios retratados nas falas de minhas colegas de profissão. A pesquisa teórica oportunizou compreender mais claramente como ocorreu o processo de inclusão, além de compreender o processo de mudança subjetiva das crenças no que diz respeito à deficiência. Acima de tudo, fez-me perceber qual o meu lugar de fala em relação à deficiência, reconhecendo a posição privilegiada que, tal qual à epígrafe deste capítulo, deve instigar uma produção justa e que confronte as estruturas opressoras da desigualdade social. A fim de manter o sigilo das participantes, seus nomes foram substituídos por nomes de professoras que marcaram meus anos como estudante, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. O motivo pelo qual eu as escolhi deve-se, principalmente, à maneira que se relacionaram comigo. Relações das quais trago aqui breves instantes que ficaram na memória. Não lembraria do rosto da professora Ilse, do Jardim da Infância, se não fosse um antigo retrato da turma; porém, recordo-me, dentre outros, do momento já descrito na introdução da dissertação, quando confiou a mim o acolhimento da coleguinha que não tinha uma das suas mãos e, por esse motivo, nenhuma criança queria segurar seu braço para brincar de roda. Da professora Suzana, da primeira série, dentre tantos momentos bons vívidos na memória, não posso deixar de comentar as suas três estrelinhas “com brilho”, que significavam que havia gostado “demais” da tarefa realizada; além disso, me recordo dos desafios “a mais” que passava para mim quando eu concluía as tarefas antes da hora prevista. E como não deixar de contar qual foi o seu presente inusitado no Dia das Crianças? Um pintinho amarelinho, em 87 carne, osso e penas, que deveria ser cuidado, aquecido e alimentado por nós crianças. A professora Inês , da segunda série, muito próxima da minha mãe (também professora na mesma escola), fazia com que eu me sentisse segura e bem quista nas aulas. Éramos “amigas” além da sala de aula. Sempre tinha um saco de pirulitos escondido no fundo do armário para distribuir para a turma nos dias que nos comportávamos. Sua filha nasceu alguns anos depois, e ela veio me confessar no corredor da escola que o seu nome seria Aline, igual ao meu. Já no Ensino Médio, a professora Magda, de Língua Portuguesa, foi quem fez eu ter consciência de que eu gostava das palavras, um dos motivos que me levou a cursar Letras na faculdade. Seus planejamentos eram modificados, muitas vezes, durante sua caminhada matinal até a escola, como contava, porque um fato ou imagem em seu trajeto lhe chamava a atenção e inspirava suas aulas. Não poucas vezes, trazia embaixo de seus braços o Jornal Pioneiro dobrado, sentava numa classe à nossa frente, buscava frases das notícias do dia, as ditava para fazer a tão temida por muitos, mas por mim apreciada, análise sintática. Antes de delegar a tarefa, lia a oração em voz alta e tínhamos que discutir o assunto abordado nela; muitas vezes, discursava sobre sua opinião sobre o fato, e nós meninas ficávamos hipnotizadas com a sua bela oratória. A professora Berenice nos transmitia certo medo com o olhar franzido, com sua didática e “domínio de classe”, que repetia que tínhamos que desenvolver, mas nos tocava com seu senso de responsabilidade com o nosso aprendizado. Quando a vi adentrando em minha sala de aula, na supervisão de estágio, lembro que fiquei nervosa. Ela, muito séria, assistiu a toda a aula e deixou um recadinho no caderno de anotações das visitas de supervisão, como era de costume. Quando a vi desaparecer no portão da escola, rapidamente fui ler e, no meio de sugestões, havia um caloroso e comentado “Parabéns” que aliviou a tensão daquele dia. Mais adiante, cursando a minha primeira graduação, Comunicação Social- Relações Públicas, a professora Jane foi uma professora conselheira, daquelas que sentava ao nosso lado e conversava sobre variados assuntos que nos interessavam como jovens. Acolhia nossos anseios e preocupações com o futuro. Foi a minha escolha para a Banca da apresentação da monografia (hoje chamada de TCC _ Trabalho de Conclusão de Curso). Guardo com carinho o momento em que ela me puxou de canto após a apresentação, e segredou algumas palavras que me fizeram 88 ter a certeza de que eu havia realizado um trabalho diferenciado e que lhe surpreendera. Por esses e outros motivos, essas professoras marcaram alguns momentos meus como estudante, o que justifica seus nomes aqui homenageados. Certamente, outros professores foram tão importantes quanto, mas deixei a memória livre para trazer os primeiros que evocassem boas recordações. Após esse breve saudosismo explicativo, chegamos ao Quadro 3, com a caracterização de cada uma das participantes desta pesquisa, na ordem em que foram entrevistadas. Quadro 3 _ Descrição das participantes da pesquisa Outros Início Anos de lugares Na ativa ou Área de Participantes Idade Formação na atuação de não atuação RME atuação Aposentada Biologia Escolas há 1 ano. 31 (19 na de EI e Ilse 51 Pós: 2002 Atuando em Área 1 RME) Rede Microbiologia outra Particular matrícula. Aposentada História há 4 anos. Suzana 54 1991 27 - Atuando em Área 1 Pós: Inclusão outra matrícula. APAE Pedagogia (estágio), 30 (14 na Inês 54 em séries 2009 RME Atuando. Área 1 RME) iniciais (Santa Catarina) Biologia Área 1, Aposentada Magda 53 Pós: 1991 30 - coord. e há 3 anos. Psicoped. direção Pedagogia Pós: 23 (20 na Escolas Berenice 44 Psicoped. 2003 Atuando. Área 1 RME) de EI Clínica e Institucional Ed. Fís. Jane Aposentada Ed. Fís. 56 Pós: Ed. do 1988 28 - há 7 anos. de Área 1 Movimento Fonte: Elaborado pela autora, com base nos dados das entrevistadas. 89 Conforme também descrito no capítulo sobre o método, a discussão dos resultados foi realizada por meio da análise de conteúdo, com as categorias apresentadas no quadro a seguir: Quadro 4 _ Categorias, subcategorias e foco Categoria Subcategoria Foco Início da trajetória (primeiros movimentos de inclusão, transição da classe especial para a escola comum). Inclusão escolar: Concepções Momento inicial com os primeiros estudantes com primeiros movimentos sobre inclusão deficiência (pensamentos, reações, atitudes, escolar expectativas, anseios). O que pensa da inclusão hoje (barreiras, o que Inclusão escolar: avançou, o que precisa mudar, aspectos atitudinais dos questões atuais professores). A questão da Nomenclaturas e expressões utilizadas pelos linguagem professores, comentários sobre o uso da linguagem. Ênfase ao diagnóstico, aos atendimentos e à Concepções Modelo médico e medicação. Ou atenção às barreiras (arquitetônicas, sobre a modelo social atitudinais, comunicacionais) e ao saber pedagógico e deficiência às potencialidades. O capacitismo na Capacitismo: expectativas, falas sobre a aprendizagem prática dos estudantes com deficiência. Importância e presença de oferta de cursos, palestras Formação continuada para os professores (conhecimento, informação). Recursos para a Diferentes apoios ao professor de sala de aula: Sala de escolarização: Rede de apoio Recursos/professores do AEE, coordenação, direção, desafios entre cuidadoria. o ideal e a realidade Flexibilização Necessidades e demandas da flexibilização e curricular adaptação curricular. Fonte: Elaborado pela autora. Com essas informações iniciais postas, segue-se para a análise de cada uma das categorias e subcategorias, divididas em capítulos e seus respectivos subtítulos. 6.1 CONCEPÇÕES SOBRE INCLUSÃO ESCOLAR A primeira categoria a ser analisada refere-se às concepções sobre inclusão escolar no início das trajetórias docentes e nos dias atuais. Pensou-se em iniciar com a análise desta categoria, considerando que as crenças e os valores que constituem 90 o sujeito influenciam em suas práticas educacionais, sendo que estas serão abordadas nas demais categorias. É válido relembrar o que foi apontado nas considerações éticas sobre o não julgamento das informações obtidas nas entrevistas, mas sim o intuito de compreensão de como essas concepções se constroem, se solidificam ou se transformam ao longo do tempo, e de como elas influenciam e refletem nas práticas educacionais, como também compreender de que forma ocorre o processo de mudança dessas concepções e valores subjetivos, contribuindo com a ruptura atual e gerando, ao longo dos anos, mudanças coletivas. Pretendia-se pautar o pensamento sobre a inclusão escolar no início das trajetórias docentes e nos dias atuais, a fim de que fosse possível situar as mudanças ocorridas ao longo do tempo. A partir da análise das entrevistas, notam-se essas mudanças; por esse motivo, esta categoria divide-se em duas subcategorias, trazendo essas informações referentes aos primeiros movimentos da inclusão e as percepções dos professores quanto a esse período e, por segundo, a percepção sobre a inclusão escolar nos dias atuais. 6.1.1 Inclusão escolar: primeiros movimentos A partir do Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade (MEC, 2003), do qual Caxias do Sul foi um dos 14 municípios-polo, os primeiros movimentos de transição dos estudantes com deficiência das classes especiais para as turmas comuns foram acontecendo na RME do Município, e se fortaleceram com a implantação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva _ PNEE (Brasil, 2008a). O início do processo de inclusão foi marcado por desafios e inseguranças das professoras entrevistadas diante do novo e desconhecido, conforme pode ser visto nos seguintes trechos das entrevistas: Suzana: “Os professores no primeiro momento tiveram impacto muito grande, porque a gente pensou como a gente vai lidar com uma criança especial? [...] Então, inicialmente, a gente ficou meio que em choque, meio que desesperadas sem saber como agir”. Magda: “Eu ‘tava’ desesperada. Eu pensei que eu não ia dar conta. [...] Eu acho que foi uma bagunça generalizada, digamos assim, nessa transição, porque as pessoas estavam se organizando e ‘tava’ meio bagunçada ainda e nessa desorganização as pessoas estavam pecando. [...] Ninguém sabia o 91 seu real papel e as coisas ficavam por fazer. [...] Era o diferente, era o não saber lidar. Era o desconhecido. Era o medo”. Jane: “Ah ... eu acho que era não era fácil, porque cada criança tinha alguma coisa, algum problema diferente uma da outra. Então, às vezes a gente ficava com os cabelos em pé ‘né’! [...] Ah... ‘pra’ gente era tudo novo ‘né’!. Eu acho assim que a escola não foi bem preparada para receber isso. Veio tipo assim, caiu de paraquedas e a gente teve que dar um jeito. [...] Quando apareceu numa primeira série um síndrome de down e daí a gente ‘Meu Deus’”. Inês: “Eu não estava preparada, então eu fui aprendendo. [...] Era uma coisa meio assim: a situação vinha e gente via o que fazer. Era meio no grito”. Berenice: “Ai, impotente! Uiii, gentee do céu, perdida, eu não sabia o que fazer, de onde partir, o que fazer com ele ‘né’! [...] A gente ficava meio assustada e eu não me lembro de ter esse olhar que hoje a gente tem na escola”. Ilse: “A gente ficou muito nervosa, muito ansiosa. Eu lembro que a gente se perguntava como quando e de que forma o tempo inteiro, que não ia dar certo. [...] Eu lembro que na época tinha uma coordenadora que trabalhava comigo [...] ela disse assim para nós: ‘Gente, vamos ficar calmos, porque assim oh isso já foi feito na Europa assim, eles primeiro jogaram o problema ‘pra’ dentro das escolas, e depois a gente vai ajeitando do jeito que dá’. E eu fiquei com aquela fala e ‘tá’ vamos ver o que acontece, e vamos fazer o que é possível ser feito. Mas muito nervosa, muito ansiosa, porque ‘daí’ sim, iam vir crianças que nem estavam na escola ‘né’, ia vir gente de entidades, iam vir de casa”. O medo, o despreparo e a insegurança são marcados por expressões que se repetem ou se assemelham, como: impacto, choque, desespero, impotência, perdida, bagunça generalizada, cabelos em pé, paraquedas, no grito, ansiosa, nervosa, vamos ver no que dá. Considerando as falas das professoras acerca da impotência diante do novo, o desejo de aprender _ mesmo que, num primeiro momento, ninguém sabia como agir _ possibilita que a mudança ocorra e que a estrutura estabelecida se organize de novas formas. Remete-se aqui às ideias apresentadas no Capítulo 3, envolvendo o conceito de cultura e as possibilidades de reprodução e transformação no espaço escolar e, para isso, a necessidade de mudanças culturais. Bauman (2012) explica que a cultura sempre produz mudanças, mas que essa mudança só pode ser produzida por meio do esforço de ordenação. O impacto da escolarização das crianças com deficiência pode ser explicado pelas expressões antagônicas utilizadas pelo autor, aqui novamente mencionadas: inovação e preservação, descontinuidade e prosseguimento, novidade e tradição, rotina e quebra de padrões, mudança e monotonia da reprodução, inesperado e previsível. 92 Não há como deixar de comentar a fala da professora Inês, referente à preocupação com a chegada de crianças que precisariam de ajuda e estariam incluídas numa turma de mais ou menos 30 crianças: Inês: “Eu sei que foi um rebu. Assim, uma confusão! Todo mundo se perguntando como é que ia ser, de que forma que a gente ia atender, porque nós estamos falando de turmas de 25, 30 crianças e de repente tu tem uma criança lá que precisa de muita ajuda”. A percepção não somente sobre a inclusão escolar, mas a marca da crença presente na época, no início dos anos 2000, é pontuada pela fala das professoras Inês e Ilse: Inês: “Não lembro de alguém perceber que essas crianças deveriam estar numa escola normal digamos assim. Eu acho que se pensava na época que essas crianças estavam no lugar certo que era a educação especial”. Ilse: “A gente tinha outra demanda, a gente não tinha o olhar para isso”. Como as duas professoras explicitam, no início dos anos 2000, o comum para a época era de que as crianças com deficiência frequentassem as escolas ou classes especiais; ou seja, de forma geral, não se pensava nas escolas regulares sobre essa questão. Estas reflexões das professoras entrevistadas tornam ainda mais compreensíveis as reações lembradas por elas, pois a inclusão das crianças com deficiência nas classes regulares era uma situação nova que ia de encontro ao que se acreditava como adequado na época _ crianças com deficiência em escolas ou classes especiais. Apesar do Programa do MEC (2003) e das alterações legislativas garantindo a inclusão dos estudantes com deficiência na rede regular de ensino, como foi visto no decorrer da dissertação, as mudanças não ocorrem de um dia para o outro, pois dependem da interpretação destas leis e da forma que serão aplicadas, principalmente, como apontam Valle e Connor (2014), nas relações entre os professores e estudantes, que são pautadas pelas reações, reflexões e interpretações. Nesse processo de mudanças, novas ideias, reflexões, percepções e práticas foram surgindo, mas não da noite para o dia, após a implementação de uma lei, mas sim, gradativamente, da maneira que acontecem os processos de mudanças na sociedade, como poderá ser visto na subcategoria a seguir. 93 6.1.2 Inclusão escolar: questões atuais A reflexão e autocrítica sobre suas trajetórias docentes no que se refere ao processo inicial de escolarização das crianças com deficiência e à inclusão escolar estão presentes nas falas das professoras, o que demonstra um processo de mudança subjetiva fundamental para contribuir com a mudança coletiva que vai acontecendo ao longo dos anos. A autorreflexão é o primeiro passo para a mudança, retomando a ideia de Morin (2003), de que a reforma do ensino e a reforma do pensamento estão vinculadas entre si. Na mesma linha de pensamento, Mantoan (2015) aponta que é preciso romper os paradigmas e transformar o pensamento. A autora destaca que é preciso flexibilidade entre os nossos pensamentos e sentimentos que entram em conflito. Nos trechos da fala da professora Berenice, percebe-se esse conflito de pensamento, questionando-se de como era possível não haver algo que hoje parece tão natural dentro do espaço escolar: “[...] Não tinha flexibilização e hoje eu fico pensando ‘né’ como é que não tinha ‘né’?! E a gente ia trabalhando e a gente ia tentando fazer o que a gente conseguia”. Já a professora Suzana afirma que a inclusão escolar depende da atitude de cada professor e, com isso, demanda uma mudança de pensamento e atitude desde o início do processo de escolarização das crianças com deficiência. Esse pensamento revela-se no seguinte trecho: Suzana: “Mas depende muito de pessoa para pessoa, de professor para professor, porque alguns professores simplesmente ignoraram esse atendimento especial dessa criança, que ela é uma criança especial. Até hoje ainda tem muitos professores que não se sentem à vontade e que meio que rejeitam esse tipo de criança em sua sala de aula. Essa é a verdade!”. Mais adiante, a mesma professora reflete sobre as mudanças que ocorreram em si mesma durante sua trajetória docente, reconhecendo que esse processo aconteceu aos poucos. Também revela acreditar que essas mudanças foram fundamentais para compreender como trabalhar com estudantes com deficiência: Suzana: “Bom, assim, gradativamente, a gente amadurece. Do começo para agora eu amadureci muito e vai despertando dentro da gente o afeto, a responsabilidade que tu tem com aquela criança e tu vai descobrindo necessidades e coisas que antes tu não via”. 94 De acordo com o raciocínio da professora Suzana, para Siqueira, Dornelles e Assunção (2020), o rompimento das demais barreiras (físicas, arquitetônicas, tecnológicas, de comunicação, dentre outras) depende do rompimento da barreira atitudinal. Pode-se dizer que, mesmo que todas as demais barreiras sejam transpostas, se perdurar a barreira atitudinal, a exclusão permanece. Ao prosseguirem nas suas falas referentes à inclusão escolar nos dias atuais, algumas professoras revelam que ainda não conseguem compreender a inclusão como um processo natural que leva em conta a diversidade e que pode ocorrer de forma efetiva com todos os estudantes. Entendem que alguns estudantes deveriam ser atendidos em outros espaços escolares. E que, para isso, seria preciso avaliar os estudantes antes de incluí-los na escola: Magda: “Na verdade, eu sempre fui muito crítica com essa questão da inclusão ‘né’! Eu fico pensando assim, eu me questionei várias vezes o quão vale a inclusão, colocando os prós e os contras ‘né’! Então, assim crianças que eu acho que que podem estar inseridas, que tem uma deficiência física, uma deficiência auditiva, uma deficiência visual, eu acho bem positiva, ou que tem uma deficiência leve, estar numa sala de aula no ensino regular, essas crianças elas vão conseguir se integrar com as demais, porque a grande parte também da inclusão é a socialização das crianças. Então, elas vão conseguir socializar, elas vão conseguir estar com seus iguais, seus coleguinhas, compartilhando e fazendo troca. A minha grande questão se é válida uma criança com paralisia cerebral, uma criança com um autismo severo, que só berra, grita, bate, estar inserido numa sala de aula. Quais os ganhos que essa criança tem e quais os ganhos que os colegas têm? Porque quando a gente fala de inclusão, a gente tem que ver também que tem os outros que estão na sala de aula que a gente não pode excluir, eles também têm que ser incluídos. [...] Sinceramente é fazer essa triagem de ver se essa criança realmente consegue estar em sala de aula, se tem um espaço para ela estar em sala de aula, os ganhos que ela tem em estar em sala de aula”. Inês: “Eu acho que tem algumas crianças que devem estar, apesar de não atingirem todos os objetivos que a gente tem da série. Agora, sinceramente, tem algumas crianças que eu acho que deveria ser de uma forma diferente. Opinião minha assim, eu penso talvez porque não esteja preparada para trabalhar. [...] No início, eu também pensava que algumas deficiências não deveriam estar ali. Mas eu continuo pensando que ainda não sei até que ponto é válido eles estarem todos os dias na escola”. Jane: “Bom, eu penso assim na inclusão de criança teria que antes da criança ir para uma classe regular teria que ser ‘feito’ uma boa avaliação de todos os aspectos dele. [...] Dependendo da deficiência, eu acho que eles teriam que ir para uma escola tipo João Pratavieira37”. Dessa forma, pode-se dizer que a inclusão não estaria configurando como direito de todos, como preconiza a PNEE (Brasil, 2008a), mas sim estaria sendo feita 37 Escola Estadual de Educação Especial do Município de Caxias do Sul. 95 uma seleção, ainda determinando quem pode ou não pode pertencer ao espaço escolar. Importante salientar que, neste momento de reflexão que se referia à inclusão escolar nos dias atuais, as entrevistadas, ou pediram para desligar o gravador, ou questionaram se poderiam falar o que realmente pensavam sobre o assunto. Essas atitudes presentes nas entrevistas demonstram mais uma vez esse conflito de pensamento entre as crenças estruturadas na sociedade da época do início da inclusão e as mudanças que foram ocorrendo nas últimas décadas. Nesse momento da entrevista, foi necessário relembrar os objetivos da pesquisa, que não tinha intenção de julgamento, e sim de compreensão sobre o processo de inclusão, com seus avanços e desafios. Com essa explicação, as entrevistadas concordaram com a retomada da gravação. Esse conflito de ideias e incertezas sobre a inclusão como direito de todos pode justificar-se pelo processo de inclusão escolar ser ainda recente na história da educação: duas décadas não apagam todo o histórico de segregação desses estudantes em classes especiais, sendo esta forma de educação vista como natural há relativamente pouco tempo atrás. É importante lembrar que um dos critérios na seleção dos participantes era ter atuado antes ou no início dos anos 2000, quando recém se iniciava o processo de escolarização das crianças com deficiência. Estas professoras vivenciaram uma mudança muito significativa da história da educação, o que justifica, mais uma vez, o conflito de pensamento e percepções sobre a inclusão escolar. Também importante salientar nas falas acima a preocupação com crianças com “deficiência severa” e a percepção de que as escolas não estão estruturadas para receberem essas crianças. O que se pode lançar como questionamento inicial é se a solução ideal seria estas crianças frequentarem espaços segregados ou as escolas regulares modificarem suas estruturas para recebê-las? Já a professora Suzana e a professora Ilse ponderam que estas crianças poderiam permanecer um período reduzido na escola, o que é direito garantido por lei, como citado pela professora Ilse: Ilse: “E outra coisa é o tempo desses alunos na sala de aula. Eu acho que eles deveriam ter um tempo reduzido, eles não aguentam. Eles não têm estrutura para quatro horas de aula sentados, por mais que tu faça dupla, faça trio, tu mude atividade, é muito longo o tempo para uma criança que tem essas dificuldades. ‘Tá’ prevista em lei a flexibilização de horário. Acho que isso tinha que ser mais levado a sério sabe?! Assim, ‘vou conseguir fazer, vou dar meu máximo com ele até às 15h’, o limite dele. ‘Pra’ gente não ficar 96 exaurindo essas crianças, que não sei até que ponto é positivo a gente massacrar eles dentro da escola ‘né’!”. Suzana: “[...] outras crianças precisariam ficar apenas um período e depois ir para casa, porque não tem condições, elas se cansam. Por isso, tem crianças que a gente realmente tem que pensar se ela pode ficar o período inteiro numa sala de aula ou não, porque depois se torna inviável, e não é justo com as outras crianças que estão ali ‘né’! Então depende muito da dificuldade da criança especial que a gente vai atender”. Torna-se compreensível a preocupação das professoras com as crianças que demonstram cansaço dentro de uma sala de aula, levando em consideração a estrutura das escolas. As questões que surgem a partir dessa reflexão são: A escola referida pelas professoras é somente o espaço da sala de aula? Onde, portanto, estas crianças deveriam estar no tempo em que se cansaram de permanecerem sentadas? As demais crianças têm direito ao período de quatro horas na escola. As crianças com deficiência, como previsto no artigo 20, da Resolução 35 do CME (Caxias do Sul, 2017) têm o direito de redução de horário, preconizando que a limitação dos horários de permanência nas turmas do ensino regular ocorre no caso de possibilidade de risco a si mesmo e/ou aos demais, bem como em casos extraordinários, mediante avaliação da escola e da mantenedora. Ainda conforme a Resolução, a adaptação das crianças com deficiência também pode ser progressiva, considerando as possibilidades adaptativas de cada um(a), sendo que sua permanência durante o horário integral na escola depende de avaliação prévia a ser realizada periodicamente. Com isso, outras questões surgem para reflexão: E se a família não tiver estrutura para atender esta criança durante este período, devido à sua necessidade de trabalho? Deverá ser segregada, novamente, ao espaço da escola especial? Qual o papel do poder público nessa questão, garantir o direito de alguns ou de todos? As escolas não deveriam se reestruturar, adaptando espaços e qualificando os profissionais para que também possam atender esse estudante, mesmo cansado de permanecer sentado em sala de aula? Pois cansado ou não, em algum local, em casa, na escola especial ou na escola regular, ele estará. O necessário é que a escola, por meio de suporte financeiro, estrutural, governamental, tenha possibilidades de oferecer diferentes espaços adaptados para esses estudantes. A prerrogativa da lei não pode ser compensar a falta de estrutura da escola. Em contrapartida, o direito à carga horária reduzida deve ser garantido, para justamente atender às necessidades 97 específicas de algum estudante que, devido às suas peculiaridades, necessite desse tempo reduzido. Cabe comentar que a inclusão de crianças com deficiência que demandam um nível de suporte maior ainda é um grande desafio para as escolas, como apontado pelas professoras. Elas acrescentam que a escola não conta com professores preparados para lidar com momentos de crise, ou não são ensinados como conter uma criança quando agride outra, como também não há espaços adequados para oferecer a estas crianças, que precisam de um currículo totalmente adaptado. Apesar dos desafios enfrentados pela escola para a inclusão destas crianças, é possível dizer que o giro no olhar dessas questões também é necessário. Deixa-se novamente o questionamento: são estas crianças que não se adaptam à escola, ou a escola não está estruturada para recebê-las? Salienta-se mais uma vez que, nesta fala, não se está julgando o posicionamento das professoras, mas sim reconhecendo que ainda há uma caminhada para trilhar, e que esta não depende apenas dos professores, seja transpondo barreiras estruturais, físicas, materiais ou atitudinais, como também oferecendo suporte para os professores, dentro e fora da sala de aula e, ainda, além dos portões da escola. Em contrapartida, mais adiante, a professora Magda e a professora Ilse percebem pontos positivos na inclusão, no que diz respeito à compreensão pelos demais estudantes em relação às diferenças: Magda: “Mas ao mesmo tempo, eu acho que ajuda as outras crianças aceitarem essa criança de elas verem que ‘existe’ crianças diferentes por aí e que elas têm que aprender a respeitar, que nem todo mundo é igual e eles vão encontrar crianças assim na vida dele na rua ‘né’ em algum lugar e eles vão ter que aprender a lidar, porque são seres humanos também e que precisam do nosso carinho, nosso respeito”. Ilse: “O que eu acho bem positivo também é que o olhar dos alunos, dos demais colegas, é muito natural”. As colocações acima demonstram que a convivência com as diferenças desde cedo contribui com a naturalidade nas relações e respeito entre todos. Considerando que as relações se constroem também influenciadas por aspectos culturais, pelas crenças e valores que são construídos e transmitidos na nossa constituição como sujeito, ou seja, nas convivências familiares e escolares, é fundamental que as crianças convivam com todos, assim possibilitando um avanço a mais para a inclusão social e escolar das próximas gerações. Retoma-se o questionamento lançado na 98 introdução da dissertação diante da falta de acolhimento de uma criança com deficiência física por seus colegas, no início dos anos 1980: “Será que uma situação semelhante nos dias atuais teria o mesmo desfecho? As crianças de quatro ou cinco anos, ou de qualquer outra idade, hoje, convivem de forma mais natural com as diferenças e deficiências? Se sim, ou se não, por quê?”. A professora Berenice, além de também vislumbrar pontos positivos na inclusão, percebe que já houve muitos avanços desde o início deste processo. Mesmo assim, também ainda se questiona se, em alguns momentos, a inclusão está acontecendo de verdade, mas não indica como as professoras anteriores que os estudantes deveriam estar em outro espaço: Berenice: “O que eu percebo. Mudou muito. Muito! Muito! A gente vem percebendo que cada vez mais há uma preocupação muito grande com a inclusão ‘né’! Mas muitas vezes a gente se questiona até que ponto alguns alunos são incluídos. Será que eles estão sendo incluídos mesmo?”. Seguindo nessa linha de pensamento, a professora Ilse também percebe mudanças atitudinais em sua atuação como docente: Ilse: “Tem uma história até engraçadinha que eu fui fazer um ditado com uma aluna minha. Ditado?? Olha a ideia!! Fazer um ditado com ela. Eu disse: ‘tu vai escrever com as letrinhas que tu tem na tua cabeça’. Ela começou a chorar e disse: ‘Eu não tenho letra na minha cabeça’ [risos]. ‘Daí’ eu vi que eu não sabia nada. Eu não sabia nem como trabalhar”. Pode-se dizer que o entendimento de que cada criança é diferente uma da outra e de que o desafio do trabalho docente sempre se renova está presente nas falas das entrevistadas. A autorreflexão presente nas entrevistas demonstra, além do reconhecimento das mudanças que ocorreram na história da educação, o reconhecimento das mudanças subjetivas, fundamental para que o processo de inclusão avance cada mais. Um dos maiores desafios que se apresenta é adaptar a estrutura da escola, o que não depende, é claro, apenas da boa vontade dos professores. Mas também há o desafio de transformar o papel que aprendemos a desempenhar como professores, deixando de lado uma educação com valores classificatórios, e sim, abrindo espaço, como colocam Lima, Ferreira e Lopes (2020), que valoriza as habilidades e potencialidades de cada um, das suas maneiras diferentes de aprender e de se relacionar, permitindo a cada criança ser como é. 99 Finalizando esta categoria, destaca-se a questão trazida pela professora Berenice, referindo-se a alguns estudantes com deficiência: “Será que alguns alunos estão sendo incluídos mesmo?”. Assim, segue-se para a categoria sobre as concepções sobre a deficiência, concepções que influenciam profundamente as relações e práticas educacionais. 6.2 CONCEPÇÕES SOBRE A DEFICIÊNCIA Esta segunda categoria refere-se às concepções sobre a deficiência que aparecem nas falas das professoras, embasando-se nos Estudos da Deficiência, tendo como foco os modelos médico e social, bem como o conceito de capacitismo. Leva-se em consideração, ainda, que as práticas sociais e as práticas pedagógicas são pautadas nas crenças e valores adquiridos social e culturalmente. Portanto, analisar as concepções em relação à deficiência construídas na sociedade e reproduzidas no ambiente escolar torna-se fundamental para compreender as práticas docentes e as suas transformações ao longo do tempo. Essas concepções e práticas são representadas na linguagem, que também tem papel importante na mudança de conceitos. Para tanto, esta categoria subdivide-se em três partes: a questão da linguagem, o modelo médico x modelo social e o capacitismo na prática. 6.2.1 A questão da linguagem Nepomuceno, Assis e Carvalho-Freitas (2020) afirmam que os paradigmas podem ser analisados a partir da linguagem utilizada e pelos sentidos atribuídos a ela. Da mesma forma, a mudança de algumas terminologias pode contribuir com a quebra de paradigmas, resultando em transformação cultural. Pela leitura e análise das falas das professoras, ainda se percebe o uso de termos que não se consideram mais adequados para referir-se às pessoas com deficiência, principalmente na fala das professoras com mais tempo de docência, como a professora Suzana e a professora Ilse, que utilizaram termos como “criança especial”, “deficiência mental”, “aluno especial”, “aluno com necessidade especial” ou “aluno de educação especial”. Termos como “especiais”, conforme Sassaki (2003a), disfarçam, camuflam, diminuem a deficiência, não mostrando a deficiência com dignidade. 100 A professora Suzana, com o intuito de diferenciar as crianças com ou sem deficiência, diz: “Eu me sinto assim uma pessoa preparada para receber as crianças especiais e também que não são especiais” (grifo nosso). Já a professora Ilse também demonstra a intenção de diferenciar as crianças com ou sem deficiência e, para isso, diz: “sem esse CID não se tem atendimento, eles são crianças normais” (grifo nosso), o que deixa subtendido que as crianças com deficiência se encaixariam no grupo das “não normais”. O sentido que se pode atribuir ao uso dessa linguagem remete ainda aos padrões sociais de normalidade, valorizando os corpos úteis para a sociedade capitalista, como também percebendo a pessoa com deficiência como passível de necessidade de aproximação ou cura para a normalidade esperada pela sociedade, conforme estudos de Diniz (2003) e Mello (2014). A professora Magda reitera a utilização de um termo mais recente, mas que também está caindo em desuso: “um aluno com necessidades especiais ‘tá’ lá no sexto ano, esse aluno não vai acompanhar o sexto ano como os demais” (grifo nosso). O termo em destaque, além de manter o vocábulo “especial”, já analisado em parágrafo acima, poderia indicar que somente as crianças com deficiência possuem necessidades especiais. Levando em consideração que cada criança é única em suas especificidades, habilidades, potencialidades, dificuldades, enfim, nas suas necessidades, o termo “aluno com necessidades especiais” para referir-se somente às crianças com deficiência perde o sentido. Em outro momento, a professora alterna em sua fala para a expressão “esses diferentes com suas especificidades”. Embora aqui use outro termo, ainda denota a ideia de que as crianças com deficiência são diferentes das demais. A professora Inês utiliza a expressão “problema”, ao explicar a atitude de uma estudante com deficiência: “Ela explicava para os outros qual era o problema que ela tinha, que ela era portadora. Ela era maravilhosa assim, uma aluna fantástica, mas com aqueles probleminhas assim” (grifo nosso). O termo “portadora” é bastante criticado por autores como Sassaki (2003a), pois denota a ideia de que a pessoa carrega a sua deficiência, como algo à parte, que não constitui o sujeito, sendo então substituída por “com deficiência”. No início da entrevista com a professora Jane, o termo “problemas mentais” aparece mais de uma vez, quando esta se refere ao início do processo de inclusão. Mas logo em seguida, como uma autocrítica, comenta a mudança na maneira de 101 designar as crianças com deficiência: “Naquela época a gente usava esse termo tem algum problema ‘né’!” (grifo nosso), demonstrando perceber a mudança na sua fala e a percepção sobre a deficiência. No decorrer da entrevista, ao referir-se aos estudantes com deficiência, demonstra preocupar-se em não repetir o termo anterior, referindo aos estudantes com deficiência apenas com “eles”: “eles não vão ‘pra’ frente na aprendizagem” (grifo nosso). As cinco professoras _ _Suzana, Ilse, Magda, Jane e Inês utilizam apenas o termo “com deficiência” quando têm o intuito de diferenciar as deficiências, como as que citam em suas falas: “deficiência visual”, “deficiência auditiva”, “deficiência física”, ou quando falam de forma geral, como “outros tipos de deficiências”. Já a professora Berenice, apesar de em alguns momentos ainda utilizar o termo “especiais”, “com algum problema”, ou “com diagnóstico”, na maior parte de sua entrevista utiliza o termo atual e mais adequado “alunos com deficiência”, intercalando os termos na sua fala, como no trecho a seguir: “não se via tanto criança com deficiência, os especiais” (grifo nosso). Esta foi a única professora que se referiu às crianças com deficiência dessa maneira, sem que fosse com o intuito de categorizar as diferentes deficiências, como explicado anteriormente. Como a linguagem está relacionada à cultura, é esperado que as professoras com mais tempo de docência utilizem termos mais comuns à época, mas que hoje estão caindo em desuso. O fato de que nas falas das professoras termos mais antigos e novos se intercalam demonstra que a mudança na linguagem está ocorrendo e que, aos poucos, vai sendo incorporada pelos professores atuantes. Pode-se reforçar essa ideia pelo fato de que na fala da professora Berenice, mais nova de idade e atuação, a expressão “com deficiência” aparece mais naturalmente e é mais repetida que as demais expressões. Entretanto, mais importante que deixar de lado algumas expressões e incorporar outras, é compreender os motivos pelas quais as usamos. Pela linguagem utilizada pelas professoras entrevistadas, além de analisar os termos utilizados que se referem aos estudantes com deficiência e os sentidos atribuídos a esses termos, também é possível identificar algumas falas que dizem respeito aos modelos médico e social da deficiência, que demonstram mais claramente as concepções das professoras em relação à deficiência, como será visto no subtítulo seguinte. 102 6.2.2 Modelo médico x modelo social Estudando os modelos médico e social da deficiência, compreende-se que a ênfase do modelo médico está nas questões biológicas do indivíduo, colocando-o como responsável pela sua deficiência, sendo a medicina a possibilidade de cura, reabilitação e aproximação o mais possível da normalidade padrão da sociedade; por outro lado, o modelo social da deficiência muda esse olhar, percebendo o encontro da estrutura da sociedade com as questões individuais como causa da deficiência (Diniz, 2003). Pela leitura das entrevistas, é possível dizer que prevalece o discurso médico referente à deficiência, demonstrando a ênfase em diagnósticos, medicação e tratamento médico nos ambientes escolares. Nas falas apresentadas na categoria sobre as concepções sobre a inclusão, a maior parte das professoras reconhecem que as estruturas das escolas não estão adaptadas para receber alguns estudantes. Como solução a esta questão, indicam que estas crianças deveriam frequentar outras instituições, e baseadas em suas concepções, ainda não visualizam a possibilidade de que a escola poderia ou deveria adequar-se para acolher a todos, independentemente de suas condições biológicas ou físicas. Sobre a visão médica da deficiência, são trazidas algumas falas mais longas, mas que expressam e explicam bem a questão que se quer debater: Magda: “Hoje foi avançando muito essa questão do diagnóstico ‘né’! Hoje em dia também tem critérios mais rígidos e mais certeiros de quais crianças que devem frequentar a Sala de Recursos ou não. Anteriormente, a gente ficava na dúvida de quem poderia ser público da Sala de Recursos e de quem não poderia ser. Apesar de a gente às vezes ficar confuso mesmo ‘né’, porque tem crianças que não têm diagnóstico e a gente não sabe diagnosticar. Os pais não procuram ajuda médica e ‘daí’ fica complicado para a escola poder situar. [...] E tinha uma morosidade em conseguir diagnóstico [...], enquanto isso essa criança ficava em tempo integral na sala de aula. [...] O diagnóstico médico é imprescindível. Nós não sabemos diagnosticar um aluno especial. A gente tem até um olhar até muito bom pela prática, mas a gente não é médico. O diagnóstico é fundamental para a gente poder estar atendendo esse aluno. A gente tinha casos de alunos que ficavam um tempo sem diagnóstico, a gente não sabia o que que aquela criança tinha e daqui a pouco lá, através do diagnóstico médico, a gente descobria que era um autista, mas que a gente não sabia bem o que era, porque às vezes parecia ser autista, misturado com altas habilidades, misturado com hiperatividade e a gente fazia uma salada de fruta, não conseguia atender aquela criança de acordo com o que ela era mesmo. A partir do diagnóstico médico, bom é uma autista, bom o que que eu posso trabalhar com autista? É altas habilidades? Bom como é que eu vou trabalhar com esse aluno? Fica tudo mais facilitado ‘né’!”. 103 A professora coloca que os estudantes sem diagnóstico “ficavam” na sala de aula, sem os professores saberem o que fazer com eles. Este mesmo posicionamento aparece nos trechos a seguir: Jane: “Ah, eu acho que é fundamental um diagnóstico dado por um médico. Eu acho que depois que tu tem o diagnóstico, eu acho que tu pode pesquisar mais, o professor. Eu acho que seria a primeira coisa que teria que ter ‘né’?!. ‘Pra ti’ saber assim o que trabalhar direitinho com ele ‘né’! Que isso muitas vezes não sei se a gente não ia atrás, quando via ele ‘tava’ lá, a gente nem sabia direito. Mas eu acho que hoje em dia com a Sala de Recursos eu acho que ‘tá’ mais direcionado”. Ilse: “E esse CID, quando eu entrei no município, eu achava que demorava muito. Todos os encaminhamentos, é muita burocracia ‘pra’ encaminhar, ‘pra’ fazer, ‘pra’ isso, ‘pra’ aquilo, sabe?! Então a gente ia perdendo tempo com essas crianças em sala de aula sem saber exatamente o que ela tinha. Que às vezes é uma sequela da prematuridade, às vezes é uma paralisia cerebral. Mas a gente precisa do CID urgente, enquadrar essa criança. Hoje em dia assim é mais rapidinho para isso. [...] Enquadrar os atendimentos, a flexibilização, porque ‘daí’ tu vai no Google e tu digita o CID, e tu vai ver quais são os comprometimentos. Então, sei lá, tem problema motor, então vou focar na parte motora. Ah... e tem atraso na fala, vou focar em atividades que eles desenvolvam a fala. Então tem todas essas coisas que ele norteia o trabalho”. No último recorte acima, a professora Ilse comenta que, após ter conhecimento do CID, pode pesquisar na ferramenta Google sobre a deficiência, para assim compreender as necessidades específicas do seu aluno. Diante deste posicionamento, é possível questionar-se sobre os motivos que levam a uma busca de caracterização, nomeação ou classificação para as especificidades de cada um. Será que a cultura reproduzida dentro das escolas ainda persiste em pautar-se nos valores classificatórios da educação, apesar de todo o avanço dos debates sociais em relação ao reconhecimento da diversidade? A busca por informações não estaria revelando algo fundamental para os professores e que está faltando dentro do espaço e tempos da escola? A formação continuada não seria um caminho para conhecer, debater e encontrar soluções para práticas inclusivas que reconheçam as especificidades de cada estudante como únicas, e não passíveis de classificação por um CID? Sobre este tópico _ formação continuada _, abordaremos na próxima categoria. Ainda analisando os trechos acima, torna-se visível a relevância dada ao diagnóstico médico como imprescindível para atender os estudantes com deficiência. O interessante a se destacar é que também se nota que as características dos estudantes são perceptíveis aos professores e que, apesar disso, ainda há a expressa 104 a necessidade de enquadrá-los num CID, só assim visualizando como possível atender as especificidades antes já percebidas. Este é o ponto relevante que gera mais alguns questionamentos: Por que da necessidade de enquadramento num CID, quando as especificidades, potencialidades ou dificuldades do estudante já foram visíveis antes mesmo desse enquadramento? A preocupação com a busca pelo CID não poderia ser substituída com a preocupação de como trabalhar determinada dificuldade ou potencialidade já percebidas, independente do enquadramento nesta ou naquela categoria diagnóstica? Portanto, é coerente afirmar que a preocupação com as diferentes formas de ensinar e aprender deveria ser mais relevante do que a preocupação em nomear o que esta ou aquela criança tem ou não tem. Viabilizar respostas para esses questionamentos demanda uma mudança de pensamento em relação às crenças estabelecidas dentro das escolas: crenças relacionadas à história da educação, como a organização de classes homogêneas; crenças relacionadas à valorização do currículo padrão e resultados funcionais da aprendizagem; e, ainda, crenças relacionadas à história da deficiência, colocando-a numa posição de inferioridade, passível de cura, ou numa posição que demande uma aproximação da “normalidade”, vista como necessária para o convívio em sociedade. Cabe ainda acrescentar que, com base de Glat, Pletsch e De Souza Fontes (2007), a necessidade educacional específica de cada estudante não é uma característica intrínseca do aluno, nem muito menos uma condição sintomática típica de um determinado grupo, supostamente homogêneo. É sim um produto da interação do aluno com o contexto escolar em que a aprendizagem acontece. Assim, dois alunos com o mesmo tipo e grau de deficiência podem requisitar diferentes adaptações de recursos didáticos e metodológicos. Da mesma forma, um aluno que não tenha qualquer deficiência pode apresentar dificuldades para aprendizagem escolar formal que demandem apoio especializado. Em palavras sucintas, é preciso conhecer cada estudante, não na teoria, mas sim na prática docente, no dia a dia da sala de aula, no convívio com cada um deles, como aparece na fala da professora Suzana: “O dia a dia na sala de aula com o aluno especial é que vai fazer você aprender a lidar com a criança ‘né’! [...] porque a gente somente tendo a criança especial na sala de aula, que a gente vai conseguir saber qual a necessidade dela real”. Outro ponto importante a ser salientado é que o CID não deve ser pré-requisito para o atendimento especializado, conforme a Nota Técnica n. 4 (Brasil, 2014): 105 Não se pode considerar imprescindível a apresentação de laudo médico por parte do aluno com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação, uma vez que o AEE caracteriza-se por atendimento pedagógico e não clínico. A exigência de diagnóstico denotaria imposição de barreiras ao acesso aos sistemas de ensino, configurando-se em discriminação e cerceamento de direito. O AEE deve ser garantido, independente do CID. A garantia do atendimento na Sala de Recursos acontece via CID, ou via processo de avaliação pela SR e Mantenedora, conforme Resolução 35 do CME (Caxias do Sul, 2017). Caso contrário, o laudo médico representaria mais um mecanismo de exclusão, conforme Bezerra (2017, p. 486), baseado nos estudos de Bourdieu (1998), Champagne (1998), Bourdieu; Saint-Martin (1998): O laudo médico, responsável por atestar a suposta deficiência dos estudantes e, assim, garantir seu acesso à SRM [sala de recursos multifuncional], constitui um dos novos mecanismos de exclusão interna e depreciação desses mesmos estudantes, legitimando o não investimento escolar em suas potencialidades. Afinal, eles são despossuídos do capital cultural e/ou da hexis corporal esperados e predeterminados pela escola, convertendo-se nos ‘excluídos do interior’, isto é, presenças ausentes, corpos marcados pela rejeição, física e simbólica, porque socialmente desqualificados e, por conseguinte, inadequados às práticas escolares (grifo do autor). Seguindo na análise do discurso médico que surge nas entrevistas, ressalta-se a intervenção da medicação como meio de normalização, o que indica que a percepção sobre a deficiência permanece majoritariamente pautada no modelo médico, questão criticada por Lima, Braun e Vasques (2021) e que surge na fala da professora Inês. Esta professora traz ainda a crítica e divergência de opiniões em relação ao uso da medicação, problematizando essa prática na primeira infância: Inês: “Não tinha muita coisa de medicação, não chegava a ter esse diagnóstico ‘né’. Muda completamente, quer dizer tu tem uma criança com o diagnóstico, você já vai ter a ajuda da professora do AEE, vai ter o atendimento, os atendimentos no caso. E se for o caso, a questão da medicação, que apesar da gente questionar isso, tem alguns casos que não tem como [ficar sem medicação]. [...] Então assim muda tudo depois do diagnóstico. [...] Tem muita gente que é contra Ritalina. Porque vicia, porque não sei o quê, ‘por que crianças de 6 ou 7 anos sendo medicada?’ [...] Tem muita essa questão assim será que a gente ‘tá’ agindo certo? Olha a minha experiência me diz que ela [a medicação] é necessária para o caso de hiperatividade. O caso de autismo agressivo precisa, porque eu vivi essas experiências e eu senti que se as crianças não estão medicadas elas simplesmente não retêm, elas não conseguem se concentrar”. 106 Com uma posição crítica no que diz respeito aos diagnósticos, as professoras Suzana e Berenice percebem uma generalização e banalização dos diagnósticos médicos: Suzana: “Para eles [médicos] agora é tudo a mesma coisa. Eles só colocam Ritalina, eles colocam remédios, a mesma coisa para todo mundo. Todo mundo agora é autista. Todo mundo agora tem déficit de atenção, então?! Isso não pode acontecer!! Eles não fazem uma análise mais profunda e às vezes não encaminham essa criança para o neurologista ou para um médico que realmente seja necessário para atender ela. E a família aceita, ela chega lá e diz assim: ‘Mas o médico me disse que era isso, o médico do postinho falou que era só isso’. Então eles aceitam ‘né’?! Então isso também é uma falha da própria Rede [...], enfim de todos os municípios. Eu acredito que seja assim, a gente ouve muito que a criança é atendida no postinho e todas têm a mesma avaliação”. Berenice: “[...] Bom, o que eu venho percebendo, isso assim com o passar dos anos ‘tá’, qualquer criança tem qualquer dificuldade, qualquer comportamento característico, por exemplo do autismo, é encaminhada para avaliação. Eu vejo isso muito relacionado ao autismo, ‘é autismo’, ‘tudo é autista’, ‘né’!! Ah... ela não conversa, não olha nos olhos, ela não consegue fazer contato visual ‘ah deve ser autista’. Ah... porque a criança não tem amigos, não se relaciona ‘ah é autista’, sabe?! Gente!! Mas não é só isso!! [...] Então, me parece assim que qualquer coisa que aconteça em relação ao desenvolvimento da criança em que tanto a família quanto o professor não consiga lidar, é especial. Então pode ser falta de limite, pode ser sei lá algum problema psicológico, pode ser qualquer coisa que esteja acontecendo na vida da criança. [...] A gente sabe que ele modificou o comportamento, mas existem mil motivos ‘né’ para mudança de comportamento. Eu acho que não pode se banalizar isso. Toda criança que apresenta certa dificuldade em fala tanto a nível comportamental de aprendizagem que seja o que for não é necessário: ‘Ah vou encaminhar para a Sala de Recursos’. Uma pequena característica diferente, destoou do grupo: ‘É especial’. Cabe ao profissional da educação, o professor referência, o professor que trabalha com esse aluno, os especialistas, de ter um olhar sim para esse aluno de estar apresentando certa dificuldade, de investigar, se perguntar: ‘O que pode ser?’. Muitas vezes é uma dificuldade de ‘ensinagem’, não tem nada a ver com a criança em si, com a dificuldade dela, eu acho que a gente tem que ter esse olhar diferente sim, prestar atenção” (grifos nosso). Os dois recortes acima revelam, além da preocupação com a banalização das classificações diagnósticas e medicalização, uma preocupação com que as necessidades específicas de cada criança sejam atendidas sem o pré-requisito de um diagnóstico. Mais importante ainda é o que a professora Berenice coloca como questionamento para si e para todos os docentes, em outras palavras: “Será que o problema está na criança ou na forma e no que ensinar?”. Nesta preocupação, aspectos do modelo social da deficiência surgem fortemente. Pode-se perceber que esta fala demonstra uma despatologização da dificuldade e uma análise muito mais profunda sobre a relação entre ensino e aprendizagem, indicando a necessidade de 107 um ajuste e adequação do meio para atender as especificidades de cada um, compreendendo que todos são diferentes, independente de um diagnóstico e enquadramento médico. Becker e Anselmo (2020) indicam que os diagnósticos médicos possuem como ponto negativo a rotulação dos estudantes no ambiente escolar. Sobre essa questão, é relevante trazer o relato da professora Berenice sobre um caso específico de um estudante seu, que acabou sendo rotulado como autista: Berenice: “Ele não tinha CID de autista, era uma hipótese ‘né’ que ele tinha. Não sei o que que aconteceu em anos anteriores, ele tinha atendimento na Sala de Recursos, ele tinha até um monitor às vezes com ele, mas o que que eu observei: Era meu aluno, ele ia muito melhor até que alguns outros que não tinha entendimento algum. E aí a gente começou a investigar e a gente se questionou em relação a isso. A gente conversou com a mãe e realmente descobrimos então. As gurias da Sala de Recursos fizeram testagem: ‘não, ele não tem nada’. Inclusive, mudou o comportamento dele depois. Porque pensa o rótulo ‘né’, ele foi assim … ele ‘tava’ no segundo então, ele ‘tava’ com o rótulo de autista do primeiro ano, e sim, sim, ele era meio fechado, não se relacionava com os colegas, mas pode ser muitas coisas, não só autismo. Essa banalização hoje em dia desses CID’s é uma outra grande preocupação nossa ‘né’ enquanto profissionais de educação”. Por mais que o discurso médico da deficiência tenha sido enfatizado pela maior parte das professoras entrevistadas, as últimas falas da professora Suzana e da professora Berenice demonstram a percepção sobre os pontos negativos que o foco e a banalização dos diagnósticos médicos acarretam. Isto indica uma mudança de pensamento, que contribui em muito para o avanço de práticas mais inclusivas. A professora Berenice, principalmente, trouxe contrapontos muito importantes para reflexão, tirando o foco do problema no estudante, e sim reconhecendo que a falha, muitas vezes, pode estar no processo, no que e na forma de ensinar. Acima de tudo, questiona e reflete sobre seu papel como professora e sobre as práticas comuns na escola, atitude reflexiva que é um passo importante para a mudança. Esta atitude reflexiva também demanda o debate sobre o conceito de capacitismo, ainda não difundido na sociedade e nas escolas. Por mais que ainda não seja discutido, o capacitismo é reflexo das concepções sobre a deficiência e, portanto, precisa ser reconhecido, a fim de que possa ser também combatido. Na subcategoria a seguir, será analisado o capacitismo na prática educacional, a partir das falas das professoras entrevistadas. 108 6.2.3 O capacitismo na prática Considerando a existência de barreiras atitudinais para a inclusão em geral, pode-se afirmar que as práticas docentes baseadas em crenças e valores de uma educação classificatória, de uma aprendizagem padrão e com resultados funcionais representam essas barreiras para a inclusão escolar. Pode-se dizer que o capacitismo está presente, mesmo que inconscientemente, na fala da maior parte das entrevistadas, principalmente representando a expectativa de aprendizagem padrão da escola, como também a valorização da funcionalidade. Como indica Mello (2014), o capacitismo se apresenta de diversas maneiras, como discriminação, inferiorização, preconceito e também como valorização dos aspectos funcionais dos indivíduos. Importante salientar novamente que os posicionamentos não estão sendo alvo de críticas, como uma forma consciente de discriminação, mas sim como um reflexo das crenças e padrões estabelecidos na sociedade. Estas expectativas não são apenas dos professores, mas sim das famílias, como expresso nas seguintes falas, nas quais as professoras demonstram uma preocupação de como lidar com essa situação: Suzana: “Os pais achavam que as crianças jamais poderiam frequentar uma escola, mesmo que fosse, enfim, para participar do coletivo, enfim, se socializar ‘né’! Elas achavam que não, mas aos poucos isso foi acontecendo. Foram trazendo para a escola [...] E foi dessa forma então gradativamente. Essa criança sempre foi excluída da própria família, principalmente da própria família, que achava que tinha que mantê-lo assim em casa sem nenhum tipo de atendimento especial, tinham vergonha, a maioria dos pais tinham vergonha de mostrar o seu filho!!”. Magda: “Uma expectativa que aquela criança ‘tá’ no primeiro ano, ele vai sair lendo escrevendo do primeiro ano [...] vai aprender lá no terceiro, quarto ano, e tu tem que acomodar essa situação da família, essa expectativa que a família tem também que é desafiador”. Jane: “É complicado ‘né’ falar para mãe: ‘Oh, teu filho é tão limitado ‘né’, que ele não consegue aprender’. Então, ah é difícil também lidar com a mãe com os pais, as expectativas dos pais também ‘é’ difícil”. Não surpreende pensar que as famílias também precisaram se adaptar à nova estrutura da sociedade, se relembrarmos os aspectos históricos e culturais apresentados na introdução da dissertação e no capítulo sobre capacitismo. Conforme França (2014), na civilização grega, o infanticídio era tolerado e moralmente aceito, 109 pois acreditava-se inviável a sobrevivência de recém-nascidos com deficiência. Os pais, durante o Império Romano, eram os responsáveis em aceitar ou enjeitar a criança após o seu nascimento. Posteriormente, seguindo os ideais cristãos, as pessoas com deficiência eram institucionalizadas, ao menos não sendo largadas à própria sorte ou exterminadas. E foi somente no século XX, em nosso país, que as crianças com deficiência começaram a frequentar escolas especiais. A partir dessas informações, pode-se pensar que, para a maioria das famílias do início do século XXI, o comum e esperado era que seus filhos com deficiência frequentassem as classes ou as escolas especiais. Juntamente com os medos e anseios naturais de qualquer família, matricular seus filhos em classes comuns de escolas regulares apresentava-se como um desafio diante da estrutura social e escolar para o início dos anos 2000. Dando sequência, parte-se para a análise da expectativa das professoras em relação aos estudantes com deficiência, que é focada na aprendizagem do currículo padrão e na maneira de aprender, sendo assim valorizados o processo, a forma e o ritmo da aprendizagem de crianças sem deficiência, não compreendendo ou considerando como significativas as diferentes formas de aprender: Suzana: “Às vezes a criança não atinge aquilo que a gente gostaria, ela não consegue progredir assim de imediato, vai levar muito mais tempo que um ano apenas. Mas depende muito da situação”. Magda: “Claro que não foi aquela alfabetização que a gente gostaria ‘né’, igual aos outros que foram bem alfabetizados. E esses foram alfabetizados naquele jeito assim ‘B’ com ‘A’ ‘BA’, ‘C’ com ‘A’ ‘CA’. ‘Daí’ eles juntavam as letrinhas assim, mas conseguiram fazer essa junção. Eu me senti vitoriosa [...] Eu acho que é o bálsamo, é uma glória ver o aluno quando entrou e depois ver ele saber ler e escrever [...] Eu já sabia que eles iam ser mais lentos no aprendizado, eu já sabia como era o funcionamento de cada um deles”. Jane: “Não é a palavra certa para usar para uma professora dizer, mas eles estagnam, não vão ‘pra’ frente nem ‘pra’ trás. [...] Tem uns que ficam indo lá anos na Sala de Recursos, mas lá na sala de aula é difícil, eles não vão ‘pra’ frente na aprendizagem”. O interessante a se destacar dessas falas é a afirmação de que as crianças com deficiência “não vão aprender”. Numa análise mais afinada, pode-se dizer que esta afirmação somente ganha sentido quando é complementada com a informação de que “não vão aprender como a gente espera [ou] gostaria”, o que é expresso nas falas da professora Suzana e Magda. Este pensamento remete-se à ideia de aprendizagem padrão, culturalmente mistificada na educação escolar. Além disso, 110 embora não de forma consciente, mas como consequência da valorização da funcionalidade, acaba-se inferiorizando e desacreditando na possibilidade de diferentes aprendizagens dos estudantes com deficiência. A aprendizagem padrão e igual para todos é ainda reflexo da história da educação, no início do século XIX, com a necessidade de organização das classes escolares e sistemas de ensino, quando se planejavam classes mais homogêneas (Ariès, 1981). A existência de classes mais homogêneas vinha ao encontro da existência de classes especiais, nas quais aqueles que não se encaixassem com o currículo da escola comum deveriam estar em turmas segregadas. Este aspecto da homogeneidade nas classes aparece na fala da professora Inês e da professora Magda: Inês: “O ideal é que todos estejam no mesmo nível, preparados, se não no mesmo nível, parecidos. Agora, se você tem uma diferença gritante assim de crianças que não estão alfabetizadas, crianças que estão começando e crianças que já estão fazendo texto, ‘daí’ você já tem uma situação bem complicada ‘né’, porque ‘daí’ você já não consegue levar o trabalho”. Magda: “Esses que estão inseridos nem sempre são aquela perfeição que a gente gostaria de ver ou que a gente vê as pessoas pintando que eles ficam acomodadinhos, queridinhos, não!”. A partir do momento em que as crianças com deficiência começaram a ser incluídas nas classes regulares, a socialização foi vista pela maior parte das professoras entrevistadas como um dos principais objetivos a se atingir com estas crianças, como nas falas a seguir: Inês: “Vão atingir mais a questão da socialização, porque tem conteúdos que realmente não vão conseguir, ou de repente vão levar mais tempo para conseguir. Então, assim, a questão da socialização, algumas coisas eles vão atingir, outras não vai ter como. Eu não sei realmente, tem situações assim que a criança não vai atingir”. Magda: “Essas crianças elas vão conseguir se integrar com as demais, porque a grande parte também da inclusão é a socialização das crianças. Então, elas vão conseguir socializar, elas vão conseguir estar com seus iguais, seus coleguinhas, compartilhando e fazendo troca”. Jane: “Eu noto que tem algumas crianças... chega num ponto que elas param de se desenvolver e elas vão ali só para o social assim, e nem o social não funciona mais, porque ‘daí’ elas são colocadas na margem daquele grupo e elas não se sentem bem”. 111 Esses posicionamentos reforçam o seguinte questionamento: “Quem não sabia conviver com quem?”. São as crianças com deficiência que precisavam ou precisam aprender a conviver com os demais, crianças ou adultos? Ou os demais que precisavam ou ainda precisam aprender a conviver com as crianças com deficiência? Estas questões somadas à questão da aprendizagem corroboram com a afirmação a seguir: Cabe enfatizar, porém, que Educação Inclusiva não consiste apenas em matricular o aluno com deficiência em escola ou turma regular como um espaço de convivência para desenvolver sua “socialização”. A inclusão escolar só é significativa se proporcionar o ingresso e permanência do aluno na escola com aproveitamento acadêmico, e isso só ocorrerá a partir da atenção às suas peculiaridades de aprendizagem e desenvolvimento (Glat; Pletsch; De Souza Fontes, 2007, p. 344-345, grifo dos autores). Também se referindo à socialização, mas ponderando seus posicionamentos, mais uma vez a professora Berenice demonstra um pensamento crítico sobre o papel docente, reconhecendo que no início do processo de inclusão a expectativa e o pensamento de que estas crianças não iriam aprender era mais forte e que, realmente, num primeiro momento, a única preocupação era socializá-las: Berenice: “Bom, pensando assim, eu me lembro que logo quando se começou a falar de inclusão na escola, muito se falava assim, as crianças elas vão [para a escola]. A gente vai tentar incluir elas na escola, mas é mais a nível de socialização, o resto que vier é lucro ‘né’, assim a grosso modo falando ‘tá’! E a gente pensava nisso só, tem que se relacionar com os outros. E a gente foi observando cada caso é um”. A última parte da fala da professora indica essa mudança de pensamento sobre o aprendizado padrão esperado pela escola pelo qual os estudantes são avaliados e classificados conforme sua funcionalidade. O pensamento sobre a impossibilidade de aprender tem relação direta com a expectativa do docente do que é o aprendizado esperado e valorizado na estrutura da instituição escola. Mudando o foco, há a necessidade de compreender que a aprendizagem de cada um é única, e esta deve ser valorizada e não inferiorizada com base em conceitos capacitistas. Assim pensando e concluindo as duas primeiras categorias que se referem a concepções das professoras, tanto sobre inclusão quanto sobre deficiência, partimos para a terceira e última categoria, que analisará os recursos necessários para a escolarização e inclusão dos estudantes com deficiência. 112 6.3 RECURSOS PARA A INCLUSÃO: DESAFIOS ENTRE O IDEAL E A REALIDADE Há diversos fatores que podem favorecer a inclusão escolar de crianças com deficiência, ou podem criar e fortalecer as barreiras que impedem que a inclusão ocorra com qualidade. Dentre eles, seguindo nos aspectos atitudinais, direciona-se o olhar para a formação continuada dos professores de classe comuns, focando a análise das entrevistas na existência ou não de formações no início do processo de escolarização e inclusão escolar e no decorrer das últimas décadas, além da importância de que ocorram formações sobre esse tema. Considerando a inclusão escolar como responsabilidade de todos e levando em conta as dificuldades apontadas nas falas das professoras entrevistadas no que diz respeito ao apoio dos diferentes setores da escola, será abordada a necessidade de uma rede de apoio aos professores referência, contando com equipe gestora, professores do AEE e cuidadores escolares. Por último, a análise abordará a flexibilização curricular, trazendo recortes das entrevistas que reforçam a necessidade de adaptações curriculares, como também as dificuldades das professoras entrevistadas no que diz respeito a essa questão. 6.3.1 Formação continuada A formação continuada é compreendida como necessária no decorrer de toda a trajetória docente. Isso implica para o profissional da educação ter um bom embasamento em sua formação inicial, além de alimentar de modo contínuo a sua formação, dada a complexidade e dinamicidade do ato de ensinar (Rossi; Hunger, 2012). Com isso, entende-se como formação continuada: [...] sendo concebida como uma tarefa coletiva entre professores, gestores, pesquisadores e outros atores do campo educacional. Essa dimensão da formação constitui-se num processo contínuo e ininterrupto, que percorre toda a trajetória profissional do professor, sempre com o intuito de aprimorar a sua ação pedagógica e desenvolver a sua profissionalidade docente, a sua identidade (Rossi; Hunger, 2012, p. 323). A importante necessidade de formação continuada é fortalecida pela ideia de Imbernón (2010), acerca da maneira pela qual os professores se constituem como tal. Para o autor: 113 Ele [o professor] carrega uma experiência construída anteriormente, e o novo é incorporado a estruturas já existentes. Quando lhe é apresentada uma proposta de mudança, certamente o professor sofre uma desestabilização em suas crenças e práticas, o novo provoca-lhe conflitos. A mudança se introduz num espaço de contradição em que o professor avalia sua utilidade e o grau de esforço que lhe será exigido. Ao longo do tempo, a inovação é submetida ao crivo da prática e, provavelmente, abarca uns aspectos mais que outros, e constante confronto com o modo habitual já construído de o professor exercer o seu ofício. Portanto, para que uma proposta de mudança possa ser incorporada ao repertório pessoal do professor, precisa ser submetida ao fator tempo (Imbernón, 2010, p. 45). Após essas colocações, buscou-se informações sobre a realização de formações na RME de Caxias do Sul. Dentre as responsabilidades e competências da SMED, já elencadas no capítulo referente à contextualização do campo de pesquisa, são citadas ações que promovam o aperfeiçoamento da equipe de professores. Nas Resoluções 19 e 35 (Caxias do Sul, 2010; 2017), como também já mencionado, consta a informação que formações serão oferecidas aos professores de turmas regulares, com o intuito de atingir os objetivos de uma inclusão escolar com qualidade. No Portal da Educação do Município de Caxias do Sul-RS, não foram encontradas informações referentes a reuniões pedagógicas realizadas com os professores de classes comuns, no que compete a conteúdos relacionados às deficiências ou à inclusão escolar. Constam formações específicas para cada ciclo de aprendizagem, como habilidades e competências a serem trabalhadas em cada faixa etária. No link Reuniões/Formações Pedagógicas do Portal, aparecem os cursos realizados com os coordenadores pedagógicos durante o ano vigente38. E, nos ofícios escolares, utilizados como meio de comunicação entre SMED e escolas, são informadas reuniões pedagógicas no início do letivo, com coordenadores pedagógicos e professores do AEE em conjunto39. No mesmo Portal, no link que se refere à Educação Especial, encontra-se um acervo de materiais utilizados em reuniões mensais com o grupo de professores do AEE. Algumas destas reuniões focam em orientações gerais quanto ao AEE, avaliações dos estudantes em hipótese de DI e registros. Também há exposto 38Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2023). Fim da Nota. 39Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2023). Fim da Nota. 114 material preparado e apresentado em reunião específica para os professores ingressantes no AEE no ano vigente, com informações gerais quanto ao funcionamento do AEE nas escolas. Outros materiais encontrados referem-se a reuniões que focam nas especificidades de cada deficiência, como também no que diz respeito às Altas Habilidades/Superdotação _ AH40. Presume-se, dessa forma, que as formações, reuniões pedagógicas e cursos que tratem de assuntos referentes aos estudantes com deficiência são direcionados aos coordenadores e aos professores do AEE, sendo estes os responsáveis em transmitir estas informações para os demais professores da escola. Estas ideias são fortalecidas pela fala da professora Magda logo adiante. A partir das entrevistas, também é perceptível que, no período inicial do processo de inclusão escolar das crianças com deficiência, as formações eram de acordo com as necessidades emergentes ou das disponibilidades de cada escola. As informações trazidas pela professora Magda, que exerceu por alguns anos a função de coordenadora pedagógica, sugerem que o seu papel nessa função era disseminar os assuntos abordados nos encontros realizados com a Mantenedora: Magda: “Olha, eu posso dizer o seguinte, foram oferecidas formações. Mas pelo que eu sinto as pessoas que davam as formações também estavam perdidas. Elas não sabiam orientar, elas estavam ‘nua e crua’ também. Muitas das coisas que elas falavam eram coisas que a gente já fazia na escola, porque a escola ela não dorme, ela não espera as coisas acontecerem. Ela faz acontecer. Então, a gente tinha as formações, mas às vezes a gente chovia no molhado, porque o que elas diziam a gente já estava fazendo. Então, eu achava as formações muito fraquinhas. [...] Eram formações, como é que eu posso te dizer, que vinham também de outros estados, que vinham prontas, que não se adaptavam à nossa realidade”. Como exposto acima, a professora Magda conta que recebeu formações, mas no papel de coordenadora pedagógica, não como docente de classe comum. Ao falar sobre o período inicial de suas docências na RME, as outras professoras informam que, se houve encontros ou cursos sobre o tema inclusão, foram nas reuniões pedagógicas dentro da escola: Jane: “Ah... eu não lembro de ter [formação], eu acho que foi jogado”. Inês: “Eu não lembro de ter formação”. 40Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2023). Fim da Nota. 115 Suzana: “Os professores não foram preparados. Na verdade, os professores apenas receberam as crianças em sua sala de aula, sem nenhuma preparação, sem nunca ter tido contato ou uma palestra, um curso referente a isso”. Ilse: “ ‘Se fez’ assim: colocam as crianças e a gente vai se ajeitando. Mas quem não estudou para a educação especial ‘né’?! A formação é o principal”. Berenice: “Não, não teve, nem da SMED e nem na escola. Eu fui levando a coisa, vamos tentar assim, muito mais a nível de socializar ele. Mas em termos de aprendizagem… não teve [formação]. Eu me sentia muito mal, muito mal mesmo. A gente não sabia como trabalhar e não me lembro de ter formações para orientar a gente por onde começar ‘né’, de que forma inserir essa criança na turma”. Interessante comentar que, pelas falas das professoras, sugere-se que as formações, quando aconteciam, não eram organizadas de tal forma que suprissem a necessidade de conhecimentos por parte delas, mas sim configuravam-se em conversas informais dentro da escola, conforme as situações que ocorriam dentro da própria escola. Este pensamento é corroborado pela fala da professora Jane: Jane: “Foi falado nas reuniões pedagógicas internas da escola, depois a coordenadora com a professora, ‘daí’ iam fazendo, estudando de como fazer na sala de aula”. A partir dessas necessidades emergentes, a professora Magda, no papel de coordenadora, reforça que as formações que mais vieram a contribuir no processo de escolarização e inclusão escolar dos estudantes com deficiência foram as organizadas dentro do ambiente escolar: Magda: “E ‘daí’ a gente começou a investir bastante em formações dentro da escola, formações de Sala de Recursos. A gente fazia muitas reuniões pedagógicas tratando desse assunto. [...] ‘Muitas coisas’ a gente errou sim, porque a gente não sabia como agir também. Mas a gente fazia tentativas. [...] Tentativa mesmo através da prática daquilo que funcionava e do que não funcionava. [...] Porque as profes se apavoravam de ter uma criança que era diferente. A gente se apavorava também, porque ‘vinha’ queixas para nós e a gente também não sabia como administrar direito. E a gente começou a fazer formações então na escola, abrir espaço para formações, analisando os nossos problemas pontuais, não aquela formação pronta que é para todo mundo. A gente trabalhava as nossas necessidades ‘né’! Nós temos um aluno tal, então o que que a gente pode fazer? Como a gente vai adaptar?”. Com base no trecho acima, pode-se perceber que, mesmo havendo cursos, palestras e formações organizadas sobre inclusão, fundamentais para o conhecimento e preparo dos professores, a professora salientou a necessidade e 116 importância da formação e diálogo dentro da escola, com o olhar direcionado para as situações específicas de cada escola. A formação específica da professora do AEE é outra questão levantada pelas professoras. Com isso, elas veem os professores do AEE preparados para atender às crianças com deficiência. Entendem a função do AEE como um apoio na escola frente às demandas desses estudantes, levando em conta o conhecimento e a formação específica desses profissionais. Dessa maneira, informam que as únicas informações que receberam quando os estudantes com deficiência foram incluídos nas classes comuns vieram dos professores do AEE: Inês: “O que a gente tinha, na verdade, era alguma orientação da profe do AEE”. Ilse: “Acho que só teve a orientação da Sala de Recursos, como proceder”. Interessante destacar a fala da professora Inês quanto às formações que recebeu no início da sua carreira. Como mencionado anteriormente, trabalhou o período inicial de sua docência na APAE, no Estado de Santa Catarina. Ela comenta que, naquela ocasião, recebeu bastante formação para trabalhar com os estudantes, o que contrasta com sua fala mais acima, quando se refere ao ingresso na RME de Caxias do Sul: “Eu não lembro de ter formação”. Sobre o tempo trabalhado na APAE diz: Inês: “Na verdade, foi uma coisa muito louca ‘né’! Eu fui cair na APAE, nessa realidade, e eu não estava preparada. Então, assim, eles davam muita formação. Então, eu fui aprendendo”. Estas formações na APAE, na época, eram direcionadas aos professores que atuariam com os estudantes com deficiência em escola especial, ou seja, formações fundamentais para a prática docente. No momento em que estas crianças passariam a frequentar o espaço das escolas comuns, não deveria ser fundamental que essas formações estivessem presentes também nestes novos espaços? A inclusão escolar de crianças com deficiência é uma realidade, no mínimo, das duas últimas décadas. Se faltou formação sobre o assunto no momento inicial desse processo, como informado pelas professoras, seria viável pensar que, ao longo do tempo, formações específicas para os professores de classes comuns deveriam 117 começar a acontecer. Pelas falas a seguir, infere-se que na realidade isso não ocorreu conforme o ideal esperado por elas: Jane: “Às vezes, o próprio professor da turma não sabe, não tem conhecimento, ‘tá’ faltando formação. ‘Tá’ faltando informação. ‘Pro’ ideal acho que tem que ter mais treinamento, como a gente fala, mais formação. Precisa ter mais formação!! Não só ‘pro’ profe de AEE, mas ‘pro’ profe de sala de aula”. Magda: “A professora de Sala de Recursos, ela teve um curso específico, ela tem formações específicas para dar conta dessa criança. Mas quando ele está inserido na sala de aula, tem que ver que a professora, às vezes, ela não tem essa formação específica, ela não sabe como lidar”. Ilse: “Eu nunca fiz nenhum curso para trabalhar com alunos com necessidades especiais. O que me incomoda é a falta de suporte que a gente não tem como profissional”. Frente a essa nova realidade, a falta de informação e conhecimento por parte dos docentes somada à escassez de cursos sobre o assunto são fatores que dificultam a qualidade educacional de todos os estudantes, não somente dos estudantes com deficiência. Conforme Pletsch, Araújo e Lima (2017), uma solução viável para este problema são as formações com vistas à participação ativa dos docentes e à autoanálise, colocando o próprio professor no papel de pesquisador da sua prática. Nesse sentido, outro ponto a destacar são as falas das professoras que apontam para o interesse pessoal de cada professora buscar o conhecimento necessário para atender aos estudantes: Jane: “A formação foi a professora de sala de aula, que era interessada”. Suzana: “O dia a dia na sala de aula com o aluno especial é que vai fazer você aprender a lidar com a criança ‘né’, com muito afeto, com muita responsabilidade, com muita vontade disso, porque a gente somente tendo a criança especial na sala de aula, que a gente vai conseguir saber qual a necessidade dela real, porque muitas vezes, melhor dizendo, sempre a prática é mais importante na minha opinião que apenas o conteúdo ‘né’, porque a gente estuda para, a gente estudou para isso, mas por conta própria. Só que para aplicar na verdade vai do teu bom senso e da tua vontade, do teu afeto com eles”. Magda: “Eu quero enfatizar o seguinte, eu acho que ainda a gente vai caminhar muito nesse sentido, porque assim, a gente estuda, estuda, estuda, e nunca está a contento, porque cada um é um”. 118 É interessante destacar este direcionamento aos aspectos subjetivos da atuação de cada docente, como nas duas falas acima, que acabam se relacionando diretamente ao tema investigado na pesquisa. Por outro lado, pela análise das falas das professoras, a falta de uma formação organizada para os professores de classes comuns parece gerar uma insegurança coletiva e um sentimento de impotência e frustração diante da realidade de trabalhar com os estudantes com deficiência. Por esse motivo, pode-se dizer que, mesmo que os aspectos individuais sejam fundamentais, a formação continuada, organizada, planejada e sistemática é, também, indispensável. Por último, conclui-se que, apesar de fundamental, a formação continuada ainda não é uma realidade que atende às expectativas e necessidades das professoras. Se por um lado existe o interesse pessoal de algumas professoras entrevistadas em buscar o conhecimento necessário para sua prática, ainda existe, em contrapartida, o desconhecimento e a insegurança de outras em trabalhar com estudantes com deficiência em suas salas de aula. Fato que sugere como uma das soluções a necessidade de mais oferta de formações frente às novas demandas da inclusão escolar. Salienta-se que existe formações específicas para os professores do AEE, que são indispensáveis, como exposto anteriormente, mas pode-se pensar em novos espaços e tempos para que essas formações atinjam mais diretamente os professores de classes comuns. Enfim, a formação continuada de todos os profissionais da educação e a atuação docente em sala de aula refletem diretamente na qualidade da educação e inclusão escolar de todos os estudantes. Mas o professor, sozinho, não pode ser o único responsável pela inclusão, pois esta depende de outros fatores, que vão além do espaço da sala de aula. Por isso, na próxima subcategoria, é analisada a constituição de uma rede de apoio para os professores regentes. 6.3.2 Rede de apoio Tendo em vista a inclusão escolar como compromisso de todos, além dos desafios relatados pelas professoras no que concerne à quantidade de estudantes por turma e às singularidades no atendimento aos estudantes com deficiência, é indispensável que haja uma rede de apoio aos professores de classes comuns. As demandas que surgem a partir da escolarização e inclusão escolar de crianças com 119 deficiência exigem que as funções também sejam repensadas e fazem com que surjam novos papéis a serem desempenhados, como o do cuidador educacional. Além do apoio deste novo profissional dentro da sala de aula, os professores de classes comuns necessitam de outros apoios no contexto da escola, que apontam para a equipe gestora, composta pela direção e coordenação pedagógica, e do suporte oferecido pelos professores do AEE. Dessa forma, com base nos resultados das entrevistas, tem-se a Rede de Apoio dividida em três grupos, conforme apresentado no quadro a seguir: Quadro 5 _ Rede de apoio Professor do Equipe Gestora/Coordenação Cuidadoria AEE - Auxílio. - Liderança. - Suporte. - Formação. - Motivação. - Informação. - Perfil. - Suporte. - Orientação. - Ética do - Organização: estrutura, material, comunicação. - Conhecimento. cuidado. Fonte: Elaborado pela autora. Reforçando essas ideias iniciais, toma-se os estudos de Barros, da Silva e da Costa (2015), cujas ideias apontam como uma das dificuldades para o processo de inclusão escolar o número elevado de alunos em sala de aula. Além disso, tem-se as colocações de Moreira e Baumel (2001, p. 136), sobre a necessidade de uma rede de apoio, a fim de que torne possível uma prática docente mais flexível, também mencionando a quantidade excessiva de estudantes por sala de aula. Para as autoras: [...] é preciso que a escola, os professores e a família tenham uma rede de apoio. Será muito difícil, por exemplo, para o professor, articular adaptações curriculares com salas de aula superlotadas, sem o apoio de uma equipe interdisciplinar ou da equipe técnico-pedagógica da escola, sem receber das instituições formadoras subsídios concretos, sem uma qualificação em serviços de qualidade, sem dispor dos apoios e complementos para o seu aluno com necessidades especiais. Dessa rede de apoio, a direção e coordenação pedagógica podem ser analisadas em conjunto, considerando que formam a equipe gestora da escola. Retomando as ideias de Ainscow (2001), Silva e Leme (2009) e de Valdés (2020), a equipe gestora é vista como fundamental para a prática da educação inclusiva, isto 120 porque a posição de autoridade e liderança e, principalmente, o papel como articulador do projeto pedagógico são essenciais no processo de inclusão escolar. Deve-se considerar ainda que, na posição de liderança e coordenação, suas concepções podem influenciar diretamente as concepções dos professores e, consequentemente, suas práticas. Essas reflexões surgem na fala das professoras: Jane: “Eu acho que o papel da direção é bem complexo. ´Daí’ também vai depender de como é essa gestora, esse gestor. Se ele é mais assim voltado para o humano. Se ele é mais assim administrativo. Eu acho que [a função da direção] é auxiliar o professor, não deixar tudo com o professor ‘né’, só responsabilidade dele. [...] Claro tem vários tipos de ‘professor’, mas tu vê que aquele professor ‘tá’ interessado, que ele ‘tá’ buscando’, ele precisa da ajuda da direção, da coordenação, da vice, de todo mundo ‘né’! Não é fácil para a direção, porque ela tem muita coisa, mas a direção que tem um olhar especial eu acho que vai ajudar muito”. Berenice: “A direção tem que proporcionar as condições necessárias para atendimento dessas crianças, desde os profissionais que estão atendendo essas crianças, a estrutura da escola tem que organizar enfim ‘né’, se responsabilizar por isso, [com] os cuidadores..., enfim, eles têm que estar atentos a isso. Eu penso que é bem a questão de estrutura de administrar esse geral assim. [...] O pedagógico, isso a coordenação que ‘tá’ mais direto com o trabalho da Sala de Recursos que tem esse olhar diferente ‘né’, que acompanha o trabalho desde planejamento de ter um olhar para verificar se está acontecendo realmente o trabalho, se o professor de Sala de Recursos ‘tá’ dando o apoio para a profe de sala de aula”. Suzana: “O que cabe à direção é realmente também intervir junto às famílias, para que ‘seja feito’ todas as etapas, a burocracia de atendimento para essa criança, porque não adianta só a escola atender essa criança. Eu acho sim importante o papel da direção, não só no caso procurando buscar essa parte fora da escola, atendimento médico, profissionais fora da escola. Chamar as famílias para que elas percebam que a criança realmente precisa desse apoio, porque as famílias têm uma dificuldade muito grande em aceitar que a escola direcione para determinada médico, enfim, apoio ‘né’! [...] A coordenadora, eu acho que o papel dela é importante, ela tem que cobrar dos professores o planejamento e também ela tem que apoiar os professores, trazendo novidades ‘né’, se disponibilizando a ajudar em algumas atividades”. As professoras entrevistadas veem a equipe gestora, incluindo a coordenadora pedagógica, como um apoio no cotidiano da escola, nas situações imprevistas, na comunicação com a comunidade escolar; enfim, como um apoio que contribui com a organização de todo o trabalho, oferecendo o suporte necessário para os professores no que vai além da sala de aula. A função de coordenação é relativamente nova na Rede, surgindo na primeira década dos anos 2000, conforme a fala da professora Magda, que atuou na coordenação quando esta foi implantada nas escolas: 121 Magda: “[A coordenação] foi um suporte muito bom para o professor. Mas como todo início essa transição ela é instável. A gente também não sabia muito bem qual era a função da coordenação, daí a SMED criou funções específicas para coordenação ‘né’. E ‘daí’ a gente tinha um norte a seguir, o que que é a coordenação tinha que fazer na escola. E as coordenações foram se modernizando, elas cada uma do seu jeito ‘foi’ criando o seu espaço junto aos professores. A gente gostaria de ter um planejamento semanal, às vezes não é possível. Às vezes o planejamento não ocorre marcadinho, bonitinho, lindo como tem o nosso na nossa cabeça no nosso ideal ‘né’! Às vezes, tu planeja sentar com as professoras, aparece um pai que quer conversar contigo, aparece uma outra demanda que tu tem que deixar: ‘oh profes não vou poder sentar com vocês’. E ‘daí’ tu perde aquela linha, aquele acompanhamento, mas assim eu, enquanto coordenadora, que eu atuei cinco anos, eu conversava com as profes no corredor mesmo ‘né’!”. Juntamente ao apoio da equipe gestora, o apoio lembrado nas entrevistas como indispensável foi o do professor do AEE, quanto ao seu conhecimento, suporte e auxílio nas questões de planejamento e flexibilização, no que se refere aos estudantes com deficiência: Magda: “Então, para mim foi bem mais fácil depois que a Sala de Recursos começou a me dar um auxílio. Não era aquele auxílio todo que a gente esperava, porque a gente ainda estava se adaptando. As pessoas ainda estavam um pouco perdidas nas suas funções ‘né’, mas já era um início”. Suzana: “A partir do momento então que a gente começou a receber o apoio da Sala de Recursos, isso foi muito importante para o professor. E também para a criança. Porque a criança na Sala de Recursos tem o atendimento direcionado para a sua dificuldade [...] porque dentro da sala de aula é um coletivo, porque nem sempre a gente pode dar o atendimento individualizado. [...] A Sala de Recursos precisa existir sempre, para apoiar o professor mesmo, a gente sentar junto, ver como está o andamento das coisas, se o aluno está progredindo”. Inês: “Eu acho que a mudança é o que melhorou foi ter o AEE na escola ‘né’! E essa orientação que as profes do AEE dividem com o professor de sala, essa ajuda que a gente tem dos profes de AEE foi um ganho”. O que é esperado do professor do AEE pelas professoras entrevistadas condiz com as atribuições elencadas na Resolução 35 (Caxias do Sul, 2017): apoio necessário para a inclusão, produzindo e organizando estratégias e serviços, recursos pedagógicos, de acessibilidade, considerando as necessidades específicas de cada um. Esta consonância entre o previsto em lei com a realidade indica um fator positivo para a inclusão escolar. Outro apoio indispensável ao professor de classe comum refere-se à nova função que surge no contexto escolar, a partir da inclusão de crianças com deficiência _ o cuidador escolar, previsto na Resolução 19 e 35 do CME (Caxias do Sul-RS, 2010, 2017). Lembrando que a questão do cuidado surge com a perspectiva feminista do 122 modelo social, defendendo que o cuidado das pessoas com deficiência, em geral, deve ser pautado na ética e possuir um caráter de justiça social. Independentemente do tipo da deficiência e da complexidade do cuidado, este deve manter e respeitar a dignidade humana, de forma que não acarrete num retrocesso a uma visão caritativa ou assistencialista perante a deficiência, resultando numa posição inferiorizada da pessoa com deficiência que necessite desse cuidado (Luiz; Silveira, 2020). Pensando na responsabilidade ética e moral do papel de cuidador, é imprescindível que estes profissionais tenham preparo para a função. As professoras relatam a necessária presença do cuidador escolar, mas por outro lado, apontam as dificuldades enfrentadas com esse novo profissional, principalmente no que diz respeito à falta de formação: Suzana: “O lado do cuidador, ‘bah’, é uma coisa complicada. Inicialmente, há alguns anos atrás, quem era o cuidador era um professor. Professor formado que poderia ajudar o professor da sala de aula, auxiliando nas tarefas, ajudando a fazer as atividades. [...] o cuidador hoje ele não é obrigado a fazer a parte pedagógica, ele faz porque ele quer. Na verdade, o cuidador tem a função de levar ao banheiro, cuidar da higiene, cuidar, proteger essa criança. [...] Imagina se nós não estávamos preparadas, imagina essas pessoas. Pessoas que não têm conhecimento sobre a doença da criança”. Magda: “A gente teve problemas com a cuidadoria, porque eles não têm formação. Acho que a formação que eles têm é a formação básica da básica. São profissionais que não são da educação. São profissionais que se inscrevem para fazer esse trabalho. Então às vezes nunca pisaram numa escola, então às vezes não sabem nem o procedimento, como é que é o funcionamento de uma escola. [...] Se tem os pontos negativos... às vezes eu acho que é mais positivo do que negativo, porque é um suporte maior para o profe que ‘tá’ lá na sala de aula. [...] Eu acho que se a gente já fala de atendimento especial, não é só colocar essa criança na sala dela e deixar só com o professor, tem que ter alguém que vai auxiliar esse professor no cuidado, para levar para o banheiro. Às vezes, a gente precisa de alguém até para poder fazer o trabalho de higiene. Como é que o professor vai largar a turma ‘né’ e acompanhar essa criança? Então acho a cuidadoria imprescindível nas escolas nas turmas que tem alunos com necessidade especial”. Inês: “Eles têm que fazer uma formação da minha opinião. [...] Eles não têm noção do que é, e não têm a menor instrução. Eles não estão preparados. [...] Tem que instruir essas pessoas, não pode ser qualquer pessoa, tem que ter um mínimo de conhecimento ‘né’! E ela tem que ser melhor remunerada e ela tem que ser uma pessoa, olha eu chego a pensar que deveria ser alguém da área da educação mesmo para isso, porque seria perfeito ‘daí’”. Ilse: “Ah sim... ter um cuidador na sala, principalmente se é um aluno que surta, que é agressivo, que não para no lugar, que foge. Eu acho que eles são assim de extrema importância. Mas o que eu sinto é que toda a cuidadoria que eu recebi não era capacitada para trabalhar com aluno em escola. Toda cuidadoria ela é colocada ali como uma pessoa ‘pra’ te dar mais um auxílio, mas ela não te dá… Difícil encontrar um cuidador que entenda da deficiência da criança, geralmente eles desconhecem, eles não têm nenhuma formação 123 ‘pra’ isso. E eles não têm nenhuma formação pedagógica ‘pra’ fazer uma orientação no trabalho que tu vai dar. Tu dá o trabalho e ele não sabe, pode acontecer de ele fazer o trabalho pela criança, ou deixar o tempo passar e ele não fazer nada ou perder o sentido do trabalho, porque eles não têm nenhuma formação pedagógica também, isso é muito sério”. Berenice: “Eles contratam as pessoas, jogam dentro da escola ‘né’! E vai lá e tu tem que cuidar. Eu já tive cuidador que fazia atividade para criança em sala, eu tinha que ficar chamando atenção ‘olha não é fazer, não pode, tu pode estar aqui sei lá tentar ajudar de alguma forma incentivar, mas não fazer o trabalho para criança’. Então, a gente vai cheia de dedos, porque eles podem não gostar do jeito que a gente fala enfim por ‘n’ motivos. [...] Tem criança que não cria vínculo com o cuidador e isso é importantíssimo. Como é que tu vai cuidar de alguém que tu não tem vínculo? Então, acho que sim tem que ter um olhar diferente e principalmente de respeito por eles ‘né’!” (grifo nosso). Salienta-se o respeito grifado na fala da entrevistada, que remete aos aspectos éticos do cuidado, como comentado anteriormente. Importante também relembrar que as funções básicas do cuidador, conforme a Resolução 35 (Caxias do Sul-RS, 2017), baseiam-se na locomoção, higiene e autonomia do estudante no ambiente escolar e outras pertinentes ao contexto escolar. Em alguns casos, sua função está relacionada ao fato de alguma criança colocar a si ou aos demais em risco. Trazendo novamente algumas das atribuições citadas nesta lei, retomam-se as que geram a reflexão sobre a responsabilidade nas questões pedagógicas, referidas pelas professoras como não sendo da alçada deste profissional. Citam-se na Resolução: aplicar e utilizar os materiais e recursos de comunicação aumentativa, alternativa e tecnologia assistiva, orientados pelos profissionais do AEE; buscar orientações pedagógicas específicas referentes às crianças/estudantes diretamente com os professores do AEE. Outras atribuições são elencadas na Resolução, como já citado anteriormente na dissertação. Pela análise, sugere-se que há uma distância entre a teoria e a prática, entre o que é exigido na Lei e o que é exigido na prática, como também há uma contradição entre a formação exigida e as atribuições que cabem a esse profissional. Reforçando essa ideia, Bezerra (2020), com base em suas pesquisas, aponta a ausência de regulamentação deste novo profissional incorporado ao cotidiano escolar, e que, mesmo sem formação acadêmica para tal, acaba, paradoxalmente, assumindo atribuições didático-pedagógicas. Essa prática, para o autor, representa um contrassenso e precarização da própria Educação Especial e da docência, ao mesmo tempo que gera e retroalimenta práticas de exclusão na escola que se pretende inclusiva (Bezerra, 2017; 2020). 124 Sobre a necessidade de formação desse profissional e as consequências negativas causadas pela falta de formação, o mesmo autor assevera: Esses profissionais, quase sempre com formação de nível médio (com ou sem habilitação específica para o magistério) ou ainda estudantes universitários, com ou sem alguma capacitação na área, representam uma precarização da atenção educacional ao público que mais necessita de suporte, não só em demandas de cuidados pessoais e de vida diária, mas, a fortiori, de atenção pedagógica (Bezerra, 2020, p. 683). Na categoria anterior, ficou claro o quanto é imprescindível a formação continuada dos professores. Comentou-se o quanto a ausência dessa formação gera insegurança na atuação docente. Questiona-se: Esses novos profissionais que lidam com situações tão pessoais e delicadas com os estudantes com deficiência não necessitam também de conhecimento, preparo e formação, a fim de realizarem o seu trabalho com qualidade? Ao final desta subcategoria, pode-se inferir que no decorrer das trajetórias docentes houve avanços relacionados à rede de apoio que contribuíram com a educação, não somente dos estudantes com deficiência, mas de todos os estudantes. Um desses avanços é a atuação do coordenador escolar junto à equipe gestora, com a responsabilidade principal do planejamento pedagógico com os professores. O planejamento em conjunto, o auxílio e apoio em diferentes demandas do professor do AEE também é visto como fundamental pelas professoras entrevistadas, indicando que este ponto acontece de forma positiva e condizente entre o que se espera com a prática, ao menos na maioria das vezes. No que diz respeito à cuidadoria, a atuação desses novos profissionais iniciou há mais ou menos uma década, pois antes quem desempenhava essa função era um professor em regime de hora extra, como informado pela professora Suzana. Sobre essa função, pode-se concluir que ainda há desafios a superar, que venham aprimorar esse papel tão importante na escola, como formações específicas para estes profissionais, que lhes ofereçam conhecimentos básicos relacionados ao funcionamento das escolas, como também conhecimentos específicos ao atendimento dos estudantes com deficiência. Finalizando esta subcategoria, parte-se para a terceira e última subcategoria, que aborda os recursos para a inclusão abordados na dissertação: a flexibilização curricular. 125 6.3.3 Flexibilização curricular Essencial para garantir o direito de acesso à aprendizagem por parte de todos os estudantes, tem-se a flexibilização curricular. Entende-se flexibilização curricular como um conceito amplo de planejamento, com procedimentos pedagógicos direcionados a todos os estudantes, incluindo os estudantes com deficiência. Dessa maneira, o conceito de flexibilização curricular vai além de apenas arranjos de adaptação de atividades somente para os estudantes com deficiência (Silva; Kuhlkamp, 2020). Segundo os autores, no período inicial da escolarização das crianças com deficiência, as adaptações curriculares visavam o atendimento a estes estudantes, com respeito às suas singularidades em termos de tempo, interesse e ritmo de aprendizagem. A partir da perspectiva da educação inclusiva, a ideia de flexibilização curricular é uma forma de pensar os processos pedagógicos acessíveis para todos os estudantes. Toma-se a definição de Mercado e Fumes (2017, p. 5) para melhor elucidar essa ideia: A flexibilização curricular compreende as modificações necessárias realizadas em diversos elementos do currículo básico para adequar as diferentes situações, grupos e pessoas, ou seja, são estratégias de planejamento e de atuação docente voltadas às necessidades de aprendizagem de cada estudante, fundamentadas em uma série de critérios para guiar a tomada de decisões com respeito ao que se deve aprender, como e quando e qual é a melhor forma de organizar o ensino para que todos sejam beneficiados. As colocações de Beyer (2006, p. 280) expressam os motivos que requerem essa flexibilização: O desafio é construir e pôr em prática no ambiente escolar uma pedagogia que consiga ser comum ou válida para todos os alunos da classe escolar, porém capaz de atender aos alunos cujas situações pessoais e características de aprendizagem correspondentes requeiram uma pedagogia diferenciada. Tudo isso sem demarcações, preconceitos ou atitudes nutridoras dos indesejados estigmas. Ao contrário, pondo em andamento, na comunidade escolar, uma conscientização crescente dos direitos de cada um. No artigo 59 da LDB (Brasil, 1996), consta como dever dos sistemas de ensino adaptar os currículos, métodos, técnicas, recursos específicos para atender às necessidades dos estudantes. Ou seja, pensando em organização dos sistemas de 126 ensino, pode-se referenciar diferentes tempos, espaços, ferramentas e concepções de avaliação, além de adaptações físicas e estruturais, dentre outras. Sobre a necessidade de adaptações além da sala de aula, cita-se nos Parâmetros Curriculares Nacionais _ PCN’s, “a flexibilidade quanto à organização e ao funcionamento da escola, para atender à demanda diversificada dos alunos” (Brasil, 1998, p. 32). Dessa maneira, indo mais além, é possível pensar na construção de um projeto político-pedagógico inclusivo e, para isso, flexível, que saia do discurso inclusivo para a prática inclusiva: O projeto político-pedagógico inclusivo busca escapar dessa dicotomia, ou seja, objetiva não produzir uma categorização “alunos com e sem deficiência, com e sem distúrbios, com e sem necessidades especiais” [...] Para tal abordagem educacional, não há dois grupos de alunos, porém apenas crianças e adolescentes que compõem a comunidade escolar e que apresentam as necessidades mais variadas (Beyer, 2006, p. 280, grifo do autor). Tomando o conjunto das adaptações como flexibilização curricular, que depende do planejamento coletivo, volta-se para o seguinte trecho dos PCN’s (Brasil, 1998, p. 13): Considerar a diversidade que se verifica entre os educandos nas instituições escolares requer medidas de flexibilização e dinamização do currículo para atender, efetivamente, às necessidades educacionais especiais dos que apresentam deficiência(s), altas habilidades (superdotação), condutas típicas de síndromes ou condições outras que venham a diferenciar a demanda de determinados alunos com relação aos demais colegas. O objetivo da flexibilização curricular, conforme os PCN’s, é viabilizar a todos os alunos, indiscriminadamente, o acesso à aprendizagem, ao conhecimento e ao conjunto de experiências curriculares disponibilizadas ao ambiente educacional, a despeito de necessidades diferenciadas que possam apresentar. Os PCN’s também oferecem alternativas para que a flexibilização curricular ocorra: elaborar propostas pedagógicas baseadas na interação com os alunos, desde a concepção dos objetivos; reconhecer todos os tipos de capacidades presentes na escola; sequenciar conteúdos e adequá-los aos diferentes ritmos de aprendizagem dos educandos; adotar metodologias diversas e motivadoras; avaliar os educandos numa abordagem processual e emancipadora, em função do seu progresso e do que poderá vir a conquistar (Brasil, 1998, p. 18). 127 Na análise das entrevistas, percebe-se que, no início do processo de escolarização e inclusão escolar de crianças com deficiência, havia pouco conhecimento sobre o que era e sobre a necessidade de flexibilização curricular, oferecendo aos estudantes com deficiência apenas pequenas adaptações, conforme as falas a seguir: Magda: “Olha, a gente assim não sabia muito bem ‘hã’ … como adaptar ‘né’. A gente criava o jeito da adaptação, eu quero dizer assim, quando eu via que a criança não conseguia fazer aquilo, eu achava uma coisa para ela fazer. Então se ela não conseguia recortar, eu pedia para ela picotar. Se ela não conseguia, por exemplo, copiar do quadro, eu passava para ela algumas letrinhas no caderno. Eu fui criando estratégias para poder dar conta”. Jane: “Mas antigamente a gente não tinha alguém que desse embasamento para gente como lidar direito. A gente ia no ‘vamos fazer’, vamos ver o que que vai dar ‘né’”. Ilse: “Não eram ainda flexibilizadas, porque olha assim ‘oh’ eu dava uma parte da atividade, não era reconstruída da forma que eu enxergo hoje, mas era o que eu sabia e conseguia trabalhar. Mas como eles demandavam muita atenção eu fiz um grupinho de quatro que ainda não liam nada, não identificavam número e letra, era tudo a mesma coisa ‘pra’ eles, volta e meia eu ‘tava’ alí para atendê-los, mas eu não trabalhava com flexibilização nada disso”. Inês: “Eu fui aprendendo desde as síndromes, dos tipos de deficiência que a gente atendia ‘né’. Ia conhecendo um pouco de cada um. Quais eram as características e a gente ia norteando o trabalho ‘né’, como trabalhar como de que forma fazer”. Berenice: “Não se dava atenção à questão da aprendizagem [dos estudantes com deficiência] ‘né’, não se investia tanto assim”. Interessante analisar pelas falas acima é que as pequenas adaptações feitas no cotidiano da sala de aula eram, no início do processo de escolarização das crianças com deficiência, realizadas sem planejamento conjunto das professoras e coordenação, mas sim partiam da necessidade que surgia durante a aula. Fato que parece ter mudado, como será visto mais adiante. Ainda sobre o período em que se iniciou a escolarização e inclusão escolar das crianças com deficiência, retoma-se a fala da professora Berenice, quando se questiona sobre a ausência de flexibilização curricular e a constatação por parte dela de que houve essa mudança necessária na prática docente: “[...] Não tinha flexibilização e hoje eu fico pensando ‘né’ como é que não tinha ‘né’?! E a gente ia trabalhando e a gente ia tentando fazer o que a gente conseguia”. 128 A professora Magda, agora remetendo-se ao tempo presente, tece comentários acerca da expectativa geral dos docentes, de que os estudantes atinjam as habilidades previstas no currículo padrão. Também comenta sobre a frustração por parte dos professores quando essa expectativa não é alcançada: Magda: “Porque ele [o professor] tem uma expectativa ‘né’?! Quando ele leva a sério o seu trabalho, ele tem uma expectativa, ele tem um objetivo, ele quer que as suas crianças aprendam. Até aquela criança que tem a sua limitação. Ele quer que aquela criança avance também. Enfim, então assim ele também se sente fraco de não conseguir auxiliar, ele se sente frustrado ‘né’!”. Pela análise da fala acima, pode-se dizer que a frustração dos professores não está diretamente relacionada ao desconhecimento da impossibilidade de todos atingirem o mesmo nível de aprendizado. As professoras entendem que nem todos conseguirão aprender o mesmo e da mesma forma, mas a sua frustração parece corresponder à impossibilidade de conseguirem estabelecer estratégias para que todos os estudantes desenvolvam as mesmas habilidades. Dessa maneira, acaba-se preterindo as necessidades, potencialidades e dificuldades de cada estudante em prol de metas de aprendizagens. Mesmo assim, apesar da expectativa dos professores, é possível afirmar que eles têm consciência da necessidade de flexibilização curricular como respeito às diferenças: Magda: “Um aluno com necessidades especiais ‘tá’ lá no sexto ano, esse aluno não vai acompanhar o sexto ano como os demais e nem se for dar as coisas básicas. De repente, essa criança ela vai conseguir fazer ‘um, dois, três, quatro, cinco’, porque ela [a criança] tem uma limitação que ela não passa disso, dependendo do grau da dificuldade dela ‘né’?! Então, na verdade, assim a adaptação é de acordo com que a criança consegue fazer. [...] Não adianta querer fazer a criança fazer uma soma de um mais dois se ela não reconhece a quantidade. Então o currículo tem que ser adaptado conforme o que a criança consegue fazer e não aquele currículo bonitinho: ‘eu vou fazer aquilo, aquilo, aquilo’. Isso aí serve na teoria e no papel. Na prática, a gente tem que ver até onde meu aluno consegue puxar, de acordo com a limitação da criança ‘né’”. Jane: “Ah... ele ficava lá junto assim, mas até depois ele conseguia se movimentar a mão assim bem rusticamente sabe, não a motricidade fina. Até foi uma coisa legal que apareceu assim, ele já ‘tava’ no sétimo ano que descobriram que ele podia jogar bocha. ‘Daí’ ele ia, participava de campeonatos. Era o que ele mais gostava de fazer. Bocha para cadeirantes ‘né’?! Então isso aí ele adorava fazer, mas lá na sala de aula, aquela matemática era muito, ele não ia na parte cognitiva. Eu acho que ele não se desenvolvia, vou ser bem sincera”. Inês: “Se eles não conseguirem aprender álgebra etc., isso não vem ao caso, mas que eles consigam viver da melhor forma possível nesse nosso mundo, 129 inseridos nesse mundo de conseguir pegar um ônibus, de conseguir chamar um Uber, de conseguir ler uma informação. Enfim, que eles consigam se inserir nessa sociedade”. Berenice: “Hoje em dia então a gente pensa no todo, não é só socializar a criança. Dentro das limitações dela, ela precisa aprender do jeito dela, no tempo dela ‘né’, enfim, respeitando as diferenças dela”. Embora seja visto o entendimento das professoras quanto à necessidade de flexibilização curricular, algumas das falas acima sugerem que ainda há dúvidas quanto ao que pode ou deve ser feito em relação às diferentes aprendizagens dos estudantes com deficiência. Pode-se dizer que o currículo realmente não acontecerá na prática igual ao que está na teoria, como coloca a professora Magda. Justamente essa diferença entre o que está no papel e o que acontece na prática revela a necessidade de que ele seja flexível. Pela análise das falas, também é possível dizer que ainda não há um consenso entre os objetivos da inclusão de crianças com deficiência nas escolas regulares, sendo que alguns pensamentos ainda pendem para a socialização como um dos únicos pontos positivos a serem alcançados por meio da inclusão. Numa outra perspectiva, a professora Berenice aponta uma mudança de pensamento desde o início da escolarização de crianças com deficiência para os dias de hoje, indicando, em outras palavras, que o planejamento para o ensino das crianças com deficiência deve pensar no desenvolvimento global destes estudantes. Num comparativo entre as falas referentes ao período inicial das trajetórias e as falas dos dias atuais, pode-se perceber que houve um melhor entendimento sobre o que significa a flexibilização curricular. Verifica-se a compreensão de que não é, como exemplo, apenas trocar a atividade de recorte para picote, ou reduzir a quantidade de exercícios, remetendo-se à fala da professora Magda. Também há a percepção de que a aprendizagem dos estudantes com deficiência precisa ser olhada e planejada, igualmente à aprendizagem dos demais, e que o objetivo da educação das crianças com deficiência não pode se resumir somente à socialização, retomando a fala da professora Berenice. Importante também refletir sobre a possível relação da dificuldade de flexibilização curricular enfrentada pelos professores com o conceito de capacitismo estudado. Primeiramente, é possível reafirmar que as professoras entrevistadas mudaram algumas de suas concepções e, ao longo de suas trajetórias, compreenderam que a flexibilização curricular necessita de planejamento e não se 130 resume a uma redução do currículo, assim correndo o risco de empobrecê-lo, ao invés de adaptá-lo conforme as necessidades de cada estudante. Contudo, as dificuldades em flexibilizar expressas nas falas das professoras pode revelar essa relação com a presença de concepções capacitistas no ambiente escolar, como analisado na subcategoria do capacitismo na prática. Essa possível relação remete-se às expectativas dos professores em geral de que consigam estabelecer estratégias para que todos estudantes desenvolvam as mesmas habilidades do currículo padrão. A frustração diante desta expectativa pode ter como causa a valorização do currículo padrão no decorrer da história da educação, em detrimento e inferiorização das diferentes habilidades que estes estudantes possam desenvolver. Finalizando a análise dos dados das entrevistas, além de voltar o olhar para as mudanças de concepções ao longo dessas últimas décadas, foi possível visualizar algumas mudanças ocorridas nos espaços escolares no que diz respeito ao surgimento de novas funções, como também no que se refere a conceitos e formas de pensar a prática docente. Paralelamente, foram levantados os desafios que a educação ainda tem pela frente para se tornar mais inclusiva. O olhar panorâmico sobre essa análise segue nas considerações finais. 131 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS “O horizonte não existe para nos trazer de volta à origem, mas para nos permitir medir toda a distância que temos a percorrer” (Pierre Furter apud Nóvoa, 2014, p. 171). Chego na etapa final da dissertação e olho para o percurso realizado, mais uma vez inspirada nas ideias de Nóvoa (2014), tendo em mente que a pesquisa procurou compreender a forma como o passado está inscrito na nossa experiência atual e o modo que o futuro se insinua já na história presente. Pensar num futuro com novas mudanças demanda, como discorre o autor, de vistas largas, de um pensamento que não se feche nem nas fronteiras do imediato, nem na ilusão de um futuro mais-que- perfeito. Pensando nisso, este momento possibilitou respirar fundo e recuperar o fôlego, consciente de que ainda há estrada pela frente. E isto me referindo à pesquisa, mas também ao processo de inclusão estudado. Ao analisar as trajetórias docentes de colegas de profissão foi inevitável, como já alertava Köche (2011), que houvesse a influência da visão subjetiva de mundo, da formação, dos elementos culturais e históricos, e da época em que a pesquisadora vive. Isto porque as trajetórias analisadas se cruzam com a minha própria trajetória docente, em tempos, espaços e experiências. Outro aspecto que pode ter influenciado os resultados da pesquisa é o fato de que eu trabalho atualmente com o AEE na Rede de Ensino na qual as professoras entrevistadas atuam ou atuaram, o que pode ter afetado diretamente as suas respostas, como também a minha própria condução das entrevistas e interpretação dos resultados obtidos. A pesquisa de campo, a análise das trajetórias docentes, representa o olhar crítico para a minha própria história, pois vivi as mesmas mudanças e senti os mesmos anseios que minhas colegas, cada uma de nós influenciada de forma singular pelas suas experiências subjetivas. A possibilidade de olhar para o passado, compreender melhor o contexto em que os fatos aconteceram e suas causas, além de indicar novos caminhos a percorrer nesse processo, foram os principais resultados da pesquisa realizada. A pesquisa teórica e a pesquisa de campo possibilitaram responder ao problema de pesquisa, ou seja, compreender melhor como ocorreu o processo de 132 inclusão escolar de estudantes com deficiência, a partir de trajetórias docentes em classes comuns dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Além disso, foi possível compreender as crenças que envolvem a deficiência e que ainda influenciam as relações com a deficiência no âmbito social e escolar. Acima de tudo, foi possível perceber qual o meu lugar de fala em relação à deficiência, retomando Lopes, Solvalagem e Busse (2020, p. 139), ao reconhecerem que “produzir de forma justa é confrontar e reivindicar por via do privilégio a derrubada das estruturas opressoras de desigualdade e violência”. No caso específico da educação, não há como reservarmos para os estudantes _ seres em formação _ a luta contra o capacitismo estruturado na sociedade e nas escolas, do qual são vítimas, sobretudo pensando em crianças com deficiência, ainda mais vulneráveis. Penso que é de responsabilidade dos profissionais da educação a consciência de sua posição e que, por meio desta, contribuam para não disseminar essa violência discriminatória. A pesquisa de campo se constituiu com 06 entrevistas, com duração de mais ou menos 1 hora e meia, com professoras de classes comuns dos anos iniciais do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul-RS, com 20 anos ou mais de experiência docente. Destas 06 professoras, 04 já estavam aposentadas, mas 02 destas ainda exercendo a docência numa segunda matrícula na mesma Rede de Ensino. Seguindo a técnica metodológica bola de neve apresentada por Vinuto (2014), não foi necessário atingir o número de 10 entrevistas, número máximo previsto, pois com as 06 entrevistas realizadas já se obteve muita riqueza de conteúdo para a posterior análise, além de que foi percebido que as falas das professoras se assemelhavam uma com as outras. No geral, as professoras sentiram-se à vontade em participar da entrevista, demonstrando apreço em poderem relatar as suas experiências e anseios diante do processo de escolarização e inclusão de crianças com deficiência, tanto ao se referirem ao tempo passado como ao tempo presente. No entanto, houve certo desconforto por parte de todas as entrevistadas no momento em que foram instigadas a posicionarem-se sobre o que pensam da inclusão nos dias atuais. Nesta etapa da entrevista, a grande maioria pediu para desligar o gravador, perguntando se poderiam falar o que pensam e se isso não prejudicaria a pesquisa. Foi necessário retomar os objetivos da pesquisa, sem intuito de julgamento. Após isso, as entrevistadas sentiram-se mais à vontade em compartilhar seus anseios e dificuldades frente a inclusão de crianças com deficiência em suas turmas. Diante desta questão, iniciaram 133 as suas falas dizendo: “vou ser sincera”, “vou falar bem a verdade”, “vou dizer o que penso mesmo”. Esta atenção com o que pode ou deve ser dito, ou com o que não pode e não deve ser dito revela uma preocupação ética, mas também a consciência de que há divergências entre a realidade que se apresentou no processo de escolarização e inclusão das crianças com deficiência e os pensamentos, ideias e crenças das professoras. Pode também estar revelando que as dificuldades enfrentadas e relatadas pelas professoras as impedem de conceberem a inclusão como possível para todos os estudantes, visto que há muitos fatores para a inclusão ocorrer verdadeiramente que escapam das competências somente dos professores. Os Estudos da Deficiência foram o principal suporte teórico para a análise das trajetórias docentes, com o objetivo de identificar as suas contribuições para o processo de inclusão escolar. Conhecer os modelos de pensamento sobre a deficiência _ médico e social _, além de apontar as perspectivas feministas do modelo social da deficiência, possibilitou analisar elementos desses modelos no âmbito da escola que influenciam as práticas e as relações no cotidiano escolar. Ouvindo os relatos das professoras, foi possível perceber que o discurso médico ainda está muito presente dentro das escolas. A preocupação constante em buscar diagnósticos médicos e respostas para as dificuldades de aprendizagens faz com que o foco na busca de estratégias de ensino perca espaço, não somente nos discursos, mas principalmente na prática. É importante que se avance nessa discussão, percebendo que diagnósticos médicos acabam enquadrando o estudante numa categoria de deficiência, como se esta identificasse todas as habilidades ou dificuldades de determinado estudante. Fica esquecido, dessa forma, as particularidades de cada sujeito que, com ou sem deficiência, é único. Conhecer antecipadamente aspectos clínicos do CID foi apontado como sendo fundamental para conseguir atender os estudantes em sala de aula. O que me leva a perguntar: o contato direto com os estudantes sem deficiência não é o que faz com que nós professores possamos conhecer as características de cada um deles? E, por meio das observações no início de cada ano letivo, estabelecer novas metas de aprendizagens correspondentes às habilidades já desenvolvidas por eles? Assim, partindo dessas habilidades, avançar no seu processo de aprendizagem? Por que com os estudantes com deficiência seria diferente? Pensar num CID de forma isolada sem conhecer o estudante nos traz respostas sobre o que trabalhar e quais estratégias estabelecer para possibilitar o desenvolvimento deste estudante em específico? 134 Um dos caminhos para debater essas questões é a formação continuada dos profissionais da educação, que possibilita aos professores buscarem o conhecimento necessário, refletirem sobre os aspectos que dão certo e os que demandam aprimoramento e, assim, tornar viável uma mudança de pensamentos, a fim de que seja possível encontrar um caminho que favoreça a inclusão efetiva no que compete a eles. Nas entrevistas, a ausência de formação, cursos, palestras foi problematizado pelas professoras, que demonstram insatisfação com a falta dessa oferta. Reconhecem que seria necessário mais conhecimento sobre o assunto para melhor desempenharem as suas funções. Pensando nas mudanças necessárias para a inclusão, a pesquisa teve como objetivo situar a escola como um espaço de reprodução ou transformação em que a cultura demarca possibilidades de mudança no que tange a educação inclusiva. Levando em consideração que há poucas décadas atrás era comum crianças com deficiência frequentarem as escolas especiais, algumas falas das professoras expressaram essa ideia de que, na época, não se pensava sobre a educação das crianças com deficiência, tomando como normal elas frequentarem espaços segregados. A partir da escolarização e inclusão de crianças com deficiência na rede regular de ensino, houve movimentos que geraram uma desestabilização e mudanças na escola. Porém esse processo de mudança não ocorre de um dia para o outro. As mudanças vão remodelando uma nova estrutura social gradativamente, como se percebe nas falas das professoras, que passaram a entender como possível crianças com deficiência frequentarem os mesmos espaços que as demais. A partir dessas mudanças, a perspectiva social da deficiência vai surgindo nas escolas, como se vê pelas falas de algumas professoras entrevistadas, tirando o foco da deficiência do estudante e preocupando-se mais com as estratégias e com o que ensinar. Outro fator histórico e que ainda influencia as relações dentro da escola é o capacitimo. Embora não tenha sido nomeado nas falas das professoras, o que indica que este termo ainda não é usual e disseminado nas escolas, as professoras reconhecem que ainda existe discriminação. Mesmo inconsciente, as ideias capacitistas estão muito presentes no discurso e nas práticas escolares. O currículo padrão organizado de forma a atender turmas homogêneas não é compatível com o contexto da diversidade, onde se respeitam as individualidades, suas diferentes aprendizagens e formas de aprender. Por mais que as professoras expressem a 135 consciência da necessidade de flexibilização curricular, ao mesmo tempo elas expressam a frustração perante a expectativa relacionada à aprendizagem dos estudantes com deficiência, que não correspondem ao currículo padrão, este valorizado pela sociedade e pelas escolas, o que gera a inferiorização, consciente ou não, das diferentes maneiras de aprender. Os relatos das professoras possibilitaram analisar as suas trajetórias docentes em classes comuns dos anos iniciais do Ensino Fundamental, direcionando um olhar a mudanças ocorridas desde a perspectiva da educação inclusiva. Foi possível compreender que uma educação inclusiva não é um processo pronto, mas sim em desenvolvimento, como um processo constante de movimento e transformação. A educação inclusiva apresenta avanços, como o aumento do número de matrículas de crianças com deficiência na rede regular de ensino e a permanência dessas crianças concluindo o Ensino Fundamental. A participação da equipe gestora nesse processo é fundamental, considerando sua posição de liderança do corpo docente. A esta acrescenta-se a função de coordenação pedagógica, que facilita e enriquece o planejamento pedagógico. As propostas do AEE vêm ao encontro das políticas públicas de inclusão, oferecendo suporte e recursos para o ensino dos estudantes com deficiência e complementação curricular para os estudantes com AH/Supertodação. Conquanto esta pesquisa tenha possibilitado compreender o processo de escolarização e inclusão de crianças com deficiência, durante o decorrer dos estudos surgiram novos questionamentos que não puderam ser aprofundados, por não serem foco do estudo ou por não terem emergido durante as entrevistas. Na pesquisa teórica, foi dada ênfase ao tema atual _ interseccionalidade dos marcadores sociais das diferenças, porém este aspecto não apareceu de forma significativa durante a pesquisa de campo, a não ser quando comentado acerca da falta de oportunidades e atendimentos extracurriculares de crianças em situação de vulnerabilidade social, o que prejudica o seu desenvolvimento. A invisibilidade deste tema demonstra o quanto ainda precisa ser aprofundado, compreendido e assimilado. Considerando os marcadores sociais da diferença que, articulados, podem potencializar a desigualdade social, torna-se fundamental pensar sobre essa questão no âmbito escolar _ espaço onde as diferenças se encontram. Oferecer as mesmas oportunidades e das mesmas formas para todos os estudantes acaba por ser um mecanismo de exclusão e desigualdade, pois nem todos os estudantes se encontram 136 na mesma posição social, considerando a sua constituição como sujeito, dependendo de sua etnia, classe econômica, gênero, religião. Uma das formas apontada na pesquisa teórica para oferecer acesso às mesmas oportunidades por parte de todos os estudantes é o Desenho Universal da Aprendizagem, pois busca planejar e estabelecer estratégias a fim de superar os desafios enfrentados na escola que ainda representam barreiras para a inclusão. O conceito do DUA não foi aprofundado na pesquisa teórica. Também não foi mencionado pelas professoras durante as entrevistas, o que sugere que esse conceito não é difundido nos espaços escolares. Dada à sua relevância, abre campo para uma pesquisa mais afinada que esteja relacionada ao planejamento de estratégias em prol da inclusão escolar de todos os estudantes. Como mencionado, a equipe gestora aparece na pesquisa teórica com papel importante para a inclusão escolar, que pode contribuir com o trabalho docente por meio de sua posição de liderança, dependendo de suas concepções em relação à deficiência. Corroborando os aspectos teóricos, as falas das entrevistadas reforçam a relevância das funções desses profissionais. Por ser mais um caminho para promover a inclusão escolar, também pode ser foco de futuras pesquisas, juntamente a pesquisas que abordem o AEE como apoio indispensável às demandas da inclusão que vão além da sala de aula. A cuidadoria escolar tem um grande potencial para novas pesquisas, primeiramente por ser uma função relativamente nova dentro das escolas. A pesquisa teórica abordou o aspecto do cuidado, mas não intensificou o estudo referente à cuidadoria escolar. Como função que faz parte da rede de apoio aos professores de classes comuns, foi uma das questões bastante desenvolvida nas entrevistas. Na análise dos dados, percebeu-se uma forte preocupação em relação à formação e à função destes profissionais. Por esses motivos, o serviço de cuidadoria escolar suscita pesquisas que aprofundem o olhar sobre essa temática, indicativa de muitos desafios presentes e futuros, como revelado nas falas das professoras. A pesquisa teve como foco a escolarização e inclusão de crianças com deficiência, mas é importante lembrar que estudantes com Altas Habilidades/Superdotação também são público do AEE e, como tal, demandam um olhar atento diante de suas necessidades específicas como, por exemplo, a complementação curricular. Como consta na apresentação da Rede de Ensino de Caxias do Sul, estas crianças representam 1,8% dos estudantes atendidos nas Salas 137 de Recursos da Rede Municipal de Ensino e, em quantidade, são 17 estudantes identificados com Altas Habilidades/Superdotação, dentro de um contexto de quase 45.000 estudantes matriculados no início do ano letivo de 2023. Segundo dados da OMS, a estimativa seria de 5% de pessoas com AH/Superdotação em qualquer população41. A contradição entre os dados pode revelar que estas crianças ainda não estão sendo identificadas dentro das escolas, levando em consideração a grande demanda já existente em relação ao atendimento dos estudantes com deficiência, como comentado pelas professoras. Justamente por esse motivo, pesquisas voltadas a esta temática tornam-se muito relevantes. Chegando nas últimas linhas da dissertação, volto a dizer que a escolarização e inclusão escolar de crianças com deficiência representa uma mudança cultural expressiva num contexto histórico de exclusão e discriminação. Como processo, está em constante transformação, avançando em algumas questões, mas ainda apresentando barreiras a serem transpostas. Conhecer como ocorreu esse processo oferece a consciência sobre qual contexto histórico e social viemos, onde estamos e em que direção podemos seguir, a fim de tornar as escolas mais inclusivas. Sobretudo, conhecer o nosso papel e posição como professores é o que faz com essa pesquisa seja finalizada com a certeza de que podemos fazer a diferença nesse processo. 41Início da Nota. (Disponível em: . Acesso em: 1º set. 2023). Fim da Nota. 138 REFERÊNCIAS AINSCOW, Mel. Comprendiendo el Desarrollo de Escuelas Inclusivas: notas y referencias bibliográficas. Recuperado el, v. 10, 2001. ANGELUCCI, Carla Biancha; SANTOS, Luciana Stoppa dos; PEDOTT, Larissa Gomes Ornelas. Conhecer é transformar: notas sobre a produção implicada de modos anticapacitistas de habitar a universidade. In: GESSER, Marivete; MELLO, Anahí Guedes de; BLOCK, Pâmela. Estudos da deficiência: interseccionalidade, anticapacitismo e emancipação social. Curitiba: CRV, p. 55-72, 2020. ARIÈS, Philippe. 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Acesso em: 11 jan. 2023. 149 APÊNDICE A _ TERMO DE ANUÊNCIA INSTITUCIONAL (TAI) 150 APÊNDICE B _ TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Prezado(a) professor(a), Venho convidá-lo(a) a participar da pesquisa, vinculada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Linha de Pesquisa em Processos Educacionais, Linguagem, Tecnologia e Inclusão e financiada pela CAPES. A pesquisa é intitulada “Possibilidades para a cultura escolar inclusiva: análise de trajetórias docentes sob a perspectiva dos Estudos da Deficiência”, desenvolvida por mim, Aline Marques Copetti, sob orientação da Professora Doutora Cláudia Alquati Bisol. O objetivo da pesquisa é analisar o desenvolvimento da cultura escolar inclusiva a partir de trajetórias docentes em classes comuns dos anos iniciais do ensino fundamental. 1. Participantes da Pesquisa: Serão convidados(as) a participar até 10 professores(as) que atuam como docentes, nos referidos anos do ensino fundamental, há 20 anos ou mais. Não serão convidados(as) professores(as) que atuam ou atuaram como professores(as) do AEE ou classe especial. 2. Envolvimento na pesquisa: Você está sendo convidado(a) a participar de uma entrevista sobre suas trajetórias docentes. As entrevistas serão gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas na íntegra. Estima-se duração de cerca de 1 (uma) hora para a realização da entrevista. Você receberá esclarecimentos sobre a pesquisa em qualquer aspecto que desejar. Sinta-se livre para recusar e interromper a sua participação ou solicitar o acesso a esse registro de consentimento a qualquer momento. Sua participação é voluntária e a recusa em participar da pesquisa não acarretará qualquer penalidade. 3. Procedimentos: Como instrumento será utilizada uma entrevista planejada num roteiro de perguntas semiestruturadas, a ser realizada na escola em que você atua, conforme sua disponibilidade de horário. Caso o/a entrevistado(a) não esteja mais atuando, a entrevista ocorrerá, sob sua concordância, na sua residência. O material produzido ficará sob a guarda da pesquisadora responsável pelo período de cinco anos e, após esse prazo, será totalmente destruído/apagado/inutilizado. 151 4. Riscos e desconforto: A participação na pesquisa não traz complicações legais. A pesquisa oferece riscos mínimos à integridade física, psíquica e moral dos participantes, semelhante a um dia normal. No entanto, poderá haver algum desconforto ou constrangimento em responder alguma pergunta e você terá total liberdade para não responder a qualquer pergunta que o/a faça se sentir desconfortável. 5. Benefícios: Mesmo que não haja benefícios diretos em sua participação, indiretamente você estará contribuindo para a compreensão do fenômeno estudado e para a produção de conhecimento científico. Dessa forma, esta pesquisa poderá auxiliar na compreensão sobre o desenvolvimento da cultura escolar inclusiva. 6. Pagamento: A participação na pesquisa é voluntária e não gerará nenhum tipo de pagamento. Além disso, não haverá nenhum tipo de despesa para participar da pesquisa. 7. Confidencialidade: As informações obtidas no decorrer da pesquisa serão utilizadas somente com a finalidade científica. Os dados da pesquisa poderão ser vistos exclusivamente pela pesquisadora e sua orientadora. Na publicação dos resultados da pesquisa, a identidade dos(as) participantes será mantida em sigilo e todas as informações que possam identificar os/as participantes serão omitidas. 8. Dúvidas e esclarecimentos: A pesquisadora compromete-se a esclarecer qualquer dúvida que o/a participante possa ter no momento da pesquisa ou posteriormente, por meio do telefone (54) 9.9912.4804 ou por e-mail: amcopett@ucs.br. 9. Comitê de Ética: Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Caxias do Sul (CEP/ UCS), colegiado interdisciplinar e independente, criado para aprovar ética e cientificamente as pesquisas envolvendo seres humanos, bem como acompanhar e contribuir com o seu desenvolvimento. O CEP/UCS pode ser contatado na Universidade de Caxias do Sul (UCS), Cidade Universitária, Bloco M, sala 306, telefone: (54) 3218-2829, e-mail: cep_ucs@ucs.br. Atenciosamente, _______________________ Aline Marques Copetti Mestranda do PPGEdu-UCS 152 CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Tendo em vista as informações apresentadas, eu, ____________________________, aceito o convite para participar de forma voluntária da pesquisa acima. Declaro que fui informado(a) do objetivo do estudo de forma clara e esclareci minhas dúvidas. Informo também que recebi uma via deste termo de consentimento livre e esclarecido. Caxias do Sul, _____ de ____________________ de ____________. ____________________________ Nome do(a) participante 153 APÊNDICE C _ ROTEIRO DA ENTREVISTA Quadro 6 _ Roteiro da entrevista ROTEIRO DA ENTREVISTA Dados iniciais Sexo: Idade: Curso de graduação: Pós-graduação: Tempo de atuação em classe comum: Em que turma atua no momento: Outros locais em que já atuou: Eixo Perguntas norteadoras Pontos a serem explorados  Quando foi?  Onde estavam? As matrículas? No início da sua  Pensava sobre as crianças com deficiência trajetória docente, as na época? Início da trajetória crianças com deficiência  Teve alguma experiência com alguma docente estavam em sala de criança com deficiência na época? E como aula comum? Como foi? era?  Como era o contexto familiar desta criança? (condições econômicas, participação da família na vida escolar...)  Sala de Recursos na escola?  Uma professora de AEE na escola?  Os primeiros alunos com deficiência em uma turma sua? O início da educação  Houve alguma formação para trabalhar com especial na Quando e como, na sua essas crianças? perspectiva da percepção, este cenário  Mudou algo na escola como um todo? educação inclusiva foi mudando? (estrutura? recursos? equipe gestora?).  Como era a estrutura da escola em outros aspectos como: ginásio, pátio, espaços das salas de aulas, refeitório, biblioteca, acesso...)?  Estruturas das escolas? O que mudou na estrutura geral da escola? Quais melhorias E hoje, como está a foram feitas? inclusão dessas  Recursos? Apoio (AEE e cuidadoria)? Hoje crianças na sala de aula Equipe gestora? comum?  Currículo? Flexibilização e adaptações curriculares?  Formação e atuação docente? Questões finais integradoras 154 Considerando a sua trajetória docente, e a questão dos alunos com deficiência, como você se sente hoje? Algo mudou em você? Na sua prática pedagógica? Qual sua percepção e expectativas em relação a esses estudantes? Quais os maiores desafios para a inclusão dos alunos com deficiência na sala de aula comum que você percebe atualmente? O que você considera fundamental para que a inclusão ocorra de forma efetiva? O que você considera como barreiras para que a inclusão ocorra de forma mais efetiva? (estrutura, práticas, planejamento, recursos ...). Fonte: Elaborado pela autora.