Cantos religiosos de senegaleses murides : escrita, leitura, poética vocal e performance
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Data
2018-11-27Autor
Rossa, Juliana
Orientador
Santos, Rafael José dos
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Mostrar registro completoResumo
O cenário das religiões no mundo revela-se complexo e singular devido às diferentes formas como são expressas suas práticas. Existem maneiras diversificadas de pertencimento religioso, inclusive em religiões monoteístas tradicionais como o Islã. É o caso do Muridismo, uma confraria Sufi originada no Senegal, fundada pelo líder Cheikh Ahmadou Bamba (1853-1927). Esse líder escreveu, em árabe, grande volume de poemas religiosos de louvor a Allah, denominados khassidas – gênero pré-islâmico de poesia oral –, cujas letras são entoadas principalmente em grupo (kurel). Diante do contexto migratório contemporâneo dos senegaleses pelo mundo – marcado especialmente nesta década para o Brasil, principalmente para o Rio Grande do Sul e para Caxias do Sul, em particular –, essas práticas religiosas ganham destaque na esfera da diáspora. Partindo desse quadro, este estudo investiga a poética vocal desses cantos religiosos por meio das teorias de Paul Zumthor (1997; 2007), que sugere a interpretação do texto além de dicotomias obsoletas, propondo que se ultrapasse a ordem informativa do discurso, dando-se relevância a valores, ao prazer que transcende o que está escrito. Nesse sentido, esta tese tem como objetivo interpretar as relações de escrita, leitura, vocalidade e performance nos cantos religiosos murides. O trabalho apresenta uma contextualização histórica, social e econômica sobre a imigração senegalesa, levando-se em conta que o senegalês é um transmigrante, mantendo conexões com o território de partida e de chegada, sendo a religião uma das formas de expressão dessa ligação. O percurso etnográfico com a comunidade muride revelou a importância dos preceitos religiosos para seus praticantes, tendo nas khassidas uma ferramenta de manutenção de suas crenças, fenômeno que foi melhor compreendido após uma viagem ao Senegal, onde foi possível acompanhar, entre outros aspectos, a ligação dos murides com a religião desde a infância, o zelo que eles apresentam com os originais dos poemas religiosos, bem como sua disseminação massiva por meio das publicações impressas e do consumo dos poemas cantados por meio digitais. As khassidas, quando cantadas nas manifestações religiosas, demonstram o poder da poética vocal e da performance, evidenciando sua sacralidade. O kurel khassida possui uma estética vocal única, com especial flexibilidade timbral, uma marca da influência Sufi de ligação ao divino. Além da vocalidade, esses poemas envolvem elementos como o corpo e o cenário, reveladores de performance que, em situação de diáspora, possuem o papel de proximidade com Touba, a cidade sagrada no Senegal, possibilitando uma manutenção da identidade muride. Sob essas perspectivas, as khassidas apresentam-se como uma verbalização do divino, atualizando o baraka (benção) sônico aos murides, uma perpetuação que vai além da escrita, sem, no entanto, abandoná-la.